Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:253/07.3BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:09/16/2021
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:IRS,
CDT,
PROVA DO IMPOSTO PAGO NO ESTRANGEIRO
Sumário:I. Nos termos conjugado do disposto no art. 81.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do CIRS, existindo convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal, o contribuinte beneficia de um crédito de imposto sobre o rendimento pago no estrangeiro até esse limite;

II. Consubstancia prova do pagamento do imposto no estrangeiro a declaração das autoridades fiscais espanholas a atestar esse pagamento, ainda que da mesma conste uma gralha, lapso ou erro de escrita quanto ao ano dos rendimentos, quando essas mesmas autoridades, por despacho proferido nessa mesma declaração retificam a data dos rendimentos.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª subsecção da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública, com os demais sinais nos autos, vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou parcialmente extinta a instância, por impossibilidade superveniente da lide e quanto ao resto procedente a impugnação apresentada por G... e J..., contra o indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada relativa à liquidação de IRS, do ano de 2001.

A Recorrente, Fazenda Pública, apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:

«CONCLUSÕES
Posto tudo o que já foi dito, extrairemos as seguintes conclusões:

I - O presente recurso visa a decisão proferida no processo em referência, que julgou procedente a presente impugnação judicial, na parte em que não foi revogada pela Autoridade Tributária, e como tal, decidiu a favor dos Impugnantes pela anulação do acto impugnado, na parte não revogada. Além de, consequentemente, ter decidido pela condenação da Fazenda Pública, no pagamento de juros indemnizatórios, na parte da liquidação abrangida pela compensação efectuada, contados desde a data da compensação até à data em que vier a ser emitida a nota de crédito. Por último, condenou ainda a Fazenda Pública no pagamento de indemnização, por prestação indevida de garantia.
II - In casu, está a liquidação de IRS do exercício de 2001, no valor de € 19.165,72, que teve na sua génese, a declaração de rendimentos Mod. 3, entregue pelos Impugnantes, (doravante identificados como Recorridos) em 30/04/2002, na qual foi apurado imposto a pagar no valor indicado supra.
III - Em 30/04/2002, os Recorridos apresentaram junto da Autoridade Tributária, pedido de dedução do imposto declarado e pago em Espanha, referente ao ano de 2001.
IV - Tendo o Recorrido marido auferido rendimentos de trabalho dependente no exercício de 2001, em Espanha, veio alegar junto da Autoridade Tributária que havia sido desconsiderada a dedução do imposto pago na Espanha, com base na Convenção para evitar a dupla tributação entre Portugal e Espanha, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 6/95, de 28 de Janeiro.
V - A Autoridade Tributária solicitou, então, aos Recorridos que apresentassem documento emitido pelas autoridades espanholas relativamente aos rendimentos declarados e ao imposto sobre o rendimento pago em Espanha durante o identificado exercício.
VI - Ao não ter sido regularizada a predita liquidação, foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 32472006010..., para cobrança coerciva da dívida exequenda.
VIl - A Autoridade Tributária calculou imposto a favor dos ora Recorridos respeitante ao ano de 2005, no valor de € 1.653,05, o qual foi objecto de compensação no processo de execução fiscal identificado no ponto 10.
VIII - A meritíssima juíza decidiu anular a liquidação de IRS de 2001, na parte em que ainda não havia sido revogada, com fundamento de que a sua permanência na ordem jurídica viola o disposto na alínea a) do n° 2 do artigo 23.º da Convenção entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, aprovada e Ratificada pela Resolução da Assembleia da República n.º 6/95, de 28 de Janeiro.
IX - Tais correcções que deram azo á liquidação impugnada, afiguram-se isentas de qualquer vício ou ilegalidade intrínseca.
X - Nos termos do disposto no artigo 22°, n.º 6 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (redacção actual) quando o sujeito passivo aufira rendimentos que dêem direito a crédito de imposto por dupla tributação internacional previsto no artigo 81.º, os correspondentes rendimentos devem ser considerados pelas respectivas importâncias ilíquidas dos impostos sobre o rendimento pagos no estrangeiro.
XI - O que se trata é de fazer operar um crédito de imposto por dupla tributação internacional, para os titulares de rendimentos obtidos no estrangeiro, dedutível até á concorrência da parte da colecta de IRS proporcional a esses rendimentos líquidos e que são englobados ilíquidos do imposto pago no estrangeiro.
XII - Ora, nos termos do art.º 81° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, quando um residente em Portugal obtém rendimentos que podem ser tributados no outro estado contratante, é previsto um crédito de imposto tendente à eliminação da dupla tributação, que em regra consiste na dedução do imposto pago nesse estado, até ao limite da fracção do imposto português calculado antes da dedução, correspondente ao rendimento tributado no estrangeiro, ficando, porém, o recurso a estes mecanismos sujeito às regras das convenções sobre dupla tributação sempre que as mesmas existam.
XIII - Assim, sempre que com a apresentação da declaração de rendimentos, seja junto o referido anexo J, contendo os rendimentos obtidos no estrangeiro, susceptíveis de beneficiarem das normas internas ou convencionais sobre dupla tributação internacional, é exigido documento comprovativo do montante do rendimento, da sua natureza e do pagamento do imposto, o qual deverá ser emitido pelas autoridades fiscais do respectivo estado de onde são originários os rendimentos.
XIV - Não obstante, e independentemente da natureza e montante do imposto a pagar e respectivo comprovativo de pagamento, é imprescindível que o ano do exercício de tributação constante no documento emitido pelas autoridades fiscais espanholas coincida com o ano a que se refere o pretendido crédito de imposto, sob pena da sua legitimidade ficar irreversivelmente prejudicada.
XV - Assim, não tendo a prova sido devidamente efectuada, tornou-se impossível à Autoridade Tributária aferir da legitimidade do crédito de imposto.

