Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04443/11
Secção:CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:02/08/2011
Relator:JOSÉ CORREIA
Descritores:IMPUGNAÇÃO DE IRC. FACTOS TRIBUTÁRIOS DE 1997 E DE 1998. DUPLA TRIBUTAÇÃO. APLICABILIDADE DA CONVENÇÃO PARA EVITAR A DUPLA TRIBUTAÇÃO, CELEBRADA ENTRE PORTUGAL E A ESPANHA. RETENÇÕES NA FONTE A TÍTULO DEFINITIVO. ENTIDADES NÃO RESIDENTES. FALTA DE APRESENTAÇÃO DE CERTIFICADO DE RESIDÊNCIA.
Sumário:I). - É nos pressupostos fixados na Convenção da Dupla Tributação celebrada entre Portugal e a Espanha para evitar a dupla tributação que se deve operar o reconhecimento do direito à não retenção de IRC em relação a uma entidade sedeada em naquele país.
II) -De acordo com as regras da CDT, e designadamente com a regra supletiva do seu artigo 22.°, n.° 1, a tributação dos pagamentos relativos a prestação de serviços prestados pela empresa espanhola só podia/devia ter lugar em Espanha, pelo que não havia efectivamente lugar a retenção na fonte de IRC pois isso decorre da mera literalidade do citado preceito da CDT que, quanto a “Outros rendimentos” que não os indicados nos antecedentes normativos, dispõe “Os elementos do rendimento de um residente de um Estado Contratante e donde quer que provenham não tratados nos artigos anteriores desta Convenção só podem ser tributados nesse Estado.”
III). - A verificação ou inverificação daquele pressuposto substantivo assenta na prova da residência da beneficiária a qual no entanto não é elemento constitutivo do direito ao benefício, pois uma vez feita não poderá deixar de retroagir os seus efeitos à data da ocorrência dos factos tributários gerados pelo pagamento.
IV) - Isso porque o reconhecimento e funcionamento do regime mais favorável decorrente da existência de benefícios, maxime, fiscais, tem carácter meramente declarativo - art. 4° n.° 2 do EBF-, no sentido de que é implicante da demonstração dos pressupostos de que depende a atribuição da vantagem específica, independentemente, de poder ser ou não formalizada.
V) - Assim, a possibilidade de a impugnante aplicar taxa de retenção de 5 % (em vez da de 15 %), ou, eventualmente, nada reter, apenas dependia da comprovação de que a sociedade a que havia pago tais verbas, à data (1997 e 1998), tinha sede em Espanha.
VI) - Uma vez feita tal prova, ainda que pelas vias exigidas pelas autoridades tributárias portuguesas, a usufruição do benefício de aplicação da taxa mais baixa (ou nenhuma) era imediata e sem poder ser sujeita a outros condicionalismos.
VII) -Embora em momento posterior, tendo a impugnante comprovado junto da AT os pressupostos de aplicação da benesse prevista em Convenção internacional, cujo primado e valor é, constitucionalmente, estabelecido - art. 8° C.R.P.- tem-se o benefício em causa por constituído no momento em que foram pagos os rendimentos aos residentes em país estrangeiro.
VIII) -As circulares administrativas emanadas pela AT são vinculativas apenas para os respectivos serviços pois, face à lei, os procedimentos definidos, «maxime» o “direito circulado” da AF não podem derrogar o princípio da legalidade tributária.
IX) -Assim, a Circular que impunha a certificação prévia da sede da beneficiária, além de ser ilegal por falta de habilitação legal para interpretar extensivamente normas de incidência tributária, seria ilegal, por abusiva desvirtuação de norma comunitária e respectiva transposição ilegal.
X) - Nesse sentido, também a referida Circular, ao limitar a norma de incidência seria inconstitucional por violação do disposto nos art.° 165.°, n.° l, alínea i) e no art.° 103.°, n.° 2, da Constituição da República Portuguesa, ferindo o princípio da separação dos poderes, haveria a Administração Fiscal usurpado as funções do legislador.
X) - É incontroverso que só com a redacção introduzida pela Lei 32-B/2002, de 30 de Dezembro na norma do n.º 3 do art. 90º do CIRC, é que passou a ser obrigatória a prova de residência do beneficiário dos pagamentos a ser realizada até à data em que deve ser efectuada a retenção na fonte, sob pena da retenção ser feita à taxa normal.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam nesta Secção do Contencioso do Tribunal Central Administrativo Sul:

1. -A...– Betão Pronto, com os sinais identificadores dos autos, impugnou judicialmente a liquidação do IRC e juros compensatórios relativos aos exercícios de 1997 e de 1998.
O TAF de Sintra julgou a impugnação procedente.
Inconformado com tal decisão, o Ex.mo REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA interpôs o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
“I) A douta sentença padece de erro de facto e de erro de direito.
II) Antes do mais porque atende à configuração da questão a decidir tal como enunciada por parte da impugnante, que refere que as correcções em causa foram originadas pelo facto de a impugnante enquanto entidade pagadora não dispor do certificado previsto na Circular 1/72 quando da efectivação dos pagamentos, ou seja por, antes do pagamento, não ter obtido o certificado de residência em Espanha, junto das autoridades fiscais, daquele país.
III) Porém, como decorre do teor dos Relatórios de Inspecção subjacentes às correcções objecto da presente impugnação, estas correcções não foram fundamentadas na falta daquele certificado, cfr. fls. 112 a 119 e 126 a 136 do PAT .
IV) Por outro lado, consta dos relatórios referentes àquelas correcções, quer relativamente ao ano de 1997, quer relativamente ao ano de 1998, o seguinte:
"3.2. - Audição Prévia
O contribuinte exerceu o direito de audição prévia, apresentando uma exposição escrita, que deu entrada nestes serviços, no dia 30/08/02.
Na petição apresentada, o contribuinte manifesta "...a sua concordância com a interpretação que é dada à lei interna aplicável." referindo que "...de acordo com o disposto no artigo 4°, n.° 3 alínea c), n.° 7 do CIRC, os rendimentos pagos pela exponente à B...estão sujeitos a IRC em Portugal...."
Todavia no seu entender, os serviços de inspecção não tiveram em consideração as disposições decorrentes da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e Espanha, que prevalecem sobre as disposições da lei interna e que conforme refere no ponto 11 da petição, estabelece no seu artigo 7°n°1 que "os lucros de uma empresa de um Estado contratante só podem ser tributados nesse Estado."
