Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2529/15.7BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:01/24/2020
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:CADUCIDADE DIREITO DE AÇÃO
PRAZO LEGAL DEDUÇÃO IMPUGNAÇÃO
ANULABILIDADE
NULIDADE
INCOMPETÊNCIA RELATIVA
Sumário:
I- Os vícios do ato impugnado constituem, em regra, fundamento da sua anulabilidade, só implicando a sua nulidade quando se verifique a falta de qualquer dos elementos essenciais do ato ou quando houver lei que expressamente preveja essa forma de invalidade, nos termos do disposto nos artigos 133.º e 135º do CPA.

II- O vício de incompetência relativa não gera a nulidade do ato de liquidação, mas a sua mera anulabilidade.

III- Reconduzindo-se os vícios arguidos a vícios geradores de mera anulabilidade, dispunha a Recorrente de noventa dias, a contar da data da data limite de pagamento voluntário das liquidações para deduzir impugnação judicial.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:

ACÓRDÃO


I-RELATÓRIO

F….., SA, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a exceção perentória da caducidade do direito de ação, tendo por objeto liquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), acrescida de juros compensatórios no valor de €241.880,51.

A Recorrente apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

“A) A douta sentença, que aqui se recorre julgou, incorretamente, procedente a exceção perentória de caducidade do direito de impugnar, e em consequência absolveu a Impugnada do pedido formulado;

B) Não pode a RECORRENTE conformar-se com tal sentença;

C) A RECORRENTE intentou a presente Impugnação Judicial dos atos de liquidação adicionais de IVA, em Setembro de 2015.

D) Porquanto, a RECORRENTE apenas tomou conhecimento de que as liquidações, se encontravam feridas de vício de incompetência, em meados de Agosto do ano de 2015;

E) Só nessa data obteve conhecimento da sentença proferida no processo de impugnação judicial n° 2347/08.9 BEPRT, que correu os seus termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto;

F) As liquidações adicionais de IVA, objeto nos presentes autos, foram emitidas em nome da sociedade F….., S.A. e foram emitidas pelo Exmo. Senhor Subdiretor Geral dos Impostos.

G) Logo, o Subdiretor Geral dos Impostos não tinha competência para a emissão das liquidações adicionais de IVA em causa.

H) Porque estão feridas de ilegalidade, por serem da autoria de quem não tinha competência para as emitir.

I) E considerando os normativos vigentes à época dos factos, temos que, como entendido pelo TAF do Porto - U.O.5 - processo n° 2347/08.9BEPRT - “decorre do artigo 82° n° 1 do Código do IVA, na redação do DL 472/99 de 08.11, o seguinte “sem prejuízo do disposto no artigo 84°, o Chefe da repartição de finanças procederá à retificação das declarações dos sujeitos passivos quando fundamentadamente considere que nelas figura um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos liquidando-se adicionalmente a diferença”

J) Assim, notamos que, antes da redação introduzida pelo DL 102/2008, o CIVA (artigo 82° n° 1) a competência para as retificações das declarações de IVA era atribuída aos Chefes de Repartições de Finanças.

K) Tratava-se, como se disse no Acórdão do TCA Sul, datado de 27.09.2011, processo 04481/11, de uma "... competência, no âmbito da hierarquia externa da AF, tal competência é própria, independente e exclusiva” do Chefe de Finanças, e assim sendo, consoante se disse igualmente naquele aresto, “O diretor de Finanças não podia delegar nos SIT a competência para a retificação das declarações de IVA, e inerente liquidação de imposto, a coberto do referido normativo, por ela não lhe caber. ”

L) 12.º- Sendo assim, in casu, estava em vigor o artigo 82° n° 1 na redação dada pelo DL 472/99 de 08/11 (Cfr. n° 1 do art. 3o do Dec.Lei n° 472/99) e, cabendo a competência para retificação de declarações dos sujeitos passivos, por lei e nos termos, do n° 1 do art. 82° do CIVA, aos chefes das repartições de finanças/chefes dos serviços de finanças a quem o normativo incumbia, sem menção de outrem com idêntica faculdade, o poder/dever de proceder às retificações das declarações dos sujeitos passivos quando nelas constatasse, fundamentadamente, um imposto inferior ao devido ou uma dedução superior à devida.

