Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08976/15
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:11/19/2015
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:JUROS COMPENSATÓRIOS. NOÇÃO. ARTº.35, DA L.G.TRIBUTÁRIA.
PRESSUPOSTOS DO PAGAMENTO DE JUROS COMPENSATÓRIOS.
ARTº.114, DO C.I.R.C.
RETARDAMENTO DO CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE LIQUIDAÇÃO DE IMPOSTO.
ERRO DO SUJEITO PASSIVO EVIDENCIADO NA DECLARAÇÃO.
JUROS COMPENSATÓRIOS SOMENTE SÃO DEVIDOS PELO PRAZO MÁXIMO DE 180 DIAS (CFR.ARTº.35, Nº.7, DA L.G.T.).
EXAME DOS PRESSUPOSTOS CULPA E NEXO DE CAUSALIDADE DO PAGAMENTO DE JUROS COMPENSATÓRIOS.
Sumário:1. Os juros compensatórios podem definir-se como os que constituem compensação para o credor, por certas utilidades concedidas ao devedor, tendo a função de completar a indemnização devida, assim reparando o credor prejudicado do ganho perdido até que tenha conseguido a reintegração do seu crédito. No âmbito do direito tributário os juros compensatórios podem configurar-se como tendo a natureza de uma verdadeira cláusula penal legal, aparecendo como um agravamento “ex lege” ao imposto, sendo incluídos na liquidação deste e arrecadados juntamente com ele, tendo os mesmos prazos de cobrança e estando sujeitos ao mesmo período prescricional, sobre ambos podendo incidir o cálculo dos juros de mora (cfr.artº.83, do C.P.T.; artº.35, da L.G.T.). Esta natureza dos juros compensatórios, como componente da dívida global de imposto, resulta hoje, com evidência, do preceituado no artº.35, nº.8, da L.G.T.

2. A responsabilidade pelo pagamento de juros compensatórios depende da existência de uma situação em que exista uma dívida de imposto (que serve de base ao cálculo dos juros), verificados os seguintes pressupostos:
a-Actos ou omissões que levem a um atraso na estruturação de uma liquidação; ou
b-Não pagamento de imposto que deva ser efectuado antecipadamente (sem prévia notificação do sujeito passivo pela administração tributária); ou
c-Não pagamento de imposto que foi retido ou que deveria ter sido retido e entregue à administração tributária; ou
d-Reembolso superior ao devido;
e-Atraso na liquidação ou entrega do imposto ou reembolso indevido imputáveis ao contribuinte, isto é, quando exista nexo de causalidade entre a actuação do contribuinte e aquele atraso ou reembolso;
f-Que o retardamento ou reembolso seja imputável ao contribuinte a título de culpa.

3. A norma contante do artº.114, do C.I.R.C., permite ao sujeito passivo de imposto a apresentação de uma declaração periódica de substituição, ainda que fora do prazo legalmente estabelecido para o efeito (último dia útil do mês de Maio - cfr.artº.112, nº.1, do C.I.R.C., na redacção em vigor em 2005 e 2006), além do mais, quando tenha liquidado imposto inferior ao devido, desta forma se antecipando à actuação da A. Fiscal e fazendo cessar a contagem dos juros compensatórios. Do preceito examinado não se pode retirar que não existe retardamento do cumprimento da obrigação de liquidação de imposto por parte do sujeito passivo, ao apresentar declarações de substituição. Pelo contrário, existe retardamento previsto na norma, face ao qual devem ser liquidados juros compensatórios, salvo quando não estejam reunidos os pressupostos do seu apuramento.

4. Verificando-se uma situação de erro do sujeito passivo evidenciado na declaração (recorde-se que em sede de I.R.C. o sistema regra é o da auto-liquidação - cfr.artº.83, nº.1, al.a), do C.I.R.C., na redacção em vigor em 2005 e 2005; actualmente artº.90, nº.1, al.a), do C.I.R.C.), os juros compensatórios somente são devidos pelo prazo máximo de 180 dias, atento o disposto no artº.35, nº.7, da L.G.T.

5. Deverá entender-se a imputabilidade a que alude o artº.35, nº.1, da L.G.T., como exigindo que possa formular-se um juízo de censura (derivado de uma actuação dolosa ou meramente negligente) ao sujeito passivo. A culpa, na falta de outro critério, deverá ser aferida pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso (cfr.artº.487, nº.2, do C.Civil). A boa-fé é de presumir (cfr.artº. 59, nº.2, da L.G.T.), pelo que a determinação da culpa reconduzir-se-á, na maior parte dos casos, à apreciação da razoabilidade da interpretação da lei que fez o contribuinte. Pressuposto da obrigação do pagamento dos juros compensatórios é, por isso, que o facto seja subjectivamente imputável ao sujeito passivo, isto é, que sobre ele possa recair um juízo de censura ou reprovação da conduta do agente, porque podia e devia, nas circunstâncias do caso, ter agido diversamente.

