Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07229/13
Secção:CT
Data do Acordão:03/08/2018
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:APRECIAÇÃO CRÍTICA DA PROVA
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA
Sumário:I - Posta em causa a matéria de facto controvertida e julgada (além do mais) com base em prova gravada, a 2ª instância pode alterá-la desde que os elementos de prova produzidos e indicados pelo recorrente, como mal ou incorrectamente apreciados, imponham forçosamente, isto é, num juízo de certeza, outra decisão.
II - A citação do responsável subsidiário deve conter os pressupostos e extensão da reversão – artigo 23.º, n.º 4, da LGT.
III - Se a citação do interessado não contiver a fundamentação do despacho de reversão, o contribuinte deve invocar a nulidade ou irregularidade da citação, no prazo de contestação, sendo que do indeferimento desta arguição perante o órgão da execução fiscal, cabe reclamação para o tribunal tributário de 1.ª instância – artigos 198.º, n.º 2, do CPC, 276.º do CPPT e 103.º, n.º 2, da LGT.
IV - Do carácter subsidiário da responsabilidade tributária, imposto no nº 3 do artigo 22º da LGT, decorre que a execução fiscal só pode ser revertida contra o responsável subsidiário depois de excutidos os bens do devedor originário. Daqui resulta, por um lado, que o órgão de execução fiscal está obrigado a exigir a prestação tributária em primeiro lugar ao devedor originário ou aos eventuais responsáveis solidários, satisfazendo o crédito somente à custa dos seus bens, e apenas pode exigi-la do devedor subsidiário no caso de se provar a inexistência ou insuficiência de bens daqueles e, por outro, que o devedor subsidiário pode recusar o cumprimento da dívida tributária enquanto não tiver sido excutido todos os bens daqueles devedores.
V- Tanto quanto os autos evidenciam, aquando da reversão operada contra o revertido Hugo …., os bens penhoráveis da P…. eram manifestamente insuficientes, devendo evidenciar-se que nunca o Serviço de Finanças se pronunciou no sentido de aceitar o valor de mercado dos 76 direitos reais de habitação periódica, de € 2.500.000,00, nem tão-pouco suspendeu a execução fiscal por considerar garantida a dívida exequenda. Pelo contrário, as diligências efectuadas pelo Serviço de Finanças vão no sentido de aos bens em causa corresponder um valor de € 224.000,00, ou seja, quantia significativamente inferior ao montante em dívida.
VI - A reversão operada ao abrigo da apontada alínea b) do nº1 do artigo 24º da LGT, pressupõe que o gerente/administrador de facto o tenha sido no momento em que se verifica o termo do prazo legal de pagamento ou entrega das dívidas tributárias, sendo que nesta hipótese, e se assim for, caberá ao revertido provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento.
VII - Serão típicos actos de gerência aqueles que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros e aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objecto social.
VIII - Da factualidade apurada nos autos resulta que, in casu, não há como deixar de concluir nos termos avançados pelo TT de Lisboa, estando demonstrados inúmeros factos que nos levam a considerar que o Oponente foi efectivamente administrador da devedora originária, P….
Ficou demonstrada a participação do revertido em diversas escrituras públicas, através das quais, em representação da P…, vendeu, prometeu comprar ou alterou promessas de compra; o mesmo se diga dos inúmeros cheques bancários relativos a conta bancária da P… e que exibem a assinatura de Hugo …., actividade esta que se desenvolveu ao longo de vários anos, desde 2007, e não apenas numa ocasião pontual, conforme alegado.
IX - Fundando-se a reversão da execução no artigo 24º, nº.1, alínea b), da L.G.T., tal faz impender o ónus da prova sobre o administrador revertido, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento da dívida exequenda revertida. No caso, o Oponente nada alegou.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:1- RELATÓRIO


Hugo ..., dizendo-se inconformado com a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que considerou improcedente, por não provada, a oposição que deduziu, como revertido, no processo de execução fiscal nº ..., originariamente instaurado contra a sociedade “P... – Companhia ..., S.A”, para a cobrança coerciva de dívidas de IVA do ano de 2007, dela veio interpor o presente recurso formulando, para o efeito, as seguintes conclusões:
1. O Recorrente, citado no processo de execução fiscal n.º ..., para proceder ao pagamento da quantia de €1.274.872,56, proveniente de dívidas de IVA e respectivos juros compensatórios da sociedade P..., por não concordar com a mesma, deduziu competente Oposição Judicial, a qual foi julgada improcedente, por não provada;
2. Entende o Recorrente que, quanto à Sentença proferida, ocorreu um errado julgamento ao nível da matéria de facto, bem como de direito;
3. Contrariamente ao entendimento sufragado na Sentença recorrida, o Recorrente entende que a Citação que lhe foi comunicada, nos termos em que o foi, não poderá produzir os seus efeitos por enfermar de vício de forma, sendo ineficaz em relação ao próprio;
4. Assim, e quanto à falta de notificação dos elementos essenciais da liquidação, haverá que ter presente que as pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis podem reclamar ou impugnar a dívida cuja responsabilidade lhe for atribuída nos mesmos termos do devedor principal, devendo, para o efeito, a notificação ou citação conter os elementos essenciais da sua liquidação, incluindo a fundamentação nos termos legais, conforme disposto no artigo 22.º, n.º 4 da Lei Geral Tributária;
5. No caso sob crítica, ao Recorrente não foram notificados os vários elementos essenciais relativos à liquidação ou à respectiva fundamentação, tendo-lhe sido vedado o acesso aos fundamentos previstos nas alíneas a), b), d) e) e i), do n.º 1 do artigo 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
6. As notificações ou citações devem conter sempre a decisão, os seus fundamentos, os meios de defesa e o prazo para se reagir contra o acto notificado, tal sob pena de insuficiência formal;
7. Em matéria tributária, os actos que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados;
8. A Citação recebida pelo Recorrente limitou-se a exigir-lhe o pagamento de uma quantia alegadamente em dívida, sem que lhe tivesse sido garantido o direito de saber ou conhecer, em concreto, a que respeitam as dívidas em causa;
9. Há que reconhecer que o autor do Despacho de reversão se limitou à referência aos normativos legais que entendeu aplicáveis, não fazendo qualquer referência explícita a qualquer outro circunstancialismo, nomeadamente, a fundamentação do acto em causa;
10. O comportamento da Autoridade Tributária foi, assim, contrário à lei, desrespeitando o preceituado, entre outros, nos artigos 22.º, n.º 4 da Lei Geral Tributária e 36.º, n.º 1 e 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
11. Assim, deveria a Sentença recorrida ter considerado que a Citação enferma de vício de forma, sendo ineficaz quanto ao Recorrente;
12. Relativamente à reversão operada, entende-se na Sentença proferida pelo Tribunal a quo que a insuficiência de bens se encontra inteiramente fundada, assim como o Despacho de reversão, contudo, a reversão não cumpre os requisitos aos quais está legalmente adstrita, nomeadamente, os previstos nos artigos 153.º, n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e artigo 23.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária;
13. Assim, quanto à garantia prestada pela devedora originária, e contrariando a convicção formada pelo Tribunal a quo, haverá que reconhecer que a mesma não foi recusada pelo Serviço de Finanças de ...;
14. O Serviço de Finanças em causa viria inclusive atribuir à totalidade dos Direitos Reais de Habitação Periódica, propriedade da devedora originária, o Valor Patrimonial Tributário de € 955.010,00 e o valor de mercado de € 1.122.075,09;
15. Logo, porque a devedora originária tinha um património considerável, não poderia nunca a Autoridade Tributária ter procedido à reversão da totalidade da dívida quanto ao Recorrente, devendo antes ter-se procedido à excussão prévia da P... e, apenas nesse momento, e quanto ao remanescente da quantia em dívida, ter-se eventualmente procedido à reversão por esse valor residual;
16. Aliás, ao abrigo do disposto no artigo 153.º, n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a Autoridade Tributária estava compelida a verificar o requisito da inexistência de bens penhoráveis quanto à devedora originária, o que não fez;
17. Assim, a reversão nunca poderia ter sido concretizada, ou, pelo menos, não nos moldes em que ocorreu, sendo inválidos os actos praticados posteriormente, por violação dos preceitos legais dos quais resulta a suspensão da execução fiscal e do requisito da excussão prévia da devedora originária;
18. A ocorrer a reversão, esta teria de ser sempre na medida do montante não garantido pelo património da P..., e nunca pela totalidade da dívida em causa, entendimento do Recorrente que a Sentença recorrida descurou ao arrepio da lei;
19. No âmbito da descoberta da verdade material, deveria o Tribunal a quo ter oficiado o Serviço de Finanças de ... para vir aos autos dizer qual o exacto montante do Valor Patrimonial Tributário atribuído a cada Direito Real de Habitação Periódica, propriedade da devedora originária, o que não fez;
20. Assim, a falta de excussão prévia da devedora originária limita a legitimidade da reversão das dívidas fiscais, porquanto se descurou o disposto no artigo 23.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária;
21. A responsabilidade dos administradores, porque meramente subsidiária, significa que estes apenas podem ser chamados à responsabilidade pela dívida da devedora originária quando não houver outra forma de o credor tributário obter o pagamento que não seja à custa do património dos eventuais responsáveis subsidiários;
22. Ora, a figura da reversão pressupõe sempre a fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, nos termos do artigo 23.º da Lei Geral Tributária;
23. In casu, havendo património na esfera da devedora originária, não poderia a Autoridade Tributária ordenar a reversão contra o Recorrente, o que fez;
24. Quanto muito, apenas a poderia fazer pelo valor remanescente não garantido pelo valor atribuído aos Direitos Reais de Habitação Periódica entregues como garantia pela P..., e que, concretizando, se traduziria num valor de pouco mais de € 100.000,00;
25. A insuficiência de bens do devedor originário constitui pressuposto de obrigação de responsabilidade subsidiária e, enquanto não tiver sido executado todo o património da devedora originária em processo de execução singular ou universal, não se poderá ordenar a reversão da execução contra o devedor subsidiário;
26. Não podia deixar de ser o mínimo indispensável à decisão oficiar-se o Serviço de Finanças de ... a vir aos autos informar o quantum dos bens prestados como garantia, e entretanto penhorados, bem como da sua suficiência ou insuficiência para pagamento da quantia em dívida pela devedora originária, conforme entendimento do Recorrente, e ao contrário do procedimento e do entendimento do Tribunal a quo;
27. Por fim, entende a Sentença recorrida, no que à ilegitimidade concerne, que se impunha ao ora Recorrente provar que geriu a empresa de molde a evitar que o seu património se tornasse insuficiente para satisfação das dívidas exequendas, entendimento com o qual não pode o Recorrente deixar de discordar;
28. Assim, quanto à ilegitimidade do ora Recorrente, há que reconhecer que este nunca exerceu a administração de facto da sociedade P..., não lhe podendo ser, então, assacada qualquer culpa pela insuficiência do património da sociedade para satisfazer os créditos fiscais, conforme artigo 24.º da Lei Geral Tributária;
29. Conforme resultou claro dos vários depoimentos prestados, o Recorrente fora mero trabalhador para o grupo de empresas detido por Carlos ..., tendo desempenhado funções de contabilista, secretário e até motorista para aquele, não tendo nunca tido a capacidade para a tomada de decisões de administração, facto que a Sentença recorrida negligenciou, não obstante a evidência dos vários depoimentos;
30. O Recorrente não foi nunca Administrador de facto da P..., apenas se tendo limitado a cumprir uma ordem do seu superior hierárquico quando acedera a constar temporariamente no Conselho de Administração da sociedade para a realização de uma escritura pública, um acto singular, no cumprimento de orientações superiores do Administrador de facto da P...;
31. Haverá igualmente que concluir que todas as decisões relativas aos poderes de gestão, administração e giro comercial da P... foram sempre tomadas pelo seu Administrador de facto, Carlos ..., conforme o mesmo declara;
32. O Recorrente apenas constara na Certidão Comercial como Vogal do Conselho de Administração da P... para que um negócio, levado a cabo pelos Administradores de facto desta – Carlos ... e ..., fosse concretizado;
33. O Recorrente, ainda que desempenhasse as suas funções na área da contabilidade, nunca conheceu os contornos do negócio celebrado na ..., desconhecendo toda a envolvente da Escritura Pública à qual acedera comparecer, no seguimento do pedido do seu superior hierárquico, sendo que tal circunstância resultou indubitável do testemunho quer dos seus outrora colegas de trabalho, que atestaram as suas funções meramente contabilísticas, quer do testemunho do próprio Carlos ...;
34. No entendimento do ora Recorrente, e ao contrário da errónea convicção formada pelo Tribunal a quo, a imputabilidade do Recorrente pela falta de pagamento da dívida tributária em causa deveria ter improcedido;
35. Do mesmo modo, entende o Recorrente que não só fizera prova de que nunca havia administrado de facto a P..., como de quem sempre comandara os destinos da sociedade, resultando, assim, inquestionável a sua falta de culpa na insuficiência do património da devedora originária, ao contrário do entendimento sufragado na Sentença de que se recorre, a qual, não obstante a inequívoca prova produzida defendeu que se impunha ao Recorrente provar que geriu a empresa de molde a evitar que o seu património se tornasse insuficiente para a satisfação das dívidas exequendas;
36. Ora, o Recorrente nunca poderia fazer prova de um facto que nunca ocorreu, pois nunca tendo assumido a administração da P..., nunca poderia o Recorrente provar que a gerira de modo a evitar a insuficiência do património para satisfação de qualquer dívida;
37. Importante será reter, o que o Recorrente acredita ter provado, que nunca este exerceu a administração de facto da P..., motivo pelo qual nunca poderia o Recorrente ter estabelecido o nexo de imputação entre a insuficiência do património da sociedade e a sua actuação ou esclarecer qual o destino dado ao património social, conforme se refere na Sentença ora recorrida, entendimento que não poderia estar mais longe da realidade fáctica e com o qual o Recorrente apenas pode discordar.
38. Concluindo, por não estarem reunidos os pressupostos para o chamamento do Recorrente à execução, ou os pressupostos para a efectiva reversão da dívida da devedora originária, deverá concluir-se pela procedência do Recurso ora interposto.
*
Não foram apresentadas contra-alegações.
*
A EMMP emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
*
Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à conferência para julgamento.
*
2 - Fundamentação