O) A razão acompanha a RECORRENTE em virtude de ocorrer o apontado vício de incompetência relativa, consoante explica o Acórdão do TCAS que acompanhamos.

P) A jurisprudência supra transcrita, vista à luz do probatório, impõe-se concluir que ocorre a incompetência relativa por banda do Subdirector, nos termos expostos, pelo que as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios devem ser declaradas nulas, por vício de incompetência relativa, por ser tal incompetência geradora da forma mais grave de invalidade - nulidade.

Q) Os atos tributários de liquidação adicional de IVA e de liquidação de Juros Compensatórios, foram todos praticados pelo Senhor Subdiretor- Geral dos Impostos, em consequência das declarações de IVA de substituição entregues pela aqui RECORRENTE, em virtude da ação inspetiva de que foi alvo.

R) Pelo entendimento de Emanuel Vidal de Lima tal competência legal, compete ao Chefe do Serviço de Finanças as retificações e a liquidação adicional de imposto, sendo que aquelas correções podem, além do mais, serem decorrência de apuramento corretivo operado pelos serviços de inspeção.

S) A jurisprudência supra transcrita, vista à luz do probatório, impõe-se concluir que ocorre a incompetência relativa por banda do Subdiretor, nos termos expostos, pelo que as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios devem ser declaradas nulas, por vício de incompetência relativa, por ser tal incompetência geradora da forma mais grave de invalidade - nulidade.

T) Assim, andou mal a sentença recorrida ao considerar que a incompetência de que se encontram feridos os atos aqui impugnados, são sancionados com a anulabilidade, “A incompetência relativa, por força das regras de correspondência entre o vício e forma de invalidade constantes dos artigos 133° e 135° do CPA, é sancionada com a anulabilidade. ”

U) Considerando erroneamente, salvo melhor entendimento, que “sem assim manifesta a impropriedade da invocação da nulidade dos atos impugnados com fundamento numa autoria incompetente, nomeadamente pela razão que a Impugnante aduziu, volvem-se de novo em aplicáveis à sua impugnação os prazos gerais do art. 102° n° 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e, deste modo, quando a impugnação é apresentada havia muito caducara o direito de ela o fazer.”

V) Acresce a RECORRENTE só quando obteve conhecimento da sentença proferida no processo acima mencionado, que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, e que menciona de forma inequívoca a incompetência do Subdiretor-Geral dos Impostos para a prática do ato, de emissão de liquidações adicionais. A aqui RECORRENTE, efetuou a associação de que as liquidações adicionais de IVA tinham sido emitidas pela mesma pessoa. Logo, também estas se encontrariam feridas de incompetência.

W) Seria inconcebível que, a mesma pessoa fosse incompetente para a prática de uma ato para uma sociedade. Mas já não o fosse para a prática de um ato igual e de igual natureza para a outra sociedade.

X) Sendo a nulidade invocável a todo o tempo, não existe a alegada exceção de intempestividade por caducidade do direito de intentar a presente impugnação judicial.

Y) Contudo, e caso não seja esse o entendimento, o que não se compreende e apenas se concede por mero dever de patrocínio, não se verificou no caso em apreço, contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo, a referida exceção, pois que a RECORRENTE apenas teve conhecimento da incompetência em meados de agosto de 2015.

Z) E a presente impugnação judicial, foi efetivamente, apresentada em 25 Setembro de 2015, isto é, dentro dos 3 meses, estabelecidos no artigo 102° do CPPT.