6. Já quanto ao nexo de causalidade se dirá que a conduta do contribuinte é causal face ao retardamento do pagamento do imposto, adoptando-se o conceito previsto no artº.563, do C.Civil, visto que nos encontramos perante uma forma de responsabilidade civil, se for de um tipo que devesse normalmente conduzir ao mesmo retardamento e, consequentemente, estará esse nexo excluído se, no caso concreto, o mesmo retardamento só ocorreu devido a circunstâncias excepcionais ou anómalas.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal visando sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Beja, exarada a fls.166 a 185 do presente processo, através da qual julgou procedente a impugnação intentada pela sociedade recorrida, "S………… - Sociedade ……………….., S.A.", tendo por objecto auto-liquidações de juros compensatórios, relativas a I.R.C. dos anos de 2005 e de 2006 e no montante total de € 313.273,08.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.204 a 211 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-A sentença ora sob recurso, fez errada aplicação do direito à situação em crise, ao considerar que as declarações de rendimentos e o imposto pago ao abrigo da disposição do artigo 114 do CIRC, o tinham sido no prazo legal;
2-Interpretando de forma incorreta a disposição do artigo 114 do CIRC, ao considerar ainda como prazo legal para o cumprimento das obrigações declarativas e de pagamento de imposto, aquele que resulta desta norma;
3-De fato, o prazo legal para o cumprimento de tais obrigações, no caso de sujeitos passivos enquadráveis no disposto no n°1 do artigo 8 do CIRC, cujo período de tributação coincide com o ano civil, é o último dia útil do mês de Maio do ano seguinte ao período de tributação;
4-A apresentação de declaração de rendimentos do modelo 22, nos termos do n°1 do artigo 114 do CIRC é, indubitavelmente, uma declaração apresentada fora do prazo legalmente estabelecido para o cumprimento da obrigação declarativa e de pagamento de imposto;
5-Tal constatação, e sempre com o necessário e devido respeito, resulta de forma clara e precisa da redação do nº1 do artigo 114 do CIRC:
Artigo 114° - DECLARAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO
1. Quando tenha sido liquidado imposto inferior ao devido ou declarado prejuízo fiscal superior ao efectivo, pode ser apresentada declaração de substituição, ainda que fora do prazo legalmente estabelecido, e efectuado o pagamento do imposto em falta.
6-Por outro lado, resultando da apresentação da declaração de substituição a liquidação e pagamento de imposto superior ao inicialmente pago, dúvidas inexistirão, que relativamente à diferença de imposto a pagar na sequência de tal declaração;
7-Existiu por fato imputável ao sujeito passivo, retardamento na liquidação e pagamento de parte do imposto devido;
8-Mas também que, a omissão de pagamento da totalidade do imposto efetivamente devido, resultou de erro evidenciado nas declarações de rendimentos apresentadas;
9-Razão pela qual, bem andou a ora impugnante, quando ao apresentar as declarações de substituição relativas aos exercícios de 2005 e 2006, procedeu ao apuramento e pagamento da diferença de imposto devido;
10-E também ao calculo e pagamento dos juros compensatórios, com o limite de 180 dias, visto o erro estar evidenciado nas declarações apresentadas e;
11-Igualmente bem andou a Administração Tributaria, em sede de reclamação graciosa, ao anular os juros compensatórios por ela liquidados, mantendo na ordem jurídica, os juros compensatórios calculados e pagos pela impugnante, com a observância do limite de 180 dias;
12-Porque, contrariamente ao considerado na douta sentença emitida, a entrega de declaração de substituição ao abrigo do disposto no artigo 114 do CIRC, não exclui a extemporaneidade de tais declarações;
13-E como tal, o retardamento, por fato imputável ao contribuinte, de parte do imposto devido, correspondente ao excesso de beneficio fiscal usufruído, sempre estará sujeito a juros compensatórios;
14-Termos em que, fazendo-se justiça, deve ser revogada a sentença emanada e substituída por douto Acórdão, que, confirmando o decidido pela AT em sede de reclamação graciosa, mantenha na ordem jurídica os devidos juros compensatórios, autoliquidados e pagos pela ora impugnante, com o limite de 180 dias.
X
A sociedade recorrida produziu contra-alegações nas quais pugna pela improcedência do recurso e manutenção da decisão do Tribunal "a quo" (cfr.fls.227 a 250 dos autos), terminando com as seguintes Conclusões:
1-A ora recorrida apresentou junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja uma impugnação judicial contra o acto de indeferimento parcial proferido no âmbito da reclamação graciosa apresentada contra as autoliquidações de juros compensatórios relativas ao IRC de 2005 e de 2006, no montante global de € 313.273,08, tendo obtido provimento integral por sentença do Tribunal a quo de 15 de Outubro de 2014;
2-Não obstante concordar com toda a matéria de facto dada como provada, entende a Fazenda Pública que o Tribunal a quo fez «errada interpretação e aplicação das normas de direito fiscal aplicáveis à situação sub judice» - cfr. artigo 12 das alegações de recurso apresentadas;
3-O Tribunal a quo fez boa interpretação das normas aplicáveis in casu ao considerar que, da leitura conjugada dos artigos 112 e 114 (hoje 120° e 122°, respectivamente) do Código do IRC, resulta com clareza a inexistência de qualquer retardamento da liquidação para efeitos da liquidação de juros compensatórios, devendo a sentença recorrida ser integralmente mantida com as demais consequências legais;