a) De facto.

Factos que a sentença considerou provados:

a) No Serviço de Finanças de ..., corre termos a execução fiscal nº ... contra a sociedade “P... Companhia ..., S.A.”, por dívida de IVA do ano de 2007, períodos 0706T, 0709T e 0712T, no montante total de € 1.274.872,56, resultante de liquidação adicional (cfr. fls. 2 a 8 e 53 a 61 da cópia do processo de execução fiscal apenso);

b) O oponente foi designado membro do conselho de administração da sociedade executada, com o cargo de vogal, registado pela Ap. 5/20070725 na Conservatória do Registo Comercial de ... (cfr. certidão da Conservatória do Registo Comercial de ... de fls. 35 a 40 da cópia do processo execução fiscal apenso);

c) A sociedade executada obriga-se “Com a assinatura de dois administradores; com a assinatura de um administrador ou um procurador com poderes especiais ou delegados para o acto; em actos de mero expediente basta a assinatura de qualquer administrador ou procurador e, quanto a este, nos limites da procuração.” (cfr. certidão – fls. 36, do processo apenso);

d) Pelo oficio nº 2759, datado de 10/08/2011, registado com aviso de recepção, o oponente foi notificado na qualidade de vogal do conselho de administração da sociedade executada, pelo Serviço de Finanças de ..., dando-lhe conhecimento da instauração do processo de execução fiscal identificado na alínea a) supra, com o seguinte teor «Encontrando-se instaurado neste Serviço de Finanças o processo de execução fiscal ..., por dívida de Iva e juros compensatórios de Iva dos períodos 2007.06t, 2007.09t e 2007.12t, no valor de 1.274.872,56€, em nome da executada P... COMPANHIA ... SA, de que V é Vogal do Conselho de Administração, tratando-se portanto de uma quantia muito elevada de dívida nova a acrescer aos valores já elevados de outros processos mais antigos, informo a V. Exª de que deverá proceder ao pagamento do mesmo pois, caso não o faça, serão desencadeados os actos previstos na Lei, nomeadamente penhora, cancelamento e inibição do direito a benefícios fiscais, reversão imediata contra administradores e gerentes, publicitação na lista devedores, inibição de candidaturas a concursos públicos de fornecimento de bens e serviços e eventual instauração de processo crime quanto se verifiquem os pressupostos. Informa-se ainda que os devedores em reversão podem regularizar a situação devedora pagando a dívida e que se o fizerem antes da citação ou do fim do prazo de 30 dias após a citação, beneficiam de redução de custas.», mostrando-se o aviso de recepção assinado pelo destinatário com data de 23/08/2011 (cfr. fls. 81 e segs. do processo apenso):

e) Em 16/08/2011 foi exarada informação na execução fiscal, que aqui se dá por integralmente reproduzida, tendo os pontos 5. e 6. o seguinte teor «(…)5. Foram feitas diligências no sentido de obter a penhora de activos da devedora originária, nomeadamente penhora de rendas, créditos e imóveis tendo as mesmas saído frustradas;
6. Após as diligências efectuadas, nomeadamente consulta a todos os sistemas informáticos e deslocações à sede fiscal da executada, para averiguações de existência de bens, não foi possível encontrar quaisquer bens penhoráveis em nome da executada e devedora originária. (…)»
f) Tendo por base designadamente, a informação referida na alínea anterior, em 16/08/2011 foi proferido despacho de projecto de decisão de reversão pelo Chefe do Serviço de Finanças de ..., que aqui se dá por integralmente reproduzido, contra José ..., Hugo ..., José ..., Manuel ... e António ...;

g) Pelo ofício nº 2790, datado de 17/08/2011, registado com aviso de recepção, o oponente foi notificado para exercício do direito de audição prévia com vista à reversão da execução fiscal, mostrando o aviso de recepção assinado pelo destinatário em 23/08/2011 (cfr. processo apenso);

h) O oponente exerceu o direito de audição prévia nos termos constantes do requerimento que deu entrada no Serviço de Finanças ... em 30/08/2011, onde refere, nomeadamente, que nunca exerceu a administração efectiva, tendo o seu mandato terminado em 31/12/2010, mas já anteriormente, em 07/05/2010 tinha renunciado ao cargo, quem tomava as decisões relativas aos poderes de gestão, administração e giro comercial da P..., S.A. forma tomadas pelo seu administrador de facto, Carlos ... e que a sociedade executada é ainda proprietária de 76 Direitos Reais de Habitação Periódica, cujo valor de mercado é superior a € 2.500.000,00. (cfr. processo apenso);

i) Em 12/09/2011 foi elaborada informação que apreciou o requerimento da sociedade executada que apresentou bens como garantia a fim de suspender a execução fiscal, que aqui se dá por integralmente reproduzida (cfr. fls. 422 a 426 do processo apenso);

j) Sobre esta informação recaiu em 20/10/2011 despacho pelo Chefe do Serviço de Finanças, com o seguinte teor «Concordo, proceda-se como proposto notificando para entrega dos títulos de registo de habitação periódica, que, se avaliados pelo valor indicado serão garantia suficiente.» (cfr. fls. 426 do processo apenso);

k) Pelo ofício nº 3288, datado de 21/10/2011 a sociedade executada foi notificada, na pessoa da sua mandatária, para proceder à entrega, no serviço de finanças, dos Títulos de Registo de Habitação Periódica, ”cujos direitos reais de habitação periódica foram oferecidos como garantia a prestar nos termos do artigo 169º do CPPT, os quais serão garantia suficiente se avaliados pelo valor indicado.” /cfr. fls. 460 e segs do processo apenso);