Não podemos concordar com a interpretação veiculada pelo contribuinte, na medida em que a situação corrigida pela fiscalização, respeita à prestação de serviços de gestão efectuada por finanças uma empresa espanhola, pelo que não deverá estar sujeita às disposições aplicáveis como se de uma situação de lucros se tratasse.
Em face do exposto, mantêm-se a correcção proposta e descrita no ponto 2 da presente informação."
Cfr.fls. 116 e 117 e 131 do PAT.
V) Facto que, sendo susceptível de influir na decisão da causa, deveria ter sido levado ao probatório.
VI) Com efeito, constata-se que as correcções em causa não derivaram do facto de não ter sido apresentado o certificado previsto na Circular 1/72, contrariamente ao que pretende a impugnante, mas antes do facto de os serviços prestados pela entidade residente em Espanha, que a Administração Tributária entendeu respeitarem a serviços de gestão (de acordo com o teor da documentação de fls. 118 e 119 e fls. 135 e 136 do PAT), não sendo relativos a lucros, e não beneficiando das disposições previstas na Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e a Espanha (CDT) para o pagamento de lucros.
VII) Pelo que, não estando isenta a tributação dos rendimentos objecto de correcção nos termos da CDT (não sendo aplicável o art. 7° desta CDT), por não respeitarem a lucros, são aplicáveis à situação em causa as disposições da legislação interna invocadas pelos Serviços de Inspecção da Administração Tributária, ou seja o art. 3° n.° 4 conjugado com o art. 4° n.° 3 alínea c) n.° 7) do CIRC na redacção em vigor à data dos factos.
VIII) De facto, contrariamente ao entendido na douta sentença, é ao impugnante que invoca a aplicabilidade da CDT, que incumbia a prova de que os rendimentos que não sujeitou a retenção na fonte beneficiavam de isenção nos termos da mesma CDT.
IX) Sucede que, nem sequer indicou o impugnante, na sua PI, qual o artigo da CDT ao abrigo do qual estariam isentos de tributação em Portugal aqueles rendimentos.
X) Certo é que, ainda que se entendesse que seriam os rendimentos em causa susceptíveis de enquadramento no art. 12° da CDT, não estariam os mesmos isentos de IRC, e nunca estaria a Impugnante dispensada de efectuar a correspondente retenção na fonte, se bem que eventualmente a uma taxa inferior de 5%.
XI) A sentença recorrida, ao assim não entender, apresenta-se ilegal por desconformidade com os artigos 3.°, n.° 4°, conjugado com o artigo 4.°, n.° 3, artigo 75.° n.° 2 e n.° 3, conjugado com o artigo 69.° n.°2 alínea a) todos do CIRC na redacção em vigor à data dos factos, bem como art. 342° do CC e 74° da LGT, não merecendo por isso ser confirmada.”
Conta -alegou a recorrida concluindo assim
“1.a Ao julgar procedente a impugnação, e anular as liquidações a que esta se reportou, a douta sentença recorrida não incorreu em erro, seja de facto ou de direito.
2.a Isto em face do que se pode retirar da contestação do Representante da Fazenda Pública nos autos contestação apresentada (entendida esta, como tem de ser, pelo complexo formado pela Informação de 10-09-2003 da Inspectora Tributária Principal, pelo Parecer de 25-09-2003 da Chefe da Divisão de Justiça Contenciosa da Direcção de Finanças de Lisboa e, finalmente, pelo Despacho de 29-09-2003 que recaiu sobre aquela Informação e o dito Parecer, proferido pelo Director de Finanças Adjunto da referida Direcção).
3.a Com tal substracto, na douta sentença impugnada foi correctamente delimitada a questão que devia decidir e que bem decidiu.
4.a Desde logo face à conclusão que se extrai compulsando-se tal "conjunto contestatório" e, em especial, os artigos 18.° a 44.° da referida Informação de 10-09-2003,
5.a Infere-se inelutavelmente, dessa base, a conclusão de que a questão do enquadramento, neste ou naquele dos artigos da Convenção Luso-Espanhola Para Evitar A Dupla Tributação (CDT), não pode ter-se por suscitada, ou alegada a respectiva matéria, na contestação.
6.a Tal como não pode pretender-se que a correcção das liquidações desencadeada o foi com a justificação, não da inaplicabilidade genérica da CDT, mas antes de que esta não abarcava as quantias respeitantes à prestação de serviços de gestão, e estas serem as em causa, não podendo estar sujeitas a disposições da CDT referentes a lucros.
7.a É intempestiva essa alegação agora feita pela Fazenda Pública, nas suas doutas alegações.
8.a Perante os artigos 18.° a 44.° da referida Informação de 10-09-2003, bem andou a Meritíssima Juiz "a quo" ao fazer a delimitação da matéria de controvérsia, e a decidir, nestes autos.
9.a Os recursos não se destinam a fazer apreciar questões novas, mas antes a fazer incidir a apreciação dos tribunais superiores sobre as questões decididas a que os recursos respeitam.
10.a O que havia a decidir era apenas se a Recorrida pelos pagamentos de serviços, nos anos de 1997 e 1998, a entidade com sede em Espanha, podia não efectuar retenção na fonte, em sede de IRC, ao abrigo da Convenção para Evitar a Dupla Tributação (CDT).
11.a As liquidações impugnadas foram efectuadas, e os autos de notícia levantados, devido unicamente ao facto de não existir certificação comprovativa da residência em Espanha, para os efeitos da Convenção sobre Dupla Tributação, da B..., SA.
12.a Mesmo antes da alteração legislativa, e parcialmente retroactiva, de 2007, a prova tardia da residência da B..., SA em Espanha não precludia a aplicação do mecanismo da isenção da retenção da fonte.
13.a Quando a Administração Fiscal detectou a falta de certificado comprovativo da residência em Espanha da B..., SA deveria apenas ter confrontado a C... com a necessidade de obter o certificado que atestasse que, à data dos pagamentos questionados, a entidade recebedora era residente em Espanha e podia beneficiar da isenção de retenção na fonte decorrente da CDT.
14.a A Administração Fiscal não procedeu assim, antes tendo concluído desde logo pela irrelevância da efectiva residência da B..., SA em Espanha, por falta do certificado aludido na conclusão antecedente.
15.a De acordo com as regras da CDT, e designadamente com a regra supletiva do seu artigo 22.°, n.° 1, a tributação dos pagamentos aludidos na petição só podia/devia ter lugar em Espanha, pelo que não havia efectivamente lugar a retenção na fonte de IRC.