4-Da combinação dos dois normativos mencionados resulta que sempre que, tendo apresentado as declarações modelo 22 de IRC dentro do prazo geral previsto no então artigo 112 (hoje 120) do Código do IRC, os sujeitos passivos verifiquem que foi liquidado imposto inferior ao devido, podem, mesmo fora daquele prazo geral, apresentar declaração de substituição;
5-No caso em apreço, resulta do probatório que: i) as declarações de rendimentos de IRC, relativas aos exercícios de 2005 e de 2006 foram ambas apresentadas dentro do prazo previsto no artigo 112 (hoje 120) do Código do IRC; ii) o artigo 114 (hoje 122) do Código o IRC, salvaguarda expressamente a possibilidade de apresentação de declaração de substituição para além daquele prazo geral, quando tenha sido liquidado imposto inferior ao devido, o que a ora recorrida fez, para os dois exercícios em 8 de Fevereiro de 2008; e iii) o imposto autoliquidado foi sempre pago no próprio dia em que foram entregues as declarações (originárias e de substituição);
6-À luz dos factos provados e na esteira do decidido na sentença recorrida «Há que registar, deste modo, que é manifesto não ocorrer in casu retardamento do cumprimento da obrigação declarativa quer porquanto a declaração inicial de ambos os exercícios foi atempada, quer porquanto a declaração de substituição se integra de entre os casos admissíveis (previstos no citado artigo 114 do Código do IRS), o que exclui aquela configuração de extemporaneidade antes referida» - cfr. sentença recorrida, p.18;
7-No entanto, caso se entenda ter havido retardamento da liquidação e pagamento do imposto, deverá, ainda assim, ser mantido o sentido da sentença recorrida, na medida em que, além do elemento objectivo, também o elemento subjectivo da responsabilidade, por juros compensatórios, se encontra por verificar;
8-Como resulta do probatório fixado pelo Tribunal a quo, a recorrida é uma sociedade anónima que se encontra abrangida pela lei n°171/99, de 18 de Setembro, diploma de combate à desertificação e recuperação do desenvolvimento nas áreas do interior;
9-Nos exercícios de 2005 e 2006, a recorrida reunia as condições do citado diploma e demais condições exigidas por lei para usufruir da redução de taxa para 20% aí prevista, razão pela qual recorreu aos incentivos fiscais à interioridade;
10-Só por ocasião da preparação do fecho contabilístico das contas do exercício de 2007, a recorrida tomou conhecimento de uma regra de minimis ao regime de redução de taxa, tendo, afinal, verificado que os incentivos fiscais à interioridade se encontrariam efectivamente sujeitos a um limite máximo decorrente, não da Lei n°171/99, de 18 de Setembro, mas sim de uma Portaria que teria, uns anos mais tarde, procurado limitar o benefício concedido pela própria lei;
11-O limite imposto pela Portaria, não teve qualquer efeito prático sobre os formulários modelo 22 de IRC que jamais traduziram, quer nos campos dedicados ao benefício fiscal em causa, quer nas respectivas instruções de preenchimento, a introdução da referida regra de minimis;
12-Verificando ter beneficiado de uma redução de imposto superior ao limite máximo de € 100.000,00 estabelecido na Portaria 170/2002, de 28 de Fevereiro, a recorrida procedeu, de imediato, à apresentação de declarações de substituição e autoliquidação de imposto relativas aos exercícios de 2005 e 2006 e ao pagamento de todo o imposto a regularizar no valor de, respectivamente, € 5.294.447,41 e € 10.369.206,58 (acrescido dos respectivos juros compensatórios), num total de € 15.976.927,07;
13-Atentos os factos descritos, caso V. Exas. entendam que se encontra verificado o elemento objectivo da responsabilidade por juros compensatórios, consubstanciado no retardamento da liquidação/entrega de imposto, deverão ser aditados ao probatório, para análise do respectivo elemento subjectivo e, em particular, para avaliar da censurabilidade da actuação da recorrida, os seguintes factos:
• Nas datas em que foram entregues as declarações anuais de rendimentos relativas a 2005 e a 2006, não decorria da Lei n°171/99, de 18 de Setembro qualquer limite de minimis à aplicação da taxa reduzida de 20% aí prevista;
• Nas datas em que foram entregues as declarações anuais de rendimentos relativas a 2005 e a 2006, o formulário modelo 22 de IRC aplicável não fazia qualquer referência à imposição de limites de minimis, comportando apenas um campo para aplicação da taxa reduzida - cfr. doc. n°4 e doc. n°5 em anexo à impugnação;
• As instruções anexas aos formulários modelo 22 aplicáveis aos rendimentos dos exercícios de 2005 e de 2006 não continham qualquer referência à existência de limites à aplicação da taxa reduzida de 20% - cfr. doc. n°6 em anexo à p.i. de impugnação e Despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais n.° 9/2007-XVII, de 4 de Janeiro;
• A submissão, por transmissão electrónica de dados, das declarações modelo 22 relativas aos anos de 2005 e de 2006 não gerava qualquer erro ou alerta informático impeditivo, na ausência da aplicação do limite à matéria colectável que podia beneficiar da taxa reduzida de 20%;
• Nas datas em que foram entregues as declarações de substituição relativas aos exercícios de 2005 e de 2006, o formulário modelo 22 de IRC aplicável continuava a não fazer qualquer referência à imposição de limites de minimis ao benefício fiscal em causa e não fornecia nenhum mecanismo adequado à correcção da matéria colectável excedentária desse limite, incorrectamente tributada à taxa reduzida de 20% - cfr. doc. n°2 e doc. nº3 em anexo à p.i. e impugnação.
