Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03054/09
Secção:CT-2ºJUÍZO
Data do Acordão:06/09/2009
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IRS.
MANIFESTAÇÃO DE FORTUNA.
PROVA.
Sumário:1. Há lugar à avaliação indirecta da matéria tributável quando o contribuinte evidencie alguma das manifestações de fortuna previstas no n.°4 do art.°89.°-A da LGT;
2. Evidenciada alguma destas manifestações, cabe ao contribuinte a prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas não se encontra sujeita a tributação em IRS;
3. No caso de os rendimentos declarados em sede de IRS e do empréstimo contraído pelo sujeito passivo totalizar montante inferior ao da manifestação de fortuna, não pode entender-se que foi feita a prova dos n.°s 3 e 4 do art.° 89.°-A da LGT, e que, por isso, não pode deixar de se manter a avaliação indirecta da rendimento tributável.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.a Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:

A. O Relatório.
1. M……………….., identificada nos autos, dizendo-se inconformada com a sentença proferida pelo M. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, que negou provimento ao recurso interposto contra o despacho que lhe determinou a fixação do seu rendimento de IRS de 2004 por avaliação indirecta, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na integra se reproduzem:
1- A Requerente adquiriu, no ano de 2004, um Imóvel pelo valor de € 411.500,00, tendo declarado um rendimento global nesse mesmo período de apenas € 23.329,56.
2- Tal disparidade de valores poderia consubstanciar, à partida, uma situação de manifestação de fortuna, nos termos da lei aplicável.
3- No entanto, a recorrente esclareceu a Administração Fiscal e provou cabalmente a proveniência dos montantes com que adquiriu o Imóvel.
4- Para o efeito, foi concedido à Recorrente, pelo BES, um empréstimo bancário sob a forma de crédito à habitação, no montante de € 274.000,00.
5- Mais foi mutuado à Recorrente, pelo seu actual marido, R………, a quantia de € 137.500,00.
6- O empréstimo bancário concedido pelo B……., no valor de € 274.000,00, foi dado por provado pelo Meritíssimo Juiz a quo.
7- No entanto, o Meritíssimo Juiz a quo deu por não provado o montante mutuado por R………… à Recorrente, no montante de € 137.500,00.
8- Na opinião da Recorrente constitui erro na apreciação da prova o facto de ter sido dado por não provado o mútuo concedido por R……… à Recorrente, porquanto:
i) foi feita prova cabal desse mesmo mútuo em sede procedimental - mediante apresentação de declaração outorgada por R………. atestando que mutuou a referida quantia à Recorrente, bem como de junção de cópia do cheque entregue por este à Vendedora para pagamento desse montante;
ii) A Administração Fiscal não produziu qualquer meio de prova contrário à prova apresentada;
ii) não procede nenhum dos argumentos alegados pelo Meritíssimo Juiz a quo com o intuito de "desconsiderar" a prova apresentada.
9- Pelo que deve a sentença ora recorrida ser revogada, por erro na apreciação da matéria de facto.
10 - Por outro lado, considera a Recorrente que a referida sentença padece igualmente de erro na apreciação da matéria de direito, na medida em que não se verificam no caso em análise nenhum dos requisitos previstos para aplicação dos artigos 87.° e 89.°-A da LGT.
11- De facto, a sentença ora recorrida dá por provado o empréstimo concedido pelo B….. no valor de € 274.000,00, pelo que apenas quanto ao mútuo de € 137.500,00 concedido por R…………. podia operar a presunção a que se refere o artigo 89.°-A da LGT.
12- No entanto, o mútuo no valor de € 137.500,00 não excede o montante previsto no n.° 4 do art.° 89.°-A da LGT, pelo que jamais haveria lugar à aplicação de métodos indirectos.
14- De qualquer forma, nos termos do n.° l do artigo 89.°-A da LGT, as presunções ai previstas só podem ser aplicadas se o rendimento declarado (€ 23.329,56) for inferior em mais de 50% em relação ao rendimento padrão (€ 27.500,00), o que significa que o rendimento declarado teria que ser inferior a € 13.750,00, o que não é o caso, pelo que também por esta via seria inaplicável o artigo 89.°-A da LGT.
15- Tudo visto, e porque deve dar-se por provado que o Imóvel foi adquirido na totalidade com recurso a capitais alheios e porque, ainda que não se considerasse provado o mútuo concedido pelo marido da Recorrente, a parte restante não permitiria a aplicação do artigo 89.°-A da LGT, sempre terá que considerar-se ilegal a sentença ora recorrida, por violação de lei.

