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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06641/13
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:07/02/2013
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DO TRIBUNAL.
MATÉRIA DE FACTO. MATÉRIA DE DIREITO.
CRITÉRIO JURÍDICO PARA DESTRINÇAR SE ESTAMOS PERANTE UMA QUESTÃO DE DIREITO OU UMA QUESTÃO DE FACTO.
CITAÇÃO. NOÇÃO.
PRAZO PARA DEDUZIR OPOSIÇÃO A EXECUÇÃO FISCAL É UM PRAZO JUDICIAL.
CITAÇÃO PESSOAL DE PESSOAS COLECTIVAS.
PRAZO PARA DEDUZIR OPOSIÇÃO CONTA-SE DA PRIMEIRA CITAÇÃO PESSOAL NO PROCESSO DE EXECUÇÃO.
Sumário:1. Nos termos do artº.280, nº.1, C. P. P. Tributário, das decisões dos Tribunais Tributários de 1.ª Instância cabe recurso a interpor, em primeira linha, para os Tribunais Centrais Administrativos, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que tal recurso tem de ser interposto para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo. A violação desta regra de competência, em razão da hierarquia, determina, por previsão explícita do artº.16, nº.1, do C. P. P. Tributário, a incompetência absoluta do tribunal, ao qual é, indevidamente, dirigido o recurso.

2. A competência do tribunal afere-se face à pretensão formulada pelo autor na petição inicial, traduzida no binómio pedido/causa de pedir, ou seja, face ao “quid disputatum” e não em função do “quid decisum”, isto é, a competência determina-se pelo pedido do autor, irrelevando qualquer tipo de indagação acerca do mérito do mesmo.

3. O recurso não versa exclusivamente matéria de direito, se nas suas conclusões se questionar matéria factual, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à factualidade provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer, ainda, porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos.

4. São factos não só os acontecimentos externos, como os internos ou psíquicos, e tanto os reais, como os simplesmente hipotéticos. São ainda de equiparar aos factos os juízos que contenham subsunção a um conceito jurídico geralmente conhecido e que sejam de uso corrente (v.g.”pagar”; “vender”; “arrendar”). Existe matéria de facto quando o apuramento das realidades se faz todo à margem da aplicação directa da lei, isto é, quando se trata de averiguar factualidade cuja existência, ou não existência, não depende da interpretação a dar a nenhuma norma jurídica. Por sua vez, existe matéria de direito sempre que, para se chegar a uma solução, se torna necessário recorrer a uma disposição legal, ainda que se trate unicamente de fixar a interpretação duma simples palavra constante de uma norma legal concreta, seja de direito substancial, seja de direito processual.

5. O critério jurídico para destrinçar se estamos perante uma questão de direito ou uma questão de facto, passa por saber se o recorrente faz apelo, nos fundamentos do recurso substanciados nas conclusões, apenas a normas ou princípios jurídicos que tenham sido na sentença recorrida supostamente violados na sua determinação, interpretação ou aplicação, ou se, por outro lado, também apela à consideração de quaisquer factos materiais ou ocorrências da vida real (fenómenos da natureza ou manifestações concretas da vida mesmo que do foro espiritual ou volitivo), independentemente da sua pertinência, merecimento ou acerto para a solução do recurso.

6. Os fundamentos do recurso não versam exclusivamente matéria de direito quando o recorrente questiona as ilações que o Tribunal “a quo” retira da factualidade provada (cfr.conclusões 1 a 5 do recurso). Ora, em tais conclusões a recorrente apela à consideração de factos materiais ou ocorrências da vida real, os quais estão para além da mera interpretação de normas ou princípios jurídicos que tenham sido na sentença recorrida, supostamente, violados na sua determinação.

7. A citação é o acto pelo qual se chama a juízo o réu numa dada acção, dando-lhe conhecimento dos termos da mesma e concedendo-lhe prazo para se defender (cfr.artº.228, do C.P.Civil; artºs.35, nº.2, e 189, do C.P.P.Tributário). Presentemente, a regulamentação nuclear da matéria relativa à citação, e respectivas formalidades a respeitar, no âmbito dos processos de execução fiscal, acha-se vertida nos artºs.188 a 194, do C.P.P.T. (cfr.artºs.272 a 278, do anterior C.P.Tributário).