14-No que respeita ao elemento subjectivo da responsabilidade por juros compensatórios, e como entende a melhor doutrina «não basta, porém, uma conexão objectiva entre o atraso e a actuação do contribuinte», sendo que «é necessário que a sua conduta seja censurável, a título de dolo ou negligência» (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, "Juros nas Relações Tributárias", in Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis Editores, Lisboa, 1999);
15-Como atesta a jurisprudência dos Tribunais superiores: «1. Os juros compensatórios pressupõem comportamento culposo do contribuinte que, nomeadamente, por falta da entrega atempada da declaração, não permitiu a liquidação em tempo da sua dívida de imposto. 2. Se o contribuinte apresentou errada declaração dos seus rendimentos, mas corrigiu esta no prazo que lhe foi fixado pela Administração Tributária, não são devidos juros compensatórios liquidados por um período de três anos posteriores à correcção daquela declaração, pois que a Administração Tributária poderia em tempo proceder à respectiva liquidação» - cfr. Acórdão do TCA Norte, de 7 de Dezembro de 2005, proferido no processo n°00479/04;
16-No caso concreto, verifica-se que a recorrida, actuando sempre de boa fé e confiando na letra da lei, procedeu à autoliquidação de imposto, aplicando a taxa reduzida de IRC à totalidade do seu lucro tributável, tendo sido igualmente no uso de boa fé que, através das declarações de substituição, se antecipou a qualquer correcção ou fixação de prazo pela AT para corrigir o erro que constatou existir nas suas autoliquidações pela aplicação da taxa reduzida de 20% à totalidade da sua matéria tributável;
17-Trata-se manifestamente de um caso de erro evidenciado na declaração - como admite expressamente a AT - que poderia ter sido objecto de correcção oficiosa dentro do prazo de três anos, independentemente de iniciativa do contribuinte, como resulta do próprio despacho de deferimento objecto dos presentes autos;
18-A verdade é que tal "lapso" não foi detectado pela AT, certamente porque a própria declaração modelo 22 estava mal construída, e só a própria recorrida a detectou e regularizou de imediato;
19-Quanto à razoabilidade da interpretação da lei feita pela recorrida, esta limitou-se a aplicar o que dispunha a própria Lei n°171/99, de 18 de Setembro, e a preencher a modelo 22 da forma que se afigurava mais razoável, fazendo aplicar a taxa à matéria colectável, sendo certo que nem a lei nem a declaração modelo 22 em momento algum faziam qualquer referência à existência de limites ao benefício que aparentavam conceder;
20-Em momento algum, a AT suscitou a mais pequena dúvida sobre a aplicação dessa taxa reduzida à totalidade da matéria tributável;
21-Atenta a boa fé manifestada em toda a questão e o controverso enquadramento legislativo do limite ao benefício fiscal, deve entender-se que a ora recorrida agiu sem culpa ao preencher as declarações de imposto e autoliquidar IRC, aplicando a taxa reduzida de 20% à totalidade da matéria tributável de acordo com as supracitadas instruções oficiais de preenchimento da declaração modelo 22;
22-É manifestamente insuficiente a alegação da AT no sentido de que é «imputável ao sujeito passivo, ainda que por negligência, o retardamento da liquidação de imposto» e muito menos que «não existe fundamento legal para a dispensa do pagamento dos (...) juros» para fundamentar adequadamente a manutenção das auto liquidações de juros compensatórios - cfr. projecto de decisão junto como doc. n°3 à p.i. de impugnação;
23-As normas aplicáveis - e.g. artigos 94 (hoje 102) do Código do IRC e 35 da LGT - a doutrina e a jurisprudência expressas, conduzem necessariamente à conclusão de não se encontrar verificado também o elemento subjectivo da responsabilidade por juros compensatórios;
24-Perante a inexistência de qualquer dolo ou sequer negligência na actuação da recorrida, que se pautou sempre pela boa fé, como se demonstrou, não pode a AT alimentar a pretensão de lhe imputar juros compensatórios, devendo o sentido da sentença recorrida ser integralmente mantido, com as demais consequências legais;
25-Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado improcedente, por não provado, mantendo-se a sentença recorrida no sentido da anulação das autoliquidações de juros compensatórios relativas a 2005 e 2006:
a) por não se verificar o elemento objectivo da respectiva responsabilidade, tal como decidido pelo Tribunal a quo, ou, assim não se entendendo;
b) por não se verificar o respectivo elemento subjectivo, para cuja análise deverá ser ampliada a matéria de facto nos termos requeridos.
Nestes termos será respeitado o DIREITO e feita JUSTIÇA.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de se conceder provimento ao presente recurso (cfr.fls.262 e 263 dos autos).
