Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1807/19.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/21/2020
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:CONDIÇÃO PUNIBILIDADE
105.º RGIT
LESIVIDADE
ATO PROCESSUAL
Sumário:I-O ato que determina a notificação ao abrigo do disposto no artigo 105.º, nº4, alínea b), do RGIT, mais não representa que o cumprimento da nova condição de punibilidade, de forma a facultar a exclusão de responsabilidade do infrator, razão pela qual inexiste lesividade imediata do mesmo, não sendo diretamente impugnável, não se subsumindo, de todo, no artigo 97.º, do CPPT.
II-A insusceptibilidade de impugnação do ato não coarta qualquer possibilidade de defesa, e qualquer direito constitucional porquanto, não procedendo, o arguido, ao pagamento da quantia em dívida, por qualquer fundamento que entenda pertinente, sempre poderá discutir tal questão no Tribunal Judicial. A não punição resultará de uma atitude positiva do agente que obsta a essa consequência penal, pagando a dívida que se repute, demonstradamente, devida.
III-Cumprida a notificação e não sendo efetuado o pagamento pelo arguido, tal facto é introduzido em juízo sem necessidade de qualquer outro ato processual, podendo constar da decisão condenatória.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I-RELATÓRIO

A….., com os demais sinais dos autos, veio interpor recurso dirigido a este Tribunal tendo por objeto o despacho de indeferimento liminar proferido pela Mmª. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, através do qual rejeitou liminarmente a p.i. de impugnação judicial de ato inválido e para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo contra o Instituto da Segurança Social, IP-Núcleo de Investigação Criminal, deduzida na sequência da notificação para pagamento de valor em dívida, nos termos do artigo 105.º, nº4, do RGIT.

O Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

A) A douta sentença que aqui se recorre, julgou incorretamente, que à presente “Impugnação” ou acção”, falta objeto, já que os vícios apontados à notificação que constitui o objeto da mesma, concretizada no âmbito de um processo-crime, na fase do inquérito, carecem sempre de ser apreciados nesse contexto, não cabendo a este tribunal discorrer sobre tais questões, por não se inserirem, inclusive, no âmbito da sua jurisdição.”

B) Afirmou assim, o Tribunal a quo, que os presentes autos, eram manifestamente improcedentes, por inadmissível e por falta de objeto, e como tal rejeito liminarmente a mesma.

C) Ora, não pode o RECORRENTE conformar-se com tal sentença.

D) O RECORRENTE foi notificado em 30/05/2019, nos termos e apara os efeitos do disposto no artigo 105.° n° 4 alínea b) do RGIT, e consequentemente constituído Arguido no âmbito do processo de inquérito n° 2585/19.9T9LSB, na qualidade de responsável solidário e subsidiário da sociedade por quotas, denominada, F….., Lda.

E) Na notificação aqui em causa, é solicitado ao Autor o pagamento voluntário e no prazo de 30 dias do montante de €585.701,53 (quinhentos e oitenta e cinco mil, setecentos e um euros e cinquenta e três cêntimos).

F) Acresce que, a notificação aqui em escrutínio, estabelece o prazo de trinta dias para pagamento do montante total constante da mesma, acrescido dos respetivos juros moratórios e custas processuais, sob pena de prosseguimento do procedimento criminal.

G) Sucede que, a notificação aqui em causa, enferma de várias irregularidades, pelo que a mesma não pode produzir quaisquer efeitos jurídicos.

H) Ora, antes de mais urge esclarecer que, os montantes constantes da notificação, ora em análise, se encontram totalmente errados. Até porque, veja-se o total de remunerações correspondentes aos meses de setembro e outubro, em que o valor das remunerações em Setembro é muito superior ao de outubro e o valor correspondente às cotizações é muito inferior. O que não pode corresponder à verdade factual.

Desta forma, a notificação efetuada não reflete a verdade material dos valores concretamente em divida, razão pela qual, e só por si, a fere de invalidade, sendo como tal, e consequentemente, totalmente ineficaz.