8. O prazo para deduzir oposição a execução fiscal é um prazo judicial, atento o disposto no artº.20, nº.2, do C.P.P.Tributário. Com efeito, o processo de execução fiscal tem natureza judicial, na sua globalidade, apesar de haver uma parte do mesmo que é processada perante órgãos da Administração Tributária (artº.103, nº.1, da L.G.T.). Tratando-se de prazo de natureza judicial, aplica-se-lhe o regime do C.P.Civil, pelo que ele corre continuamente, mas suspende-se em férias judiciais, mais se transferindo o seu termo para o primeiro dia útil seguinte quando terminar em dia em que os Tribunais estejam encerrados ou seja concedida tolerância de ponto (cfr.artº.144, nºs.1, 2 e 3, do C.P.C.).

9. As citações pessoais devem ser realizadas de acordo com as regras previstas no C.P.Civil, atento o disposto no artº.192, nº.1, do C.P.P.Tributário. As citações em processo civil estão reguladas nos artºs.233 a 252-A, do C.P.C.

10. A citação das pessoas colectivas, como é o caso dos autos, é feita na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, na sua sede, na residência destes ou em qualquer lugar em que se encontrem (cfr.artº.41, nº.1, do C.P.P.T.). Não podendo a citação efectuar-se na pessoa do representante, por este não ser encontrado pelo funcionário dos correios, a citação faz-se na pessoa de qualquer empregado capaz de transmitir os termos do acto, que se encontre no local onde normalmente funcione a administração da pessoa colectiva (cfr.artº.41, nº.2, do C.P.P.T.). Existe uma presunção de que as cartas com aviso de recepção são oportunamente entregues ao destinatário, mesmo quando o aviso de recepção foi assinado por terceiro, admitindo-se a prova de que não foi feita a entrega (cfr.artº.190, nº.5, do C.P.P.T.; artº.238, nº.1, do C.P.C.). Trata-se, em qualquer dos casos, de citação pessoal, atento o disposto no artº.233, nº.2, al.b), do C.P.Civil.