Neste termos, e nos demais de Direito que V. Ex.a doutamente suprirá, deverá o presente recurso ser considerado procedente, por provado, e em consequência, ser revogada a sentença ora recorrida, por erro na apreciação da prova e ilegalidade.

Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito suspensivo.

Também a recorrida veio a apresentar as suas alegações e nestas as respectivas conclusões, as quais igualmente na íntegra se reproduzem:

A - Não existe erro na apreciação da prova, porque :
A. l - O preço da compra foi de 411 500, 00 €r pago com base num empréstimo comercial concedido pelo Banco ……………, no valor de 274.000,00 €, com hipoteca registada a favor deste e ainda com fiança prestada por R………, tudo devidamente titulado por escritura pública da mesma data.
A. 2 - Assim sendo, falta justificar a origem do pagamento do valor remanescente que, segundo a Recorrente Jurisdicional, assentou num mútuo concedido R……….. no valor total de 150 000, 00 €, sem vencimento de juros, sendo 137 500, 00 destinados ao pagamento do remanescente do preço e 12500,00€ para o pagamento de despesas conexas.
A. 3 - Ora e como documento subjacente a esse mútuo, surgiu uma cópia dum cheque pré-datado, emitido por R…………….., s/Banco …….., no valor de 137500,00 € e a favor da vendedora do imóvel em questão; a data da passagem do cheque é de 13/12/2008, sendo o mesmo válido até 09/06/2009.
A. 4 - Mas, porque a obrigatoriedade de inserção da data de validade dos cheques ocorreu na sequência da Lei n° 48/2005, do que resultou a Circular n° 6/2006/DPG do Banco de Portugal, válida a partir do início de 2006, nunca esse cheque poderia ter sido entregue à vendedora no acto da escritura de compra e venda (13/12/2004); a isto acresce o facto de a escritura de compra e venda ser omissa quanto a esta questão, pois aí é referido; "Que pelo preço de quatrocentos e onze mil e quinhentos euros, que da segunda outorgante já recebeu, a esta vende, a fracção autónoma ... .
A. 5 - Logo, o M.mo Juiz a quo nunca poderia dar como provado que o remanescente do preço fora pago com recurso a um mútuo efectuado pelo citado R………… à ora Recorrente Jurisdicional, sob pena de escamotear factos patentes e notórios, como seja a circunstância de esta: a ser exibido um cheque que, fisicamente, ainda não existia à data da escritura.
B - Também não existe erro na apreciação da matéria de direito, com base nos fundamentos a seguir indicados:
BI - Ao abrigo do disposto no art. 89.°-A da LGT foi fixado à aqui Recorrente Jurisdicional e com referência ao ano de 2004, um rendimento para efeitos de IRS no valor de 82 300, 00 €, pois apesar de ter sido provado que a escritura de compra e venda foi feita com recurso ao empréstimo bancário no valor de 274000,00 €, ainda assim subsiste por justificar a origem do remanescente, no quantitativo de 137500,00 €.
B. 2 - Porque o fim do art. 89°-A da LGT (e em particular dos seus n°s l, 2 e 4) é a prevenção da evasão fiscal, o mesmo permite à Administração Tributária socorrer-se da avaliação indirecta sempre que ocorra uma situação subsumível àquelas normas legais, o que foi o caso; isto significa que, para efeitos do cálculo consagrado naquela norma, deverá ser tido em linha de conta o referido valor de 137500,00 € mas considerando o rendimento-padrão calculado originariamente.
B. 3 - Isto porque, a aceitar-se a possibilidade de comprovação parcial do valor de aquisição para se aplicar ao valor remanescente as regras de cálculo do rendimento-padrão, conforme pretende a Recorrente Jurisdicional, isso traduziria um entendimento não coincidente com a teleologia da norma jurídica em causa.
B. 4 - Aliás, o entendimento expresso na sub-conclusão anterior tem substrato Jurisprudencial, a saber:
- Ac. TCA-Sul, de 20/04/2006, p° n° 1090/06;
- Ac. TCA-Sul, de 20/03/2007, p° n° 1678/07;
- Ac. n° 234/08, de 16/04/2008, da 2a Secção do S.T.A.;
- Sentença do TAF de Sintra, p° n°1263/08. 9BESNT.

