Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:52/09.8BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:11/05/2020
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:IRS
DESTACAMENTO TRABALHADOR
COMPETÊNCIA CUMULATIVA ESTADO DA FONTE E DA RESIDÊNCIA
ÓNUS DA PROVA
DUPLA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL
Sumário:I-Do artigo 8.º, nº 2, da CRP, resulta que as normas constantes de Convenções Internacionais vigoram na ordem jurídica logo que publicadas, daí decorrendo que os Tratados são fonte imediata de direitos e obrigações para os seus destinatários-princípio da eficácia direta e imediata.
II-Por força do princípio da relatividade dos Tratados, as pessoas só se prevalecem da Convenção se forem residentes num dos Estados contratantes.
III-Não sendo colocada em causa a efetividade dos rendimentos, o seu pagamento, e bem assim que houve lugar à retenção na fonte declarada, pautando-se o indeferimento pela insuficiência probatória, mormente, prova inequívoca do local do exercício do emprego, e dimanando da prova dos autos que o Recorrido exercia, à data da prática dos factos tributários, a atividade de Diretor Geral em Espanha, auferindo, por essa via, rendimentos de trabalho dependente, pagos por uma entidade domiciliada em Espanha, resulta inequívoca a aplicação direta e imediata da Convenção celebrada entre Portugal e Espanha, daí dimanando a competência cumulativa de tributação no Estado da Fonte e da Residência, e nessa medida, impera que seja eliminada a dupla tributação internacional.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (DRFP) veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por J..... e T....., tendo por objeto a decisão de indeferimento da reclamação graciosa interposta contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), referente ao ano de 1999, no valor total de €107.112,68.

A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

CONCLUSÕES:

i. Visa o presente recurso reagir contra a douta Sentença que julgou procedente a impugnação judicial, deduzida por J..... contribuinte n.º ....., e T....., contribuinte n.º ....., do indeferimento da reclamação graciosa interposta contra a liquidação adicional de IRS e correspondente liquidação de juros compensatórios, referente ao exercício de 1999, no total a pagar de €107.112,68.

ii. Entende a douta sentença que o Impugnante fez prova suficiente de que auferiu rendimentos em Espanha e que suportou o imposto naquele território, deve o mesmo ser relevado com vista à eliminação da dupla tributação internacional.

iii. Termos em que deve a presente acção ser julgada procedente e consequentemente, ser a liquidação impugnada anulada parcialmente, revelando a retenção na fonte efectuada em Espanha.

iv. Concludentemente considerou que estão preenchidos os pressupostos para o pagamento de juros indemnizatórios pelo pagamento indevido da liquidação de IRS, na parte que for anulada face à consideração do montante correspondente à retenção na fonte efectuada em Espanha, “contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos”, nos termos do artigo 61.º, n.º 5, do CPPT”.

v. A Fazenda Pública considera que a douta decisão do Tribunal a quo ora recorrida, não faz, salvo o devido respeito, uma correcta apreciação da matéria de facto e de direito relevante no que concerne a aplicação do artigo 77.º da Lei Geral Tributária (LGT), do artigo 16.º e alínea b), do n.º 4 do artigo 74.º, ambos do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), embora a douta sentença venha dizer “por errónea interpretação do disposto na alínea b) do n.º 5 do artigo 10.º do Código de IRS”, com o devido respeito, é nosso entendimento de que esta norma legal não se aplica in casu para aferir da legalidade do acto de liquidação adicional de IRS.

Vejamos,

vi. Não restam dúvidas que a Lei permite a fundamentação por remissão, ou seja, a fundamentação pode consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anterior informação, que constituirá, neste caso, parte integrante do respectivo acto, cfr. n.º 1, do artigo 125.º do CPA.

vii. Quanto à alegada violação da falta de fundamentação no que respeita às razões pelas quais a Administração Tributária considera não serem os documentos suficientes para fazerem prova do local do exercício do emprego gerador, incluídos no anexo J, da declaração de rendimentos, não nos parece de acolher tal argumento, uma vez que se pode aferir através da fls. 184, da reclamação graciosa, apensa a este processo, onde o assunto foi analisado e referida a razão da não aceitação dos documentos.

viii. Vejamos a fundamentação da Reclamação Graciosa: “o reclamante vem apenas apresentar os documentos constantes de fls. 171 a 174, a que se me afigura não serem documentos onde se possa aferir o local do exercício do emprego gerador dos rendimentos como obtidos no estrangeiro/Espanha, como seria o contrato celebrado entre o reclamante e a respectiva entidade patronal, no qual deveriam constar tais elementos.”

ix. A Reclamação Graciosa em apreço nos presente autos, contém a fundamentação legalmente exigida pelo n.º 1, do artigo 77.º da LGT, permitindo ao Impugnante perceber as razões de facto e de direito que levaram a Administração Tributária a decidir nos moldes em que decidiu, o que lhe permitiu defender de forma cabal os seus direitos e interesses, como resulta, de forma clara, da simples leitura da petição de Impugnação.

x. Assim, a Fazenda Pública é da opinião de que foi o ora Impugnante informado dos “erros” e “vícios” constantes da liquidação, e quais os fundamentos legais que levaram à sua correcção, por forma a poder organizar convenientemente a sua defesa, mencionando todas as disposições legais aplicáveis.

xi. Desde logo porque, mesmo se a fundamentação utilizada se revelar insuficiente face aos seus pressupostos legais [o que não se concede e apenas se admite por mera hipótese de raciocínio], mas o impugnante os apreender na sua totalidade e mesmo contra a parte omitida vier a exercer plenamente a sua defesa, então, tal insuficiência, não equivale à falta de fundamentação do acto, por o fim legal que com ela se visa atingir, ter sido, não obstante, alcançado.