16.a De acordo com o entretanto disposto no artigo 48.° da Lei n° 67-A/07 de 31/12, «o afastamento da responsabilidade prevista no n.° 4 do artigo 90.° e no n.° 6 do artigo 90.°-A do Código do IRC, na redacção que lhes foi dada pela presente lei, é aplicável às situações anteriores à entrada em vigor da mesma, independentemente de já ter sido efectuada a liquidação do imposto, excepto quando tenha havido lugar ao pagamento do imposto e não esteja pendente reclamação, recurso hierárquico ou impugnação».
17.a Tal comando aplica-se à Recorrida e ao caso dos autos, justamente em razão da pendência desta impugnação.
18.a De acordo com a douta sentença recorrida, e a realidade dos autos, a Administração Tributária, em sede do que deve ter-se por contestação sua, é de todo omissa quanto à aplicação ou não, da Convenção e de inerentes mecanismos para accionar a mesma.
19.a Assim, atentos os preceitos do artigo 342.° do Código Civil e do artigo 74.° da Lei Geral Tributária, a Administração Fiscal, ao invocar o direito de promover a correcção do declarado pela Recorrida, cabia o ónus da prova dos factos constitutivos do direito alegado, compreendendo a sua alegação.
20.a Não pode, assim, ser agora conhecida, nem apreciado o que consta, inatempadamente, dos artigos 8.° a 12.° das alegações do Digno Representante da Fazenda Pública.
21 .a A douta sentença recorrida não padece de qualquer ilegalidade, não tendo violado nenhuma das disposições legais indicadas pelo Recorrente, pelo que deve ser integralmente confirmada, negando-se provimento ao recurso.
Assim se decidindo, com suprimento das deficiências do patrocínio, novamente será feita sã e verdadeira JUSTIÇA.”
A Ex.mª Procuradora - Geral Adjunta neste Tribunal Central emitiu parecer no sentido de que não deve ser dado provimento ao presente recurso por considerar que não assiste razão à recorrente Fazenda Pública, na medida em que a Sentença ora em crise fez uma correcta interpretação dos factos e aplicação e interpretação da lei e deve ser mantida na ordem jurídica.
Satisfeitos os vistos legais, cumpre decidir.
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2 - Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte matéria de facto, com relevância para a decisão e com base no teor dos documentos juntos aos autos:
“A) Em 1997, a Impugnante pagou à empresa espanhola B..., SA, Contribuinte n°..., a importância de 38 127 600$00, referente a serviços prestados por aquela à A...- cfr. relatório de inspecção, a fls. 112 a 121, especialmente a fls. 116 do processo administrativo tributário apenso;
B) Em 1998, a Impugnante pagou à empresa espanhola B..., SA, Contribuinte n°..., a importância de 41 433 500$00, referente a serviços prestados por aquela à A...- cfr. relatório de inspecção, a fls. 126 a 133, especialmente a fls. 130 do processo administrativo tributário apenso;
C) Na sequência de análise interna efectuada à declaração modelo 22 da Impugnante, relativa ao exercício de 1997, elaborou-se relatório, no qual consta que: a Impugnante pagou "...à empresa espanhola «B... SA», contribuinte n.° ..., o montante de Esc. 38 127 600$00, referente a serviços prestados por esta empresa, conforme consta na descrição da factura «cargo por los servicios prestados por nuestro personal de Direccion Y servicios administrativos».
2- Enquadramento da incorrecção praticada
De acordo com o disposto no artigo 3°, n.° 4, conjugado com o artigo 4°, n.° 3, ambos do IRC, os rendimentos supra referidos, consideram-se sujeitos a IRC. Atendendo a que os mesmos foram obtidos em território português e segundo o estipulado no artigo 75° n.° 2 (actual artigo 88.° n.° 1), conjugado com o artigo 69.° (actual artigo 80°) do CIRC, estão sujeitos a retenção na fonte de IRC.
Perante o preconizado no n.° 3 do artigo 75° (actual artigo 88° n.° 3), estas retenções na fonte têm carácter definitivo e são aplicáveis as taxas previstas no artigo 69°, n.° 2 alínea a) (actual artigo 80° n.° 2 alínea a)), ou seja 15%.
Em face do exposto, o valor apurado de retenção na fonte de IRC não efectuada totaliza a importância de Euros 28 526,95 (Esc 5719 140$00)."- cfr. fls. 112 a 121 do processo administrativo tributário apenso;
D) Na sequência de análise interna efectuada à declaração modelo 22 da Impugnante, relativa ao exercício de 1998, elaborou-se relatório, no qual consta que: a Impugnante pagou "...à empresa espanhola «B... SA», contribuinte n°..., o montante de Esc. 41 433 500$00, referente a serviços prestados por esta empresa, conforme consta na descrição da factura «cargo por los servicios prestados por nuestro personal de Direccion Y servicios administrativos».
2- Enquadramento da incorrecção praticada
De acordo com o disposto no artigo 3°, n°4, conjugado com o artigo 4°, n°3, ambos do IRC, os rendimentos supra referidos, consideram-se sujeitos a IRC. Atendendo a que os mesmos foram obtidos em território português e segundo o estipulado no artigo 75°n°2 (actual artigo 88° n°1), conjugado com o artigo 69° (actual artigo 80°) do CIRC, estão sujeitos a retenção na fonte de IRC.
Perante o preconizado no n°3 do artigo 75° (actual artigo 88° n°3), estas retenções na fonte têm carácter definitivo e são aplicáveis as taxas previstas no artigo 69°, n°2 alínea a) (actual artigo 80° n°2 alínea a)), ou seja 15%.
Em face do exposto, o valor apurado de retenção na fonte de IRC não efectuada totaliza a importância de Euros 31 000,41 (Esc 6 215 025$00)."- cfr. fls. 126 a 133 do processo administrativo tributário apenso;
E) Na sequência da correcção referida em C, a Impugnante foi notificada da liquidação n°6420002883, relativa a IRC do ano de 1997, no montante total a pagar de €43 400,04, sendo €28 526,95 de IRC e 14 73,09 de juros compensatórios, com data limite de pagamento: 04/12/2002 - cfr. fls. 14;
F) Na sequência da correcção referida em D, a Impugnante foi notificada da liquidação n°6420002882, relativa a IRC do ano de 1998, no montante total a pagar de €42 593,71, sendo €31 000,41 de IRC e 11 593,30 de juros compensatórios, com data limite de pagamento: 04/12/2002 - cfr. fls. 15;
G) A B..., SA, com NIF ... é residente em Espanha, nos anos de 1997 a 2000 - cfr. certificado de residência fiscal passado por autoridade fiscal espanhola, com data de 02/10/2002, a fls. 13;
H) Em 22/01/2003, foram apresentados os presentes autos de impugnação - cfr. carimbo, a fls. 3;
I) A Impugnante apresentou garantia bancária prestada pelo Banco D... Portugal, SA, com data de 05/03/2003 - cfr. fls. 35 e 36 e despacho de fls. 37 verso.