XVI - Ora, a validade da liquidação ora anulada determina tout court, a invalidade do contido no decisório, no que concerne à condenação da Fazenda Pública quanto ao pagamento de juros indemnizatórios bem como quanto ao pagamento de indemnização por prestação indevida de garantia.
XVII - Assim, e face ao exposto só resta concluir que a dívida em causa será exigível em sede de execução fiscal, porquanto a liquidação de IRS que lhe deu causa deverá manter-se na ordem jurídica, porque válida.

Nestes termos, em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se, em consequência a douta sentença ora recorrida, com as legais consequências, assim se fazendo por Vossas Excelências a costumada JUSTIÇA.»

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Os Recorridos, apresentaram contra-alegações e formularam as seguintes conclusões:

«VI. CONCLUSÕES
A) Está cabalmente provado que o imposto em causa nos presentes autos se refere ao exercício de 2001;
B) A 30 de Abril de 2002, os ora Recorridos apresentaram junto da Administração Tributária portuguesa a competente declaração de rendimentos relativa ao ano de 2001, incorporando esta os anexos B (rendimentos da categoria B), H (benefícios fiscais) e l (rendimentos obtidos no estrangeiro);
C) Os rendimentos do trabalho dependente auferidos pelo 1.º Recorrido foram declarados como tal no corpo da declaração Modelo 3 e, uma vez que tinham sido auferidos no estrangeiro, igualmente no anexo l;
D) A referida declaração de rendimentos foi acompanhada de uma exposição para efeitos de reconhecimento do crédito por dupla tributação internacional a que os ora Recorridos tinham direito, ao abrigo do disposto no artigo 23.º, n.º 2, alínea a), da CEDT Portugal/Espanha, a qual incluiu comprovativos oficiais do imposto suportado em Espanha no ano de 2001;
E) Em Outubro de 2005, a Administração Tributária notificou o 1.º Recorrido para apresentar, no prazo de oito dias, «uma declaração emitida ou autenticada pela autoridade fiscal de Espanha, contendo a discriminação da natureza dos rendimentos obtidos em Espanha, bem como da natureza e dos montantes do correspondente imposto pago e dos descontos obrigatórios suportados para a segurança social, durante o ano de 2001»;
F) O 1.º Recorrido diligenciou de imediato junto das Autoridades Fiscais espanholas a obtenção da declaração solicitada, tendo, a 11 de Novembro de 2005, as Autoridades Fiscais espanholas emitido dois certificados relativos aos rendimentos e imposto pago em Espanha pelo 1.º Recorrido nos dois semestres do ano de 2001, os quais foram entregues pelos Recorridos à Administração Tributária;
G) A 9 de Abril de 2007, os Recorridos apresentaram em sede dos presentes autos novos certificados emitidos pelas Autoridades Fiscais espanholas, atestando os montantes suportados pelo 1.º Recorrido a título de imposto sobre o rendimento espanhol durante o ano de 2001, de igual conteúdo aos certificados emitidos a 11 de Novembro de 2005, mas corrigindo o lapso de escrita que naqueles constava corrigido manualmente quanto à indicação do exercício a que respeitava o imposto no valor de EUR 6.035,45 pago pelo 1.º Recorrido;