11. Se, eventualmente, for efectuada mais que uma citação pessoal relativamente à mesma execução e ao mesmo executado, o prazo para deduzir oposição conta-se da primeira citação, pois, por um lado, trata-se de uma situação anómala, uma vez que a lei apenas prevê um acto de chamamento à execução, e por outro lado, com o decurso do prazo de dedução de oposição, na sequência da primeira citação pessoal, fica extinto o respectivo direito atenta a natureza peremptória do prazo em causa, conforme decorre do artº.145, nº.3, do C.P.Civil.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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“H……………. - INVESTIMENTOS ……………, L.DA.”, com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Loulé, exarada a fls.63 a 69 do presente processo, através da qual julgou procedente a excepção dilatória de intempestividade da p.i. de oposição que originou os presentes autos, mais absolvendo a Fazenda Pública da presente instância.
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O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.96 a 99 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-Segundo o raciocínio do Tribunal “a quo”, a aqui recorrente tinha que deduzir oposição nos trinta dias seguintes à citação de 14/07/2009;
2-Tal entendimento não satisfaz, nem determina, no caso em apreço, uma situação de justiça material, que seria expectável no nosso ordenamento jurídico;
3-No dia 19 de Abril de 2012, a recorrente foi citada da existência do processo de execução fiscal nº………………….., tendo sido, também, notificada da penhora, realizada no âmbito de tal processo;
4-Se é certo que a recorrente fora citada, no ano de 2009, o certo é que, não deixou de ser citada, pela Autoridade Tributária, no dia 19 de Abril de 2012;
5-Com efeito, estamos perante dois actos iguais, que têm como razão de existência dar conhecimento da existência de um processo e que conferem a possibilidade de defesa, pelo que, não deixou de ser intencional, o acto de citação que a Autoridade Tributária promoveu, junto do sujeito passivo, a 19 de Abril de 2012;
6-Assim sendo, sempre terá de se aceitar que a Autoridade Tributária conferiu à aqui recorrente nova oportunidade de defesa, no âmbito do processo de execução fiscal em causa, o que não é, de todo, descabido, atento o lapso temporal decorrido entre a primeira citação e a penhora realizada;
7-Podemos, deste modo, afirmar que, tendo em conta que a Autoridade Tributária não podia desconhecer da citação já efectuada, esta pretendeu renovar a citação realizada, no ano de 2009, existindo uma novação da mesma, conferindo à recorrente uma nova possibilidade de se defender, no processo de execução fiscal em causa;
8-Termos em que se requer a V. Exas. que, atendendo aos argumentos supra aduzidos, declarem procedente o presente recurso e, consequentemente, substituam a decisão recorrida por outra que, conhecendo do mérito da causa, admita a oposição à execução fiscal deduzida.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.115 a 119 dos autos), mais tendo suscitado a excepção de incompetência em razão da hierarquia deste Tribunal, dado que o recurso deduzido apenas abarca matéria de direito.
Notificadas as partes da excepção alegada, veio o recorrente apresentar requerimento aduzindo que se proceder a mesma excepção, desde já se requer a remessa do processo ao Tribunal competente (cfr.fls.125 e 126 dos autos).
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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.65 e 66 dos autos):
1-Em 23/06/2009, foi extraída certidão de dívida, pelo 2º. Serviço de Finanças de Loulé, relativamente a dívida de Imposto de Selo de 2007 no montante de € 29.365,20, com data limite de pagamento voluntário de 6/04/2009 (cfr.documento junto a fls.14 dos presentes autos);
2-Em 09/07/2009, foi emitida citação pessoal para cobrança da divida executiva pelo processo de execução fiscal nº…………….., em nome de “H……….. -Investimentos ………………., L.da.”, com o NIPC …………… (cfr.documento junto a fls.16 dos presentes autos);
3-Em 14/07/2009, foi recebida a citação por assinatura do aviso de receção nº. RM ……………. 4 PT, por “Maria ………….., com identificação nº………………….. de 26/10/2005 do Registo de Coimbra” (cfr.documento junto a fls.17 dos presentes autos);
4-Consta do extracto actualizado do registo comercial, junto aos autos, que a sociedade “H……….. - Investimentos ………, L.da.”, NIPC ……….., tem como sócios, Titular Vítor ……………., € 7.481.968,46; Titular “H………. - Serviços ………………”, € 972.655,90; Titular “H………… - Serviços ……………”, € 972.655,90 (cfr.cópia de certidão permanente junta a fls.42 a 59 dos presentes autos);