xii. E como refere e bem a douta sentença, “utilizando a linguagem da jurisprudência, o acto só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto acto (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional (não psicológico) cognoscitivo e valorativo do autor do acto, sendo, portanto, essencial que o discurso contextual lhe dê a conhecer todo o percurso da apreensão e valoração dos pressupostos de facto e de direito que suportam a decisão ou os motivos por que se decidiu num determinado sentido e não em qualquer outro.”

xiii. Ora, com o devido respeito, e face a tudo que já foi dito, ao perscrutar a petição inicial subscrita pelo Impugnante, como já acima tivemos oportunidade de mencionar, dúvidas não subsistem que o mesmo apreendeu, integralmente, todos os fundamentos de facto e de direito que motivaram a actuação da Administração tributária, o que lhe possibilitou o exercício pleno de todos os seus meios de defesa.

Continuando.

xiv. Como refere a douta sentença, não obstante ser a decisão da reclamação graciosa o objecto imediato da presente impugnação, é o acto de liquidação impugnado o objecto mediato, pelo que importa analisar a sua legalidade.

Vejamos então,

xv. Neste seguimento, vem a douta sentença concluir que “deve a presente acção ser julgada procedente e consequentemente, ser a liquidação impugnada anulada parcialmente, revelando a retenção na fonte efectuada em Espanha.”

xvi. Com o devido respeito a posição da Administração Tributária, face à liquidação em crise, é diferente. Vejamos,

xvii. O impugnante, após ter sido notificado do indeferimento da reclamação graciosa, apresentada contra a liquidação adicional de IRS, para o ano de 1999 e respectivos juros compensatórios, veio reagir apresentando a presente impugnação judicial do acto de liquidação, pedindo a sua anulação, com diversas alegações, sendo que, após ponderados os factos e argumentos apresentados concluiu a Administração Tributária que as pretensões do impugnante não tinham fundamentos.

xviii. Compulsados todos os elementos juntos ao presente processo, nomeadamente, a informação da Direcção de Serviços das Relações Internacionais, a da Divisão de Justiça Administrativa, da Direção de Finanças de Lisboa, constatou-se que o ora impugnante, enquanto trabalhador da R....., Lda, em Portugal, durante o ano de 1999, foi destacado temporariamente para trabalhar em Espanha, por conta da R....., SA.

xix. O formulário E101, datado de 5/8/1999, vem dizer, que a entidade patronal é a descrita no ponto 2 do dito formulário ou seja, a R....., Lda, que consiste no documento emitido pela Segurança Social Portuguesa, confirma o destacamento do trabalhador para a empresa espanhola. Cfr. fls. 109 a 110, do Processo Administrativo Tributário (PAT).

xx. É condição a apresentação do formulário emitido e autenticado pelas autoridades fiscais dos beneficiários dos rendimentos, no qual seja confirmada a situação de residente naquele Estado para efeitos fiscais, para que a CDT seja activada.

xxi. O documento supra referido deve conter obrigatoriamente os elementos indispensáveis à identificação do titular dos rendimentos e a declaração autenticada pelas Autoridades Fiscais Espanholas, considerando-o fiscalmente residente em Espanha.

xxii. Enquadrando o conceito de residência fiscal, nomeadamente, a situação pessoal e familiar dos sujeitos passivos, relevante para efeitos de tributação, é aquela que se verificar no último dia do ano a que o imposto respeite, in casu, o sujeito passivo B, à data de 31/12/1999, é considerado como residente em Portugal, conforme se pode aferir pelas disposições do artigo 16.º do CIRS.

xxiii. O Impugnante para efeitos de fazer prova do local do exercício do emprego gerador dos rendimentos incluídos no anexo J da declaração de rendimentos do ano de 1999, veio apresentar documentos constantes de fls. 171 a 174 da Reclamação Graciosa, o que se afigura não serem documentos onde se possa aferir o local do exercício do emprego gerador dos rendimentos declarados como obtidos no estrangeiro/Espanha, como seria o contrato de trabalho celebrado entre o ora impugnante e a respectiva entidade patronal, ou qualquer outro documento legal que comprova-se tais factos.

xxiv. Veja-se a prova testemunhal produzida ao afirmar “que o Impugnante era pago em Portugal, pela sociedade portuguesa, muito embora prestasse serviços em Espanha, sendo que os montantes correspondentes ao salário e outros encargos inerentes à função que desempenhava eram redebitados à sociedade espanhola.”

xxv. Ora, constata-se que, o impugnante, enquanto trabalhador da R....., Lda, em Portugal, durante o ano de 1999, foi destacado temporariamente para trabalhar em Espanha, por conta da R....., SA.

xxvi. No entanto, verifica-se, que sempre foi considerado residente em Portugal e que de acordo com o modelo E101, datado de 5/8/1999, a entidade pagadora dos rendimentos foi a R..... Lda, com sede em Lisboa, confirmada pela prova testemunhal produzida.

xxvii. Pelo que, para o conceito de residência fiscal, nomeadamente, a situação pessoal e familiar dos sujeitos passivos, relevante para efeitos de tributação, é aquela que se verificar no último dia do ano a que o imposto respeite, in casu, o sujeito passivo B, à data de 31/12/1999, é considerado como residente em Portugal, conforme se pode aferir pelas disposições do artigo 16.º do CIRS. Veja-se a fls. 118 da reclamação graciosa, em que é comprovado que, no exercício em apreço, teve e tem residência em território português (Cfr. Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes - Situação Cadastral Anterior).

xxviii. Assim sendo, a douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, em nossa modesta opinião, fez uma incorrecta apreciação dos factos relevantes para a boa decisão da causa e violou o disposto no artigo 77.º da LGT, no artigo 16.º, na alínea b), do n.º 4 do artigo 74.º, ambos do CIRS.

xxix. Quanto ao decidido na douta Sentença no que respeita aos juros indemnizatórios, com o devido respeito, também não lhe assiste razão, uma vez que não se verifica a condição do n.º 1, do artigo 43.º da LGT.