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Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa.
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3. - Atentas aquelas conclusões e a factualidade fixada e que se reputa a relevante, vejamos qual a sorte do recurso.
Como é pacificamente defendido pela nossa doutrina e decidido na nossa jurisprudência, por força dos termos conjugados dos artºs. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC, o âmbito do recurso é determinado pelas conclusões da alegação do recorrente, só abrangendo as questões que nestas estejam contidas (cfr. Prof. J.A.Reis, in CPC Anotado, Vol. V, pág. 363, Rodrigues Bastos, in Notas ao CPC, Vol. III, pág. 299 e, entre muitos, os Acs. do STJ de 4/7/76, BMJ 258º-180, de 2/12/82, BMJ 322º-315 e de 25/7/86, BMJ 359º-522).
Donde que as questões a apreciar e decidir sejam as de saber se a Impugnante pelos pagamentos de serviços, nos anos de 1997 e 1998, a entidade com sede em Espanha, podia não efectuar retenção na fonte, em sede de IRC, ao abrigo da Convenção para Evitar a Dupla Tributação (CDT) ou tinha de aplicar a taxa interna de 15%, como o entendeu a Administração Fiscal, por aplicação dos artigos 75°, n°2 e 69°, n°2, alínea a), ambos do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC).
Evidencia o probatório que a AT, em resultado de acção de inspecção interna à declaração modelo 22, da Impugnante, relativa aos anos de 1997 e 1998, apurou IRC em falta, por nos pagamentos efectuados à entidade espanhola, respeitante a serviços prestados por esta, não efectuou a correspondente retenção na fonte de IRC, à taxa de 15%, a título definitivo, nos termos do n°2 do art. 75° (actual n°1 do art. 88°), conjugado com o art. 69°, n°2, alínea a) (actual art. 80°) do CIRC.
A Impugnante dissente da correcção por considerar que inexiste fundamento legal para a não aceitação da isenção de retenção na fonte relativamente aos pagamentos feitos a B..., SA tendo em conta a residência da mesma em Espanha e as disposições do convénio sobre dupla tributação vigente entre Espanha e Portugal, isto apesar de a entidade pagadora não dispor do certificado previsto na Circular 1/72 quando da efectivação dos pagamentos, ou seja por, antes do pagamento, não ter obtido o certificado de residência em Espanha, junto das autoridades fiscais, daquele país.
A sentença recorrida deu procedência à impugnação, para o que fundamentou que, no caso dos presentes autos, o pagamento de serviços a entidade residente em Espanha (cfr. facto G), é regida pela Convenção para Evitar a Dupla Tributação Celebrada entre Portugal e a Espanha (aprovada para ratificação, por Resolução da Assembleia da República n°6/95, de 29/06/1994 e ratificada por Decreto do Presidente da República n.º14/95, de 12/01, publicado no Diário da República n°24 de 28/01/1995), que prevê isenções e taxas reduzidas de retenção de IRC.
A Administração Fiscal não aceitou a isenção de retenção e apurou imposto, porque "De acordo com o disposto no artigo 3°, n°4, conjugado com o artigo 4°, n° 3, ambos do IRC, os rendimentos supra referidos, consideram-se sujeitos a IRC. Atendendo a que os mesmos foram obtidos em território português e segundo o estipulado no artigo 75° n°2 (actual artigo 88° n°1), conjugado com o artigo 69° (actual artigo 80°) do CIRC, estão sujeitos a retenção na fonte de IRC.
Perante o preconizado no n°3 do artigo 75° (actual artigo 88° n°3), estas retenções na fonte têm carácter definitivo e são aplicáveis as taxas previstas no artigo 69°, n°2 alínea a) (actual artigo 80° n°2 alínea a)), ou seja 15%."
Ou seja, a fundamentação omite pura e simplesmente a questão da aplicabilidade da Convenção e de inerentes mecanismos para accionar a mesma, salientando-se na decisão recorrida que, procedendo a Administração Fiscal à correcção do declarado pela Impugnante, tem o ónus de alegar factos susceptíveis de fundamentar a sua correcção e o certo é que, tratando-se de rendimentos pagos a uma entidade com residência espanhola, nada consta quanto a aplicação ou não de Convenção.
Ora, para o julgador, por invocação do disposto no artigo 342°, n°1 do Código Civil "Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado".
Regra similar à constante do artigo 74° da Lei Geral Tributária (LGT) pelo que, tendo a AT procedido ao apuramento de imposto, alterando o declarado pela Impugnante, tinha o ónus da prova, o que o mesmo é dizer, incumbia-lhe o dever de alegar factos susceptíveis de provar que a Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e Espanha não era aplicável em concreto, mas sim os preceitos dos artigos 75°, n°5 e 69°, n°2, alínea a) do CIRC.
Por estas razões, entende-se na sentença que as liquidações impugnadas carecem de fundamento, devendo ser anuladas.
A recorrente FªPª manifesta oposição frontal ao assim fundamentado e decidido pela razão capital de que, como decorre do teor dos Relatórios de Inspecção subjacentes às correcções objecto da presente impugnação, estas correcções não foram fundamentadas na falta daquele certificado, e a própria impugnante, em sede de audição prévia quanto às correcções, quer relativamente ao ano de 1997, quer relativamente ao ano de 1998, o seguinte, a contribuinte apresentou uma exposição escrita, que deu entrada nestes serviços, no dia 30/08/02 e em que manifesta "...a sua concordância com a interpretação que é dada à lei interna aplicável." referindo que "...de acordo com o disposto no artigo 4°, n.° 3 alínea c), n.° 7 do CIRC, os rendimentos pagos pela exponente à B...estão sujeitos a IRC em Portugal....". Todavia no seu entender, os serviços de inspecção não tiveram em consideração as disposições decorrentes da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e Espanha, que prevalecem sobre as disposições da lei interna e que conforme refere no ponto 11 da petição, estabelece no seu artigo 7°n°1 que "os lucros de uma empresa de um Estado contratante só podem ser tributados nesse Estado."
Ora, segundo a recorrente FªPª é inaceitável tal interpretação veiculada pelo contribuinte, por a situação corrigida pela fiscalização, respeitar à prestação de serviços de gestão efectuada por finanças uma empresa espanhola, pelo que não deverá estar sujeita às disposições aplicáveis como se de uma situação de lucros se tratasse.