AA) Logo, andou mal, o Tribunal a quo, ao considerar improcedente a presente impugnação judicial, considerando verificada a exceção de caducidade do direito ação, por intempestividade da impugnação judicial.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO SEMPRE COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE V/EXAS. DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE POR PROVADO E CONSEQUENTEMENTE SEREM DECLARADOS NULOS OS ATOS DE LIQUIDAÇÃO ADICIONAL IMPUGNADOS.”

A Recorrida não apresentou contra-alegações.


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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II) FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A decisão recorrida fixou a seguinte factualidade:

“1. A Impugnante, F….., S. G. P. S., S A., foi objeto de uma ação inspetiva externa, de âmbito geral, e versando sobre os exercícios de 2002 a 2004, a qual decorreu entre 8 de maio de 2005 e 7 de julho de 2007 [ordem de serviço OI2005….., de 22 de agosto de 2005 e despacho de 25 desse mês].

2. No decurso desse procedimento ela acatou os erros que lhe eram apontados, em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado, pela ação inspetiva, procedendo então à apresentação de declarações periódicas de substituição das originais, relativamente aos 1º trimestre de 2002, 1º, 2º, 3º e 4º trimestres de 2004, em 21 de junho e a 6 de julho de 2006.

3.Todavia, como a Impugnante apresentara tais declarações sem o correspondente meio de pagamento, a Administração Tributária veio a elaborar-lhe as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado e dos conexos juros compensatórios com os n.os ……….50, ……….70, ……….87, ……….85, ……….81, ………..68 e ……….52.

4. Tais liquidações têm a chancela do Subdiretor-Geral dos Impostos, mas procederam automaticamente da própria apresentação das declarações de substituição, sem os meios de pagamento necessários.

5. Os prazos de pagamento nelas assinalados terminavam ou no final de junho, ou no final de novembro, ou no final de setembro, ou no de outubro, sempre do ano de 2006.

6. No dia 16 de setembro de 2015 a Impugnante apresentou a petição na origem dos presentes autos, impugnando aquelas liquidações, com fundamento em que à data dos atos o autor deles não detinha a competência legal a que se referia o art.87º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, deferida exclusivamente ao Chefe da Repartição de Finanças.


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Não há outros factos provados sobre a questão em apreço. E, com esse relevo, resultou não provado que:

1. As liquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado mencionadas na matéria de facto provada hajam tido outra origem que não a omissão referida no seu ponto 3., initia.


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Atento o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, acorda-se em alterar a redação do teor do ponto 5. da factualidade provada, passando o mesmo a ter a seguinte redação[1]:

5.As notas de liquidação referidas no ponto 5., apresentam, designadamente, os seguintes elementos:

Período TributaçãoNº LiquidaçãoData LiquidaçãoMontantePrazo Cobrança
0512T………..502006/04/0135.024,852006/06/30
0412T………..702006/08/1286.724,292006/10/31
0409T……….872006/07/081.595,402006/09/30
0406T……….852006/07/081.595,402006/09/30
0403T……….812006/07/081.595,402006/09/30
0312T……….682006/08/12114.802,232006/10/31
0203T……….522003/09/27512,942003/11/30

(cfr. fls.8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 47, 48, 49, 52 e 53 do PA apenso);


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Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

7.A 24 de outubro de 2008, a sociedade “P….., SA” deduziu impugnação judicial relativamente a atos de liquidação de IVA e respetivos juros compensatórios arguindo o vício de incompetência relativa e peticionando a sua anulação, a qual correu termos junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, sob o nº de processo 2347/08.9BEPRT (facto que se extrai da consulta do processo nº 2347/08.9BEPRTna plataforma SITAF mediante alegação da Recorrente quanto à identificação do processo);

8.A 21 de janeiro de 2015, foi proferida sentença no âmbito do processo de impugnação judicial referido no número anterior, a qual julgou a ação procedente anulando os atos impugnados dela se extratando, designadamente, o seguinte:

“[s]ó após a renumeração decorrente do artigo 6º do DL nº 102/2008, de 20/6, os artigos 82º e 87º do CIVA, que correspondem actualmente aos artigos 87° e 92°, respectivamente, passou a decorrer que, para além do chefe de finanças ser competente para a rectificação das declarações de IVA (nos casos ali enunciados), essa competência também passou a ser da Direcção de Serviços de Cobrança do IVA (se para tal estiverem preenchidos os pressupostos previstos no artigo 87º, ou seja, se a Direcção dispuser de todos os elementos necessários ao apuramento do imposto ou dos juros compensatórios ) – Veja-se neste sentido o Acórdão do TCA Norte de 28.02.2013, tirado do Processo nº 00383/08.4BEBRG. Ante a jurisprudência supra transcrita, vista à luz do probatório, impõe-se concluir que ocorre a incompetência relativa por banda do Subdirector, nos termos expostos, pelo que as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios devem ser anuladas por vício de incompetência relativa, por ser tal incompetência geradora, não da forma mais grave de invalidade (nulidade), mas de anulabilidade.” (facto que se extrai da consulta do processo nº 2347/08.9BEPRTda plataforma SITAF e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);

9.Na sequência de interposição de recurso jurisdicional relativamente à decisão referida no número anterior, foi prolatado Acórdão pelo STA, datado de 06 de abril de 2016, que concedeu provimento ao recurso e revogou a decisão constante do número anterior, por entender que “Na situação descrita no nº 3 do art. 87º do CIVA, a competência para apurar o IVA em resultado de correcções efectuadas nas declarações dos contribuintes é atribuída ao Serviço de Administração do IVA (ou de Cobrança do IVA, a partir da vigência do DL nº 100/95, de 19/5), sem prejuízo da competência que assiste ao chefe de repartição de finanças, nos termos do art. 82º do mesmo CIVA.”, dela se extratando, designadamente, o seguinte:
“[n]ão se verifica o falado vício de incompetência pelo facto de as liquidações adicionais terem sido operadas pela Direcção de Serviços de Cobrança do IVA.
Acresce, como salienta o MP, que a estrutura orgânica da DGCI que constava do DL nº 408/93, de 14/12, e que tinha sido alterada pelo DL n° 42/97, de 7/2, veio a ser reestruturada pelo DL nº 366/99, de 18/9, em cujo preâmbulo se salienta que a reestruturação «rompendo com a dominância exclusiva do critério de organização por impostos», consistiu em definir mediante «decreto-lei apenas a estrutura organizativa básica», remetendo-se «os demais aspectos organizativos» para portaria, o que permitirá uma melhor adaptação às condições económicas, sociais e políticas, sem perturbação das relações jurídicas da função pública», prevendo-se nesse diploma, no que que respeita a competências, que «cabe em geral à DGCI relativamente aos impostos que lhe incumbe administrar: a) Assegurar a respectiva liquidação e cobrança» (cfr. a al. a) do nº 1 do seu art. 2°), vindo a constar do art. 5° as competências do órgão Director-Geral de Impostos, em termos de, através de um Subdirector-geral que o coadjuve, «poder ou não exercer ainda as competências previstas no art. 11º», as quais são as relativas aos serviços periféricos, sejam eles as direcções de serviços, sejam as das repartições de finanças.
Porque concordámos com o anteriormente expendido e porque tendo em conta a data dos factos – ano de 2006 – nessa data já há muito a competência para proceder à rectificação das declarações dos sujeitos passivos de IVA não era competência exclusiva do chefe de finanças, sendo também competência do Director geral de Impostos, como ficou exuberantemente demonstrado no aresto transcrito, não há dúvidas que o Subdirector Geral de Impostos Fernando Jorge Rodrigues Soares, entidade delegada, nos termos da delegação do Director Geral de Impostos constante do despacho nº 14723/2004 publicado no Diário da República II Série de 23 de Julho de 2004, era competente para proceder às rectificações e liquidações adicionais ora impugnadas.
Decisão
Por tal razão acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso revogar a sentença recorrida. Julgando em substituição o Subdirector Geral de Impostos, Fernando Jorge Rodrigues Soares, entidade delegada, competente para proceder às rectificações e liquidações adicionais ora impugnadas.(…)”(facto que se extrai da consulta do processo nº 2347/08.9BEPRTda plataforma SITAF, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);


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III) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a exceção da caducidade do direito de ação.