Ou seja,

xxx. Nos termos daquele preceito legal “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento de divida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

xxxi. Isto é, o artigo 43.º da LGT, nas palavras de Lima Guerreiro in lei Geral Tributária Anotada, Editora Rei dos Livros, 2001, “(…) define os pressupostos do direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte que tenha sido atingido por tributação ilegal e, por isso, houver pago imposto indevido. (…) O direito a juros indemnizatórios abrange apenas uma das causas da responsabilidade da Administração tributária, agindo como tal: a originada pelo pagamento indevido de tributos, que lhe for imputável.”

xxxii. Atento ao exposto, afigura-se-nos a inexistência de qualquer erro de facto ou de direito praticado pela Administração Tributaria, enquanto condição sine qua non para a exigibilidade dos juros indemnizatórios, atento que, o acto tributário em causa foi validamente efectuado em obediência ao disposto no artigo 77.º da LGT, ao artigo 16.º, à alínea b), do n.º 4 do artigo 74.º, ambos do CIRS.

xxxiii. Aqui chegados, e com o devido respeito, somos levados a concluir que, ao decidir como decidiu, a douta sentença incorreu em erro de julgamento.

xxxiv. Deste modo, e tendo presente a realidade em análise e de todos os elementos constantes do probatório, considera a Fazenda Pública, contrariamente ao doutamente decidido, que a actuação da Administração Tributária foi no estrito cumprimento do artigo 77.º da LGT, do artigo 16.º, à aliena b), do n.º 4 do artigo 74.º, ambos do CIRS.

Termos em que, com o douto suprimento de Vossa Excelências, deve o presente recurso ser provido e, consequentemente ser revogada a sentença proferida pelo douto Tribunal a quo assim se fazendo a costumada justiça.”


***

Os Recorridos devidamente notificados optaram por não apresentar contra-alegações.

***

O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

***

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

***

II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

“Compulsados os autos e analisada a prova documental e testemunhal encontram-se assentes, por provados, os seguintes factos com interesse para a decisão do mérito:

A. Pela Agência Tributária Espanhola, em 25.04.2000, foi declarado que a sociedade R....., S.A., apresentou declaração anual de rendimentos do trabalho, referente ao exercício de 1999, onde declarou ter pago a J....., as quantias de 50.650.498 pts, a título de rendimentos de categoria A, e 3.971.582 pts, a título de rendimentos de categoria F, sobre as quais foi efectuada retenção na fonte no montante de 12.662.623 pts e 992.896 pts, respectivamente [cf. fls. 14 do processo de reclamação graciosa].

B. Pela sociedade A..... foi declarado que por si foi pago em Espanha a J....., as quantias de 50.650.498pts, equivalente a Esc.61.029.798$00 e 3.971.582 pts, equivalente a Esc.4.785.438$00, sobre as quais foi efectuada retenção na fonte em Espanha no montante de 13.655.521 pts, correspondente a Esc.16.453.810$00 [cf. fls. 83 do processo de reclamação graciosa].

C. A 28.04.2000 foi apresentado em nome dos Impugnante a declaração de rendimentos modelo 3, referente ao exercício fiscal de 1999, onde consta no quadro 12 declarado que o sujeito passivo A - J....., auferiu Esc.65.815.236$00, e suportou Esc.7.239.676, a título de contribuições obrigatórias para o regime de protecção social, mais declarando no anexo J, o montante de rendimento recebido pelo sujeito passivo A de Esc.65.815.236$00, e suportou Esc.16.453.810, a título de retenções na fonte [cf. cópia da declaração modelo 3 de IRS a fls. 6 a 13 do processo de reclamação graciosa].

D. A 03.08.2000 foi emitida a liquidação de IRS n.º ....., em nome dos Impugnantes, referente ao exercício de 1999, no montante a pagar de Esc.21.474.164$00 (€107.112,68), onde consta o rendimento global de Esc.65.815.236, e zero escudos de retenções na fonte [cf. fls. 31 dos autos e fls. 16 do processo de reclamação graciosa em apenso].

E. A liquidação identificada no ponto anterior foi paga em 10.10.2000 [cf. fls. 16 do processo de reclamação graciosa em apenso].

F. A 18.12.2000 foi apresentada reclamação graciosa contra o acto de liquidação identificado no ponto anterior [cf. fls. 3 do processo de reclamação graciosa em apenso].

G. Por ofício n.º .....de 15.11.2001, foram os Impugnantes notificados para apresentarem os “documentos originais ou autenticados do documento comprovativo do montante do rendimento, da sua natureza e do pagamento do imposto, emitido ou autenticado pelas Autoridades Fiscais do respectivo Estado onde são originários os rendimentos (Espanha); documento justificativo do câmbio utilizado” [cf. fls. 85 a 86 do processo de reclamação graciosa em apenso].