Em face do exposto, mantêm-se a correcção proposta e descrita no ponto 2 da presente informação."
Afirma a recorrente FªPª que este facto, sendo susceptível de influir na decisão da causa, deveria ter sido levado ao probatório pois se constata que as correcções em causa não derivaram do facto de não ter sido apresentado o certificado previsto na Circular 1/72, contrariamente ao que pretende a impugnante, mas antes do facto de os serviços prestados pela entidade residente em Espanha, que a Administração Tributária entendeu respeitarem a serviços de gestão (de acordo com o teor da documentação de fls. 118 e 119 e fls. 135 e 136 do PAT), não sendo relativos a lucros, e não beneficiando das disposições previstas na Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e a Espanha (CDT) para o pagamento de lucros.
Enfim, para a recorrente FªPª não estava isenta a tributação dos rendimentos objecto de correcção nos termos da CDT (não sendo aplicável o art. 7° desta CDT), por não respeitarem a lucros, são aplicáveis à situação em causa as disposições da legislação interna invocadas pelos Serviços de Inspecção da Administração Tributária, ou seja o art. 3° n.° 4 conjugado com o art. 4° n.° 3 alínea c) n.° 7) do CIRC na redacção em vigor à data dos factos.
Assim, contrariamente ao entendido na douta sentença, é ao impugnante que invoca a aplicabilidade da CDT, que incumbia a prova de que os rendimentos que não sujeitou a retenção na fonte beneficiavam de isenção nos termos da mesma CDT e o impugnante nem sequer indicou, na sua PI, qual o artigo da CDT ao abrigo do qual estariam isentos de tributação em Portugal aqueles rendimentos, quando é certo que, ainda que se entendesse que seriam os rendimentos em causa susceptíveis de enquadramento no art. 12° da CDT, não estariam os mesmos isentos de IRC, e nunca estaria a Impugnante dispensada de efectuar a correspondente retenção na fonte, se bem que eventualmente a uma taxa inferior de 5%.
Já nas suas contra -alegações a recorrida sustenta que o que havia a decidir era apenas se a Recorrida pelos pagamentos de serviços, nos anos de 1997 e 1998, a entidade com sede em Espanha, podia não efectuar retenção na fonte, em sede de IRC, ao abrigo da Convenção para Evitar a Dupla Tributação (CDT).
Ora, as liquidações impugnadas foram efectuadas, e os autos de notícia levantados, devido unicamente ao facto de não existir certificação comprovativa da residência em Espanha, para os efeitos da Convenção sobre Dupla Tributação, da B..., SA, e já antes da alteração legislativa, e parcialmente retroactiva, de 2007, a prova tardia da residência da B..., SA em Espanha não precludia a aplicação do mecanismo da isenção da retenção da fonte.
Quando a Administração Fiscal detectou a falta de certificado comprovativo da residência em Espanha da B..., SA deveria apenas ter confrontado a C... com a necessidade de obter o certificado que atestasse que, à data dos pagamentos questionados, a entidade recebedora era residente em Espanha e podia beneficiar da isenção de retenção na fonte decorrente da CDT.
A Administração Fiscal não procedeu assim, antes tendo concluído desde logo pela irrelevância da efectiva residência da B..., SA em Espanha, por falta do certificado aludido na conclusão antecedente.
De acordo com as regras da CDT, e designadamente com a regra supletiva do seu artigo 22.°, n.° 1, a tributação dos pagamentos aludidos na petição só podia/devia ter lugar em Espanha, pelo que não havia efectivamente lugar a retenção na fonte de IRC.
De acordo com o entretanto disposto no artigo 48.° da Lei n° 67-A/07 de 31/12, «o afastamento da responsabilidade prevista no n.° 4 do artigo 90.° e no n.° 6 do artigo 90.°-A do Código do IRC, na redacção que lhes foi dada pela presente lei, é aplicável às situações anteriores à entrada em vigor da mesma, independentemente de já ter sido efectuada a liquidação do imposto, excepto quando tenha havido lugar ao pagamento do imposto e não esteja pendente reclamação, recurso hierárquico ou impugnação».
Tal comando aplica-se à Recorrida e ao caso dos autos, justamente em razão da pendência desta impugnação.
De acordo com a douta sentença recorrida, e a realidade dos autos, a Administração Tributária, em sede do que deve ter-se por contestação sua, é de todo omissa quanto à aplicação ou não, da Convenção e de inerentes mecanismos para accionar a mesma.
Assim, atentos os preceitos do artigo 342.° do Código Civil e do artigo 74.° da Lei Geral Tributária, a Administração Fiscal, ao invocar o direito de promover a correcção do declarado pela Recorrida, cabia o ónus da prova dos factos constitutivos do direito alegado, compreendendo a sua alegação.
Vê-se, pois, que, inicialmente, a impugnante suscitou a ilegalidade da liquidação operada com base na inexistência dos certificados de residência em Espanha pelo que, segundo a AT, a impugnante estava obrigada à retenção de imposto à taxa de 15%, e só poderia deixar de reter esta taxa se por força do disposto no artigo 7 da respectiva CDT tivesse qualquer documentação que pudesse atestar a residência fiscal destas sociedades.
Como vimos, o Mm.º juiz recorrido considera, no fundamental, que o quadro legal vigente à data, não impunha a necessidade daquela demonstração prévia (aos pagamentos) da residência da recebedora das importâncias, sendo que a FP pública não cumpriu o ónus de alegar factos susceptíveis de provar, em concreto, que a referida CDT não era aplicável em concreto.
Entendimento com o qual a impugnante está em consoâncuia ao sustentar que o ordenamento jurídico aplicável, designadamente a Convenção, não impunham a anterioridade da demonstração da residência da beneficiária antes dos pagamentos como pressuposto do direito à redução da taxa, sendo certo que a actual redacção do n.º 4 do art.º 90.º do CIRC, não estava em vigor em 1997, ano em que eclodiram os factos tributários aos quais é aplicável a dita CDT.
Quid juris?
Nos termos do artigo 7° da CDT entre Portugal e Espanha, sob a epígrafe “Lucros das empresas”, “Os lucros de uma empresa de um Estado Contratante só podem ser tributados nesse Estado, a não ser que a empresa exerça a sua actividade no outro Estado Contratante por meio de um estabelecimento estável aí situado. Se a empresa exercer a sua actividade deste modo, os seus lucros podem ser tributados no outro Estado, mas unicamente na medida em que forem imputáveis a esse estabelecimento estável.”