H) A Administração Tributária não cumpriu as formalidades decorrentes da LGT e do CIRS na prolação da liquidação n.º 2005 50044..., não respeitou a CEDT Portugal/Espanha ao fazer depender o reconhecimento do direito a crédito de imposto de um documento definido por si unilateralmente e sem qualquer base legal e violou o princípio do inquisitório, previsto no artigo 58.º da LGT, por não ter diligenciado de forma a confirmar oficiosamente os factos e documentos apresentados pelos Recorridos;
I) A prolação da liquidação de IRS impugnada deveu-se a erro imputável aos serviços da Administração Tributária, pelo que assiste aos Recorridos o direito à percepção de juros indemnizatórios, vencidos e vincendos, na medida em que foi efectuada uma compensação entre o IRS de 2001 alegadamente em dívida com créditos de imposto dos Recorridos, bem como direito à indemnização pelos encargos com a garantia bancária prestada para suspensão da cobrança coerciva de liquidação impugnada, tal como foi decidido por sentença do Douto Tribunal a quo.

Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas douta mente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado improcedente, tudo com as demais consequências legais, o que se requer.»

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Foram os autos a vista da Magistrada do Ministério Público que emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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A questão invocada pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objeto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em aferir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito, uma vez que a Recorrente entende ser imprescindível que o ano do exercício de tributação constante no documento emitido pelas autoridades fiscais espanholas coincida com o ano a que se refere o credito de imposto pretendido, o que não sucede no caso em apreço, e deste modo, como não foi feita essa prova não pode a AT aferir da legitimidade do imposto.

II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«DOS FACTOS
Com interesse para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

1) O impugnante marido, no ano de 2001, teve como entidade pagadora de rendimentos de trabalho dependente a sociedade E..., Lda (fls. 58, dos autos, e fls. 33, do processo administrativo - reclamação graciosa).
2) Durante o ano de 2001, o impugnante marido desempenhou funções no
âmbito da relação mencionada em 1) em Espanha (cfr. fls. 60 a 69, 71, 72, 74 e 75, dos autos, e fls. 34 a 41, do processo administrativo - reclamação graciosa).

3) O impugnante marido apresentou, junto da autoridade tributária
espanhola, declaração de imposto sobre o rendimento de não residentes,
relativa ao primeiro semestre de 2001, tendo pago um total de imposto no
valor de 3.305,57 Eur. (fls. 71, 72 e 174, dos autos, e fls. 47, 48 e 53, do processo administrativo - reclamação graciosa).

4) O impugnante marido apresentou, junto da autoridade tributária
espanhola, declaração de imposto sobre o rendimento de não residentes,
relativa ao segundo semestre de 2001, na qual foi aposta a data de término
do período abrangido como 31.12.2000, retificada a 18.04.2002, através de
informação da autoridade tributária espanhola confirmando tratar-se de
declaração relativa ao ano de 2001, tendo pago um total de imposto no
valor de 6.035,45 Eur. (fls. 74, 75 e 172, dos autos, e fls. 50 e 51, do processo administrativo - reclamação graciosa).