J) Pois que, a errada ou incorreta notificação prevista no artigo 105.° n° 4 alínea b) do RGIT, constitui irregularidade de conhecimento oficioso que afeta o valor do ato praticado.

K) Ora, no caso aqui em apreço, e após consulta da segurança social direta, documento já junto aos presentes autos, constatamos que os montantes efetivamente em dívida, são os seguintes:

(ix) Março de 2014, €0,00 a título de cotizações;

(x) Abrii de 2014. €0,00 a titulo de cotizações, restando apenas o valor de €21,93 (vinte e um euros e noventa e três cêntimos), a titulo de juros de mora;

(xi) Maio de 2014, €0,00 a título de cotizações, restando apenas o valor de €2 905,52 (dois mil novecentos e cinco euros e cinquenta e dois cêntimos), a titulo de juros de mora

(xii) Junho de 2014, €59.885,43 (cinquenta e nove mil, oitocentos e oitenta e cinco euros e quarenta e três cêntimos);

(xiii) Julho de 2014, €68 272.08 (sessenta e oito mil, duzentos e setenta e dois euros e oito cêntimos);

(xiv) Agosto de 2014, €69.068,93 (sessenta e nove mil e sessenta e oito euros e noventa e três cêntimos);

(xv) Setembro de 2014, €100.073,20 (cem mil e setenta e três euros e vinte cêntimos);

(xvi) Outubro de 2014 €61 779.70 (sessenta e um mil, setecentos e setenta e nove euros e setenta cêntimos).

L) Assim, fica aqui inequivocamente provado que o RECORRENTE apenas poderia ser notificado nos termos do disposto no artigo 105° n° 4 alínea b) do RGIT, e relativamente aos períodos em causa, para proceder ao pagamento voluntário no montante €359.079,34 (trezentos e cinquenta e nove mil e setenta e nove euros e trinta e quatro cêntimos).

M) Ao invés, foi o aqui RECORRENTE notificado para proceder ao pagamento do montante de €585.701,53 (quinhentos e oitenta e cinco mil, setecentos e um euros e cinquenta e três cêntimos).

N) Assim, a divergência de valores entre a notificação rececionada e o montante concretamente em dívida, não pode ser ignorado e considerado o ato praticado como válido e eficaz. Tanto mais, que estamos a falar de uma diferença de €226.622,19 (duzentos e vinte e seis mil, seiscentos e vinte e dois euros e dezanove cêntimos).

O) Esta notificação foi efetuada ao abrigo do artigo 105° n° 4 alínea b) do RGIT. Com efeito, nos termos do artigo 105° n° 1 da Lei 15/2001, prevê- se expressamente que “Quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 360 dias.”

P) Sobre este tipo de crime, é manifesto que atenta a sua natureza omissiva, o mesmo se concretiza no momento da não entrega da prestação tributária, Porém, o n° 4 do referido artigo 105° prevê duas condições objetivas de punibilidade da conduta descrita no n° 1: (i)Os factos apenas são puníveis, se tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal para a entrega da prestação (artigo 105° n° 4 alínea a)); (ii) Os factos descritos apenas constituem crime se a prestação comunicada à Autoridade Tributária/Segurança Social através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respetivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito (artigo 105° n° 4 alínea b));

Q) Assim, esta segunda notificação, destina-se a dar ao arguido uma faculdade excecional em face da regra geral do direito e do processo penal de extinção da responsabilidade criminal. Acresce que, essa notificação terá de ser rigorosa, inteligível e corresponder à realidade fiscal do devedor, ou seja, a notificação deverá conter (i) o prazo e consequências de pagamento; (ii) o montante total das prestações em dívida e juros correspondentes devidamente individualizados; (iii) o montante da coima aplicável.

R) Neste sentido, Acórdão 06/06/2012, relatado por Pedro Vaz Pato, “no ato de notificação, devem ser indicados, além do prazo e consequências do pagamento, o montante total das prestações não entregues, os juros respetivos e o montante da coima aplicável.”

S) O que como fica aqui indubitavelmente provado, não se verificou no caso aqui em apreço.