Ora, é incontornável que o CIRC não exigia, ao tempo (1997 e 1998), a comprovação dos pressupostos legais de que depende a isenção, resultando essa exigência agora do disposto no n°3 do Artigo 90 CIRC, o qual foi aditado pelo n°1 do artigo 27 da Lei n.° 32-B/2002, de 30 de Dezembro, sendo que a própria CDT também não impunha qualquer especial procedimento.
Sendo assim, como tudo aponta que é, assiste razão à recorrente ao acusar a Administração Fiscal de criou um conjunto de regras formulários – certificados de residência, requisitos formais com base nos quais se podia/devia accionar o mecanismo das CDTs, recolhendo essas regras de circulares, «in casu» a circular n.° 18 de 7/10/1999, as quais só seriam obrigatórias para os particulares se a sua doutrina seja vertida em Lei ou Decreto - Lei, como é o caso do actual artigo 90/3 CIRC.
Donde que, estando comprovada a residência no estrangeiro da sociedade credora dos rendimentos, a impugnante suscitou a aplicação do artigo 7 da referida CDT não retendo qualquer imposto, procedimento que se afigura correcto, ficando a Administração, que apoda de ilegal a falta de retenção, onerada com a prova de que a credora dos rendimentos não tinha residência em França [Art.° 74/1 LGT e 342/1 do Código Civil], o que, como é manifesto, de todo não fez.
Patenteia o probatório (ponto G)-) que a recorrente obteve, ainda que em momento posterior à entrega dos rendimentos à entidade espanhola não residente, os Formulários II- F necessários a fazer a prova da residência fiscal dessa entidade beneficiária; com efeito, a B..., SA, com NIF ... era residente em Espanha, nos anos de 1997 a 2000 - cfr. certificado de residência fiscal passado por autoridade fiscal espanhola, com data de 02/10/2002, a fls. 13.
A AT parece querer deslocar a questão substancial da aplicação da CDT para a não abrangência, por esta, dos factos em apreço (prestação de serviços) e não estribar-se na circular n.° 18 de 7/10/1999 fazendo crer que a questão sub judice nada tinha a ver com que a recorrente deveria ter em seu poder o mencionado certificado de residência sob pena de ter de proceder à retenção na fonte, por apelo ao disposto no n.º 1 do art. 4º da CDT.
Este normativo estabelece que «Para efeitos desta Convenção, a expressão “residente de um Estado Contratante” significa qualquer pessoa que, por virtude da legislação desse Estado está aí sujeita a imposto, à sua residência, ao local de direcção ou a qualquer outro critério de natureza similar» nada determinando, pois, sobre as formalidades necessárias para usufruir dos benefícios da CDT.
Dúvidas não sobram de que existia uma vazio legal e que devia o Estado Português legislar sobre a matéria e não se limitar a publicar Circulares, já que as circulares administrativas não vinculam os contribuintes, mas apenas os respectivos serviços e, como tal, à data dos factos tributários, a falta do referido certificado ou a prova tardia da residência do beneficiário dos rendimentos no outro Estado contratante, não fazia precludir, salvo melhor opinião, a aplicação do mecanismo da isenção de retenção - Cfr. nesse sentido, os Acs. deste TCAS de 03/11/2004, Proc. 00151/04 e de 09-05-2006, Recurso nº .00436/05.
Acresce que, como bem denota a recorrente na 15ª conclusão das suas contra -alegações, de acordo com as regras da CDT, e designadamente com a regra supletiva do seu artigo 22.°, n.° 1, a tributação dos pagamentos aludidos na petição só podia/devia ter lugar em Espanha, pelo que não havia efectivamente lugar a retenção na fonte de IRC.
Que assim é, resulta da mera literalidade do citado preceito da CDT que, quanto a “Outros rendimentos” que não os indicados nos antecedentes normativos, dispõe “Os elementos do rendimento de um residente de um Estado Contratante e donde quer que provenham não tratados nos artigos anteriores desta Convenção só podem ser tributados nesse Estado.”
É, pois, pacífico que a recorrente não estava obrigada a apresentar os formulários referidos pela AT, dado que não havia legislação a exigir os mesmos e só as circulares de que a AT se valeu o exigiam; como se disse, só com a redacção introduzida pela Lei 32-B/2002, de 30 de Dezembro na norma do n.º 3 do art. 90º do CIRC, é que passou a ser obrigatório que o devedor fizesse prova dos requisitos formais, sob pena da retenção ser feita à taxa normal.
No fundamental, a AT sustenta no Relatório e reitera em sede de impugnação que agiu em perfeita consonância com a lei, mas já se viu que assim não ocorreu, pelo que se diz na sentença e pelo que acaba de ser dito.
Acresce que, se é certo que os tribunais estão apenas sujeitos à lei, pelo que não os vincula qualquer orientação administrativa de que decorra uma certa interpretação da mesma, mas não é o caso das instruções dimanadas do referido ofício circular.
Como se doutrina no aresto do TCAS de 09-05-2006, Recurso nº.00436/05, as circulares administrativas não vinculam os contribuintes, mas apenas os respectivos serviços e, na falta de legislação sobre a obrigatoriedade de apresentação do original do certificado de residência do beneficiário dos rendimentos, em país contratante de Convenção para evitar a Dupla Tributação, ou a apresentação tardia do referido certificado, não fazia precludir a aplicação do mecanismo da isenção de retenção.
Na verdade, face à lei, os procedimentos definidos, «maxime» o “direito circulado” da AF não podem derrogar o princípio da legalidade tributária pelo que, a essa luz, é possível afirmar a desconformidade do conteúdo do acto recorrido com as normas legais referidas e, deste modo, que os pressupostos realmente existentes impunham a decisão administrativa de sinal contrário, sendo certo que o Sr. Juiz recorrido não estava vinculado aquela decisão administrativa cuja aplicabilidade ao caso concreto não afastou por reputar legal a tributação.
Assim, a Circular além de ser ilegal por falta de habilitação legal para interpretar extensivamente normas de incidência tributária, seria ilegal, por abusiva desvirtuação de norma comunitária e respectiva transposição ilegal.
Nesse sentido, também a referida Circular, ao limitar a norma de incidência seria inconstitucional por violação do disposto nos art.° 165.°, n.° l, alínea i) e no art.° 103.°, n.° 2, da Constituição da República Portuguesa, ferindo o princípio da separação dos poderes, haveria a Administração Fiscal usurpado as funções do legislador.