l) Em 14/11/2011 foi elaborada a informação de fls. 463 a 466, que apreciou, designadamente, o requerimento de audição prévia apresentado, onde para além do mais refere «Quanto aos virtuais responsáveis subsidiários referidos nos pontos 2, 4 e 5 da presente informação, Srs. José ..., nif ..., Hugo ..., nif ... e José ..., nif ... compareceram como outorgantes e na qualidade de Presidente do Conselho de Administração, Vogal do Conselho de Administração, respectivamente, na Escritura de Compra e Venda e Hipoteca lavrada no dia 31 de Julho de 2007 no Cartório Notarial sito na Urbanização ..., lote 19, rés do chão A, em ..., cópia de fls. 90 a 97 destes autos.
Quanto aos 76 Direitos Reais de Habitação Periódica sitos em empreendimentos turísticos em ..., ..., referidos nos direitos de audição apresentados, conforme mail que junto e que se refere a informação prestada pela ...resort, proprietária dos imóveis respectivos, o valor dos mesmos rondará 224.000.00€, valor manifestamente insuficiente para satisfação dos créditos do Estado.
Em 12.09.2011 deu entrada neste serviço um requerimento apresentado pela executada originária P... SA sobre o qual já foi proferida informação e despacho de fls. 422 a 426 dos presentes autos.
Informo ainda que já decorreu o prazo da notificação enviada em 2011.10.21 à Procuradora da sociedade executada, sem que fossem entregues neste serviço os Títulos de Registo de Habitação Periódicos pedidos.
Pelo exposto é meu parecer que deverão prosseguir as diligências conducentes à efectivação da reversão nos presentes autos contra os responsáveis JOSÉ ..., nif ..., HUGO ..., nif ..., JOSE ..., nif ... e CARLOS ..., nif ...
m) A execução foi revertida por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de ..., de 28/02/2012 contra o aqui oponente, na qualidade de responsável subsidiário pela dívida de € 1.274.872,56, referindo para além do mais «A decisão agora produzida funda-se na presunção legal de culpa dos gerentes acida identificados, baseada nas informações oficiais e provas documentais inclusas nos autos. (…)
O processo encontra-se neste Serviço de Finanças, à disposição do interessado para consulta, todos os dias úteis, das 9h às 12h30 e das 14h às 16h.» (fls. 469 a 473 do processo apenso e 30 a 43 dos presentes autos);
n) A fls. 54 e 56 dos autos constam duas declarações de Carlos ..., na qualidade de Administrador de facto da sociedade “P...-Companhia ..., S.A.”, que referem que Hugo ... fez parte da Administração da sociedade apenas para preenchimento do número legal de administradores, nunca tendo praticado quaisquer actos de gestão no exercício daquele cargo;

o) Entre a P...-Companhia ..., S.A. representada pelo Administrador Carlos ... e Hugo ... foi celebrado contrato de trabalho a termo certo, datado de 08/06/2007, para este último desempenhar as funções de escriturário (cfr. fls. 65 a 67 dos presentes autos);

p) Pela Ap. 6/20070725 foi registada a cessação de funções de membros do conselho de administração da “P..., S.A.” de Carlos ... e de Agostinho ..., por renúncia, datas de 2006/10/27 e 2007/07/24 /cfr. certidão de fls. 38 do processo apenso);

q) A fls. 69 e 71 dos autos constam dois escritos com a configuração de mails envidados por Carlos ... para Hugo ..., datados de 21/06/2007 e 22/06/2007, em que aquele refere que precisa de um administrador para a P... para ter o número legal de administradores e que vendeu o património da P... e que precisa que o Hugo ... venha assinar a escritura, por não ter poderes para assinar;

r) Em 31/07/2007 foi celebrada escritura de compra e venda e hipoteca em que outorgaram José ..., José ... e Hugo ..., na qualidade de Presidente, Administrador e Vogal do Conselho de Administração da “P...-Companhia ..., S.A.”, pela qual venderam vários prédios da sua representada, pelo preço global de treze milhões e seiscentos mil euros à “...-Sociedade Imobiliária, Lda. (cfr. fls. 90 e segs do processo apenso);

s) Constam da cópia do processo executivo apenso vários cheques relativos a conta bancária da sociedade executada, com datas de 03/11/2007, 08/11/2007, 21/11/2007, 26/11/2007, 07/11/2007, 10/12/2007, 31/12/2007, que exibem a assinatura do oponente (cfr, fls. 181 e 370 a 381 do processo apenso);

t) Em 09/09/2010 o oponente outorgou numa escritura de promessa de compra e venda, na qualidade de vogal do conselho de administração da P...-Companhia ..., S.A., através da qual prometeu comprar a fracção autónoma, designada pela letra J, inscrita na matriz urbana sob o artigo 6.392, com o valor patrimonial de 130.092,13 € pelo preço de 230.000,oo € (cfr. fls. 402 a 406 do processo apenso);

u) Em 13/01/2011 o oponente outorgou na qualidade de vogal do conselho de administração da P...-Companhia ..., S.A em uma escritura de alteração de promessa de compra e venda (cfr. fls. 407 a 412);

v) O oponente foi citado na execução por reversão em 13/04/2012 (cfr. fls. 486 e segs do processo apenso e fls. 30 a 43 dos presentes autos);

w) A oposição deu entrada no Serviço de Finanças de ... em 08/05/2012 (cfr. Carimbo aposto na petição de fls. 3 dos autos);

x) A sociedade “...-Companhia ..., S.A.” deduziu impugnação contra a liquidação adicional de IVA do ano de 2007 (cfr. fls. 45);

y) No dia 15/03/2012 foi efectuada a penhora de 76 direitos reais de habitação periódica pertencentes à sociedade executada (cfr. 498 e segs do processo apenso);

z) De fls. 52 dos autos consta impressão de página do sítio electrónico , da qual consta anúncio de apartamento T0, na localidade de ..., com o preço de € 7500 e a indicação “... direitos reais de habitação periódica, propriedade plena para férias no edifício ... 4 estrelas”.


*

Factos não provados

Não se provaram os factos vertidos sob os artigos 50º, na parte que refere que os bens dados em garantia, se encontram penhorados para efeitos de suspensão de execução fiscal, 52º, na parte que refere que o oponente obteve informação de que os Direitos Reais de Habitação Periódica, por semana, em época alta, têm um valor completamente diferente daquele que é referenciado na citação, 53º, 55º, 71º, 73º, 79º, 81º, 82º, 83º, 84º, 85º, 86º parte final, 87º, 88º, 90º, 96º e 97º da douta petição, não se considerando as demais asserções, por serem irrelevantes para a decisão da causa ou constituírem meras considerações pessoais do oponente ou conclusões de facto e/ou direito.


*

Motivação

O Tribunal formou a sua convicção relativamente a cada um dos factos com base nos documentos juntos aos autos, os quais não foram impugnados, bem como no depoimento das testemunhas, que pouco ou nenhuma credibilidade mereceram até porque três delas (José ..., José ... e Carlos ...) também são executados por reversão na mesma execução fiscal subjacente aos presentes autos.

A não consideração dos factos não provados resulta, em parte, de ausência de prova e, noutra parte, de contraditoriedade das provas colhidas nos autos levando a que os factos sejam considerados infirmados.

Para além disto, não pode deixar de se referir que o oponente apresenta como fundamentos da sua oposição, designadamente o não exercício de facto a gerência da P..., ainda que tenha constado como Administrador da sociedade.

Ora, para se fazer a prova da gerência releva a prática de actos de disposição e administração inerentes ao cargo, vinculadores da sociedade perante terceiros.

Sucede que, nos autos se demonstrou o contrário como decorre das informações oficiais, despacho de reversão e dos documentos de fls. 90 e segs., 181, 370 a 381, 402 a 406 e 407 a 412 do processo de execução fiscal apenso (cfr. alíneas l) r), s), t) e u) do probatório), assinados pelo oponente na qualidade de representante legal da sociedade, vinculando-a perante terceiros.

Por outro lado, o contrato de trabalho a termo certo junto com a petição inicial, do qual consta como funções cometidas ao oponente as de “escriturário”, tem data aposta de 08/06/2007, pelo que trata-se de data anterior à designação do oponente como membro do conselho de administração da P....

Por fim, sabendo-se que, como princípio, o valor da prova testemunhal cede perante o da prova documental, resulta ainda, do depoimento das testemunhas inquiridas (cfr. acta de fls. 204 a 206), que nada daí pode ser retirado com a necessária segurança pois, em concreto, todas, com excepção da testemunha Carlos ... da ..., disseram não acompanhar a actividade do oponente da P..., limitando-se a referir o que a testemunha Carlos ... da ... lhes terá dito, que era o TOC das empresas daquele, designadamente da P..., nada sabendo concretamente sobre as funções desempenhadas pelo oponente, sendo certo que as testemunhas José ... e José ... outorgaram na escritura celebrada em 31/07/2007, como Presidente e Administrador da P... (cfr. alínea r) do probatório).

Ora, a testemunha Carlos ... da ... afirmou que a contabilidade da P... não era feita pelo oponente, por ser feita em Lisboa. O depoimento desta testemunha está pejado de incongruências. Afirmou que quem “mandava” na P... era ele próprio e o outro sócio Agostinho da ..., sendo eles que decidiam os destinos da empresa, referindo depois que foi a “...” que não queria que um terceiro outorgasse na escritura em representação da P.... Referiu que, à data da celebração da escritura dos bens imóveis, que era o melhor que a empresa tinha naquela data e que com a sua celebração se pôs fim à P..., não tinha capacidade para vender sozinho a empresa, nem para estar na escritura, para depois rematar que foi ele que contratualizou as vendas, que sempre administrou a P... e que esteve presente na celebração da escritura.

Assim como, também não é credível a afirmação do oponente de que ignora o conteúdo ou circunstância da realização da escritura pública de compra de venda de 31/07/2007, uma vez que outorgou nela como representante legal da P....

Com efeito, o oponente como TOC não podia ignorar as implicações legais, designadamente fiscais da celebração da escritura de venda do património da P... e para si como administrador da mesma, sendo certo que os administradores das empresas também cumprem decisões/ordens.

Resultou ainda provado que o órgão de execução fiscal notificou o aqui oponente, na qualidade de vogal do conselho de administração da sociedade executada, antes de dar inicio ao procedimento de reversão (vide alínea d) da matéria de facto dada como provada).

Se o depoimento de Carlos ... nenhum valor probatório tem no sentido de afastar o oponente da gerência de facto da P..., igual sorte têm as declarações passadas pela mesma testemunha juntas com a petição inicial.”


*

b) De Direito

Como resulta evidente daquilo que para trás ficou exposto, o Tribunal Tributário de Lisboa julgou improcedente a oposição deduzida, por Hugo ... ..., à execução fiscal nº ..., originariamente instaurada contra a sociedade “P... – Companhia ..., S.A”, para a cobrança coerciva de dívidas de IVA do ano de 2007.
Inconformado com tal decisão, o Recorrente interpôs o presente recurso jurisdicional.