Em face do exposto, deverá:
Negar-se provimento ao presente recurso, porque carecido de qualquer apoio legal.

A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, para além do desentranhamento dos autos dos documentos juntos com as alegações do recurso, nada mais veio a pronunciar-se (fls 303 e 307 dos autos).

Por se tratar de autos classificados de urgentes vêm os mesmos à Conferência sem a prévia recolha de vistos dos Exmos Juizes Adjuntos.

B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se deve ser alterada a matéria de facto constante no probatório da sentença recorrida no sentido propugnado pela recorrente; E se no caso se verificam os pressupostos para o rendimento tributável ser apurado por avaliação indirecta.

3. A matéria de facto.
Em sede de probatório o M. Juiz do Tribunal "a quo" fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na integra se reproduz:
1. Com referência ao ano de 2004, foi, a Recorrente, objecto de uma acção de inspecção visando comprovar se a mesma possuía capacidade aquisitiva compatível com os rendimentos declarados, nos termos do estabelecido 10 artigo 89°-A, da LGT, porquanto,
2. Naquele indicado ano, adquirira, pelo preço de € 411.500,00 o prédio urbano com inscrição matricial n.º …. da freguesia de São …….., L……, negócio formalizado por escritura de 13/12/2004, tendo declarado para efeitos de IRS, o rendimento global de € 23.329,56 (relatório de inspecção, a fIs. 5 do apenso instrutor);
3. No procedimento de inspecção, foram levadas a efeito diligências visando apurar a fonte dos rendimentos necessários à aquisição, as quais estão descritas nos pontos V e VI do relatório, que damos aqui por integralmente reproduzido face à sua extensão e de que consta, textual, expressa e, designadamente, o seguinte:
«14-Perante tais factos e em termos de análise conclusiva:
Em primeiro lugar, na resposta ao direito de audição, o sujeito passivo refere que o remanescente valor (€ 137.500,00), para proceder à liquidação do valor total da aquisição, socorreu-se de um empréstimo particular, sem juros, efectuado pelo seu actual marido
Em segundo lugar, em declaração efectuada por R…………………, seu actual marido, este declarou que emprestou em 2004, a importância de € 150.000,00, que se destinou a financiar a aquisição do imóvel em causa, declaração esta emitida em 12 de Fevereiro de 2007 e constante do anexo III ao presente relatório (..).
Em terceiro lugar, a vendedora do imóvel, conforme é referido no anterior ponto 1.3, declarou que para liquidação da respectiva transmissão, lhe foi entregue, para além do cheque emitido pelo Banco …………….., no valor: de € 274.000,00, um cheque pré-datado, emitido em nome do Dr. R………………….., da sua conta solidária, n° …………. (cheque n° ………………), no valor de 137000,00 e datado de 2008-12-13, à ordem de ISABEL …………………………….
De notar que na respectiva escritura notarial, lavrada no …° Cartório Notarial de Lisboa, em 13 de Dezembro de 2004 (..), a primeira outorgante - ISABEL ………………………….. - declara e passo a citar:
"Que pelo de quatrocentos e onze mil e quinhentos euros, que da segunda outorgante já recebeu, a esta vende, a fracção autónoma..."
Efectivamente a ter recebido com um cheque pré-datado, para uma data temporal de 4 anos normalmente ficaria dito no referido acto notarial, tal facto, o que não se verificou e se estranha.
Por último, e da análise à fotocópia do referido cheque pré-datado, consta que o mesmo é válido até 2009-06-09, logo tendo em consideração que esta indicação de validade, contida no canto superior dos cheques, resultou de uma recomendação do Banco de Portugal, transmitida somente no ano de 2006, ás instituições financeiras, através da Carta-Circular n° 6/2006/DPG, recomendação essa que surgiu na sequência da Lei n° 48/2005, em que se dizia que as instituições de crédito deverão inserir a data limite de validade em cada cheque, até 3 meses, após a divulgação da referida Carta-Circular.
Daqui decorre, que o cheque em causa, no qual se encontra inserida a data de validade 1006-06-09, terá sido requisitado e emitido pelo Banco …………., através de uma das máquinas à disposição dos clientes na sucursal - Rua ………, provavelmente em 2008-06-09, isto porque a data normal de validade é normalmente de l ano.
Posto isto, resta-nos referir, que teria sido muito fácil ao sujeito passivo colaborar com a Administração tributária, no sentido de apresentar provas inequívocas de todos os factos, apresentando provas reais e concretas ou socorrendo-se de um mecanismo à sua disposição e que lhe foi solicitado, de que seria a "autorização para o acesso a todos os documentos bancários", considerando-se uma recusa conforme consta da notificação do direito de audição, a que se refere o n°5, no caso da referida autorização não ser devolvida, depois de devidamente assinada.
Deste modo, não podemos concluir que no ano de 2004 os rendimentos declarados pelo sujeito passivo e constantes da sua declaração a que se refere o artigo 57° do CIRS, correspondem aos efectivamente obtidos».
4. Em sequência à Recorrente foi fixado o rendimento tributável de € 82.300,00, correspondente a 20% do valor de aquisição (relatório e mapa resumo das correcções, a fIs. 4 do apenso) ;
5. Acto que mereceu despacho de concordância do Sr. Director de Finanças, de 13/11/2008, exarado sobre o relatório de inspecção, a fls. 2 do apenso (acto recorrido);
6. Com referência ao ano de 2004, a Recorrente declarou rendimentos de € 23.329,56;
7. Naquele aludido ano e com recurso a crédito bancário na importância de € 274.000,00, adquiriu, pelo preço de € 411.000,00, o prédio urbano com inscrição matricial n°…… da freguesia de São ………, Lisboa, conforme escritura de "compra e venda, mútuo com hipoteca e fiança", junta a fls. 31 do apenso e cheque bancário de fls. 58;
8. Contraiu casamento com R………………… em 01/10/2006, conforme certidão do Assento de Casamento, junta a fls. 43 do apenso;
9. O recurso deu entrada no tribunal em 02/12/2008, conforme carimbo aposto a fls. 2. ,.