X
Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.169 a 176 dos autos):
1-A impugnante, "S…………… - Sociedade …………….., S.A.", com o n.i.p.c. ……………, é uma sociedade anónima que tem como actividade a extracção e reparação de outros minérios metálicos não ferrosos (cfr.informação exarada no âmbito do processo de reclamação graciosa constante de fls.47 a 53 do processo administrativo apenso);
2-Tem a sua sede na Mina …………., Santa …………., Castro Verde (cfr.informação exarada no âmbito do processo de reclamação graciosa constante de fls.47 a 53 do processo administrativo apenso);
3-A sociedade impugnante é sujeito passivo de IRC encontrando-se abrangida pelo diploma de combate à desertificação e recuperação do desenvolvimento nas áreas do interior em razão do que beneficia de uma taxa reduzida de 20% (cfr.informação exarada no âmbito do processo de reclamação graciosa constante de fls.47 a 53 do processo administrativo apenso);
4-Em 29/05/2006 a sociedade impugnante entregou a declaração modelo 22 de IRC relativamente ao exercício de 2005 dando origem à liquidação n°……………….. no montante de € 16.850.518,10 (cfr.documento junto a fls.33 a 37 do processo administrativo apenso; informação exarada no âmbito do processo de reclamação graciosa constante de fls.47 a 53 do processo administrativo apenso);
5-Em 24/05/2007 a sobredita sociedade procedeu à entrega da mesma declaração, desta feita relativa ao ano de 2006, dando origem à liquidação n°……………. no montante de € 24.314.479,60 (cfr.documento junto a fls.38 a 42 do processo administrativo apenso; informação exarada no âmbito do processo de reclamação graciosa constante de fls.47 a 53 do processo administrativo apenso);
6-Em data não apurada, mas seguramente antes de 8/02/2008, a impugnante verificou que a declaração de IRC apresentada nos citados exercícios beneficiou de uma redução de imposto superior àquela que lhe era legalmente concedida de acordo com portaria que fixa as regras necessárias ao integral respeito pela decisão da Comissão Europeia relativamente aos incentivos fiscais previstos;
7-Verificando que de acordo com o que fez inscrever naquelas declarações ultrapassou o regime de redução de taxa fixado na redução máxima de imposto de € 100.000,00, em 8/02/2008 a impugnante apresentou declarações de substituição modelo 22 relativamente aos exercícios citados;
8-Autoliquidou, desta forma, para o ano de 2005, IRC no valor de € 22.144.965,00 e juros compensatórios de € 105.888,95, a que correspondeu a liquidação n°……………. (cfr.documento junto a fls.23 a 27 do processo administrativo apenso; informação exarada no âmbito do processo de reclamação graciosa constante de fls.47 a 53 do processo administrativo apenso);
9-Para o ano de 2006 autoliquidou IRC no valor de € 34.683.686,17 e juros compensatórios de € 207.384,13, a que correspondeu a liquidação n°………………. (cfr. documento junto a fls.28 a 32 do processo administrativo apenso; informação exarada no âmbito do processo de reclamação graciosa constante de fls.47 a 53 do processo administrativo apenso);
10-Os aludidos juros compensatórios foram fixados e liquidados pela impugnante em 180 dias (cfr.informação exarada no âmbito do processo de reclamação graciosa constante de fls.47 a 53 do processo administrativo apenso; factualidade admitida pelo impugnante no artº.30 da p.i.);
11-Aquando da apresentação das declarações de substituição a sociedade impugnante procedeu ao pagamento de imposto a regularizar, acrescendo-lhe juros compensatórios, tudo nos montantes globais, respectivamente, para os anos de 2005 e 2006 de € 5.400.336,36 e € 10.576.590,71 (cfr.documentos juntos a fls.44 e 45 do processo administrativo apenso; informação exarada no âmbito do processo de reclamação graciosa constante de fls.47 a 53 do processo administrativo apenso);
12-A Administração Fiscal, após a recepção das referidas declarações de substituição procedeu à emissão de liquidações de juros compensatórios contabilizados do seguinte modo:
- liquidação n°…………………, no valor de 358.571,89€, quanto ao ano de 2005 e contados desde 1/06/2006 a 8/02/2008;
- liquidação n°………………, no valor de 287.496,90€, quanto ao ano de 2006 e contados desde 1/06/2007 até 8/02/2008 (cfr.documentos juntos a fls.18 e 21 do processo administrativo apenso; informação exarada no âmbito do processo de reclamação graciosa constante de fls.47 a 53 do processo administrativo apenso);
13-Não se conformando com estas liquidações a sociedade impugnante apresentou reclamação graciosa (cfr.documento junto a fls.39 a 47 dos presentes autos);
14-A reclamação graciosa culminou com despacho de deferimento parcial nos seguintes termos (cfr.documento junto a fls.60 do processo administrativo apenso):
"(...)
Considerando a presente proposta e seus fundamentos, bem como o que consta da informação proposta de folhas 42 a 48 bem como dos documentos juntos ao processo que se dão aqui como inteiramente reproduzidos, defiro parcialmente o pedido mantendo no valor e na forma os montantes de juros compensatórios calculados na autoliquidação promovida pela reclamante nas declarações de substituição e determinando a anulação das notas de cobrança emitidas pela AT identificadas na informação / proposta referenciada, reconhecendo que é imputável ao sujeito passivo ainda que por negligência, o retardamento da liquidação do imposto em falta que originaram e que não existe fundamento legal para a dispensa de pagamento dos referidos juros. (...)"
15-Das conclusões da mencionada informação/proposta consta, além do mais, que:
"(...)
- A reclamante aquando das 1ªs declaração de modelo 22 relativas quer ao exercício de 2005 quer ao de 2006, apresentadas respectivamente em 2006-05-29 e 2007-05-24, assinalou, como aliás é visível no documento anexo, o campo 245 do Quadro 8 relativo aos "Incentivos fiscais à Interioridade" (Lei 171/99, de 18 de Setembro), bem como o regime de tributação dos rendimentos "5", indicativo da redução de taxa conforme Quadro 04.4, Campo 5.
- A Lei n°171/99, de 18 de Setembro (mantida em vigor nos anos de 2005 e 2006 pelo n°7 do art.29°da Lei n°55-B/2004, de 30/12) foi regulamentada por força do seu art.13°pela Decreto-Lei nº310/2001, de 10 de Dezembro, que no seu art.6° remete para portaria conjunta dos Ministérios das Finanças, do Planeamento e do Trabalho e Segurança Social, a definição das "disposições necessárias para assegurar, ao longo do período de implementação, o integral respeito pela decisão da Comissão Europeia relativamente aos incentivos em causa nomeadamente no que se refere à sua aplicação às diferentes actividades económicas”. Seria a Portaria n°170/2002, de 28 de Fevereiro, a definir entre outras limitações o tecto máximo de € 100.000,00 por cada período de 3 anos para os incentivos referidos no art.7° da Lei n°171/99 (Ver n°5 do art.4° da Portaria citada).