5-Em 14/04/2012, foi emitida Notificação de Penhora/Citação Pessoal no processo nº. …………….. em nome de “H………… - Investimentos ……….., L.da.”, NIPC ……………, por dívida de Imposto de Selo de 2007 no montante de € 29.385,20, juros de mora € 8.544,66 e custas € 834,38 no total de € 38.544,25 (cfr.documento junto a fls. 15 dos presentes autos);
6-A oposição deu entrada, via fax, no Serviço de Finanças em 19/05/2012 (cfr.documento junto a fls.5 dos presentes autos).
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Levando em consideração que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou em prova documental constante dos presentes autos, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa, igualmente, relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.712, nºs.1, al.a), e 2, do C. P. Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
7-A notificação de penhora identificada no nº.5 supra do probatório, a qual foi concretizada no dia 19/4/2012, teve por objecto um imóvel urbano penhorado no pretérito dia 2/4/2012, no âmbito do processo de execução fiscal nº……………….3 (cfr.documento junto a fls.15 dos presentes autos);
8-Do ofício de notificação identificado no nº.7 consta, além do mais, o seguinte:
“(…)
Caso não tenha sido anteriormente deverá então considerar-se citado no âmbito do processo executivo abaixo identificado (…) (cfr.documento junto a fls.15 dos presentes autos).
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Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto aditada, no teor do documento referido em cada um dos números do probatório.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou procedente a excepção dilatória de intempestividade da p.i. de oposição que originou os presentes autos, mais absolvendo a Fazenda Pública da presente instância.
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Deve, antes de mais, resolver-se a questão da competência do Tribunal, por força do disposto no artº.13, do C. P. T. Administrativos, aplicável “ex vi” artº.2, al.c), do C. P. P. Tributário.
Nos termos do artº.280, nº.1, C. P. P. Tributário, das decisões dos Tribunais Tributários de 1.ª Instância cabe recurso a interpor, em primeira linha, para os Tribunais Centrais Administrativos, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que tal recurso tem de ser interposto para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
A violação desta regra de competência, em razão da hierarquia, determina, por previsão explícita do artº.16, nº.1, do C. P. P. Tributário, a incompetência absoluta do Tribunal, ao qual é, indevidamente, dirigido o recurso.
Como decorre do artº.685-C, nº.5, do C. P. Civil (aplicável “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T.), o despacho que admitiu o recurso não vincula o Tribunal Superior, pelo que nada obsta a que se aprecie e decida a questão prévia suscitada pelo M.P. junto deste Tribunal e, igualmente, de conhecimento oficioso, que se consubstancia na incompetência do T.C.A. “ad quem” em razão da hierarquia.
A competência do tribunal deve aferir-se pelo “quid disputatum” ou “quid decidendum”, em antítese com aquilo que será mais tarde o “quid decisum”. Por outras palavras, a competência do Tribunal afere-se face à pretensão formulada pelo autor na petição inicial, traduzida no binómio pedido/causa de pedir, ou seja, face ao “quid disputatum” e não ao “quid decisum”, isto é, a competência determina-se pelo pedido do Autor, irrelevando qualquer tipo de indagação acerca do mérito do mesmo (cfr.Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág.91; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.213).
Nos termos do artº.26, al.b), do E.T.A.F., atribui-se competência à Secção do Contencioso Tributário do S.T.A. para conhecer dos recursos interpostos das decisões dos Tribunais Tributários, com exclusivo fundamento em matéria de direito.
Por sua vez, o artº.38, al.a), do E.T.A.F., atribui competência à Secção de Contencioso Tributário de cada Tribunal Central Administrativo para conhecer dos recursos de decisões dos Tribunais Tributários, ressalvando-se o disposto no citado artº.26, al.b), do mesmo diploma.
Da concatenação das aludidas normas do E.T.A.F. se deve concluir que para o conhecimento dos recursos jurisdicionais interpostos de decisões dos Tribunais Tributários de 1ª. Instância é competente o S.T.A., quando o recurso tiver por fundamento exclusivamente matéria de direito e, pelo contrário, é competente a secção de contencioso tributário de um dos Tribunais Centrais Administrativos, se o fundamento não for exclusivamente de direito.