H. Em resposta ao ofício identificado no ponto anterior foi pelos Impugnantes apresentado o original da declaração a que se refere em A) supra, e uma declaração dos próprios onde afirmam que a taxa de câmbio utilizada foi a taxa de câmbio irrevogável do Euro, 1 peseta = 1.20492 escudos [cf. fls. 88 e 89 do processo de reclamação graciosa em apenso].

I. Por ofício n.º ....., de 02.09.2008 foram os Impugnantes notificados do projecto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada [cf. fls. 148 a 154 do processo de reclamação graciosa apresentado].

J. Por requerimento de 01.10.2008, foi pelos Impugnantes exercido o direito de audição prévia, tendo sido junto aos autos: i) uma declaração do impugnante onde afirma estar a trabalhar em Espanha desde 1996; ii) um atestado emitido pelo Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo, onde consta que o Impugnante encontra-se a prestar trabalho em Espanha, desde 01.01.1999 a 31.12.2001; iii) uma declaração emitida pela sociedade S..... onde consta que o Impugnante presta serviços àquela entidade em 1999, na qualidade de director-geral, domiciliada em Espanha [cf. fls. 155 a 174 do processo de reclamação graciosa em apenso].

K. A 30.10.2008, foi apresentado requerimento pelo Impugnante juntando aos autos de reclamação graciosa o original da declaração emitida pela Agência Tributária Espanhola, em 10.10.2008, onde consta que no exercício de 1999 foi declarado pela sociedade R....., S.A., ter pago a J....., as quantias de 50.650.498pts e 3.971.582pts, sobre as quais foi efectuada retenção na fonte no montante de 12.662.623pts e 992.896pts, respectivamente [cf. fls. 176 do processo de reclamação graciosa em apenso].

L. Por despacho de 22.12.2008, do Chefe de Divisão da Justiça Administrativa, foi indeferida a reclamação graciosa [cf. fls. 179 a 181 do processo de reclamação graciosa]

M. A 02.01.2009 foram os Impugnantes notificados da decisão identificada no ponto anterior [cf. fls. 179 a 186 do processo de reclamação graciosa em apenso].

N. A 19.01.2009 foi remetida via correio electrónico a petição inicial da presente acção [cf. fls. 3 e 146 dos autos].

O. Por despacho de 30.04.2009, da Directora de Serviços das Relações Internacionais, foi deferido o recurso hierárquico apresentado contra a liquidação de IRS referente ao ano de 2001, resultando provado que o “recorrente esteve em Espanha ao serviço da sua entidade patronal (A....., Lda., nipc .....), enquanto trabalhador dependente, tendo exercido funções junto da sociedade espanhola A....., S.A. (pertencente ao mesmo grupo económico da sociedade portuguesa”, que “o recorrente inscreveu aqueles rendimentos nos anexos A e J, o que veio originar uma duplicação de rendimentos, para além da já referida dupla tributação (…) entendendo-se que a situação deveria ser corrigida, repondo a verdade dos factos, tendo em vista a eliminação da duplicação de tributação dos rendimentos e, bem assim, da dupla tributação internacional” [cópia da informação e despacho que recaiu sobre o recurso hierárquico n.º ....., da Direcção de Serviços das Relações Internacionais, a fls. 177 a 181 dos autos].


***

A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:

“Nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir.”


***

Consta como motivação da matéria de facto o seguinte: “Assenta a convicção deste Tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e no processo instrutor, não impugnados, referidos a propósito de cada alínea do probatório.

Foram ouvidas as testemunhas C..... e A....., ambas funcionárias da sociedade portuguesa que efectuou os pagamentos de rendimentos de trabalho dependente, auferidos por J....., na qualidade de director-geral da sociedade espanhola, tendo apenas conhecimento dos procedimentos efectuados pela sociedade portuguesa. Por elas foi relatado que o Impugnante era pago em Portugal, pela sociedade portuguesa, muito embora prestasse serviços em Espanha, sendo que os montantes correspondentes ao salário e outros encargos inerentes à função que desempenhava eram redebitados à sociedade espanhola.”


***

C) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa interposta contra a liquidação adicional de IRS, referente ao ano de 1999, no valor total de €107.112,68.

Importa, desde já, ter em consideração que em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se a decisão recorrida padece de erro de julgamento por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito, competindo, para o efeito, analisar se o Tribunal a quo, decidiu acertadamente a questão ao evidenciar que os meios probatórios juntos aos autos são suficientes para se concluir que os rendimentos de trabalho dependente foram obtidos no estrangeiro, e nessa medida, se há lugar à consideração do imposto pago no estrangeiro, por forma a eliminar a dupla tributação internacional.

Procedendo o aludido erro de julgamento, cumpre analisar o vício formal da falta de fundamentação.

Apreciando.

Alega a Recorrente que a sentença recorrida estribou a sua fundamentação numa errónea valoração da matéria de facto, assim como numa incorreta interpretação das normas legais aplicáveis.

Defende, neste particular, compulsados todos os elementos juntos ao presente processo, nomeadamente, a informação da Direção de Serviços das Relações Internacionais a da Divisão de Justiça Administrativa, da Direção de Finanças de Lisboa, constatou-se que o ora Recorrido, enquanto trabalhador da R....., Lda, em Portugal, durante o ano de 1999, foi destacado temporariamente para trabalhar em Espanha, por conta da R....., SA.

Mais relevando que, para que a Convenção seja ativada é condição prévia a apresentação do formulário emitido e autenticado pelas autoridades fiscais dos beneficiários dos rendimentos, no qual seja confirmada a situação de residente naquele Estado para efeitos fiscais.