Cumpre, desde já, relevar que em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto importa, assim, decidir se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito ao julgar verificada a exceção perentória da caducidade do direito de ação.

Vejamos, então.

A Recorrente defende que a decisão recorrida incorreu em errada apreciação dos pressupostos de facto e de direito, sendo a ação tempestiva, desde logo, porque a incompetência relativa do autor do ato é geradora da forma mais grave da invalidade, ou seja, a nulidade dos atos de liquidação, podendo, nessa medida, ser arguida a todo o tempo.

Sustenta, subsidiariamente, que mesmo que não seja esse o entendimento perfilhado pelo Tribunal ad quem, a verdade é que inexiste a exceção da caducidade do direito de impugnação dos atos de liquidação de IVA, visto que só teve conhecimento de que as liquidações se encontravam feridas de vício de incompetência, em meados de agosto de 2015, quando obteve conhecimento da sentença proferida no processo de impugnação judicial nº 2347/08.9 BEPRT.

Apreciando.

Comecemos por convocar o quadro jurídico que releva para o caso vertente.

Preceituava o artigo 97.º do CIVA, sob a epígrafe de “recurso hierárquico, reclamação e impugnação” que:
“1 - Os sujeitos passivos e as pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis pelo pagamento do imposto podem recorrer hierarquicamente nos casos previstos neste Código, reclamar contra a respetiva liquidação ou impugná-la, com os fundamentos e nos termos estabelecidos no Código de Procedimento e de Processo Tributário.”

Preceituava, por seu turno, o artigo 102.º do CPPT, com a redação aplicável à data do terminus dos atos impugnados, que:
“1 - A impugnação será apresentada no prazo de 90 dias contados a partir dos factos seguintes:
a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte;
b) Notificação dos restantes atos tributários, mesmo quando não dêem origem a qualquer liquidação;
c) Citação dos responsáveis subsidiários em processo de execução fiscal;
d) Formação da presunção de indeferimento tácito;
e) Notificação dos restantes atos que possam ser objeto de impugnação autónoma nos termos deste Código;
f) Conhecimento dos atos lesivos dos interesses legalmente protegidos não abrangidos nas alíneas anteriores.
2 - Em caso de indeferimento de reclamação graciosa, o prazo de impugnação será de 15 dias após a notificação.
3 - Se o fundamento for a nulidade, a impugnação pode ser deduzida a todo o tempo.
4 - O disposto neste artigo não prejudica outros prazos especiais fixados neste Código ou noutras leis tributárias.”

Resulta, assim, do citado preceito legal que a impugnação judicial terá de ser apresentada até ao termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias, no prazo de 90 dias para as liquidações efetuadas até dezembro de 2012 e de três meses para os posteriores, face à redação dada pela Lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro, com entrada em vigor a 1 de janeiro de 2013.

Com efeito, e quanto ao cômputo concreto do prazo importa ter em consideração que o prazo de impugnação judicial é um prazo de natureza substantiva, de caducidade e perentório, que se conta nos termos do artigo 279.º do Código Civil, aplicável ex vi do artigo 20.º, n.º 1, do CPPT.[2].

É, portanto, um prazo contínuo, correndo em férias judiciais. Contudo, de acordo com a alínea e) do artigo 279.º do Código Civil, o termo do prazo de 90 dias transfere-se para o primeiro dia útil seguinte se terminar em domingo ou dia feriado. Terminando o prazo nas férias judiciais, a impugnação pode ser intentada no primeiro dia útil seguinte [3].

Feito o enquadramento jurídico da questão, vejamos, então, o que resulta do acervo fático dos autos.