5) Os impugnantes apresentaram declaração modelo 3 de lRS, relativa ao ano de 2001, a 30.04.2002, tendo na mesma declarado designadamente o seguinte:
a) Campo 201 - rendimento bruto: 37.364,08 Eur.;
b) Campo 203 - retenções na fonte: 9.526,04 Eur.;
c) Campo 204 - contribuições obrigatórias para regimes de proteção
social: 3.555, 43 Eur.;

d) Anexo J:

i. Campo 4 - Rendimentos obtidos no estrangeiro:
a. Trabalho dependente - montante do rendimento: 37.364,08
Eur.;

b. Trabalho dependente - imposto pago no estrangeiro: 9.341,02
Eur. (fls. 77 a 84).

6) Na sequência da declaração mencionada em 5), foi emitida a liquidação de
IRS n.° 5603815774, na qual se apurou um valor de imposto a reembolsar no
total de 9.665,38 Eur, (fls. 28, do processo administrativo - reclamação
graciosa).

7) Os impugnantes apresentaram, junto dos serviços da AT, a 30.04.2002,
pedido de dedução do imposto declarado e pago em Espanha, relativo ao
ano de 2001, em anexo ao qual juntaram cópias das declarações
mencionadas em 3) e 4) (cfr. fls. 86 a 95, dos autos, e fls. 42 a 51, do processo
administrativo - reclamação graciosa).

8) Foi enviado ao impugnante e por este recebido, ofício, pelos serviços da
AT, datado de 24.10.2005, solicitando a apresentação de documento
emitido pelas autoridades espanholas, relativamente aos rendimentos
declarados e imposto sobre o rendimento pago em Espanha durante 2001
(fls. 97, dos autos, e fls. 52, do processo administrativo - reclamação graciosa).

9) Na sequência do mencionado em 8), o impugnante apresentou
requerimentos, junto dos serviços da AT, a 02.11.2005, 16.11.2005 e
02.12.2005, requerendo prorrogação do prazo para a apresentação dos
documentos mencionados em 8) (cfr. fls. 97,103 e 105, dos autos, e fls. 52, 55 e
56, do processo administrativo - reclamação graciosa).

10) As autoridades espanholas emitiram a 11.11.2005 dois certificados, relativos às declarações mencionadas em 3) e 4), referindo, no certificado relativo ao segundo semestre, respeitar o mesmo ao ano de 2000, não considerando a retificação mencionada em 4), motivo pelo qual o impugnante reagiu junto daquelas autoridades, para efeitos de correção no sistema informático das informações relativas ao segundo semestre de 2001 (fls, 71, 72, 74, 75, 99 e 101, dos autos, e fls. 53, 54 e 62 a 65, do processo administrativo - reclamação graciosa).
11) A AT não se pronunciou sobre os requerimentos mencionados em 9).
12) Foi emitida, a 21 de dezembro de 2005, em nome dos impugnantes, a
liquidação de IRS n.° 2005 50044..., na qual consta, como rendimento
global dos impugnantes, o valor de 75.264,37 Eur, e, no tocante a juros
compensatórios, o valor 0,00 Eur., de cuja demonstração de acerto de
contas resultou um valor a pagar de 19.165,72 Eur. (fls. 110 a 112, 114 e 118 a
120, dos autos, e fls. 25 a 27 e 32, do processo administrativo - reclamação
graciosa).

13) Foi remetida, via correio postal registado, demonstração de acerto de contas, relativa à liquidação mencionada em 12), dirigida aos impugnantes, tendo a mesma sido devolvida ao remetente (fls. 32, do processo administrativo - reclamação graciosa).
14) No Serviço de Finanças de Lisboa 2, foi emitido mandado, pelo respetivo chefe de finanças, datado de 23.12.2005, com o seguinte teor:

"J..., Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 2.

Mando o Senhor J..., que visto este por mim, notifique o contribuinte G..., NiF 1..., com domicílio na Rua A..., 1200-603 Lisboa da liquidação do ano de 2001 conforme nota demonstrativa da liquidação (Doc n° 2005 13202850), bem como print de demonstração de compensação e de cujo conteúdo fica por este meio notificado.

Da liquidação efectuada poderá apresentar reclamação graciosa ou impugnação judicial, nos termos e prazos estabelecidos, respectivamente nos arts. 140° do CIRS, e 70°e 102° do C.P.P.T.

Não sendo efectuado o pagamento no prazo acima referido, haverá lugar a procedimento executivo.