Sublinhando, outrossim, que os documentos carreados para efeitos de prova do local do exercício do emprego gerador dos rendimentos incluídos no anexo J da declaração de rendimentos do ano de 1999 são insuficientes, porquanto não é possível aferir o local do exercício do emprego gerador dos rendimentos declarados como obtidos no estrangeiro/Espanha, como seria, designadamente, o contrato de trabalho celebrado entre o Impugnante, ora Recorrido, e a respetiva entidade patronal.

Concluindo, assim, que a decisão recorrida proferida pelo Tribunal a quo, fez uma incorreta apreciação dos factos relevantes para a boa decisão da causa e violou o disposto no artigo 77.º da LGT, no artigo 16.º, na alínea b), do n.º 4, do artigo 74.º, ambos do CIRS.

O Tribunal a quo concluiu pela procedência da presente impugnação judicial, porquanto os Recorridos lograram provar que J..... auferiu rendimentos em Espanha, e que suportou imposto naquele território, por conseguinte deve o mesmo ser relevado com vista à eliminação da dupla tributação internacional. Aliás, sublinha, em sentido consonante com o procedimento da Administração Tributária relativamente ao exercício de 2001.

Mais sustenta que, em ordem ao princípio do inquisitório e da colaboração sempre a conduta da Administração Tributária estava inquinada de ilegalidade, porquanto se existiam dúvidas sobre a veracidade dos rendimentos auferidos e impostos pagos no estrangeiro não podia, sem mais, desconsiderar o crédito de imposto sobre tributação internacional.

Com efeito, o inquisitório sempre imporia que a Administração Tributária iniciasse um procedimento de troca de informações com as autoridades espanholas tendo em vista a determinação da situação contributiva e fiscal do titular dos rendimentos daquele país.

Destarte, existindo provas inequívocas de que os rendimentos foram obtidos no estrangeiro, onde o imposto foi pago, então tem de relevar o crédito de imposto por dupla tributação internacional não podendo, sem mais, desconsiderar-se o imposto pago no estrangeiro.

Apreciando.

Importa, desde já, relevar que não se vislumbra que o entendimento do Tribunal a quo mereça qualquer censura, visto que interpretou corretamente o quadro normativo vigente e aplicou-o com adequação ao recorte fático dos autos.

Senão vejamos.

Comecemos por atentar no quadro normativo aplicável ao caso vertente.

De harmonia com o consignado no artigo 15.º, do CIRS, sob a epígrafe de “Âmbito da sujeição”:

“1 - Sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território.

2 - Tratando-se de não residentes, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português.”

Consignando, por seu turno, o artigo 17.º, nº 1, alínea a), do CIRS, que consideram-se rendimentos obtidos em território português:

“Os rendimentos do trabalho decorrentes de atividades nele exercidas, bem como de atos isolados nele praticados, de carácter científico, artístico ou técnico, ou de prestação de serviços prevista no nº 4 do artigo 3º”.

Preceituando, por seu turno, o artigo 80.º, nº 1, alínea i), do CIRS a dedução por dupla tributação internacional, e bem assim o artigo 80.º D do mesmo diploma legal, o crédito de imposto por dupla tributação internacional.

Mais importa convocar a Convenção celebrada entre Portugal e Espanha[1], a qual conforme dimana, desde logo, do seu artigo 1.º aplica-se às pessoas residentes de um ou de ambos os Estados Contratantes.

Neste particular, importa chamar à colação o artigo 15.º, sob a epígrafe de profissões dependentes, segundo o qual:

“1. Com ressalva do disposto nos artigos 16.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º e 22.º, os salários, ordenados e remunerações similares obtidos de um emprego por um residente de um Estado Contratante só podem ser tributados nesse Estado, a não ser que o emprego seja exercido no outro Estado Contratante. Se o emprego for aí exercido, as remunerações correspondentes podem ser tributadas nesse outro Estado.

2. Não obstante o disposto no n.º 1, e com as ressalvas nele estabelecidas, as remunerações obtidas por um residente de um Estado Contratante de um emprego exercido no outro Estado Contratante só podem ser tributadas no Estado primeiramente mencionado se: a) O beneficiário permanecer no outro Estado durante um período ou períodos que, no ano fiscal em causa, não excedam no total cento e oitenta e três dias; e b) As remunerações forem pagas por uma entidade patronal ou em nome de uma entidade patronal que não seja residente do outro Estado; e c) As remunerações não forem suportadas por um estabelecimento estável ou por uma instalação fixa que a entidade patronal tenha no outro Estado.

(…)

4. As remunerações previstas no n.º 1 deste artigo auferidas por residentes de um Estado Contratante nos concelhos limítrofes do outro Estado Contratante que trabalham nesse outro Estado nos concelhos limítrofes do primeiro e se deslocam diariamente do local da residência para o local de trabalho (trabalhadores fronteiriços) só podem ser tributadas no Estado de que os beneficiários são residentes.”

Mais importa convocar, in fine, o disposto no artigo 23.º, nº2, da aludida Convenção, o qual regulamenta o método para evitar a dupla tributação, estatuindo, para o efeito, que:

“2 - No caso de um residente de Portugal, a dupla tributação será evitada, de acordo com as disposições aplicáveis da legislação portuguesa (desde que não contrariem os princípios gerais estabelecidos neste número), do seguinte modo:

a) Quando um residente de Portugal obtiver rendimentos que, de acordo com o disposto nesta Convenção, possam ser tributados em Espanha, Portugal deduzirá do imposto sobre o rendimento desse residente uma importância igual ao imposto pago em Espanha.