Ora, atentando na matéria de facto provada-não impugnada-resulta inequívoco que o objeto imediato da impugnação judicial são os atos de liquidação de IVA, melhor indicados em 5, e respetivos juros compensatórios, os quais, na generalidade, foram emitidos em 2006 e cujo prazo de pagamento voluntário expirou em 30 de junho, 30 de setembro e 31 de outubro de 2006 (ressalvado, o ato de liquidação nº ……….52, cujo prazo limite ocorreu em 30 de novembro de 2003). Logo, a Recorrente dispunha de 90 dias a contar das aludidas datas de pagamento voluntário para deduzir impugnação judicial, pelo que, tendo deduzido impugnação judicial em 16 de setembro de 2015, estava, como decidido pelo Tribunal a quo, largamente ultrapassado o aludido prazo.

É certo que a Recorrente sustenta que os atos impugnados foram emitidos por entidade sem competência para o efeito, concretamente, pelo Subdiretor Geral dos Impostos, pelo que estão inquinadas de incompetência relativa cominada com a nulidade.

Porém, sem razão. Senão vejamos.

De facto, se o fundamento da impugnação for a nulidade, o processo de impugnação judicial pode ser apresentado a todo o tempo, nos termos do n.º 3 do artigo 102.º do CPPT.

Contudo, o aludido normativo não contém qualquer explicitação desse conceito, não contemplando, outrossim, o citado diploma legal, nem a LGT qualquer norma que enuncie o que são atos tributários nulos, necessitando, por isso, de apelar-se ao regime subsidiário constante no CPA, em conformidade com o consignado no artigo 2.º, alínea d), do CPPT e 2.º, alínea c), da LGT.

Dispunha, nesse particular, o artigo 133.º, nº1 do CPA que:

“São nulos os atos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade.”

Como doutrinam MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e FERNANDES CADILHA[4] “[a] nulidade constitui o regime de excepção, ao passo que a anulabilidade é o regime-regra. É o que se depreende do disposto no artigo 135º do CPA, segundo o qual são anuláveis os “actos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção.” (...)

A anulabilidade constitui uma forma de invalidade do acto administrativo que se reconduz à violação de uma regra ou de um princípio jurídico de natureza formal (de competência, de forma ou de trâmite) ou substantiva. No primeiro grupo, incluem-se: (a) a violação de regras relativas à competência do autor do acto, quando não envolvam as situações extremas de falta de atribuições, geradoras de nulidade (incompetência relativa); (b) vícios de forma, que poderão consistir na preterição de formalidades no âmbito do procedimento administrativo (arts. 54° e segs. do CPA), na omissão ou deficiência respeitante à forma do acto (art. 120º do CPA), desde que não se reconduza à carência absoluta da forma legal, ou na omissão ou deficiência atinente à enunciação do objecto e dos elementos do acto (art. 123º do CPA)”.

Com efeito, os vícios do ato impugnado constituem, em regra, fundamento da sua anulabilidade, só implicando a sua nulidade quando se verifique a falta de qualquer dos elementos essenciais do ato ou quando houver lei que expressamente preveja essa forma de invalidade, nos termos do disposto nos artigos 133.º e 135º do CPA.

De sublinhar, para o efeito, que não é qualquer ofensa de um direito fundamental que comina o ato de nulidade, mas, tão-só, as ofensas do seu conteúdo essencial, sendo que tal situação apenas sucederá quando perante ela o direito fundamental afetado fique sem expressão prática apreciável, o que não é, necessariamente, o caso de uma liquidação ilegal, que apenas atinge limitadamente o direito de propriedade dos seus destinatários[5].

No caso vertente, analisando o teor da petição inicial verifica-se que as alegações da Impugnante, ora Recorrente, radicam em vícios conducentes à anulabilidade dos atos tributários, ou seja, o desvalor que é imputado na petição aos atos impugnados é a mera anulabilidade.