Acresce que, na senda do Ac. deste TCAS de 16-05-2006, Recurso nº 00504/05, é incontroverso que, com a redacção dada ao art.º 90.º pelo Dec.-Lei n.º 34/2005 de 17 de Fevereiro, particularmente aos seus n.ºs 3 a 5, a lei passou a determinar, para o que ao caso releva, que a prova de residência do beneficiário dos pagamentos deverá ser feita até à data em que deve ser efectuada a retenção na fonte.
Todavia, a nosso ver a lei não atribui ao certificado em causa mais do que um efeito meramente probatório da verdadeira condição à redução da taxa em causa, ou seja, a residência da beneficiária num outro Estado membro.
Ademais, o art.º 76.º do CIRC, que corresponde ao artº 90º que estava em vigor à data dos factos (1997 e 1998), era omisso quanto à temática do pagamento a sociedade não residente, limitando-se os art.º s 4.º , n.º 3 , n.º 1 , al. c) e 69.º do mesmo Código, a determinar que os ajuizados pagamentos estavam sujeitos a tributação em sede de IRC, à taxa de 15%.
E o certo é que o citado art.º 90.º, na redacção que lhe foi dada pelo DL 34/2005 teve por objectivo, como se declara no respectivo preâmbulo, transpor para a ordem jurídica interna, a Directiva n.º 2003/49/CE, do Conselho, de 3 de Junho.
Nos termos dessa mesma Directiva (cfr. 11 a 13/a) , os Estados membros da fonte ficaram legitimados a exigir a certificação dos requisitos exigíveis à aplicação do regime, designadamente da residência da beneficiária , previamente ao pagamento dos “royalties”, assim se motivando o estatuído no art.º 90.º do CIRC.
Todavia, não era esse o quadro jurídico aplicável ao caso vertente, que deve ser apreciado ao abrigo da CDT aludida.
O reconhecimento e funcionamento do regime mais favorável decorrente da existência de benefícios, maxime, fiscais, tem carácter meramente declarativo - cfr. v.g. art. n.° 2 do EBF, no sentido de que é implicante da demonstração dos pressupostos de que depende a atribuição da vantagem específica, independentemente, de poder ser ou não formalizada. Ou seja, na situação versada, a possibilidade de a impugnante aplicar taxa de retenção de 15 e 5 %, ou, eventualmente, nada reter, apenas dependia da comprovação de que a empresa a que havia pago, à data, tinha residência na Espanha. Uma vez feita tal prova, ainda que pelas vias exigidas pelas autoridades tributárias portuguesas, se necessário com a possibilidade de corrigir e/ou ultrapassar eventual incumprimento de formalidades prescritas, a usufruição do benefício de aplicação da taxa mais baixa (ou nenhuma) era imediata e sem poder ser sujeita a outros condicionalismos.
Dispõe o art. 11° do EBF que o direito aos benefícios fiscais se reporta à data da verificação dos respectivos pressupostos, ainda que esteja dependente do reconhecimento declarativo pela administração fiscal ou de acordo entre esta e a pessoa beneficiada, salvo quando a lei dispuser de outro modo.
Por seu turno, o procedimento de reconhecimento dos benefícios fiscais regula-se pelo disposto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e do Processo Tributário (v. art. 4° n° 3 do EBF).
Na redacção anterior, revogada pelo art. 2° n° 2 do D.L. 433/99, de 26/Out, que aprovou o CPPT, dispunha o art° 14° n° l al. c) do EBF que, salvo disposição em contrário, o reconhecimento dos benefícios fiscais dependia da iniciativa dos interessados e, para além do mais, da prova da verificação dos pressupostos de reconhecimento nos termos da lei.
A prova da verificação dos pressupostos do reconhecimento é também requisito previsto no art. 65° n°1 do CPPT.
Como se disse, decorre do art.º 11.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, que o direito aos benefícios surge com a verificação histórica dos pressupostos objectivos ou subjectivos da respectiva previsão, que são verdadeiramente, o seu facto constitutivo, ainda que o benefício fiscal esteja dependente de reconhecimento declarativo unilateral pela Administração Fiscal, e mesmo que a respectiva eficácia seja, por vezes, diferida no tempo, por virtude de uma condição suspensiva.
Como a este propósito escreve o Prof. Alberto Xavier, Manual, págs 294/295, “para que o facto impeditivo desenvolva plenamente a sua eficácia torna-se, por vezes, necessário um acto expresso de reconhecimento pela Administração Fiscal: é o que se verifica com as chamadas isenções não automáticas.
Mas ainda aqui importa distinguir: nuns casos o reconhecimento das isenções é oficioso. Noutros ele depende de um pressuposto autónomo, que é um pedido de reconhecimento dirigido pelo contribuinte à Administração Fiscal, acto de propulsão de um processo que com ele tem início e que culmina com o acto tributário negativo em que o reconhecimento consiste”.
Seja como for, o reconhecimento, é sempre praticado no exercício de poderes vinculados - e não discricionários, daí decorrendo, necessariamente, que o reconhecimento, tem natureza declarativa e não constitutiva do direito ao benefício fiscal respectivo, pelo que o nascimento desse direito deve reportar-se sempre ao momento da verificação histórica dos respectivos pressupostos legais e não ao momento da prática do próprio reconhecimento, como expressamente consagra o nº 2, do artº 4º, conjugado com o artº.11º, ambos do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
O processo de reconhecimento dos benefícios fiscais regula-se pelo disposto nos artigos 14.º e seguintes do EBF, quando não seja previsto processo próprio para o efeito.
E, de acordo com a al. c) do nº 1 do artº 14º, conjugado com o mencionado artº 11º, ambos do EBF, compete aos interessados fazer a prova da verificação dos pressupostos de reconhecimento nos termos da lei e, salvo quando a lei dispuser doutro modo, o direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respectivos pressupostos.
Resulta do que vem dito que, nos termos do art. 11 ° do EBF, o momento em que se adquiriu o direito ao benefício coincide com o momento da verificação dos respectivos pressupostos; porque assim, o reconhecimento feito pela Administração será, sempre, não um acto constitutivo mas um simples acto declarativo, de acordo aliás com o princípio constitucional da legalidade e os respectivos corolários da tipicidade fechada e do exclusivismo.
Logo, o mesmo não pode ser feito antes da ocorrência dos pressupostos, por isso não se harmonizar com a natureza de acto declarativo que impõe unicamente que o reconhecimento se passe por verificar a existência ou a reconhecer a validade de direitos ou situações preexistentes.
Com efeito, não sendo o reconhecimento um acto constitutivo de direitos (art. 11° n°1 do EBF), mas um mero acto declarativo do direito pré existente, a sua eficácia, como acto administrativo, é, em regra, retroactiva, reservando-se o efeito diferido para os actos constitutivos.