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Ora, lidas as conclusões das alegações de recurso, resulta claro que as questões que nos passarão a ocupar são as seguintes:

a) - saber se ao apreciar criticamente a prova produzida e, sobretudo, ao desvalorizar os depoimentos prestados pelas testemunhas, o Tribunal errou de forma ostensiva na apreciação crítica da prova testemunhal que fez, com as inerentes consequências ao nível da matéria de facto dada como não apurada?

b) - saber se com base nessas mesmas declarações (em especial da testemunha Carlos ...) e nos diversos documentos juntos aos autos (designadamente as declarações escritas por aquele emitidas e o pedido escrito que antecedeu a integração do Oponente no Conselho de Administração da P...) deveria ter dado como provado que:

(i) o Recorrente, no grupo de empresas detido por Carlos ..., só exerceu as funções de contabilista, secretário e até motorista deste;

(ii) a sua integração enquanto membro do Conselho de Administração da P... decorreu de um pedido que nesse sentido lhe foi formulado pelo administrador Carlos ... e tendo em vista a celebração de uma escritura pública sendo que o negócio em que a mesma se concretizou foi integralmente levado a cabo pelos Administradores de facto daquela sociedade - Carlos ... e Agostinho da ...;

(iii) todas as decisões relativas à gestão da P... foram sempre tomadas por Carlos ..., mesmo após formalmente se ter desvinculado daquela sociedade como administrador.

c) saber se o Tribunal errou no julgamento de direito, colocando-se as seguintes questões:

(i) saber se a citação enferma de vício de forma, sendo ineficaz quanto ao Recorrente, porquanto este não foi notificado dos elementos essenciais relativos à liquidação ou à respectiva fundamentação, tendo sido violados os artigos 22.º n.º 4 da LGT e 36.º n.º 1 e 2 do CPPT;

(ii) aferir se a reversão cumpre os requisitos previstos nos artigos 153.º n.º 2 do CPPT e artigo 23.º n.º 2 da LGT;

(iii) aferir da (i)legitimidade do Recorrente porquanto nunca exerceu de facto as funções de administrador da P..., sociedade executada originária.


*
Vejamos, então, começando pelo erro de julgamento da matéria de facto.
Entende o Recorrente, em moldes mais detalhados no corpo da alegação de recurso, que este Tribunal deveria reapreciar o depoimento das testemunhas ouvidas, registado no CD e passagens de gravação que identifica (transcrevendo, inclusivamente), com vista a infirmar a valoração feita pelo Tribunal a quo.

Com efeito, para o Recorrente, e contrariamente ao que foi concluído pelo Tribunal a quo, resultou claro dos vários depoimentos prestados que Hugo ... foi um mero trabalhador para o grupo de empresas detido por Carlos ..., tendo desempenhado funções de contabilista, secretário e até motorista, não tendo nunca a capacidade para a tomada de decisões de administração. Trata-se, nas palavras do Recorrente, de um circunstancialismo de facto que decorre evidente dos vários depoimentos prestados, quer pelos seus ex- colegas de trabalho, que atestaram as suas funções meramente contabilísticas, quer do testemunho do próprio Carlos ....
Mais diz que todas as decisões relativas aos poderes de gestão, administração e giro comercial da P... foram sempre tomadas pelo seu administrador (de facto), Carlos ..., conforme o mesmo declara.
Vejamos, então, o que dizer sobre a questão em apreciação.

Na decisão sobre a matéria de facto o juiz a quo aprecia livremente as provas, analisa-as de forma crítica e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, especificando os fundamentos que foram decisivos para a formação de tal convicção, excepto quando a lei exija formalidades especiais para a prova dos factos controvertidos, caso em que tal prova não pode ser dispensada.

É, pois, pela fundamentação invocada para a decisão que normalmente se afere a correcção do juízo crítico sobre as provas produzidas.

Assim, assentando a decisão da matéria de facto na convicção criada no espírito do juiz e baseada na livre apreciação das provas testemunhal e documental que lhe foram apresentadas, a sindicância de tal decisão não pode deixar de respeitar a liberdade da 1ª instância na apreciação dessas provas.

Como se aponta no acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 05/05/11 (processo nº 334/07.3 TBASL.E1), “O erro na apreciação das provas consiste em o tribunal ter dado como provado ou não provado determinado facto quando a conclusão deveria ter sido manifestamente contrária, seja por força de uma incongruência lógica, seja por ofender princípios e leis científicas, nomeadamente, das ciências da natureza e das ciências físicas ou contrariar princípios gerais da experiência comum (sendo em todos os casos o erro mesmo notório e evidente), seja também quando a valoração das provas produzidas apontarem num sentido diverso do acolhido pela decisão judicial mas, note-se, excluindo este.

Não basta, pois, que as provas permitam dentro da liberdade de apreciação das mesmas, uma conclusão diferente, a decisão diversa a que aludem os artºs 690-A nº 1 al. b) e 712º nº 1 al. a) e b), terá que ser única ou, no mínimo, com elevada probabilidade e não apenas uma das possíveis dentro da liberdade de julgamento.”

Quanto à apreciação pelo tribunal de recurso da prova gravada, como é o caso, “ (…) o tribunal de recurso deve reservar a modificação da decisão de facto para os casos em que a mesma seja arbitrária por não se mostrar racionalmente fundada ou em que for evidente, segundo as regras da ciência, da lógica e/ou da experiência que não é razoável a solução da 1ª instância” (acórdão STA de 27.1.10, proferido no recurso nº 358/09).

Assim, posta em causa a matéria de facto controvertida e julgada (além do mais) com base em prova gravada, a 2ª instância pode alterá-la desde que os elementos de prova produzidos e indicados pelo recorrente como mal ou incorrectamente apreciados, imponham forçosamente, isto é, num juízo de certeza, outra decisão.

No caso concreto, o que o Recorrente pretende é discutir a convicção do julgador que fundamentou aquela decisão de não consideração dos depoimentos, retirando da prova produzida ilações diferentes das que o julgador percepcionou e que explicitou na sua fundamentação.

Ora, no caso, a modificação quanto à valoração da prova testemunhal, tal como foi captada pela 1ª instância, só se justifica se, feita a reapreciação, for evidente o erro de análise e valoração que foi efectuada na instância recorrida.

A fim de apreciarmos esta questão, procedemos à audição das gravações dos depoimentos das cinco testemunhas (Alfredo ..., Bruno ..., Carlos ..., José ... e José ...) e, por isso, podemos afirmar, com a sentença recorrida, que, efectivamente, os depoimentos dos inquiridos não assumem, para os efeitos pretendidos, a relevância que o Recorrente lhes atribui, nada apontando, forçosamente, em sentido diverso daquele que foi acolhido na fundamentação externada pelo julgador.

Expliquemos com detalhe as razões que nos levam a assim concluir.

Em primeiro lugar, importa realçar, como a sentença não deixou de afirmar, que três das cinco testemunhas ouvidas nestes autos são, também elas, revertidas relativamente às dívidas da P...; é o caso das testemunhas Carlos ..., José ... e José .... Qualquer destes três depoimentos não pode deixar de ser apreciado sem tomar este vínculo de proximidade em conta, o que, naturalmente, lhes retira imparcialidade.

Ainda assim se dirá que, quer a testemunha José ..., quer o José ..., apesar de apontarem o Hugo ... como contabilista da P... ou de empresas do grupo, nada de concreto sabem sobre as reais funções exercidas pelo Hugo ... na devedora originária, limitando-se a afirmar o que sabiam de ouvir dizer, designadamente através da testemunha Carlos ....

O depoimento das testemunhas Alfredo ... e Bruno ... foi, para os efeitos pretendidos pelo ora Recorrente, absolutamente irrelevante. Também elas nada adiantaram sobre as concretas funções exercidas pelo Hugo ... na P....

No caso da testemunha Alfredo ..., para além de ter sido afirmado que, por volta de 2006/2007, o Hugo ... trabalhou na ... (empresa do grupo da P...), aí desempenhando funções de contabilista, não hesitou em afirmar que desconhece se o Hugo ... trabalhou para a P... ou se mantinha quaisquer relações com tal sociedade.

O mesmo, aliás, se retira do depoimento de Bruno ..., já que, apesar de identificar o Hugo ... como contabilista do grupo da P..., termina reconhecendo que não pode afirmar se o Hugo ... exercia outras funções, noutras empresas.

Vejamos, agora, o depoimento de Carlos ..., no qual, se bem entendemos a posição do Recorrente, deve ser posto especial enfoque para efeitos de demonstrar o circunstancialismo que alega quanto ao não exercício das funções de administrador da P..., no período temporal que aqui importa considerar.

E aqui, há que reconhecer, que são objectivas e sustentadas as incongruências que foram apontadas pela Mma. Juíza a quo relativamente ao depoimento prestado, acompanhando este Tribunal, na íntegra, as considerações expendidas, a este propósito, na motivação da matéria de facto.

Para além daquilo que foi evidenciado pelo Tribunal a quo, não podemos deixar de referir que o depoimento de Carlos ... é, também, inconsistente quando afirma que a integração de Hugo ... na administração da P... resulta apenas de um pedido de um favor que a testemunha lhe dirigiu, para um acto pontual (a escritura de venda do hotel), por o Hugo ... ser alguém em quem depositava muita confiança. É que, como se verificou do depoimento prestado, as relações de Carlos ... com o Hugo ... eram, à época, relativamente recentes (ter-se-ão iniciado em 2006) e não podem ter sido (profissionalmente) muito duradouras, levando em conta que a testemunha, em razão de um acidente que sofreu com gravidade, esteve afastado das empresas entre Fevereiro de 2006 e até cerca de um ano depois.

Ora, considerando que no negócio da venda do hotel (a jóia da coroa da P..., nas palavras da testemunha), realizado em meados de 2007, estiveram envolvidos muitos milhões de euros e relações complexas com instituições bancárias e garantias de pagamento, resulta pouco credível a tese da testemunha.

Há, ainda, incongruências neste testemunho relativamente à afirmação de que o Hugo ... era contabilista da P..., ou de empresas do grupo. É que, Carlos ... afirmou que a contabilidade era feita em Lisboa por diversas pessoas que identificou. Por outro lado, o alegado exercício de funções de contabilista não encontra respaldo no teor do contrato de trabalho a que se reporta a alínea o) dos factos provados.

Nesta conformidade, considerando o que ficou dito na motivação da sentença e aquilo que, aqui, se acrescentou, deve concluir-se que o depoimento de Carlos ... não é suficiente para afastar o Recorrente da administração efectiva da P..., ao que acresce, como foi salientado, os factos de sentido contrário que surgem documentalmente provados – cfr. alíneas b), c), l) s), t) e u) da matéria de facto.