Noutra formulação, dir-se-á, que in casu, não nos encontramos perante uma liquidação de IVA a que se impute a falta de algum dos seus elementos essenciais, nem perante ofensa de um direito fundamental para efeitos de ela poder ser impugnada a todo o tempo nos termos do referido no nº 3 do artigo 102.º do CPPT.

Encontramo-nos face a uma, alegada, incompetência do autor dos atos de liquidação de IVA, a qual –independentemente da bondade da sua posição-  não gera a nulidade do ato de liquidação.

Na verdade, é jurisprudência unânime que, não estando em causa a ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental, os vícios de violação de lei geram a anulabilidade do ato[6] por se subsumir no regime supletivo previsto no artigo 135.º do CPA, ainda que esteja em causa violação da lei constitucional[7].

Neste particular, e em situação similar à dos autos, convoque-se o Aresto do STA, proferido no processo nº 0924/16, datado de 03 de maio de 2016, o qual doutrina, de forma clara e a que se adere, que:

“Ora, como se sabe, a incompetência traduz-se na prática de acto por órgão que, para efeito, não dispõe de poder legal (Marcelo Rebelo de Sousa, in “Lições de Direito Administrativo”, Vol. I, 1999, pág. 105 e 180 e Sérvulo Correia, in “Noções de Direito Administrativo”, vol. 1º, pág.376.), podendo ser absoluta ou relativa.

A incompetência absoluta consubstancia-se na prática, por um órgão de uma pessoa colectiva pública, de um acto incluído nas atribuições de outra pessoa colectiva pública (ou de outro Ministério no caso da pessoa colectiva Estado), e a incompetência relativa consubstancia-se na prática, por órgão de uma pessoa colectiva pública, de acto que se encontra incluído nas atribuições de outro órgão da mesma pessoa colectiva pública (ou do mesmo Ministério no caso da pessoa colectiva Estado).

A incompetência absoluta (ou por falta de atribuições) é a mais grave, visto que traduz uma actuação que não se prende com os fins postos a cargo da pessoa colectiva pública cujo órgão ou agente praticou o acto; já a incompetência relativa significa que, muito embora o acto se prenda com a prossecução de atribuições da pessoa colectiva, a lei não confere tal poder de agir ao órgão que o praticou. (Sérvulo Correia, in “Noções de Direito Administrativo”, Vol. 1º, pág. 377). Razão por que a lei fere de nulidade os actos praticados com o vício de incompetência absoluta (art.º 133º, nº 2, al. b), do CPA) e de mera anulabilidade os atos praticados com incompetência relativa (artº 135º do CPA).

Por conseguinte, o invocado vício de incompetência relativa não gera a nulidade do acto de liquidação, mas a sua mera anulabilidade.”  

Concluindo que: “[d]e acordo com o disposto na alínea a) do art. 102º do CPPT, é de 3 meses, a contar do termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte, o prazo para a apresentação da impugnação judicial.”

Face ao exposto, a arguida incompetência relativa não permite a dedução da ação de impugnação judicial a todo o tempo, improcedendo, nessa medida, a aludida argumentação.

Atentemos, ora, se assiste razão à Recorrente quando aduz que, no limite, sempre a ação de impugnação judicial deveria ser considerada tempestiva visto que só tomou conhecimento de que as liquidações se encontravam feridas do vício de incompetência em meados de agosto do ano de 2015, na sequência do conhecimento da sentença proferida no processo de impugnação judicial nº 2347/08.9 BEPRT.

Mais uma vez o juízo de entendimento da Recorrente não pode lograr provimento. Explicitemos, porque assim o entendemos.

Importa, desde logo, relevar que não se aquilata, nem tão-pouco a Recorrente o substancia, como era seu ónus, de que forma a prolação de sentença num processo judicial-no qual, nem sequer é parte- pode diferir o prazo de interposição de impugnação judicial.