Na delimitação da competência do S.T.A. em relação à dos Tribunais Centrais Administrativos, a efectuar com base nos fundamentos do recurso, deve entender-se que o recurso não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito sempre que nas conclusões das respectivas alegações, as quais fixam o objecto do recurso (cfr.artº.684, nº.3, do C.P.Civil), o recorrente pede a alteração da matéria fáctica fixada na decisão recorrida ou invoca, como fundamento da sua pretensão, factos que não têm suporte na decisão recorrida, independentemente da atendibilidade ou relevo desses factos para o julgamento da causa. Por outras palavras, o recurso não versa exclusivamente matéria de direito, se nas suas conclusões se questionar matéria factual, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à factualidade provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer, ainda, porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar da mesma factualidade provada (cfr.ac.S.T.A.-2ª. Secção, 29/9/2010, rec.446/10; ac.T.C.A.Sul, 8/5/2012, proc.3180/09; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.213 e seg.).
São factos não só os acontecimentos externos, como os internos ou psíquicos, e tanto os reais, como os simplesmente hipotéticos. São ainda de equiparar aos factos os juízos que contenham subsunção a um conceito jurídico geralmente conhecido e que sejam de uso corrente (v.g.”pagar”; “vender”; “arrendar”). Existe matéria de facto quando o apuramento das realidades se faz todo à margem da aplicação directa da lei, isto é, quando se trata de averiguar factualidade cuja existência, ou não existência, não depende da interpretação a dar a nenhuma norma jurídica. Por sua vez, existe matéria de direito sempre que, para se chegar a uma solução, se torna necessário recorrer a uma disposição legal, ainda que se trate unicamente de fixar a interpretação duma simples palavra constante de uma norma legal concreta, seja de direito substancial, seja de direito processual (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, III, Coimbra Editora, 1985, pág.206 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.406 e seg.; Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, III, Almedina, 1982, pág.268 e seg.; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.264 e seg.).
O critério jurídico para destrinçar se estamos perante uma questão de direito ou uma questão de facto, passa por saber se o recorrente faz apelo, nos fundamentos do recurso substanciados nas conclusões, apenas a normas ou princípios jurídicos que tenham sido na sentença recorrida supostamente violados na sua determinação, interpretação ou aplicação, ou se, por outro lado, também apela à consideração de quaisquer factos materiais ou ocorrências da vida real (fenómenos da natureza ou manifestações concretas da vida mesmo que do foro espiritual ou volitivo), independentemente da sua pertinência, merecimento ou acerto para a solução do recurso. Nessa óptica, o que é verdadeiramente determinante é o efeito que o recorrente pretenda retirar de tais asserções cujo conhecimento envolva a elaboração de um dado juízo probatório que não se resolva por meio de uma simples constatação sobre se existiu ofensa de uma disposição legal expressa que implique uma dada espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de certo meio de prova, caso em que a competência já não caberá ao Tribunal de revista (cfr.artº.12, nº.5, do E.T.A.F.), mas ao Tribunal Central Administrativo por força do artº.38, al.a), do E.T.A.F., o mesmo se devendo referir sempre que, em fase de recurso, for pedida a apreciação da necessidade de realização de diligências de prova ou da sua determinação.
Ora, a identificação dos fundamentos do recurso colhe-se nas conclusões das alegações, conforme se alude supra, porque é nelas que o recorrente tem de condensar as causas de pedir que tenham susceptibilidade jurídica para, segundo o seu prisma, justificar a censura da decisão recorrida.
No caso “sub judice”, conforme se retira das conclusões do recurso explanadas supra, a sociedade opoente e ora recorrente, além do mais, questiona as ilações que o Tribunal “a quo” retira da factualidade provada (cfr.conclusões 1 a 5 do recurso).