Factos não provados: Com interesse para a decisão, nada mais se provou de relevante, designadamente não se provou que a diferença entre o preço de aquisição da fracção (€ 411.000,00) e o montante do crédito bancário (€ 271.000,00), correspondente a € 137.500,00, tivesse sido assegurada com recurso a capitais alheios.

Motivação: Assenta a convicção do tribunal no conjunto da prova documental dos autos, com destaque para a assinalada.

Quanto à matéria dada como não provada, resultam dos autos contradições que não permitem sustentar a convicção do tribunal de que a diferença de € 137.500,00 foi paga com recurso a capitais que lhe foram emprestados por R………………, com quem depois viria a casar.

Assim, a vendedora Isabel …….., solicitada pela Administração fiscal a esclarecer através de que meios se fizera o pagamento do negócio, limitou-se primeiro a mandar o cheque do B…… junto a fls. 58 no valor de € 273.000,00, correspondente ao montante do crédito bancário concedido para aquisição (fls. 54 a 58 da apenso) . E, só após instada pela AF a comprovar o pagamento da diferença vem declarar que "a parte restante do valor da venda foi titulada por cheque pré-datado, emitido pelo Senhor R…………", juntando o atinente cheque (fls. 60 a 62 do apenso), o qual tem aposta uma data de validade que, como explica a AF (vd supra, n°3 do probatório), impossibilita que a sua entrega à vendedora pudesse ter sido feita na data, ou sequer em data próxima, do negócio (13/12/2004).