Cumpra-se" (cfr. fls. 109, dos autos, e fIs. 24 e 58, do processo administrativo - reclamação graciosa).
15) Na sequência do mandado referido em 14), o funcionário J... dirigiu-se, a 29.12.2005, à morada ali mencionada, não tendo encontrado o impugnante, motivo pelo qual afixou na mesma aviso, designado de "notificação com hora certa - aviso", e indicando como momento para proceder à notificação o dia 30 de dezembro de 2005, às 09h00 (fls. 108 e 124, dos autos, e fls. 31 e 59, do processo administrativo -reclamação graciosa).
16) Na sequência do referido em 15), foi emitido, pelos serviços da AT, documento designado de "verificação da notificação com hora certa", datado de 30 de dezembro de 2005, na qual se indicou não ter sido encontrado o impugnante ou qualquer outra pessoa na morada em causa, tendo-se procedido à afixação na porta da nota onde constava o objeto da notificação, documento esse assinado pelo funcionário J... e pela testemunha J... (fls. 107 e 123, dos autos, e fls. 30 e 57, do processo administrativo - reclamação graciosa).
17) Foi remetido, pelos serviços do AT, ofício, dirigido ao impugnante, datado de 04.01.2006, do qual consta designadamente o seguinte:


«Imagem no original»
“…

..." (fls. 116, dos autos, e fls. 23, do processo administrativo - reclamação graciosa).

18) Foi instaurado, contra o impugnante, o processo de execução fiscal (PEF) n.° 32472006010..., no serviço de finanças (SF) de Lisboa 2, respeitando a dívida exequenda à liquidação mencionada em 12) (cfr. fls. 126).

19) Os impugnantes apresentaram reclamação graciosa, tendo por objeto a liquidação mencionada em 12), através de documento, que deu entrada, a 28.04.2006, no SF de Lisboa 2, que não obteve decisão pelos serviços da AT, até à data da propositura da presente impugnação (cfr. fls. 128 a 148, dos autos, e fls. 2 a 22, do processo administrativo - reclamação graciosa).

20) Foi calculado, pela AT, a favor dos impugnantes, imposto sobre o rendimento a reembolsar, relativo ao ano de 2005, no valor de 1.653,05 Eur. (cfr. fls. 150).

21) O valor mencionado em 20) foi objeto de compensação, a 02.09.2006, no PEF mencionado em 18), abrangendo parte do valor da liquidação que constituía dívida exequenda (cfr. fls. 152).

22) Foi prestada, a 19.07.2007, pelos impugnantes, perante a C..., garantia bancária n.° 0137.00....593, no valor de 7.082,50 Eur., para garantia da dívida exequenda a que respeita o PEF mencionado em 18) e que implicou um custo não concretamente apurado (fls. 200).

23) Por despacho de 16.05.2007, da chefe de divisão de justiça contenciosa da direção de finanças de Lisboa, foi revogada a liquidação mencionada em 12), na parte em que excede o valor de rendimento de 37.900,29 Eur., por ter sido considerado em duplicado o rendimento obtido em Espanha (cfr. fls. 192, dos autos, e fls. 186, do processo administrativo).


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Não existem factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa.

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MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

A convicção do tribunal, no que respeita aos factos provados, assentou na prova documental junta aos autos, conforme indicado em cada um desses factos.

Quanto aos factos 3) e 4), é de salientar que as declarações apresentadas pelos impugnantes, em sede administrativa, desde logo tinham indicado o valor de imposto pago em Espanha. Não obstante a retificação na declaração relativa ao segundo semestre de 2001, não decorre que a mesma tenha sido posta em causa, No entanto, como resulta dos documentos juntos a fls. 172 a 174, dos autos, emitidos pela AT espanhola, resultou confirmado o que constava das declarações fiscais em causa, em termos de imposto efetivarnente pago e de exercício ao qual o mesmo respeita.

No tocante aos factos 11) e 19) (este último na parte relativa à falta de decisão expressa concernente à reclamação graciosa apresentada), trata-se de factos alegados pelos impugnantes, não postos em causa pela AT, nada constando a este respeito no processo administrativo.