O benefício fiscal nasce no momento em que se verificam os respectivos pressupostos e os efeitos do acto de reconhecimento reportam-se à mesma data, por isso não sendo possível a eventual atribuição de eficácia diferida.
E a criação de impostos está disciplinada na Lei Fundamental nos normativos da CRP contidos na al. i) do nº 1 do artº 168º na sua concatenação com o artº 106º, nºs. 2 e 3 da CRP.
E para a questão «decidenda» releva que o artº 106º, nº 2, da CRP estabelece que:
«Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes».
Há, com efeito, um princípio de «numerus clausus» em matéria de impostos que tem ainda como decorrência a completa descrição nos tipos legais dos elementos necessários à determinação do montante da prestação devida e das garantias dos contribuintes.
E o desrespeito de tal princípio é sancionado nos termos do artº 106º, nº 3, da CRP ao determinar que: «Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não tenham sido criados nos termos da Constituição...», consequência jurídica que já derivava daqueloutros princípios da constitucionalidade e da conformidade dos actos do Estado com a Constituição insítos no artº 3º, nº 3 da CRP.
Vigora no Direito Fiscal o principio da legalidade que se traduz no brocardo «nullum tributum sine lege» e, uma das decorrências do princípio da legalidade fiscal, como se disse já, é a proibição de pagamento de impostos que não tenham sido estabelecidos de harmonia com a Constituição, que se inscreve no quadro das garantias individuais, por isso revestindo as normas atinentes carácter preceptivo (cfr. artº 18º da C.R.P.).
Donde que, de acordo com o princípio da legalidade, só podem ser cobrados os impostos quando se verificam os pressupostos aos quais a lei condiciona a existência de uma obrigação fiscal, observadas as garantias dos contribuintes na lei estabelecidas como modo de reacção, não sendo lícito e legal proceder a derrogações de tais garantias como direitos adquiridos na vigência de certa lei (a LA, ou seja Lei Antiga) pois isso quebra a unidade sistemática do direito fiscal.
A questão terá de ser apreciada exclusivamente face à lei, desde logo, porque em matéria de garantias, vigora, como se disse e reafirma, o princípio da legalidade, na sua vertente formal e material (artº l06-2 e 3 da CRP).
Aqui não se questiona qualquer facto tributário, mas apenas o direito à redução. Como é sabido, o acto tributário é o acto pelo qual a AF aplica a norma tributária material num caso concreto, sendo que nuns casos essa aplicação tem como conteúdo reconhecer a tributalidade do facto declarando-se, consequentemente, a existência de uma relação jurídica tributária e definir o montante da prestação devida e, noutros, a aplicação da norma tem em vista o reconhecimento da não tributalidade do facto e, assim, da não existência no caso concreto de uma obrigação de imposto. Dito de outro modo:- na primeira situação a AF pratica um acto tributário de conteúdo positivo e, na segunda, um acto tributário de conteúdo negativo.
No caso «sub judicio» estamos perante um acto tributário de conteúdo negativo pois que o reconhecimento da não tributalidade resulta da apreciação sobre a alegada verificação de factos impeditivos, i. é, a redução, o que não contende com a existência de factos tributários.
Nestes casos, como salienta Alberto Xavier in Conceito e Natureza do Acto Tributário, 1972, pág. 114 e 115, e em Aspectos Fundamentais do Contencioso Tributário, 1972, pág. 50, o que sucede é que a lei faz depender o início da investigação de um pressuposto processual, que é um requerimento ou solicitação expressa do particular, sem o qual a Fazenda não pode reconhecer a isenção, nem portanto operar a sua eficácia impeditiva.
Do que vem dito, tem de concluir-se que assiste razão à recorrente quando sustenta que o direito em causa tem de reportar-se à data da verificação dos pressupostos históricos do mesmo, e, como a esse tempo – 1997 e 1998 - a recorrente reunia todos os requisitos determinados na lei para beneficiar da redução, não pode ser recusado o reconhecimento desse direito.
Embora em momento posterior, a impugnante, beneficiária da utilização de taxas, sempre e em qualquer caso, inferiores a 15%, na tributação dos montantes que pagou à empresa espanhola, comprovou junto da AT os pressupostos de aplicação dessa benesse prevista em Convenção internacional, cujo primado e valor é, constitucionalmente, estabelecido -cfr. art. 8° C.R.P.
Tendo-se o benefício em causa constituído no momento em que foram pagos os questionados montantes à firma residente em país estrangeiro, uma vez comprovados todos os pressupostos da sua relevância, em conformidade com as exigências das autoridades nacionais, os efeitos plenos daquele benefício também têm de reportar-se ao momento de tal pagamento, "in casu", os exercícios de 1997 e de 1998.
Resulta do que vem dito que os pressupostos do direito em causa, se tinham de procurar na CDT ficando, assim, limitado à prova da residência da beneficiária em Espanha, não sendo exigível que tal prova tivesse de ser feita através dos mencionados modelos II F, antes do pagamento e estando essa verbas abrangidas pelo artº 22º da CDT ao contrário do que pretende a AT.
Na verdade, por tudo quanto se disse, a referida prova não pode deixar de ser feita, já que é ela que vai permitir o reconhecimento da verificação ou inverificação do pressuposto substantivo; porém, ela não é elemento constitutivo do direito ao benefício em causa, e, uma vez feita, não poderá deixar de retroagir os seus efeitos à data da ocorrência dos factos tributários, ou seja, o pagamento dos montantes abrangidos na previsão do artº 22º da CDT.
Destarte, deverá dar-se o reconhecimento do requerido direito, porque regulado na íntegra pela lei e sem qualquer margem de livre apreciação por parte da entidade competente, e se insere na categoria de actos ou poderes vinculados da Administração Fiscal que terá de o praticar porque o direito ao benefício foi adquirido no domínio de Lei que não exigia o ajuizado requisito formal pois só com a redacção introduzida pela Lei 32-B/2002, de 30 de Dezembro na norma do n.º 3 do art. 90º do CIRC, é que passou a ser obrigatório que o devedor fizesse prova dos requisitos formais, sob pena da retenção ser feita à taxa normal, sendo que dúvidas não restam de que tais verbas estavam abrangidas pelo artº 22º da CDT.
Termos em que improcedem «in totum» as conclusões de recurso.
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4. - Em conformidade com o exposto, acorda-se em conferência nesta 2ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida com a fundamentação supra expendida.
Sem custas por delas estar isenta a entidade recorrente.
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Lisboa, 08/02/2011
(Gomes Correia)
(Pereira Gameiro)
(Joaquim Condesso)