Ora, em tais conclusões a recorrente apela à consideração de factos materiais ou ocorrências da vida real, os quais estão para além da mera interpretação de normas ou princípios jurídicos que tenham sido na sentença recorrida, supostamente, violados na sua determinação. Concluindo, os fundamentos do presente recurso não versam exclusivamente matéria de direito, pelo que a competência para o seu conhecimento pertence a este Tribunal, por força do artº.38, al.a), do E.T.A.F., e não ao S.T.A.-2ª.Secção, atento o disposto nos artºs.12, nº.5, e 26, al.b), do E.T.A.F.
Sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente a excepção de incompetência absoluta deste Tribunal (em razão da hierarquia), aduzida pelo Digno Magistrado do M.P.
X
Passemos à apreciação do fundamento do recurso.
O recorrente dissente do julgado alegando, em síntese e como supra se alude, que segundo o raciocínio do Tribunal “a quo”, a aqui recorrente tinha que deduzir oposição nos trinta dias seguintes à citação de 14/07/2009. Que no dia 19 de Abril de 2012, a recorrente foi citada da existência do processo de execução fiscal nº.3859-2009/101429.3, tendo sido, também, notificada da penhora, realizada no âmbito de tal processo. Se é certo que a recorrente fora citada, no ano de 2009, o certo é que, não deixou de ser citada, pela Autoridade Tributária, no dia 19 de Abril de 2012. Que podemos, deste modo, afirmar que, tendo em conta que a Autoridade Tributária não podia desconhecer a citação já efectuada, esta pretendeu renovar a citação realizada, no ano de 2009, existindo uma novação da mesma, conferindo à recorrente uma nova possibilidade de se defender, no processo de execução fiscal em causa, assim se devendo admitir a oposição à execução fiscal deduzida (cfr.conclusões 1 a 7 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da sentença recorrida.
Dissequemos se a decisão recorrida padece de tal vício.
O prazo fixado para a dedução da acção, porque aparece como extintivo do respectivo direito (subjectivo) potestativo de pedir judicialmente o reconhecimento de um certo direito, é um prazo de caducidade. E a caducidade do direito de acção é de conhecimento oficioso, porque estabelecida em matéria (prazos para o exercício do direito de sindicar judicialmente a legalidade de actos praticados no âmbito de processo judicial) que se encontra excluída da disponibilidade das partes (cfr.artº.333, do C.Civil) e determina o indeferimento liminar da petição. É, pois, um pressuposto processual negativo, em rigor, uma excepção peremptória que, nos termos do artº.493, nº.3, do C.P.Civil, consiste na ocorrência de factos que impedem o efeito jurídico dos articulados pelo autor, assim sobrevindo o não conhecimento “de meritis” e a consequente absolvição oficiosa do pedido.
Concretamente, o prazo para deduzir oposição a execução fiscal é um prazo judicial, atento o disposto no artº.20, nº.2, do C.P.P.Tributário. Com efeito, o processo de execução fiscal tem natureza judicial, na sua globalidade, apesar de haver uma parte do mesmo que é processada perante órgãos da Administração Tributária (artº.103, nº.1, da L.G.T.). Tratando-se de prazo de natureza judicial, aplica-se-lhe o regime do C.P.Civil (cfr.art.20, nº.2, do C.P.P.Tributário), pelo que ele corre continuamente, mas suspende-se em férias judiciais, mais se transferindo o seu termo para o primeiro dia útil seguinte quando terminar em dia em que os Tribunais estejam encerrados ou seja concedida tolerância de ponto (cfr.artº.144, nºs.1, 2 e 3, do C.P.C.).
Mais se dirá que o prazo para dedução de oposição é de trinta dias computado da data da citação pessoal ou, não a tendo havido, da primeira penhora realizada no processo executivo (cfr.artº.203, nº.1, al.a), do C.P.P.T.).
A citação é o acto pelo qual se chama a juízo o réu numa dada acção, dando-lhe conhecimento dos termos da mesma e concedendo-lhe prazo para se defender (cfr.artº.228, do C.P.Civil; artºs.35, nº.2, e 189, do C.P.P.Tributário; ac.T.C.A.Sul, 24/5/2011, proc.4478/11; ac.T.C.A.Sul, 12/8/2011, proc.4880/11).
Presentemente, a regulamentação nuclear da matéria relativa à citação, e respectivas formalidades a respeitar, no âmbito dos processos de execução fiscal, acha-se vertida nos artºs.188 a 194, do C.P.P.T. (cfr.artºs.272 a 278, do anterior C.P.Tributário).
Mais se dirá que as citações pessoais devem ser realizadas de acordo com as regras previstas no C.P.Civil, atento o disposto no artº.192, nº.1, do C.P.P.Tributário. As citações em processo civil estão reguladas nos artºs.233 a 252-A, do C.P.C.