- No caso do IRC em que, como regra, deve ocorrer autoliquidação, impõe-se à Administração Tributária, que esta controle as declarações não sendo indicado qualquer prazo para ser exercido esse dever pelo que a correcção poderá operar-se enquanto não caducar o direito de proceder à liquidação adicional.
- No ofício-circulado nº20072, de 8 de Julho de 2002, da Direcção de Serviços de IRC, "salienta-se ... que um certo número de erros e omissões praticados nas declarações periódicas de rendimentos, designadamente nos seus quadros 09 e 10 são automaticamente corrigidas no procedimento de liquidação. Nestes casos não há necessidade de intervenção dos sujeitos passivos para obter a respectiva correcção e deste facto deverão os mesmos ser devidamente informados sempre que tal situação se suscite. Estão nestas condições as seguintes incorrecções ou omissões,
- erro no cálculo da coleta, designadamente por errada aplicação da taxa [campos 347 a 351 e 370];
- erro no valor declarado a reembolsar ou a pagar [campos 361, 362, 367 e 368];
- erro no cálculo da derrama [campo 364];
- erro no montante declarado de pagamentos por conta (excepto quanto ao pagamento especial por conta) [campo 360].
- A reclamante com as declarações de rendimentos modelo 22 de substituição apresentadas em cumprimento do disposto no artigo 114° do CIRC com o pagamento do IRC em falta e dos respectivos juros compensatórios pretendeu corrigir o erro praticado no quadro 10 - "Calculo do Imposto" das declarações iniciais substituindo-se assim à Administração Tributária que com base nos elementos fornecidos nestas declarações poderia ter suprido as incorrecções aí perfeitamente detectáveis. De facto, poderia a Administração Tributária ter criado, com base na legislação referida, uma rotina informática que permitisse o controlo automático das autoliquidações do IRC. Isto, sem prejuízo da omissão praticada pela reclamante decorrente do não preenchimento do Quadro 8 do Anexo F (Benefícios Fiscais) da Declaração Anual referida na al. c) do Art.109° e no Art.113° ambos do código do IRC.
- Parece, pois, que a liquidação correctiva decorre de um erro evidenciado na declaração de rendimentos mod. 22 cuja detecção dispensaria perfeitamente a verificação da contabilidade da reclamante e que se poderá considerar abrangido pelo conceito definido na norma do n°7 do artº35° da LGT pelo que o prazo máximo de contagem dos juros compensatórios no presente caso seria o de 180 dias aí referido.
Pelo que:
Será de deferir, parcialmente, o requerido mantendo no valor e na forma a autoliquidação dos juros compensatórios efectuada pela reclamante nas declarações de substituição apresentadas em 2008-02-08 relativamente aos exercícios de 2005 e 2006 no valor respectivamente de € 105.888,95 e de € 207.384,13 e anulando as notas de cobrança n°s ……………. e ………………. no valor de € 252.682,93 e no valor € 80.112,76.
(...)"
(cfr.informação exarada no âmbito do processo de reclamação graciosa constante de fls.47 a 53 do processo administrativo apenso);
16-A sociedade impugnante foi notificada daquele despacho de 7/08/2008, através de ofício registado em 29/08/2008 (cfr.documentos juntos a fls.64 e 65 processo administrativo apenso);
17-Não se conformando com o mesmo apresentou a petição inicial que deu origem aos presentes autos em 18/09/2008 (cfr.data de entrada aposta a fls.2 dos presentes autos).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “...Não resultam assentes os factos alegados que se mostrem contrários aos que resultaram assentes.
No demais são consideradas asserções que constituem conclusões de facto e/ou direito ou relativamente aos quais inexiste meio de prova…”.
X
A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no teor dos documentos dos autos, designadamente documentos 1 a 5, 7 e 8, 9 e 10 juntos com a petição inicial bem como o processo administrativo apenso…”.
X
Levando em consideração que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou em prova documental constante dos presentes autos e apenso, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa igualmente relevante para a decisão do recurso e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.662, nº.1, do C.P.Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
18-As instruções anexas aos formulários modelo 22 aplicáveis aos rendimentos dos exercícios de 2005 e de 2006 não continham qualquer referência à existência de limites à aplicação da taxa de I.R.C. reduzida a 20% e aplicável a contribuintes cuja actividade principal se situe no interior do país (cfr.documentos juntos a fls.26 a 36 dos presentes autos).
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu, em síntese, julgar procedente a impugnação, em virtude da inexistência do pressuposto objectivo fundante da liquidação de juros compensatórios no caso concreto, em consequência do que anulou as auto-liquidações objecto do processo (cfr.nºs.8 e 9 do probatório).
X
Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
X
Começa por fazer-se uma breve referência ao pedido de aditamento de factualidade ao probatório por parte da sociedade impugnante/recorrida constante das conclusões das suas contra-alegações de recurso.
Não tendo a sociedade impugnante/recorrida apresentado recurso da decisão do Tribunal "a quo", ainda que com cariz subordinado, igualmente não tendo pedido a ampliação do âmbito da apelação deduzida pela Fazenda Pública (cfr.artºs.633 e 636, do C.P.Civil), não tinha este Tribunal obrigação de examinar tal pedido de aditamento ao probatório de factualidade.