Por seu turno, face à convicção formada em face do depoimento da testemunha Carlos ..., igual conclusão terá que ser extraída relativamente às suas declarações escritas, as quais se mostram juntas aos autos.

Sem mais, conclui-se com o Tribunal a quo e, assim sendo, nenhum erro há apontar à apreciação crítica da prova testemunhal levada a efeito pelo Tribunal, pelo que nenhuma alteração à matéria de facto se impõe.

Nesta conformidade, improcedem as conclusões que ditaram a autonomização das questões a) e b), i), ii) e iii) supra expostas, mantendo-se, integralmente, o julgamento da matéria de facto efectuado em 1ª instância.


*
Com apelo ao disposto no artigo 662º do CPC, adita-se à matéria de facto provada o seguinte circunstancialismo que se mostra documentalmente demonstrado:
aa) Em 09/09/2010 o oponente outorgou uma escritura de promessa de compra e venda, na qualidade de vogal do conselho de administração da P...-Companhia ..., S.A., através da qual prometeu comprar a fracção autónoma, designada pela letra C, inscrita na matriz urbana sob o artigo 6.973, com o valor patrimonial de 223.080,00€ pelo preço de 270.000,00 € (cfr. fls. 383 a 387 do processo apenso);

bb) Em 13/01/2011 o oponente outorgou na qualidade de vogal do conselho de administração da P...-Companhia ..., S.A em uma escritura de alteração da promessa de compra e venda, a que se reporta a alínea anterior (cfr. fls. 388 a 393).