Tanto nos casos em que a carta é entregue ao citando como naqueles em que a entrega é feita a terceiro, a citação por via postal considera-se feita no dia em que se mostrar assinado o aviso de recepção e tem-se por efectuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário (cfr.artº.238, nº.1, do C.P.C.) e só ocorrendo falta de citação se o destinatário alegar e demonstrar que não chegou a ter conhecimento da citação, por motivo que não lhe seja imputável, conforme resulta do artº.190, nº.6, do C.P.P.T. (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/11/2012, proc.6011/12; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, 6ª. edição, 2011, pág.378 e seg.).
Quanto à citação das pessoas colectivas, como é o caso dos autos, é feita na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, na sua sede, na residência destes ou em qualquer lugar em que se encontrem (cfr.artº.41, nº.1, do C.P.P.T.). Não podendo a citação efectuar-se na pessoa do representante, por este não ser encontrado pelo funcionário dos correios, a citação faz-se na pessoa de qualquer empregado capaz de transmitir os termos do acto, que se encontre no local onde normalmente funcione a administração da pessoa colectiva (cfr.artº.41, nº.2, do C.P.P.T.). Existe uma presunção de que as cartas com aviso de recepção são oportunamente entregues ao destinatário, mesmo quando o aviso de recepção foi assinado por terceiro, admitindo-se a prova de que não foi feita a entrega (cfr.artº.190, nº.5, do C.P.P.T.; artº.238, nº.1, do C.P.C.). Trata-se, em qualquer dos casos, de citação pessoal, atento o disposto no artº.233, nº.2, al.b), do C.P.Civil (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, 6ª. edição, 2011, pág.402).
Voltando ao caso concreto, conforme resulta do probatório (cfr.nºs.2 e 3 da matéria de facto provada), deve concluir-se que a citação pessoal da sociedade recorrente no âmbito do processo de execução fiscal nº.3859-2009/101429.3 ocorreu, efectivamente, no pretérito dia 14/07/2009, de resto, conforme a própria apelante reconhece nas conclusões do recurso (cfr.conclusão 4ª.).
Levando em consideração a regra de contagem de prazos prevista no artº.279, al.b), do C.Civil, o termo inicial da contagem de tal prazo de trinta dias ocorreu no pretérito dia 15/7/2009 (quarta-feira). O termo final do mesmo verificou-se em 14/9/2009, uma segunda-feira e após o decurso das férias judiciais, as quais tiveram lugar somente durante o mês de Agosto neste ano de 2009 (cfr.artº.144, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.20, nº.2, do C.P.P.T.). Como a p.i. relativa ao presente processo somente foi interposta em 19/05/2012, deve considerar-se intempestiva (cfr.nº.6 da matéria de facto provada).
Nesta medida, confirma-se a decisão recorrida.
O recorrente alega, ainda, que se deve considerar que operou uma novação do prazo para deduzir oposição à execução com a segunda citação efectuada, conferindo-lhe uma nova possibilidade de se defender no processo de execução fiscal em causa.
Não tem razão.
Se, eventualmente, for efectuada mais que uma citação pessoal relativamente à mesma execução e ao mesmo executado, o prazo para deduzir oposição conta-se da primeira citação, pois, por um lado, trata-se de uma situação anómala, uma vez que a lei apenas prevê um acto de chamamento à execução, e por outro lado, com o decurso do prazo de dedução de oposição, na sequência da primeira citação pessoal, fica extinto o respectivo direito atenta a natureza peremptória do prazo em causa, conforme decorre do artº.145, nº.3, do C.P.Civil, tudo de acordo com o já mencionado supra (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 21/3/2007, rec.829/06; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 21/5/2008, rec.293/08; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 30/11/2010, rec.710/10; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, 6ª. edição, 2011, pág.431).
Por último, refira-se que a segunda citação da opoente/recorrente, efectuada no âmbito do processo de execução fiscal nº.3859-2009/101429.3, revestiu carácter condicional, dado somente valer se acaso não tivesse já ocorrido a citação pessoal do executado em data anterior à penhora (cfr.nº.8 do probatório).
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o recurso deduzido e confirma-se a sentença recorrida, embora com a actual fundamentação, ao que se procederá na parte dispositiva do presente acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em JULGAR IMPROCEDENTE A EXCEPÇÃO DE INCOMPETÊNCIA HIERÁRQUICA SUSCITADA, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 2 de Julho de 2013

(Joaquim Condesso - Relator)

(Eugénio Sequeira - 1º. Adjunto)

(Benjamim Barbosa - 2º. Adjunto)