Note-se, por outro lado, que a Recorrente fez juntar aos autos (consta de fls. 96), uma declaração do próprio R……………., em que este refere que lhe emprestou para a aquisição do imóvel a quantia de € 150.000,00, que a ele lhe foi possível disponibilizar em virtude de ter recebido, naquele ano de 2004, uma compensação pecuniária em transacção efectuada no Tribunal de Trabalho de Lisboa. .

Ora, isso é contraditório com a entrega de um cheque pré-datado, que tem aposta data de emissão de 13/12/2008 (fls. 62 do apenso). Sendo igualmente estranho que a vendedora, Isabel ……., não tenha, aquando do pedido de colaboração da AF no âmbito do procedimento de inspecção, feito logo menção de um cheque pré-datado na sua posse como parte do pagamento do preço da negócio.

Factos que agora, em sede de recurso, a Recorrente também não explica minimamente.

4. Tendo sido imputada à sentença recorrida o vício de errado julgamento da matéria de facto, importa, em primeiro lugar, conhecer de tal questão a fim de se firmar a necessária base factual a que depois se possa aplicar o direito correspondente.
Na matéria das suas primeiras nove conclusões do recurso imputa a recorrente à sentença recorrida o vício de errado julgamento da matéria de facto, na medida em que não se deu como provada a factualidade atinente ao mútuo concedido pelo seu actual marido de € 137.500,00, aquando da aquisição do imóvel, montante que foi utilizado em tal aquisição e que desta forma justifica tal montante total da aquisição e afasta a aplicação da avaliação do rendimento tributável por métodos indirectos.

Porém, na arguição de tal erro de julgamento da matéria de facto, não deu a ora recorrente cumprimento ao disposto no art.° 690.°-A do Código de Processo Civil (CPC) , o que desde logo levaria à rejeição do recurso nesta parte, ou, à sua improcedência, já que quando se impugna a matéria de facto, a lei é ainda mais exigente do que quando se impugna só a matéria de direito (art.° 690.° do mesmo CPC), obrigando a especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e quais os concretos meios probatórios, constantes do processo, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto diversa da recorrida, o que a mesma não fez, e, tanto mais, que na sentença recorrida se procedeu a uma alargada fundamentação das motivações que levaram a que tal matéria não pudesse constar como provada, designadamente por contradição e insuficiência das razões apontadas pela ora recorrente e que não foram consideradas como suficientes para provar o invocado mútuo que com o seu actual marido, então, teria celebrado, não podendo assim deixar de improceder o recurso quanto ao julgamento da matéria de facto.

4.1. Para julgar improcedente o recurso interposto contra o despacho do Sr. Director de Finanças de 13.11.2008, que lhe determinou o apuramento do rendimento tributável de IRS, em 2004, por métodos indirectos, considerou o M. Juiz do Tribunal "a quo", em síntese, que a ora recorrente apenas justificou um parte do montante utilizado na aquisição da fracção autónoma em causa, mantendo-se assim os pressupostos para o mesmo rendimento ser apurado através de tais métodos indirectos, citando também um acórdão do STA que no mesmo sentido teria decidido.

Para a recorrente, de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, para além do errado julgamento da matéria de facto, já acima conhecido, vem também esgrimir contra sentença recorrida o errado julgamento da matéria de direito, por o montante do valor não justificado na aquisição em causa (€ 137.500,00) ser inferior ao montante previsto no ar;.° 89.°-A, n.°4, da LGT, não havendo assim lugar à aplicação de tais métodos e, por outro lado, também o rendimento declarado não ter sido inferior em 50% do rendimento padrão (€ 27 500,00), pelo que também não seria aplicável a mesma norma do art.° 89.°-A da LGT - suas conclusões 10.a a 15.a.

Vejamos então.
A Lei n.° 30.°-G/2000, de 29 de Dezembro, veio pelo seu art.° 13.° introduzir diversas alterações na LGT, acrescentando uma alínea d) ao n.°2 do seu art.º75.°, elencando mais uma situação em que a presunção de verdade das declarações dos contribuintes se mostra afastada, ao dispôr:
Os rendimentos declarados em sede de IRS se abastarem significativamente para menos, sem razão justificativa, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo nos termos do artigo 89.°-A.