*
Estabilizada a matéria de facto, avancemos.
Atentas as questões a decidir que oportunamente enunciámos, importa que nos detenhamos, para já, no seguinte: saber se a citação enferma de vício de forma, sendo ineficaz quanto ao Recorrente, porquanto este não foi notificado dos elementos essenciais relativos à liquidação ou à respectiva fundamentação, tendo sido violados os artigos 22.º n.º 4 da LGT e 36.º n.º 1 e 2 do CPPT.
Com efeito, defende o Recorrente, tal como resulta das conclusões 3 a 11, que a citação recebida pelo Recorrente limitou-se a exigir-lhe o pagamento de uma quantia alegadamente em dívida, sem que lhe tivesse sido garantido o direito de saber ou conhecer, em concreto, a que respeitam as dívidas em causa; tal comportamento, defende, é contrário à lei, desrespeitando o preceituado, entre outros, nos artigos 22.º, n.º 4 da LGT e 36.º, n.º 1 e 2 do CPPT.
Vejamos o que dizer a este propósito, deixando, desde já, devida nota daquele que foi o entendimento seguido na sentença sobre esta questão.
Lê-se na sentença, além do mais, o seguinte: “Ora, a nulidade de citação não consta de tal elenco pelo que tal questão não pode ser considerada neste âmbito; e, tal, bem se compreende uma vez que com o processo de oposição se visa a extinção da execução e a nulidade decorrente da falta de citação não conduz a tal resultado mas tão só à nulidade do processado posterior à petição inicial (cfr. art. 194º al. a) do CPC).
Aliás, é entendimento jurisprudencial pacífico que a nulidade da citação não constitui fundamento de oposição à execução fiscal por não estar incluída em qualquer das alíneas, nomeadamente na i), do n°1 do artigo 204° do C.P.T.T., devendo, antes, invocar-se no próprio processo de execução (…).
(…)
Assim sendo, julgo sem efeito o pedido respeitante aos vícios de forma da citação”.
Sem hesitações, há que reconhecer que o decidido pelo Tribunal a quo é correcto e, como tal, deve manter-se.
Deve dizer-se que a Mma. Juíza a quo seguiu – e bem – aquele que é o entendimento uniforme e reiterado da jurisprudência dos Tribunais Superiores, no sentido de que “a nulidade da citação não consubstancia fundamento de oposição à execução fiscal, nos termos do disposto no artigo 204.º do CPPT, não sendo subsumível, designadamente, na previsão da alínea i) do n.º 1 daquele artigo” e, como nulidade, deverá ser invocada perante o órgão da execução fiscal, com possibilidade de reclamação para o tribunal tributário de eventual decisão desfavorável (artigo 276.º do CPPT) – vide, acórdão do STA, de 07/05/14, processo nº 198/14.
No mesmo sentido, e referindo-se expressamente à citação do responsável subsidiário, veja-se o acórdão do STA, 06/06/2007, processo n.º 091/07, onde se lê que “I - A citação do responsável subsidiário deve conter os pressupostos e extensão da reversão – artigo 23.º, n.º 4, da LGT. II – Se a citação do interessado não contiver a fundamentação do despacho de reversão, o contribuinte deve invocar a nulidade ou irregularidade da citação, no prazo de contestação, sendo que do indeferimento desta arguição perante o órgão da execução fiscal, cabe reclamação para o tribunal tributário de 1.ª instância – artigos 198.º, n.º 2, do CPC, 276.º do CPPT e 103.º, n.º 2, da LGT. (…)”.
No mesmo sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, III volume, anotação 13 ao art. 165.º, págs. 144/145.).
Face ao que fica dito, e sem mais considerações por desnecessárias, conclui-se que a decisão recorrida não enferma do erro de julgamento invocado, improcedendo este fundamento do recurso.
Falece, pois, a razão ao Recorrente quanto à questão em análise.
*
Passemos à questão seguinte que oportunamente deixámos autonomizada.
Importa saber se, como defende o Recorrente, o prosseguimento da execução fiscal, atentos os bens dados em garantia pela devedora originária, violou o disposto nos artigos 23º, nº 2 da LGT e 153º, nº 2 do CPPT.
Vejamos, então.
Mantendo a mesma metodologia na exposição, passamos a dar conta daquela que foi, no essencial, a linha argumentativa seguida na sentença sobre a questão que aqui nos vem colocada.
Lê-se na sentença, o seguinte:
“Como diz Jorge Lopes de Sousa (in ob. cit. pág. 49 «A alínea b) do nº 2 do presente artigo 153º, complementando aquele nº 2 do art. 23º, vem esclarecer que a fundamentação da insuficiência é feita com base nos valores que constam do auto de penhora e outros de que a administração tributária disponha e a sua relação com o valor da dívida exequenda e do acrescido (juros de mora e custas).»
Assim, desde que fundada a insuficiência dos bens pelo órgão da execução fiscal há possibilidade de proceder desde logo à reversão da execução fiscal, acautelando-se a cobrança do imposto devido sem que com isso se fira o benefício da excussão prévia.
Dispõe o artigo 23º, nº 2 que «a reversão contra o responsável subsidiário depende de fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício de excussão.»
Assim, à face da LGT, concluindo-se pela «fundada insuficiência» de bens penhoráveis do devedor originário, pode ser decidida a reversão, embora a possibilidade de cobrança da dívida através dos bens do responsável subsidiário esteja dependente da prévia excussão dos bens do devedor originário (ob. cit. pág. 48).
A responsabilidade dos gerentes ou administradores de sociedades de responsabilidade limitada é solidária entre eles e subsidiária relativamente à sociedade.
Ou seja, é pressuposto da reversão, accionando validamente os gerentes ou administradores por dívidas fiscais da empresa que representam, que esta não tenha bens suficientes para através deles se obter o pagamento dos débitos (benefício da excussão).
Ora, a existência de bens só pode ser operante no sentido da respectiva (im)procedência quando reportada à data em que foi proferido o despacho de reversão, ou, dito de outro modo, a existência de eventuais bens ou a possibilidade de os penhorar em momentos anteriores ou posteriores ao do despacho de reversão resulta inútil no tocante à apreciação da (in)validade de tal despacho.
Da análise do despacho de projecto de decisão de reversão e do despacho de reversão em causa nestes autos (cfr. alíneas f) e m) do probatório) resulta que os mesmos assentaram nas informações constantes dos autos de execução fiscal (cfr. alienas e) e l)) ou seja, das diligências efectuadas, após o exercício do direito de audição prévia e pedido de suspensão da execução pela sociedade executada, resultou que, ao contrário do alegado pela sociedade e oponente, o valor de mercado dos 76 Direitos Reais de Habitação Periódica ascende, tão só, a € 224.000.00, de acordo com informação prestada pela ...resort, proprietária dos imóveis (cfr. alínea l) do probatório).
Ora, o valor dos 76 Direitos Reais de Habitação Periódica não foi posto em causa na execução fiscal e neste sede também não foi feita prova de que o seu valor de mercado garante a divida exequenda (1.274.872,56 €) e acrescido, pelo contrário, sendo o próprio oponente que acaba por sustentar também que o seu valor comercial é inferior ao valor da dívida fiscal, ao indicar o valor de 570.000,00 € (cfr. artigo 55º da p.i).
Assim sendo, o oponente verdadeiramente em lado algum põe em causa a insuficiência de bens da devedora originária à data da reversão, sem esquecer que a fundamentação de um acto pode também ser feita por remissão.
De acordo como expendido concluiu-se que a insuficiência de bens se encontra inteiramente fundada, de acordo com a lei, bem como o despacho de reversão.
Improcede, pois, tal fundamento”.
O Recorrente, já vimos, discorda do assim decidido.
No essencial, insiste no sentido de que a devedora originária tinha um património considerável, e deste modo, não poderia nunca a Autoridade Tributária ter procedido à reversão da dívida quanto ao Recorrente, devendo antes ter-se procedido à excussão prévia da sociedade executada originária, não tendo a Autoridade Tributária verificado o requisito da inexistência de bens penhoráveis quanto à devedora originária. Invoca, para tanto, que “[a] garantia prestada pela devedora originária, e contrariando a convicção formada pelo Tribunal a quo, haverá que reconhecer que a mesma não foi recusada pelo Serviço de Finanças de ...” e que “O Serviço de Finanças em causa viria inclusive atribuir à totalidade dos Direitos Reais de Habitação Periódica, propriedade da devedora originária, o Valor Patrimonial Tributário de € 955.010,00 e o valor de mercado de € 1.122.075,09”
Também aqui falece a razão do Recorrente.
Vejamos, começando por fazer o enquadramento jurídico da questão, apoiando-nos nas considerações acertadas que constam do acórdão do TCA Norte, de 07/07/16, proferido no processo nº 899/15.6BEBRG.
Como em tal aresto ficou dito, “… o artigo 23º da LGT estabelece no nº 1 que «a responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal»; dispõe no n.º 2 que «a reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão»; e no n.º 3 prescreve-se que «caso, no momento da reversão, não seja possível determinar a suficiência dos bens penhorados por não estar definido com precisão o montante a pagar pelo responsável subsidiário, o processo de execução fiscal fica suspenso desde o termo do prazo de oposição até à completa excussão do património do executado, sem prejuízo da possibilidade de adopção das medidas cautelares adequadas nos termos da lei».
Por sua vez, o n.º 2 do artigo 153.º do CPPT preceitua que «o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários depende da verificação de qualquer das seguintes circunstâncias: a) Inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores; b) Fundada insuficiência, de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão da execução fiscal disponha, do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido».
A normas supra citadas estabelecem os pressupostos da reversão, o momento em que ela deve ocorrer e as condições em que pode ser suspensa, tendo por ponto de partida a salvaguarda do benefício da excussão.
Para a resolução da controvérsia suscitada, impõe-se, antes de mais, determinar o modo como a lei compatibiliza a reversão com o benefício da excussão.
Do carácter subsidiário da responsabilidade tributária, imposto no nº 3 do artigo 22º da LGT, decorre que a execução fiscal só pode ser revertida contra o responsável subsidiário depois de excutidos os bens do devedor originário. Daqui resulta, por um lado, que o órgão de execução fiscal está obrigado a exigir a prestação tributária em primeiro lugar ao devedor originário ou aos eventuais responsáveis solidários, satisfazendo o crédito somente à custa do seus bens, e apenas pode exigi-la do devedor subsidiário no caso de se provar a inexistência ou insuficiência de bens daqueles e, por outro, que o devedor subsidiário pode recusar o cumprimento da dívida tributária enquanto não tiver sido excutido todos os bens daqueles devedores.
Impõe-se, assim, que o nº 2 do artigo 153º do CPPT, seja lido em conjugação com o artigo 23º da LGT, o que condiciona a reversão à verificação a uma das seguintes situações: (i) inexistência de bens penhoráveis na esfera patrimonial do devedor originário; (ii) fundada insuficiência dos bens do devedor originário para satisfação da dívida exequenda.
Logo, verificando-se que os devedores (principal e solidário) não têm bens, o órgão pode e deve reverter imediatamente a execução contra os responsáveis subsidiários, pois nada há para excutir.
Questão diversa e que suscita maior dificuldade surge quando os bens desses devedores, apesar de existirem, não são suficientes para pagar a dívida exequenda e acrescido.
Como é sabido, o órgão de execução fiscal está vinculado a fazer uma investigação aprofundada sobre a existência de bens no património do devedor originário ou dos eventuais responsáveis solidários, porém no decurso desse apuramento pode prognosticar-se que o produto da venda dos bens penhoráveis ou penhorados (créditos, rendas, saldos bancários , etc.) não chega para liquidar a totalidade da dívida exequenda.
Nesta última situação, perante os termos em que a matéria se encontra definida pelo legislador, torna-se complexo compatibilizar o benefício da excussão com a reversão, pois a aplicação do conceito indeterminado «insuficiência» pode não ditar a medida exacta da responsabilidade do devedor subsidiário. Uma interpretação do conceito que tenha como resultado a penhora e venda de bens do revertido de valor superior à medida da sua responsabilidade pode ser inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade, na vertente de proibição do excesso.
Em princípio, para que tal não aconteça, a reversão só deveria acontecer após excutidos os bens do devedor originário porquanto só nesse momento é possível apurar com rigor o quantum da insuficiência e a «extensão» da responsabilidade do revertido, elemento de facto que o nº 4 do artigo 23º e nº 1 do artigo 160º do CPPT impõem incorporar no despacho de reversão.
Todavia, da interpretação conjugada do nº 2 e 3 do artigo 23º da LGT, resulta que é possível emitir o despacho de reversão em momento prévio à excussão dos bens do devedor originário. Com efeito, a letra da lei não deixa margem para dúvidas quanto a essa possibilidade quando integra as expressões «bens penhoráveis» e «sem prejuízo do benefício da excussão», no nº 2 do artigo 23º, o que só faz sentido se a reversão ocorrer antes da excussão; de igual modo, a possibilidade de «suspensão» da reversão prevista no nº 3 do mesmo artigo só se compreende na situação em que, antes da excussão, já houve reversão, caso contrário seria desprovida de sentido útil.
Para não se ultrapassar os parâmetros ditados pelo princípio da proporcionalidade, a reversão antes de excutido o património do devedor originário, com possibilidade de penhora imediata dos bens do revertido, não pode ocorrer em todas as situações de insuficiência. Assim, a lei não só exige uma «fundada insuficiência», como fixa alguns critérios para se formular o juízo de insuficiência, ao mandar atender aos valores constantes do auto de penhora e outros elementos que a administração tributária disponha. Mas o uso de critérios objectivos nem assim garante com segurança que o responsável subsidiário não seja chamado à execução para responder por quantia superior à que lhe é exigida. Se a lei lhe dá o direito de recusar o cumprimento enquanto não estiverem executados todos os bens do devedor principal, é porque legalmente apenas deve estar obrigado a pagar a diferença entre o montante do imposto e o produto da venda dos bens do devedor ou o que este pagou.
A forma que a lei encontrou para proteger este direito do responsável subsidiário foi a suspensão da reversão quando «não seja possível determinar a suficiência dos bens penhorados por não estar definido com precisão o montante a pagar».
Logo, no caso de impossibilidade de apuramento da suficiência dos bens penhorados, ou seja, quando ainda não é possível quantificar a responsabilidade do revertido, o despacho de reversão não produz o efeito de prosseguir a execução contra o revertido, salvaguardando-se desse modo o benefício da excussão. A contrario, significa isto que, sendo possível determinar com exactidão o quantum de responsabilidade do revertido, não há benefício da excussão. Ora, isto praticamente só pode ocorrer quando os bens do devedor principal tiverem um valor predeterminado, como acontece com dinheiro e créditos.
Apurada e provada a insuficiência dos bens do devedor originário, havendo apenas uma “duvida residual” quanto ao exacto montante dessa insuficiência, o órgão de execução fiscal pode avançar para a reversão, embora com suspensão da execução quanto ao revertido até que seja excutido o património daquele.
Como refere Paulo Marques, «resulta da lei que a reversão em execução fiscal pode ser decidida contra os responsáveis subsidiários, mesmo sem o património do devedor originário ainda estar excutido, bastando que existam fundadas razões para se poder concluir que os bens penhorados ao devedor originário sejam insuficientes para pagar a totalidade da dívida, não se exigindo o cálculo com absoluta exactidão dessa insuficiência patrimonial. A dúvida sobre o quantum a pagar pelo responsável subsidiário deve constituir uma dúvida residual em termos de manifesta insuficiência patrimonial do devedor originário (ou solidário). Isto significa que o órgão de execução fiscal deve aferir a priori a insuficiência de bens do devedor principal e dos responsáveis solidários, permanecendo somente a dúvida sobre o exacto montante dessa mesma insuficiência» (cfr. Responsabilidade Tributária dos Gestores e dos Técnicos Oficiais de Contas, Coimbra Editora, pág. 144).
Pode parecer estranho que «no momento da reversão», constatada a impossibilidade de aferir com precisão o quantitativo da insuficiência patrimonial, se determine oficiosamente a suspensão da execução quanto à penhora e venda dos bens do responsável subsidiário. Mas, havendo já a certeza quanto à insuficiência dos bens do devedor originário, o interesse público na interrupção da prescrição (cfr. nº 3 do art. 48º da LGT) ou o interesse particular do revertido em impugnar, desde logo, a dívida cuja responsabilidade lhe é atribuída (cfr. nº 4 do art. 22º da LGT), pode justificar que a reversão ocorra antes da excussão, sem que tal exceda os limites da proporcionalidade, o que certamente acontecerá se a suspensão da reversão atingir, desde logo, a penhora dos bens do responsável subsidiário”.
Ora, no caso, tendo presente o enquadramento jurídico gizado e o circunstancialismo de facto apurado, dúvidas não restam que, contrariamente ao defendido pelo Recorrente, a AT podia – e devia – avançar com a execução fiscal contra o responsável subsidiário, por ser evidente a insuficiência dos bens penhoráveis da devedora originária.
Vejamos.
A dívida exequenda cifra-se em € 1.274.872,56.
Conforme resulta do ponto e) dos factos provados, em Agosto de 2011, não obstante diversas diligências efectuadas, a AT não logrou “encontrar quaisquer bens penhoráveis, em nome da executada e devedora originária”.
Só posteriormente à apresentação dos requerimentos a que aludem os pontos h) e i) dos factos provados é que chegou ao conhecimento do Serviço de Finanças a informação segundo a qual a P... seria proprietária de 76 direitos reais de habitação periódica, no ... Resort, ..., .... De acordo com as indicações dadas pelo Hugo ... e, bem assim, pela devedora originária, o valor de mercado de tais direitos seria de € 2.500.000,00.
Em consequência, foi elaborada a informação e despacho a que se reportam as alíneas i) e j) dos factos provados, ressaltando, com interesse para a questão em análise, que foi ordenada a notificação da devedora originária para que entregasse “os títulos de registo de habitação periódica, que, se avaliados pelo valor indicado serão garantia suficiente”, notificação esta que foi devidamente efectuada, estabelecendo-se aí um prazo de 10 dias para o cumprimento de tal notificação (cfr. alínea k) dos factos provados).
Não tendo sido dado cumprimento à notificação a que se reporta a alínea k) dos factos provados, foi proferida informação no sentido da reversão (definitiva) contra os responsáveis subsidiários, mais se evidenciando diligências efectuadas junto do ... Resort com vista a apurar o valor dos 76 direitos reais de habitação periódica. De acordo com a informação obtida junto do referido empreendimento turístico, o valor de tais direitos ronda os € 224.000,00, valor este manifestamente inferior ao da dívida exequenda (cfr. alínea l) dos factos provados).
Seguidamente, a execução foi revertida contra o aqui Recorrente, Hugo ... (cfr. alínea m) dos factos provados).
Temos, pois, que, tanto quanto os autos evidenciam, aquando da reversão operada contra o revertido Hugo ..., os bens penhoráveis da P... eram manifestamente insuficientes, devendo evidenciar-se que, contrariamente ao que vem afirmado, nunca o Serviço de Finanças se pronunciou no sentido de aceitar o valor de mercado dos 76 direitos reais de habitação periódica, de € 2.500.000,00, nem tão-pouco suspendeu a execução fiscal por considerar garantida a dívida exequenda. Pelo contrário, as diligências efectuadas pelo Serviço de Finanças vão no sentido de aos bens em causa corresponder um valor de € 224.000,00, ou seja, quantia significativamente inferior ao montante em dívida.
Aliás, deve dizer-se que, a fls. 178 e 179 dos autos, a Mma. Juíza que proferiu a sentença recorrida havia já apreciado a questão colocada pelo Oponente sobre a suspensão da execução fiscal nº ..., em virtude de ter sido deduzida impugnação judicial por parte da originária devedora. Na apreciação levada a cabo, e sem que a mesma se mostre atacada, o Tribunal a quo pôde concluir que “dos autos e apenso não resulta que a execução fiscal esteja suspensa”.
A verdade é que, e retomando a questão da suficiência/ insuficiência dos bens da devedora originária, o alegado valor de mercado, de € 2.500.000,00, jamais foi aceite pela AT, tendo, aliás, sido contrariado por informações posteriormente obtidas, devendo realçar-se que até o Oponente, na petição inicial, embora afastando o valor de € 224.000,00, avança com valor o de € 570.000,00, o qual (também) seria insuficiente em face ao valor da dívida em cobrança coerciva.
Atento o exposto, deve concluir-se com a sentença e, neste sentido, que à data da reversão (momento relevante para se aferir da verificação dos seus pressupostos) a dívida exequenda não se encontrava garantida e, bem assim, que, no que respeita ao s direitos reais de habitação periódica, os autos evidenciam que o seu valor é manifestamente insuficiente para satisfação da totalidade dos créditos do Estado exigidos nesta execução fiscal.
Termos em que, improcedem as conclusões que vínhamos analisando.
*
Avancemos para a última questão que nos ocupa, a que correspondem as conclusões 27 e seguintes (até final).
Defende o Recorrente que nunca foi efectivamente administrador da P..., sociedade devedora originária e, consequentemente, que não lhe pode ser imputada a culpa pela insuficiência patrimonial.
Vejamos o que dizer sobre esta questão, tal como nos vem dirigida.
Antes de prosseguir, importa que tenhamos presente a apreciação levada a cabo sobre o erro de julgamento da matéria de facto, reiterando-se aqui as razões que levaram este Tribunal a não acolher a alegação no sentido de se ter verificado um erro na apreciação crítica prova produzida. Mais se deverá ter presente o aditamento à matéria de facto que, com base no artigo 662º do CPC, nos levou a considerar dois novos factos ao probatório.
Com isto dito, avancemos.
Para concluir pela responsabilidade e, consequentemente, pela legitimidade do executado/revertido, a Mma. Juiz a quo considerou, além do mais, o seguinte:
“(…)
Invocou o oponente que embora tenha constado como Administrador da sociedade em causa, conforme resulta da Certidão Comercial, o mesmo nunca exercera qualquer gerência de facto na P..., desconhecendo por completo, a que respeitam os valores que constam do processo de execução fiscal.
De acordo com o probatório o oponente executou actos de gerência, sendo ainda de referir que a testemunha por si arrolada, Carlos ..., afirmou que o oponente lhe dava assessoria na facturação da P....
(…)
Tal alegação de desconhecimento não é credível em face dos elementos juntos aos autos e não afasta por si só a sua responsabilidade.
Com efeito, o que releva é a prática de actos de disposição e administração inerentes ao cargo, vinculadores da sociedade perante terceiros.
A comprovação da gerência de facto é demonstrada, desde logo, pelo facto da sua assinatura do oponente ser necessária para vincular a sociedade o que pressupõe uma intervenção activa e pessoal dele, mormente nos actos perpetrados nas áreas administrativa, financeira e comercial, designadamente, conforme resulta do probatório, em 31/07/2007 na escritura de compra e venda e hipoteca, em 09/09/2010 no contrato de promessa de compra e venda e em 13/01/2011 no contrato de alteração de promessa de compra e venda. Acresce que relativamente a este contrato de compra e venda a sociedade executada refere no seu requerimento a fls. 268 a 269 do processo de execução fiscal apenso (no qual apresentou bens como garantia) que já liquidou totalmente o preço de vários prédios prometidos comprar, designadamente, o referido supra.
(…)
Assim, é ao oponente que cabe o ónus de alegar e provar factos que permitam demonstrar que a insuficiência do património da sociedade executada para satisfazer as dívidas em causa nos autos não se deveu a culpa sua, isto é, é àquele que cabe demonstrar que a sua acção ou omissão não era idónea, segundo um juízo de causalidade adequada, à ocorrência da insuficiência do património social (cfr. Ac. do TCAN de 6/4/2006, proferido no processo 00082/01).
Sobre esta questão pronunciou-se o Acórdão do STA de 11/07/2012, proferido no processo nº 0824/11, sumariado nos seguintes termos:
«I - O facto ilícito susceptível de fazer incorrer o gestor na responsabilidade prevista na alinea b) do nº 1 do artigo 24º da LGT não se consubstancia apenas na falta de pagamento da obrigação tributária, mas também numa actuação conducente à insuficiência do património da sociedade.
II - Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável.» (disponível em http://www.dgsi.pt).
Ora, da factualidade assente resulta que o oponente não logrou provar que não agiu com culpa na insuficiência do património social da executada nem na falta de pagamento das obrigações tributárias.
As testemunhas inquiridas nesta sede nada referiram sobre esta matéria.
Impunha-se que o oponente provasse que geriu a empresa de molde a evitar que o seu património se tornasse insuficiente para a satisfação das dívidas exequendas, o que não logrou fazer.
Assim, verificando-se a insuficiência de bens da sociedade executada para satisfação das dívidas exequendas e não demonstrando o oponente que não teve culpa na insuficiência patrimonial daquela, deve a oposição improceder.
O que importaria, pois, era estabelecer o nexo de imputação entre a insuficiência do património da sociedade e a actuação do oponente ou esclarecer qual o destino dado ao património social, à quantia recebida como preço dos imóveis vendidos na escritura em que outorgou como representante legal da P..., que medidas foram tomadas para o preservar e pagar as dívida fiscais, etc..
Ora, neste âmbito nada se provou, nem poderia pois os factos pertinentes nem sequer foram alegados.
Sendo assim, há que considerar o oponente parte legítima quanto às dívidas em cobrança coerciva, improcedendo a oposição”.
Vejamos, então, relembrando que, no essencial, a tese do Recorrente é esta: como nunca exerceu efectivas funções de administrador da P..., nunca lhe poderia ser imputada qualquer responsabilidade pela insuficiência do património da empresa para solver as dívidas fiscais em causa. Dito de outro modo, “o Recorrente nunca poderia fazer prova de um facto que nunca ocorreu, pois nunca tendo assumido a administração da P..., nunca poderia o Recorrente provar que a gerira de modo a evitar a insuficiência do património para satisfação de qualquer dívida”.
Avancemos, então, para a questão de saber se a sentença incorreu em erro de julgamento ao decidir pela legitimidade do ora Recorrente, enquanto responsável subsidiário pelas dívidas contra si revertidas no processo de execução fiscal nº ..., originariamente instaurado contra a P... – Companhia ..., S.A.