T) Como bem se alcança de tudo o que acima ficou dito, a notificação efetuada nos termos da alínea b) do número 4 do artigo 105° do RGIT, foi feita de forma irregular (se não abusiva), pois o aqui RECORRENTE foi notificado para pagar €585.701,53 (quinhentos e oitenta e cinco mil, setecentos e um euros e cinquenta e três cêntimos), montante que nunca esteve em dívida. Dado que o valor em dívida na data da prática do ato era de €359.079,34 (trezentos e cinquenta e nove mil e setenta e nove euros e trinta e quatro cêntimos).

U) Assim, no caso concreto, não estamos perante uma omissão total da notificação, mas antes perante uma irregularidade muito peculiar, que manda pagar o que nunca se deveu e que engloba uma quantia substancial que nunca existiu, e outra que já teria sido paga à muito tempo. Facto que, era do conhecimento da Segurança Social. Pelo que, houve erro grosseiro por parte da entidade emitente da Notificação, aqui posta em crise.

V) É de admitir, à luz das regras de experiência comum que o destinatário que recebe uma notificação daquele teor, depois de constatar que os montantes estavam grosseiramente erradas, a não levasse a sério e admitisse estar perante um erro.

W) Consequentemente, entende-se que o aqui RECORRENTE não foi devidamente notificado, nos termos e para os efeitos da apontada alínea b) do n° 4 do artigo 105° do RGIT, e ao não o ser, não lhe foi dada a possibilidade de poder optar, de forma esclarecida, livre e consciente, pelo cumprimento ou não, daquela notificação.

X) Acresce ainda que, a Segurança Social, jamais notificou o aqui RECORRENTE de uma eventual correção. De facto, o Instituto da Segurança Social manteve o seu ilegal propósito de cobrar ao aqui RECORRENTE a quantia de e €585.701.53, não admitindo um pagamento inferior a este valor,

Y) Daí, o interesse do RECORRENTE em demandar e, consequentemente, a sua legitimidade processual e material, nos termos do disposto no artigo 55° n° 1 alínea a) do Código de Procedimento Administrativo (CPA).

Z) Assim, andou mal a sentença recorrida ao considerar que o RECORRENTE não disponha de legitimidade. Na medida em que, é ao mesmo que é imputado o ato administrativo, a solicitar a liquidação. O ato de notificação é efetuado pessoalmente ao RECORRENTE.

AA) Ora o crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, consuma-se com o não cumprimento de um dever traduzido na não entrega, dolosa, do montante das contribuições deduzidas do valor das remunerações devidas a trabalhadores e membros dos órgãos sociais, no prazo da entrega fixado para cada prestação,

BB) Assim, o abuso de confiança contra a Segurança Social é um crime de omissão pura, pese embora exija num primeiro momento um facere, traduzido na dedução e retenção das contribuições, fica perfeito quando tais elementos se verificam, pois em tal caso, foi colocada em risco o bem protegido pelo tipo e não perde essa perfeição pela necessidade, de coexistência das chamadas condições objetivas de punibilidade, mais concretamente do decurso do prazo de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação e do prazo de 30 dias após a comunicação para o efeito, mencionados, respetivamente nas alíneas a) e b) do n° 4 do artigo 105° do RGIT, aplicável ao crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, por força da remissão do artigo 107° n° 2 do mesmo diploma legal. CC) As condições objetivas de punibilidade são elementos situados fora da definição do crime, cuja presença constitui um pressuposto para que a ação antijurídica tenha consequências penais.

DD) Não integram a tipicidade, a ilicitude ou a culpa, pelo que a notificação a que alude a alínea b) do n° 4 do artigo 105° do RGIT, tem, ou deve ter, lugar em momento lógica e cronologicamente prévio à existência do facto criminoso.

EE) Assim, a notificação em questão, não é um ato processual penal, mas sim um ato administrativo, que incumbe à administração tributária.