Apesar disso, remete-se a sociedade recorrida para a factualidade aditada à decisão sobre a matéria de facto e supra exarada. Por último, sempre se dirá que a restante matéria que a recorrida pugna por que se adite ao probatório se reconduz a meros juízos conclusivos (matéria de carácter conclusivo (1)que não pode ser dada como provada - cfr.v.g. nas datas em que foram entregues as declarações anuais de rendimentos relativas a 2005 e a 2006, não decorria da Lei n°171/99, de 18 de Setembro qualquer limite de minimis à aplicação da taxa reduzida de 20% aí prevista) ou, por outro lado, não se encontra produzida prova sobre a mesma (cfr.v.g. a submissão, por transmissão electrónica de dados, das declarações modelo 22 relativas aos anos de 2005 e de 2006 não gerava qualquer erro ou alerta informático impeditivo, na ausência da aplicação do limite à matéria colectável que podia beneficiar da taxa reduzida de 20%).
X
Passemos ao exame do recurso deduzido pela Fazenda Pública.
O recorrente discorda do decidido sustentando, em síntese e como supra se menciona, que a decisão recorrida fez uma errada aplicação do direito à situação em crise, ao considerar que as declarações de rendimentos e o imposto pago ao abrigo da disposição do artº.114, do C.I.R.C., o tinham sido no prazo legal. Que interpretou de forma incorreta a disposição do citado artº.114, do C.I.R.C., ao considerar ainda como prazo legal para o cumprimento das obrigações declarativas e de pagamento de imposto, aquele que resulta desta norma. Contrariamente ao considerado na sentença do Tribunal "a quo", a entrega de declaração de substituição ao abrigo do disposto no aludido preceito legal, não exclui a extemporaneidade de tais declarações e, como tal, o retardamento, por facto imputável ao contribuinte, de parte do imposto devido, correspondente ao excesso de benefício fiscal usufruído, sempre estará sujeito a juros compensatórios (cfr.conclusões 1 a 13 do recurso), com base em tal alegação pretendendo consubstanciar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
Os juros compensatórios podem definir-se como os que constituem compensação para o credor, por certas utilidades concedidas ao devedor, tendo a função de completar a indemnização devida, assim reparando o credor prejudicado do ganho perdido até que tenha conseguido a reintegração do seu crédito. No âmbito do direito tributário os juros compensatórios podem configurar-se como tendo a natureza de uma verdadeira cláusula penal legal, aparecendo como um agravamento “ex lege” ao imposto, sendo incluídos na liquidação deste e arrecadados juntamente com ele, tendo os mesmos prazos de cobrança e estando sujeitos ao mesmo período prescricional, sobre ambos podendo incidir o cálculo dos juros de mora (cfr.artº.83, do C.P.T.; artº.35, da L.G.T.; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 27/11/96, C.T.F.387, pág.285 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/10/2013, proc.6670/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 24/9/2015, proc.8225/14; Francisco Rodrigues Pardal, Juros Compensatórios, C.T.F.114, pág.37 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª. edição, Encontro da Escrita, 2012, pág.283 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, IV volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.234 e seg.).
Esta natureza dos juros compensatórios, como componente da dívida global de imposto, resulta hoje, com evidência, do preceituado no artº.35, nº.8, da L.G.T.
A responsabilidade pelo pagamento de juros compensatórios depende da existência de uma situação em que apareça uma dívida de imposto (que serve de base ao cálculo dos juros), verificados os seguintes pressupostos:
1-Actos ou omissões que levem a um atraso na estruturação de uma liquidação; ou
2-Não pagamento de imposto que deva ser efectuado antecipadamente (sem prévia notificação do sujeito passivo pela administração tributária); ou
3-Não pagamento de imposto que foi retido ou que deveria ter sido retido e entregue à administração tributária; ou
4-Reembolso superior ao devido;
5-Atraso na liquidação ou entrega do imposto ou reembolso indevido imputáveis ao contribuinte, isto é, quando exista nexo de causalidade entre a actuação do contribuinte e aquele atraso ou reembolso;
6-Que o retardamento ou reembolso seja imputável ao contribuinte a título de culpa (cfr.artº.35, nº.1, da L.G.T.; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª. Secção, 21/1/2015, rec.632/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/10/2013, proc.6670/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 24/9/2015, proc.8225/14; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, IV volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.235).
Voltando ao caso dos autos, e contrariamente ao decidido pelo Tribunal "a quo", existe retardamento do cumprimento da obrigação de liquidação de imposto por parte do sujeito passivo, ao apresentar declarações de substituição ao abrigo do artº.114, nº.1, do C.I.R.C., na redacção resultante do dec.lei 198/2001, de 3/7 (norma em vigor nos anos de 2005 e 2006; actualmente vide o artº.122, do C.I.R.C.; anteriormente artº.97, do C.I.R.C.), a qual estatuía:
Artº.114
(Declaração de substituição)
1-Quando tenha sido liquidado imposto inferior ao devido ou declarado prejuízo fiscal superior ao efectivo, pode ser apresentada declaração de substituição, ainda que fora do prazo legalmente estabelecido, e efectuado o pagamento do imposto em falta.