Tal como resulta da matéria de facto, o ora Recorrente foi designado membro do conselho de administração da devedora originária, com o cargo de vogal, registado pela Ap. 5/20070725, na Conservatória do Registo Comercial de ..., sendo que a sociedade executada obrigava-se “Com a assinatura de dois administradores; com a assinatura de um administrador ou um procurador com poderes especiais ou delegados para o acto; em actos de mero expediente basta a assinatura de qualquer administrador ou procurador e, quanto a este, nos limites da procuração”.

A AT reverteu a execução fiscal contra Hugo ... ... com base na administração de facto da apontada sociedade comercial, invocando, para tanto, o disposto no artigo 24º, nº1, alínea b) da LGT [cfr. al. m) dos factos provados e fls. 486 do apenso], nos termos do qual:

«1 - Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

(…)

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento».

Ora, a reversão operada ao abrigo da apontada alínea b) do nº1 do artigo 24º da LGT, pressupõe que o gerente/administrador de facto o tenha sido no momento em que se verifica o termo do prazo legal de pagamento ou entrega das dívidas tributárias, sendo que nesta hipótese, e se assim for, caberá ao revertido provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento.

Na verdade, em função da inclusão na disposição apontada das expressões “exerçam, ainda que somente de facto, funções” e “período de exercício do seu cargo”, fácil é concluir que não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções.

Assim, desde logo se vê que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efectivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto.

A este propósito, deixamos transcritas as considerações feitas no acórdão do TCAN, de 30/04/14, no processo nº 1210/07.5, as quais assumem aqui inteira pertinência:

“(…)

Pois bem, e tal como se aponta no Ac. do S.T.A. de 02-03-2011, Proc. nº 0944/10, www.dgsi.pt, “… Na verdade, há presunções legais e presunções judiciais (arts. 350.º e 351.º do CC). As presunções legais são as que estão previstas na própria lei. As presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.).

De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.

No entanto, como se refere no acórdão deste STA de 10/12/2008, no recurso n.º 861/08, «o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.

E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.).

Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal.

Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.»

Todavia, ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente que a revertida tinha não se pode presumir a gerência de facto, é possível efectuar tal presunção se o Tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de esse exercício da gerência de facto ter ocorrido.

Mas, por outro lado, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, nunca há num processo judicial apenas a ter em conta o facto de a revertida ter a qualidade de direito, pois há necessariamente outros elementos que, abstractamente, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, o que as partes alegaram ou não e a prova que apresentaram ou deixaram de apresentar” (fim de citação).

Como a jurisprudência tem vindo a salientar (cfr. acórdão desta secção, de 12/12/17, proferido no recurso nº 3177/12.9BELRS), a lei não define precisamente em que é que se consubstanciam os poderes de gerência, mas, em face do preceituado nos artigos 259º e 260, do CSC, parece dever entender-se que serão típicos actos de gerência aqueles que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros e aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objecto social.

É no artigo 64º do C. S. Comerciais, que se encontra consagrado o dever de diligência dos administradores/gerentes de sociedade, nos termos do qual estes devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores.

“A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr.objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr.artºs.260, nº.1, e 409, nº.1, do C.S.Comerciais).