Até porque o aludido normativo nem, tão-pouco, contempla norma idêntica ao, à data, artigo 70.º, nº4 do CPPT relativamente ao procedimento de reclamação graciosa. Ademais, sempre competiria à Recorrente o ónus de alegar e provar a superveniência do documento ou sentença relativa ao fundamento da impugnação judicial, bem como a impossibilidade de invocar no prazo normal o facto que serve de fundamento à reclamação, isto por força do artigo 342.º nº 1 do Cód. Civil, o que, in casu, não sucede, de todo.

Mais importa relevar que, a Recorrente na sua petição inicial e bem assim nas suas alegações de recurso nunca coloca em causa que não tenha recebido os atos de liquidação, nunca sendo sindicada e arguida a falta de notificação dos mesmos, o que, em rigor, aduz é que só percecionou o vício da incompetência quando teve conhecimento da aludida decisão judicial. Note-se que tal inferência resulta clara do teor da expressão utilizada “apenas tomou conhecimento de que as liquidações se encontravam feridas de vício de incompetência, em meados de Agosto do ano de 2015”.

De todo o modo sempre se dirá que, a aludida decisão judicial a que a Recorrente faz alusão, datada de 21 de janeiro de 2015, foi objeto de revogação mediante prolação de Aresto do STA, datado de 06.04.2016, que na linha do entendimento jurisprudencial desse mesmo Tribunal plasmado no Acórdão proferido em 27.06.2012, no processo nº 087/12, doutrinou, em sentido oposto ao defendido pela Recorrente, de que: “Na situação descrita no nº 3 do art. 87º do CIVA, a competência para apurar o IVA em resultado de correcções efectuadas nas declarações dos contribuintes é atribuída ao Serviço de Administração do IVA (ou de Cobrança do IVA, a partir da vigência do DL nº 100/95, de 19/5), sem prejuízo da competência que assiste ao chefe de repartição de finanças, nos termos do art. 82º do mesmo CIVA.”

Esclarecendo, neste particular, designadamente, o seguinte:
“[t]endo em conta a data dos factos – ano de 2006 – nessa data já há muito a competência para proceder à rectificação das declarações dos sujeitos passivos de IVA não era competência exclusiva do chefe de finanças, sendo também competência do Director geral de Impostos, como ficou exuberantemente demonstrado no aresto transcrito, não há dúvidas que o Subdirector Geral de Impostos, Fernando Jorge Rodrigues Soares, entidade delegada, nos termos da delegação do Director Geral de Impostos constante do despacho nº 14723/2004 publicado no Diário da República II Série de 23 de Julho de 2004, era competente para proceder às rectificações e liquidações adicionais ora impugnadas.”

Em face de todo o exposto, reconduzindo-se os vícios arguidos a vícios geradores de mera anulabilidade, dispunha a Recorrente de noventa dias, a contar da data da data limite de pagamento voluntário das aludidas liquidações para interpor a impugnação judicial.

Assim, aplicando os conceitos de direito supra expendidos ao cômputo do prazo dos autos, resulta, como visto, que à data em que a ação foi interposta já havia caducado o direito de ação. E porque assim é, a sentença que dessa forma o decidiu não merece censura, devendo ser confirmada.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

-NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA.

Custas pela Recorrente.

Registe. Notifique.


Lisboa, 24 de janeiro de 2020


(Patrícia Manuel Pires)

(Cristina Flora)

 (Tânia Meireles da cunha)


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[1] Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 286.
[2] Veja-se, por todos, o acórdão de 16/04/2008, proferido no processo n.º 77/08, e a jurisprudência aí citada, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
[3] Vide Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA de 6-06-2012, proferido no processo n.º 1064/11, integralmente disponível para consulta em www.dgsi.pt.
[4] Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, vol. I, pag. 247
[5] Neste sentido, vide Aresto do STA, proferido no processo nº 0924/16, datado de 03.05.2016.
[6] cfr. Acórdão do STA proferido no processo n.º 0417/14, datado de 18 de junho de 2014.
[7] cfr., entre outros, o Acórdão do STA, proferido no processo n.º 0418/09, de 16 de setembro de 2009.