Quanto aos factos 15) e 16), para além dos elementos documentais já referidos, a convicção do Tribunal fundou-se na própria posição dos impugnantes, que, na sua petição inicial, assumem ter estado ausentes da sua residência entre 26.12.2005 e 01.01.2006, tendo sido confrontados com o auto de "notificação com hora certa" afixado na sua porta (cfr. art.° 36.°, da petição inicial).

Quanto ao facto 22), resulta das regras da experiência que a prestação das referidas garantias tem associados custos, não tendo sido, no entanto, os mesmos concretamente apurados.»


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Conforme resulta dos autos, a Meritíssima Juíza do TT de Lisboa julgou parcialmente extinta a instância (na parte em que a liquidação foi revogada), e no demais, julgou procedente a impugnação, anulando-a e condenando a Fazenda Pública ao pagamento de juros indemnizatórios, e ao pagamento de indemnização por prestação indevida de garantia.

Na parte em que se julgou a impugnação procedente entendeu-se na sentença recorrida, em síntese, que resultou provado que o Impugnante marido obteve os rendimentos em Espanha, pelos quais pagou imposto nesse Estado, tendo sido demonstrado corresponder à verdade o por si declarado na declaração de rendimentos modelo 3, mencionada em 5) do probatório, e, por conseguinte, conclui-se que se encontra violado o disposto no art. 23.º, n.º 2, alínea a) da CDT Portugal/Espanha.

A Recorrente Fazenda Pública não se conforma com o decidido invocando erro de julgamento porquanto entende ser imprescindível que o ano do exercício de tributação constante no documento emitido pelas autoridades fiscais espanholas coincida com o ano a que se refere o credito de imposto pretendido, o que no seu entender não sucede no caso em apreço, e deste modo, como não foi feita essa prova não pode a AT aferir da legitimidade do imposto.

Ou seja, a Recorrente Fazenda Pública entende que os Impugnantes não podem beneficiar do crédito de imposto nos termos do disposto no art. 81.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, e nos termos do art. 23.º, n.º 2, alínea a) da CDT Portugal/Espanha, porque o documento comprovativo de pagamento de imposto em Espanha emitido pelas autoridades fiscais espanholas que foi junto pelo Impugnante (documento n.º 9 junto à p.i.) faz referência ao ano de 2000, e por essa razão, não foi efetuada a prova necessária e daí a AT ter atuado de acordo com a lei.

Contudo, sem razão, porque a prova foi efetivamente efetuada, e logo no momento da apresentação da declaração de IRS de 2001 e respetivo anexo J.

Efetivamente, resultou provado nos autos que o Impugnante marido auferiu em Espanha, durante o ano de 2001, rendimentos pagos pela sua entidade patronal, relativamente aos quais pagou imposto sobre o rendimento nesse Estado (cf. pontos 1 a 4 dos factos assentes).

Por outro lado, os Impugnantes apresentaram a declaração modelo 3 de IRS, relativa ao ano de 2001, dentro do prazo legal, com o necessário anexo J), no qual declararam os rendimentos auferidos pelo Impugnante marido em Espanha, bem como o respetivo imposto pago nesse Estado (cf. ponto 5 da matéria de facto), e na mesma data em que apresentaram a declaração de IRS requereram aos serviços da AT, requereram a dedução do imposto declarado e pago em Espanha referente aos rendimentos de 2001 (cf. ponto 7 da matéria de facto) e juntaram cópias das declarações referidas nos pontos 3) e 4) dos factos assentes.

Portanto, resulta efetivamente provado, desde a data da apresentação da declaração de IRS e respetivo anexo J (cf. ponto 4 dos factos assentes) os requisitos legais e convencionais aplicáveis, nomeadamente, os do art. 81.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do CIRS e nos termos do art. 23.º, n.º 2, alínea a) da CDT Portugal/Espanha.

Na verdade, não há qualquer dúvida que o imposto pago em Espanha e que foi declarado no anexo J, diz respeito ao ano de 2001, e não ao de 2000, porque resulta do documento n.º 2 junto a p.i. a fls. 94 dos autos (apresentado à AT na mesma data da apresentação da declaração de IRS) que as próprias autoridades espanholas reconhecem que a referência ao ano de 2000 (referência efetuada através da antiga “maquina de escrever” ou máquina datilográfica) é uma gralha lapso ou erro de escrita, consubstanciado na errónea indicação da data, pois foi proferido despacho manuscrito nessa declaração emitida em 16/01/2002, apondo-se carimbo e assinatura do responsável, pelo qual as autoridades fiscais espanholas atestam que o rendimento declarado nessa declaração diz respeito a 2001.