A importância deduzida não poderá, contudo, exceder a fração do imposto sobre o rendimento, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que podem ser tributados em Espanha.”

Visto o direito que releva para o caso vertente, regressemos, então, ao caso dos autos.

Para o efeito importa, desde já, convocar quais as razões atinentes à recusa do da dedução do imposto pago em Espanha, constantes, desde logo, no projeto de indeferimento da reclamação graciosa.

O aludido projeto de indeferimento começa por chamar à colação os artigos 15.º e 23.º, nº2, da Convenção celebrada entre Portugal e Espanha e supra aludidos, evidenciando que “o original do documento da fotocópia que havia junto à sua petição a fls. 14, mencionando este, que a entidade patronal “R....., SA”, com CIF ....., apresentou a mod. 190, respeitante ao ano de 1999, na qual incluía os rendimentos e retenções na fonte respeitante ao reclamante” se afigurava insuficiente para permitir a dedução do imposto pago no estrangeiro, visto que “não seria possível concluir-se quanto à natureza dos rendimentos, assim como, se a tributação dos mesmos seria cumulativa”.

Face ao aludido projeto de indeferimento, e na sequência de exercício do direito de audição, os Reclamantes, ora Recorridos, procederam à junção de novos elementos, melhor densificados nas alíneas I) e K), do probatório, tendo, contudo, subsistido o indeferimento porquanto os aludidos documentos não permitiam “[a]ferir o local do exercício do emprego gerador dos rendimentos declarados como obtidos no estrangeiro/Espanha, como seria o contrato de trabalho celebrado entre o reclamante e a respectiva entidade patronal, no qual deveriam constar tais elementos.”

Ora, face ao supra aludido dimana inequívoco, que não é colocada em causa a efetividade dos rendimentos, o seu pagamento, e bem assim que houve lugar à retenção na fonte declarada, pautando-se o indeferimento pela insuficiência probatória, mormente, prova inequívoca do local do exercício do emprego o que seria, desde logo, curial para se aquilatar da competência exclusiva ou cumulativa do Estado da residência à luz da Convenção celebrada entre Portugal e Espanha.

E por assim ser carece, desde logo, de relevância qualquer consideração quanto à questão atinente a ser residente em Portugal, porquanto essa questão é não controvertida- aliás os Recorridos apresentaram declaração modelo 3, com o correspondente anexo J- o que importa ponderar é da adequacidade e suficiência probatória para efeitos de apreciação da aludida competência cumulativa ou exclusiva e inerente possibilidade de eliminação da dupla tributação internacional.

Carecendo, igualmente, de relevância o alegado nas conclusões xx) a xxii), porquanto são fundamentos não contemporâneos com os que fundaram o indeferimento da pretensão.

De todo o modo, sempre se dirá que contrariamente ao expendido pela Recorrente para que a Convenção Bilateral fosse, à data, ativada bastava, tão-só, que o sujeito passivo fosse residente num dos Estados contratantes, e não como é defendido pela Recorrente que fosse certificado que residia em Espanha e menos ainda que fosse atestado por um formulário específico. Note-se que, não nos encontramos perante uma questão atinente à qualidade de não residente e inerente meio e idoneidade probatória.

Com efeito, conforme consignado no artigo 8.º, nº 2, da CRP as normas constantes de Convenções Internacionais vigoram na ordem jurídica logo que publicadas, daí decorrendo que os Tratados são fonte imediata de direitos e obrigações para os seus destinatários-princípio da eficácia direta e imediata. Mais importando relevar que, por força do princípio da relatividade dos tratados, as pessoas só se prevalecem da convenção se forem residentes num dos Estados contratantes [2].

Aqui chegados, como visto, o cerne da questão circunscreve-se à prova realizada pelos Recorridos, importando, assim, densificar se os aludidos elementos permitem materializar a prestação de trabalho em Espanha, donde, validar a competência cumulativa do Estado da fonte e da residência, com a inerente eliminação da dupla tributação internacional, por via do crédito de imposto.

Atentemos, então, no acervo probatório dos autos.

Decorre, desde logo, do probatório que o Recorrido apresentou declaração de rendimentos modelo 3, enquanto residente no território português, tendo apresentado anexo J, no qual declarou como rendimentos de trabalho dependente obtidos no estrangeiro (Espanha) o valor de €328.285,01, e como imposto pago no estrangeiro o valor de €82.071,25.

Mais decorre que, a 25 de abril de 2000, a Agência Tributária Espanhola, declarou que a sociedade R....., S.A., apresentou declaração anual de rendimentos do trabalho, referente ao exercício de 1999, na qual declarou ter pago ao Recorrido J....., as quantias de 50.650.498 pts, a título de rendimentos de categoria A, e 3.971.582 pts, a título de rendimentos de categoria F, sobre as quais foi efetuada retenção na fonte no montante de 12.662.623 pts e 992.896 pts, respetivamente.

Dimanando, outrossim, do acervo fático dos autos que a sociedade A..... declarou que, por si foi pago em Espanha, a J....., as quantias de 50.650.498 pts, equivalente a Esc.61.029.798$00 e 3.971.582 pts, equivalente a Esc.4.785.438$00, sobre as quais foi efetuada retenção na fonte em Espanha no montante de 13.655.521 pts, correspondente a Esc.16.453.810$00.

Decorrendo, igualmente, provado que foi emitida uma declaração pelos próprios Recorridos onde afirmam que a taxa de câmbio utilizada foi a taxa de câmbio irrevogável do Euro, 1 peseta = 1.20492 escudos.