O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, III, Almedina, 1991, pág.128 e seg.; Rui Rangel, A vinculação das sociedades anónimas, Edições Cosmos, Lisboa, 1998, pág.27 e seg.)” – cfr. acórdão citado de 12/12/17.

Ora, da factualidade apurada nos autos resulta que, in casu, não há como deixar de concluir nos termos avançados pelo TT de Lisboa, estando demonstrados inúmeros factos que nos levam a considerar que o Oponente foi efectivamente administrador da devedora originária, P....

Com efeito, ficou demonstrada a sua participação em diversas escrituras públicas, através das quais, em representação da P..., vendeu, prometeu comprar ou alterou promessas de compra, participação esta que inegavelmente demonstra os seus poderes de representação/ disposição nas relações entre a P... e terceiros.

O mesmo se diga dos inúmeros cheques bancários relativos a conta bancária da P... e que exibem a assinatura de Hugo ....

Note-se, aliás, em reforço deste entendimento e contrariamente à tese do Oponente – que pretendia demonstrar que apenas tinha acedido a um pedido de favor para intervenção num acto pontual, temporalmente situado em 2007 – que esta actividade do Hugo ... se desenvolve ao longo de vários anos, desde 2007, como a matéria de facto evidencia. Com efeito, os factos a que se reportam as alíneas t), u), aa) e bb) evidenciam a actuação do oponente em 2010 e 2011.

Por conseguinte, acompanhado o decidido, dir-se-á que, no caso concreto, a Fazenda Pública estava legitimada a operar o mecanismo de reversão por responsabilidade subsidiária do Oponente/Recorrente, ao abrigo do artigo 24º, nº.1, alínea b), da L.G.T., perante a verificação da administração de facto da P..., ou seja, do exercício real e efectivo do cargo por parte do Hugo ....

Fundando-se a reversão da execução no artigo 24º, nº.1, alínea b), da L.G.T., tal faz impender o ónus da prova sobre o administrador revertido, no caso o opoente/recorrente, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento da dívida exequenda revertida. Com efeito, a alínea b), do nº.1, do artigo 24º, da LGT, consagra uma presunção de culpa que onera o revertido.

A culpa aqui em causa deve aferir-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto, tendo presente que são os administradores ou gerentes quem exterioriza a vontade da sociedade nos mais diversos negócios jurídicos, através dos quais se manifesta a sua capacidade de exercício de direitos. A responsabilidade subsidiária assenta na ideia de que os poderes de que estavam investidos lhes permitiam uma actuação determinante na condução da sociedade.

Ora, aqui chegados, há que concluir que o Oponente nada provou. Aliás, nem tão pouco alegou em conformidade, já que, na sua tese – e como já antes evidenciámos – “o Recorrente nunca poderia fazer prova de um facto que nunca ocorreu, pois nunca tendo assumido a administração da P..., nunca poderia o Recorrente provar que a gerira de modo a evitar a insuficiência do património para satisfação de qualquer dívida”.

Assim, não se podendo retirar da factualidade provada que o Recorrente tenha produzido prova demonstrativa de que a situação de insuficiência patrimonial da P... se ficou a dever, unicamente, a factores externos e que, no exercício da administração, o Recorrente usou da diligência de um "bonus pater familias".

Há, assim, que concluir que é imputável a título de culpa à actuação do oponente a insuficiência patrimonial da devedora originária, verificando-se, desta forma, todos os requisitos legais para a reversão contra si das dívidas de tributos no âmbito do processo de execução fiscal nº n.º ....

Finalizando, e sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida.


*


Impõe-se, ainda, analisar o que se segue, com respeito à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, considerando que o valor da causa é de € 1.274.872,56.

Seguiremos, na apreciação que se segue, o acórdão de 26/01/17, proferido no recurso nº 516/15.4 BELLE, deste TCA Sul.

Assim:

“(…) As duas vertentes essenciais da conta ou liquidação de custas são a taxa de justiça e os encargos (as custas de parte têm um tratamento próprio e autónomo - cfr.artºs.25 e 26, do R.C.P.), conforme resulta do artº.529, do C.P.Civil, tal como do artº.3, nº.1, do R.C.P. Em relação a qualquer destas vertentes das custas se deve aplicar, necessariamente, a prévia decisão judicial que implicou a condenação em custas, da qual deriva o próprio acto de contagem (cfr.artº.30, nº.1, do R.C.P.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/3/2014, proc.7373/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/12/2016, proc.6622/13; Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 4ª. edição, 2012, pág.424).

O artº.6, do Regulamento das Custas Processuais (R.C.P.), na redacção resultante do artº.2, da Lei 7/2012, de 13/2, contém a seguinte versão:

Artigo 6.º

Regras gerais

1 - A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela I-A, que faz parte integrante do presente Regulamento.

2 - Nos recursos, a taxa de justiça é sempre fixada nos termos da tabela I-B, que faz parte integrante do presente Regulamento.

3 - Nos processos em que o recurso aos meios electrónicos não seja obrigatório, a taxa de justiça é reduzida a 90 % do seu valor quando a parte entregue todas as peças processuais através dos meios electrónicos disponíveis.

4 - Para efeitos do número anterior, a parte paga inicialmente 90 % da taxa de justiça, perdendo o direito à redução e ficando obrigada a pagar o valor desta no momento em que entregar uma peça processual em papel, sob pena de sujeição à sanção prevista na lei de processo para a omissão de pagamento da taxa de justiça.

5 - O juiz pode determinar, a final, a aplicação dos valores de taxa de justiça constantes da tabela I-C, que faz parte integrante do presente Regulamento, às acções e recursos que revelem especial complexidade.

6 - Nos processos cuja taxa seja variável, a taxa de justiça é liquidada no seu valor mínimo, devendo a parte pagar o excedente, se o houver, a final.

7 - Nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.

O nº.7, do preceito sob exegese (normativo que reproduz o artº.27, nº.3, do anterior C.C.Judiciais, a propósito da taxa de justiça inicial e subsequente), estatui que o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final do processo, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o seu pagamento.

Recorde-se que nos termos do artº.529, nº.2, do C.P.Civil, a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixada em função do valor e complexidade da causa, nos termos do R.C.P. (cfr.v.g.artº.6 e Tabela I, anexa ao R.C.P.). Acresce que a taxa de justiça devida pelo impulso processual de cada interveniente não pode corresponder à complexidade da causa, visto que essa complexidade não é, em regra, aferível na altura desse impulso. O impulso processual é, grosso modo, a prática do acto de processo que origina núcleos relevantes de dinâmicas processuais nomeadamente, a acção, o incidente e o recurso (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/1/2014, proc.7140/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/3/2014, proc.7373/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/12/2016, proc.6622/13; Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 4ª. edição, 2012, pág.72).

O mencionado remanescente está conexionado com o que se prescreve no final da Tabela I, anexa ao R.C.P., ou seja, que para além de € 275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada € 25.000,00 ou fracção, três unidades de conta, no caso da coluna “A”, uma e meia unidade de conta, no caso da coluna “B”, e quatro e meia unidades de conta no caso da coluna “C”.

É esse o remanescente, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre € 275.000,00 e o efectivo e superior valor da causa para efeitos de determinação daquela taxa, o qual deve ser considerado para efeitos de conta final do processo, se o juiz não dispensar o seu pagamento.

A decisão judicial de dispensa, com características excepcionais, depende, segundo o legislador, da especificidade da concreta situação processual, designadamente, da complexidade da causa e da conduta processual das partes. A referência a tais vectores, em concreto, redunda na constatação de uma menor complexidade ou simplicidade da causa e na positiva cooperação das partes durante o processo, como pressupostos de tal decisão judicial.

Releve-se que a dita decisão de dispensa do pagamento de remanescente de taxa de justiça prevista no artº.6, nº.7, do R.C.P., também pode ser efectuada na sequência da apresentação a pagamento da conta final do processo e dentro do prazo de impugnação desta (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 21/5/2014, rec.129/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/5/2014, proc.7270/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/6/2016, proc.9420/16; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/12/2016, proc.6622/13).

Mais se dirá que a maior, ou menor, complexidade da causa deverá ser analisada levando em consideração, nomeadamente, os factos índice que o legislador consagrou no artº.447-A, nº.7, do C.P.Civil (cfr.actual artº.530, nº.7, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6).

Diz-nos este normativo, o actual artº.530, nº.7, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, o seguinte:

Artigo 530º.

Taxa de justiça

(…)

7. Para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que:

a) Contenham articulados ou alegações prolixas;

b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou

c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.

No que se refere às questões de elevada especialização jurídica ou especificidade técnica são, grosso modo, as que envolvem intensa especificidade no âmbito da ciência jurídica e grande exigência de formação jurídica de quem tem que decidir. Já as questões jurídicas de âmbito muito diverso são as que suscitam a aplicação aos factos de normas jurídicas de institutos particularmente diferenciados (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/3/2014, proc.7373/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/12/2016, proc.6622/13; Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 5ª. edição, 2013, pág.71 e seg.).

Já no que diz respeito à conduta processual das partes a ter, igualmente, em consideração na decisão judicial de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça nos termos do examinado artº.6, nº.7, do R.C.P., deve levar-se em conta o dever de boa-fé processual estatuído no actual artº.8, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6 (cfr.anterior artº.266-A, do C.P.Civil). Nos termos deste preceito, devem as partes actuar no processo pautando a sua conduta pelo princípio da cooperação, o qual onera igualmente o juiz, tal como de acordo com a boa-fé, tendo esta por contra-face a litigância de má-fé e a eventual condenação em multa (cfr.artº.542, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6).

Por último, recorde-se que a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, quando concedida, aproveita a todos os sujeitos processuais (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 14/5/2014, rec.456/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/4/2016, proc.9437/16; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/12/2016, proc.6622/13)”.

Regressando ao caso dos autos, do exame da actividade processual desenvolvida no processo, da conduta processual das partes e do grau complexidade das questões colocadas pelos sujeitos processuais, deve concluir-se que se justifica a aludida intervenção moderadora, assim devendo aplicar-se a dispensa de pagamento prevista no artigo 6.º, nº 7, do RCP, o que seguidamente se determinará.


*


3 - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente, com dispensa de pagamento pelas partes do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º/7, do RCP.

Oportunamente, preste informação aos processos m.i nos ofícios de fls. 378 e 381.

Lisboa, 08/03/18



__________________________

(Catarina Almeida e Sousa)

_________________________

(Anabela Russo)

_________________________

(Joaquim Condesso)