Ou seja, já na declaração de 2002, emitida pelas autoridades espanholas, constava uma gralha, lapso ou erro de escrita, mas que foi nessa mesma data reconhecido, corrigindo-se por meio de despacho devidamente assinado e carimbado, pelo que essa declaração prova cabalmente que a declaração de rendimentos se refere a 2001.

Em suma, resulta dos factos assentes que à data da apresentação do anexo J encontravam-se devidamente comprovados pelos Impugnante os reunidos os requisitos para o Impugnante beneficiar do crédito de imposto previsto no art. 81.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do CIRS.

É que ao contrário do que questiona a Recorrente Fazenda Pública, o documento n.º 9 junto à p.i., a fls. 101 dos autos (certificado emitido pelas autoridades espanholas) datado de 11/11/2005, apesar de referirem que o ano de rendimento é 2000, foi substituído por um outro, emitido pelas mesmas autoridades espanholas, com a mesma data (11/11/2005), mas já retificado, constando do mesmo já não o ano de 2000, mas o ano de 2001. Ou seja, considerando que a veracidade dos certificados não foi colocada em causa, a única conclusão que se pode retirar é que os factos alegados pela Impugnante são verdadeiros, o 1.ª certificado contém uma gralha, lapso ou erro de escrita que foi devidamente corrigido, é manifesto que os rendimentos dizem respeito a 2001. Portanto, tal certificado com a menção do ano 2000, que foi posteriormente retificado, em nada belisca a comprovação já efetuada pelos Impugnante à data da apresentação da declaração de IRS e respetivo anexo J.

Por conseguinte, não se verifica qualquer erro de julgamento de facto na sentença recorrida. A Meritíssima Juíza do TT de Lisboa entendeu, e bem, que resultou provado que o Impugnante marido obteve os rendimentos em causa em Espanha, pelos quais pagou imposto nesse Estado, tendo demonstrado corresponder à verdade o por si declarado na declaração de rendimentos modelo 3, mencionada em 5) do probatório.

Em suma, encontram-se efetivamente provados os requisitos legais e convencionais aplicáveis, nomeadamente, os do art. 81.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do CIRS, e nos termos do art. 23.º, n.º 2, alínea a) da CDT Portugal/Espanha. Por conseguinte, mantendo-se a decisão de anulação da liquidação, mantem-se, de igual modo, a decisão de condenação da Fazenda Pública ao pagamento de juros indemnizatórios, bem como a decisão de condenação ao pagamento de indemnização por prestação indevida de garantia.

Pelo exposto, não assiste razão à Recorrente, improcedendo todas as conclusões de recurso, sendo de manter a sentença recorrida.

Em matéria de custas o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual paga custas a parte que lhes deu causa. vencida nesta instância a Recorrente Fazenda Pública, esta deu causa às custas do presente processo (n.º 2), e, portanto, deve ser condenada nas respetivas custas (n.º 1, 1.ª parte).

Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)

I. Nos termos conjugado do disposto no art. 81.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do CIRS, existindo convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal, o contribuinte beneficia de um crédito de imposto sobre o rendimento pago no estrangeiro até esse limite;
II. Consubstancia prova do pagamento do imposto no estrangeiro a declaração das autoridades fiscais espanholas a atestar esse pagamento, ainda que da mesma conste uma gralha, lapso ou erro de escrita quanto ao ano dos rendimentos, quando essas mesmas autoridades, por despacho proferido nessa mesma declaração retificam a data dos rendimentos.


DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção, da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença na parte recorrida.
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Custas pela Recorrente.

D.n.

Lisboa, 16 de setembro de 2021.


A Juíza Desembargadora Relatora
Cristina Flora
A Juíza Desembargadora Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Juízes Desembargadores Patrícia Manuel Pires e Susana Barreto