E na sequência do exercício de audição prévia ao projeto de indeferimento de reclamação graciosa foram, ainda, apresentados os seguintes documentos:
Ø Declaração do Recorrido onde afirma estar a trabalhar em Espanha desde 1996;
Ø Atestado emitido pelo Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo, do qual emerge que o Recorrido se encontra a prestar trabalho em Espanha, desde 01 de janeiro de 1999 a 31 de dezembro de 2001;
Ø Declaração emitida pela sociedade “S.....” onde consta que o Recorrido presta serviços àquela entidade em 1999, na qualidade de Diretor-geral, domiciliada em Espanha.

Ulterior e adicionalmente, foi junta uma declaração emitida pela Agência Tributária Espanhola, datada de 10 de outubro de 2008, onde consta que no exercício de 1999 foi declarado pela sociedade “R....., S.A.”, ter pago ao Recorrido as quantias de 50.650.498 pts e 3.971.582 pts, sobre as quais foi efetuada retenção na fonte no montante de 12.662.623 pts e 992.896 pts, respetivamente.

Ora, atentando no suporte documental supra aludido, dimana inequívoco que a documentação apresentada pelos Recorridos é idónea para os efeitos pretendidos, visto que dela decorre, sem margem para dúvidas, que o Recorrido exercia, à data da prática dos factos tributários, a atividade de Diretor Geral em Espanha, auferindo, por essa via, rendimentos de trabalho dependente, pagos por uma entidade domiciliada em Espanha.

É certo que a Recorrente sustenta-ainda que não impugnando os respetivos depoimentos das testemunhas- que a prova testemunhal evidenciou que as testemunhas avalizaram que o Impugnante era pago em Portugal, pela sociedade portuguesa, muito embora prestasse serviços em Espanha, mas a verdade é que, não só os aludidos depoimentos atestam e certificam a posição dos Recorridos, ou seja, de que os serviços têm a natureza de trabalho dependente prestados fora do território nacional, concretamente, Espanha, como, por outro lado, as testemunhas evidenciaram de forma expressa-conforme dimana na motivação da matéria de facto- que ainda que os valores fossem pagos pela sociedade portuguesa eram objeto de redébito, donde, a efetivação do pagamento circunscrevia-se na esfera jurídica da entidade espanhola, sendo esta que suportava, efetivamente, o encargo.

É certo, outrossim, que a Recorrente faz alusão a uma menção no formulário E 101, mormente, à circunstância de se evidenciar que a entidade patronal era R....., lda e que era esta que procedia ao pagamento das remunerações, porém não só a evidência da entidade patronal se coaduna com a verdade dos factos retratada no probatório, como a menção dos pagamentos estava relacionada com o ulterior redébito, não podendo, por isso, ser dela dissociada.

Note-se que, dos elementos documentais constantes dos autos e retratados no probatório e atestados pelas Entidades Fiscais Espanholas competentes foi asseverado o pagamento de remunerações, ao Recorrido, por parte da sociedade espanhola R....., S.A., inerente ao trabalho prestado em Espanha, e sobre o qual incidiram e se materializaram as competentes retenções na fonte (cfr. alíneas A) e K) do probatório).

Neste particular, e relativamente a rendimentos de trabalho dependente, atente-se no expendido por Alberto Xavier[3] e que se transcreve na parte que para os autos releva:

“Em matéria de profissões dependentes, as convenções internacionais-seguindo o artigo 15.º do Modelo OCDE-reconhecem, em princípio, a competência exclusiva do Estado da Residência.

Se o emprego é exercido no Estado da residência do empregado, nenhum problema se suscita; se, porém, é exercido noutro Estado, importa proceder à repartição dos poderes de tributar potencialmente interessados na situação.

Nesta hipótese, há que distinguir as “actividades duradouras”, caso em que ocorre a competência tributária cumulativa (may be taxed) do Estado da fonte, das “actividades temporárias”, caso em que o Estado da residência tem um poder exclusivo, se se verificarem cumulativamente os seguintes três requisitos negativos:

O beneficiário permanecer no outro Estado durante um período ou períodos, que não excedam, no total, 183 dias em cada período de doze meses, começando ou terminando no ano fiscal considerado; (ii) a remuneração for paga por entidade patronal ou em nome de entidade patronal que não seja residente do outro Estado; (iii) as remunerações não forem suportadas por um estabelecimento estável (ou por uma instalação fixa) que a entidade patronal tenha no outro Estado.”

Mais esclarecendo que, “através destes dois últimos requisitos, pretendeu-se esclarecer que a exclusividade do direito do Estado da residência, cessa quando a “fonte de pagamento” se localiza também no país em que a actividade é exercida (fonte da produção).

Relevando, ainda, que, “simetricamente, o Estado em que o emprego é exercido, terá competência cumulativa se ocorrer alternativamente uma das seguintes três hipóteses: (i) o empregado estiver presente mais de 183 dias; ou (ii) a remuneração for paga por ou por conta de entidade patronal residente nesse Estado; ou (iii) a entidade patronal não residente, tiver um estabelecimento estável (ou instalação fixa) que suporta a remuneração. Basta que um destes requisitos positivos seja preenchido para que o Estado em que o empregado é temporariamente exercido tenha o poder de tributar o salário decorrente desse emprego.”