A norma sob exegese permite ao sujeito passivo de imposto a apresentação de uma declaração periódica de substituição, ainda que fora do prazo legalmente estabelecido para o efeito (último dia útil do mês de Maio - cfr.artº.112, nº.1, do C.I.R.C., na redacção em vigor em 2005 e 2006), além do mais, quando tenha liquidado imposto inferior ao devido, desta forma se antecipando à actuação da A. Fiscal e fazendo cessar a contagem dos juros compensatórios (cfr.F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5ª.edição, 1996, pag.651; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, IV volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.237).
Concluindo, do preceito examinado não se pode retirar que não existe retardamento do cumprimento da obrigação de liquidação de imposto por parte do sujeito passivo, ao apresentar declarações de substituição. Pelo contrário, existe retardamento previsto na norma, face ao qual devem ser liquidados juros compensatórios, salvo quando não estejam reunidos os pressupostos do seu apuramento.
Passando ao apuramento dos juros compensatórios, desde logo, se deve concluir que nos encontramos perante erro do sujeito passivo evidenciado na declaração (recorde-se que em sede de I.R.C. o sistema regra é o da auto-liquidação - cfr.artº.83, nº.1, al.a), do C.I.R.C., na redacção em vigor em 2005 e 2005; actualmente artº.90, nº.1, al.a), do C.I.R.C.), pelo que os juros compensatórios somente são devidos pelo prazo máximo de 180 dias, atento o disposto no artº.35, nº.7, da L.G.T.
Haverá, agora, que saber se estão reunidos os pressupostos para a liquidação de juros compensatórios no caso "sub judice", os quais se encontram enumerados supra.
Está em causa a apreciação do nexo de culpa e de causalidade face à conduta da sociedade impugnante/recorrida, tendo em consideração o objectivo retardamento no pagamento do imposto.
Conforme se alude acima, deverá entender-se a imputabilidade a que alude o artº.35, nº.1, da L.G.T., como exigindo que possa formular-se um juízo de censura (derivado de uma actuação dolosa ou meramente negligente) ao sujeito passivo. A culpa, na falta de outro critério, deverá ser aferida pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso (cfr.artº.487, nº.2, do C.Civil). A boa-fé é de presumir (cfr.artº. 59, nº.2, da L.G.T.), pelo que a determinação da culpa reconduzir-se-á, na maior parte dos casos, à apreciação da razoabilidade da interpretação da lei que fez o contribuinte. Pressuposto da obrigação do pagamento dos juros compensatórios é, por isso, que o facto seja subjectivamente imputável ao sujeito passivo, isto é, que sobre ele possa recair um juízo de censura ou reprovação da conduta do agente, porque podia e devia, nas circunstâncias do caso, ter agido diversamente (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, IV volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.235 e seg.).
Já quanto ao nexo de causalidade se dirá que a conduta do contribuinte é causal face ao retardamento do pagamento do imposto, adoptando-se o conceito previsto no artº.563, do C.Civil, visto que nos encontramos perante uma forma de responsabilidade civil, se for de um tipo que devesse normalmente conduzir ao mesmo retardamento e, consequentemente, estará esse nexo excluído se, no caso concreto, o mesmo retardamento só ocorreu devido a circunstâncias excepcionais ou anómalas (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, IV volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.236 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, deve concluir-se pela imputabilidade, a título negligente, do objectivo retardamento parcial do pagamento da totalidade do imposto devido, à sociedade impugnante/recorrida, situação que a mesma reconhece ao liquidar, de imediato, os juros compensatórios previstos no artº.35, nº.7, da L.G.T. (cfr.nºs.7 a 10 do probatório). Assim é, porquanto, no preenchimento das declarações m/22 relativas aos anos de 2005 e 2006, a mesma devia ter levado em consideração o disposto na Portaria 170/2002, de 28/2, diploma que consagrava, entre outras limitações, o tecto máximo de € 100.000,00 por cada período de 3 anos para os incentivos referidos no artº.7, da Lei 171/99, de 18/9 (cfr.artº.5, nº.4, da Portaria 170/2002, de 28/2). Por outras palavras, a sociedade recorrida, ao proceder à auto-liquidação de I.R.C., não respeitou o enquadramento legal vigente na altura no que se refere à aplicabilidade da taxa reduzida de imposto consagrada no citado artº.7, da Lei 171/99, de 18/9 (e não desculpabiliza tal erro a alegada falta de menção do regime legal nas instruções de preenchimento da m/22 - recorde-se que a ignorância da lei não justifica a sua falta de cumprimento; cfr.artº.6, do C.Civil) Por outro lado, deve concluir-se pela existência de um juízo de causalidade adequada por parte da conduta da mesma sociedade face ao verificado retardamento parcial no pagamento da totalidade do imposto.
Terminando, sem necessidade de mais amplas ponderações, julga-se procedente o recurso deduzido pela Fazenda Pública e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida, a qual padece do vício de erro de julgamento de direito devido a violação do disposto no artº.114, do C.I.R.C. (redacção vigente em 2005/2006), mais se julgando improcedente a presente impugnação, ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO e, em consequência, revogar a decisão recorrida e julgar improcedente a impugnação, mais se mantendo as auto-liquidações de juros compensatórios objecto dos presentes autos (cfr.nºs.8 e 9 da matéria de facto provada).
X
Condena-se a sociedade recorrida em custas.
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 19 de Novembro de 2015



(Joaquim Condesso - Relator)
(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)

(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)

(quanto à destrinça entre matéria de facto e juízos conclusivos de facto vide António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág.237 e seg.; José Lebre de Freitas e Outros, C.P.Civil anotado, Volume II, Coimbra Editora, 2008, pág.605 e seg.).