E na norma do art.° 89.°-A, acrescida pela mesma Lei:
l - Há lugar a avaliação indirecta da matéria colectável quando falte a declaração de rendimentos e o contribuinte evidencie as manifestações de fortuna constantes da tabela prevista no n.°4 ou quando declare rendimentos que mostrem uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão resultante da referida tabela.
…..
3 - Verificadas as situações previstas no n.°l, cabe ao sujeito passivo a prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas, nomeadamente herança ou doação, rendimentos que não esteja obrigado a declarar, utilização do seu capital ou recurso ao crédito.
4 - Quando o sujeito passivo não faça a prova referida no número anterior, considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, quando não existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90.°, que permitam à administração tributária fixar rendimento superior, o rendimento padrão-apurado nos termos da tabela seguinte:
….
No caso, como não se coloca em causa, a ora recorrente declarou em sede de IRS para 2004, o rendimento de € 23.329,56 (cfr. ponto 2. do probatório), quando adquiriu, no mesmo ano, a fracção autónoma em causa por € 411.500,00 (cfr. pontos 2. e 7. do probatório, devendo neste ponto ser corrigido tal valor, já que, certamente por lapso, refere como sendo tal valor, apenas € 411.000,00), pelo que, nos termos da mesma norma do n.°4, o rendimento padrão é de 82.300,00 (411.500,00 x 20%), que assim é manifestamente superior a 50% do montante por si declarado (23.329,56), sendo por isso subsumível à citada norma do n.°l do art.° 89.°-A, na sua segunda parte - quando declare rendimentos que mostrem uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão resultante da referida tabela -como constitui jurisprudência firmada, designadamente do STA, como constitui exemplo o acórdão de 16.4.2008, recurso n°234/08, citado pelo M. Juiz do Tribunal "a quo", na sentença recorrida.

Contrariamente ao invocado pela recorrente na matéria da sua alínea 12.a, não é o remanescente da quantia não justificada (€ 137.500,00) que constitui o índice de manifestação de fortuna prevista no mesmo n.°4 do citado artigo, mas sim o montante do preço do imóvel, no caso, ser igual ou superior a 50.000 contos, como foi, e o contribuinte declare rendimentos que mostrem uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão resultante da mesma tabela, ou seja os citados 20% do preço total de tal imóvel, como também se verificou.
Neste circunspecto, tal montante injustificado deve servir sim, nos termos da norma do mesmo n.°4, para o apuramento da quantificação do eventual rendimento a apurar em sede de IRS, na referida categoria G, vertente em que o presente recurso não abarca.

No caso de o contribuinte, ao abrigo dos n. °s 3 e 4 do mesmo art.° 89.°-A da LGT, vier contudo a demonstrar outra a fonte (legal) das manifestações de fortuna evidenciadas, como o recurso ao empréstimo bancário, como no caso em parte aconteceu, neste caso há que apurar se o montante declarado de rendimento, acrescido do montante do empréstimo, totaliza valor superior ao da manifestação de fortuna, e, se tal acontecer, então tem de entender-se que o contribuinte fez a prova exigida pelos citados n.°s 3 e 4 e não pode fazer-se a avaliação indirecta da matéria tributável ao abrigo das citadas normas do art.° 89.°-A da LGT.

No caso, porém, o montante considerado de manifestação de fortuna foi o do preço de aquisição do imóvel (€ 411.500,00), tendo o montante do empréstimo bancário sido de € 274.000,00 e o rendimento declarado de € 23.329,56, logo de montante muito abaixo do montante daquela manifestação de fortuna, pelo que não pode deixar de se manter a tributação por avaliação indirecta ao abrigo destas normas (1).

Interpretação esta que nos parece respeitar o fim e os limites para que tal norma foi criada, que foi o de combater a fuga e a evasão fiscais, não afrontando qualquer norma ou princípio de ordem constitucional.

Improcedem assim todas as conclusões do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.

C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 9 de Junho de 2009
EUGÉNIO SEQUEIRA
MAGDA GERALDES
JOSÉ CORREIA
(1)Cfr. no mesmo sentido, em questão semelhante, o recente acórdão do STA de 27.5.2009, recurso N.° 403/09.