Resulta, assim, que contrariamente ao expendido pela Recorrente e conforme bem decidido pelo Tribunal a quo, os elementos juntos aos autos são idóneos para o efeito, em nada relevando a junção do contrato de trabalho. Note-se, ademais, que para além de a lei não preceituar e vincular que a outorga de contrato de trabalho seja reduzida a escrito, certo é que, no sentido propugnado na decisão recorrida, “considerando que a função desempenhada pelo Impugnante em Espanha, correspondia a cargo de direcção – director-geral da sociedade espanhola, embora mantendo o vínculo contratual à sociedade portuguesa, com relações de grupo com a sociedade espanhola, seria impossível apresentar o contrato de trabalho relativo ao trabalho desempenhado em Espanha, que a informação da reclamação graciosa aflora como elemento fidedigno para atestar o local do exercício do emprego.”

Note-se, neste e para este efeito, que foi esse, exatamente, o entendimento propugnado pela Administração Tributária relativamente ao ano de 2001, no qual anuiu com a existência de competência cumulativa e ulterior crédito de imposto, conforme resulta claramente da alínea O) do probatório.

Destarte, face ao supra expendido e à prova carreada para os autos, resulta inequívoca a aplicação direta e imediata da Convenção celebrada entre Portugal e Espanha, daí dimanando, face ao supra aludido, a competência cumulativa de tributação no Estado da Fonte e da Residência, e nessa medida, impera que seja eliminada a dupla tributação internacional.

Conforme doutrina José Casalta Nabais, a dupla tributação do rendimento implica que “ (…) pode ser tributado tanto no Estado da fonte do rendimento como no Estado da residência do seu titular, sendo certo que, de acordo com o ius gentium, incumbe ao Estado da residência, porque tem legitimidade para tributar a globalidade dos rendimentos dos seus residentes, o ónus de eliminar ou atenuar a dupla tributação daí decorrente.”[4].

Sendo que, conforme consignado nos artigos 23.º-A e 23.º-B da Convenção Modelo da OCDE, os métodos previstos pelas Convenções por forma a eliminar a dupla tributação, são o método da isenção e o método da imputação.

In casu, a Convenção celebrada entre Portugal e Espanha determina, no citado artigo 23.º, nº2, o método da imputação limitada, dele dimanando que “Portugal deduzirá do imposto sobre o rendimento desse residente uma importância igual ao imposto pago em Espanha. A importância deduzida não poderá, contudo, exceder a fração do imposto sobre o rendimento, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que podem ser tributados em Espanha.”

E por assim ser, resultando provado que os rendimentos de trabalho dependente foram obtidos no estrangeiro, onde o imposto foi pago, tem, necessariamente, de relevar o crédito de imposto por dupla tributação internacional, nos termos do disposto no artigo 23.º, nº2, da Convenção celebrada entre Portugal e Espanha, 8.º da CRP e 80.º do CIRS, pelo que não tendo sido esse o entendimento da Administração Tributária, a liquidação impugnada padece, efetivamente, de erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

Logo, a sentença que assim o decidiu não merece qualquer censura, mantendo-se, assim, o julgado anulatório, ficando, por isso, prejudicado o conhecimento das demais questões.

Igual confirmação merece o decidido quanto ao pagamento dos juros indemnizatórios.

Neste particular, defende a Recorrente que não se verifica a condição do n.º 1, do artigo 43.º da LGT, porquanto inexiste qualquer vício e ilegalidade que possa ser imputada ao ato de liquidação.

Porém, sem razão.

De harmonia com o disposto no artigo 43.º, nº1 da LGT: “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido“.

Para esse efeito é necessário que se verifique a ocorrência de um erro e que o mesmo seja imputável aos serviços, respeitando este último requisito a “falta do próprio serviço, globalmente considerado”.

Como doutrina Jorge Lopes de Sousa: A utilização da expressão “erro” e não “vício” ou “ilegalidade” para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros, revela que se teve em mente apenas os vícios do ato anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito[5].

No caso vertente, não subsistem dúvidas que estão preenchidos os requisitos legais que a lei faz depender o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, uma vez que, conforme declarado na sua declaração de rendimentos, a Recorrente tinha direito a deduzir o montante do imposto pago em Espanha, padecendo, como visto, a liquidação de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

Com efeito, como doutrinado no recentíssimo Aresto do STA, proferido no processo nº 02009/18.9 BALSB, datado de 30 de setembro de 2020: “O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária pressupõe que no processo se determine que na liquidação “houve erro imputável aos serviços”, entendido este como o “erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Fiscal”.

Pelo que, mantém-se o decidido pelo Tribunal a quo, no sentido de que “consideram-se preenchidos os pressupostos para o pagamento de juros indemnizatórios pelo pagamento indevido da liquidação de IRS, na parte que for anulada face à consideração do montante correspondente à retenção na fonte efectuada em Espanha, “contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos”, nos termos do artigo 61.º, nº5 do CPPT”.

Improcedem, assim, in totum os erros de julgamento assacados à decisão recorrida, razão pela qual a mesma se mantém na ordem jurídica.


***


IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em: NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.

Custas pela Recorrente.

Registe. Notifique.


Lisboa, 05 de novembro de 2020


[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Susana Barreto e Vital Lopes]

Patrícia Manuel Pires

_____________________
[1] Resolução da Assembleia da República nº 6/95, de 28 de janeiro; Aviso nº 164/95, de 18 de julho.
[2] Vide, neste sentido, Alberto Xavier-Direito Tributário Internacional: Almedina, 2ª edição atualizada, pp. 118 e 123.
[3] In ob. cit, pp. 619 e 620.
[4] Direito Fiscal, 4ª Edição, Almedina, 2006, p.237.
[5] Em anotação ao artigo 61º do CPPT, in Código de Procedimento e Processo Tributário anotado e comentado, I vol., Áreas Editora, Lisboa, 5ª edição, 2006, p. 472.