FF)Desta forma, e por tudo o supra explanado andou mal o Tribunal a quo ao considerar que nos presentes autos, não está em causa, qualquer das matérias do artigo 97.° do CPPT.

GG) Pois que, com a notificação efetuada a administração fiscal exige o pagamento de determinado montante, num determinado prazo, o que consubstancia liquidação de tributos, e como tal, tem pleno enquadramento no artigo 97.° n° 1 alínea a) do CPPT.

HH) Desta forma, e por tudo explanado a notificação nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 105° n° 4 alínea b) do RGIT, encontra-se ferida de nulidade nos termos do disposto no artigo 161.° n° 2 alínea d) k) e I) do Código de Procedimento Administrativo (CPA)

II) “A nulidade constitui a forma mais grave de invalidade, torna o acto totalmente ineficaz, é insuscetível de sanação, é impugnável a todo o tempo perante os tribunais, sendo que este conhecimento judicial concorre com o conhecimento administrativo”, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, Processo 00007/09.2BEMDI, de 09/06/2010, disponível em http://www.dqsi.pt.

JJ) Desta forma, o ato de notificação efetuado, ora impugnado é nulo, em virtude de criar uma obrigação pecuniária, não prevista para o aqui RECORRENTE.

KK) Encontra-se ainda ferido de nulidade, na medida em que o Instituto da Segurança Social, preteriu totalmente o procedimento a que estava legalmente obrigada, isto é, o prévio apuramento dos montantes concretamente em dívida.

LL)Por fim, é ainda nula, uma vez que ao ser mantido na ordem jurídica, o ato praticado, ofende indubitavelmente um direito fundamental, o direito a ser responsabilizado pelo pagamento das dívidas que se encontram efetivamente em dívida.

MM) Pelo que, tal ato não pode ser mantido na ordem jurídica, tendo de ser declarado nulo, com todas as cominações legais, que daí advenham.

NN) Sob pena, de a manutenção na ordem jurídica do ato nulo praticado, e da exigência de pagamento de montantes que não são devidos, se violar os princípios estatuídos no artigo 9.º, 13.°, 18.° e 20.° da Constituição da República Portuguesa.

00) Ainda assim, se não for este o entendimento de V/ Exas. o que não se compreende, e apenas se concebe por mero dever de patrocínio, o ato praticado sempre será anulável nos termos do disposto no artigo 163° n° 1 do CPTA.

PP) Pois que, “São anuláveis os atos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou outras normas jurídicas aplicáveis, para cuja violação se não preveja outra sanção.”

QQ) Para mais, nos termos do n° 3 do artigo 212° da Constituição da República Portuguesa (CRP) “compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.”

RR) Este princípio encontra-se ainda reafirmado no n° 1 do artigo 1o do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais. Logo, no caso aqui em apreço, o Tribunal Tributário é materialmente e territorialmente o competente para julgar os presentes autos.

SS) Por tudo isto, andou mal o Tribunal a quo, ao considerar que o tribunal tributário não era competente para dirimir a pretensão do RECORRENTE, e que o ato em causa, se enquadrava no inquérito criminal, ao invés, como ficou sobejamente, provado, um ato administrativo. NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO SEMPRE COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE V/ EXAS. DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE POR PROVADO E CONSEQUENTEMENTE SER O ATO DE NOTIFICAÇÃO DECLARADO NULO COM TODAS AS COMINAÇÕES LEGAIS.”


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Não foram produzidas contra-alegações.

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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido da incompetência em razão da hierarquia.

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As partes foram devidamente notificadas do parecer do DMMP, tendo a Recorrente reiterado a pretensão do presente recurso jurisdicional ser julgado neste Tribunal.

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Com dispensa de vistos legais, vêm os autos à conferência para decisão.

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II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Visando a decisão do presente recurso, este Tribunal dá como provada a seguinte matéria de facto:
1. Foi emitido documento pelo Instituto da Segurança Social-Departamento de Fiscalização-Unidade de Fiscalização de Lisboa e Vale do Tejo intitulado “Notificação para pagamento Voluntário”, com o seguinte teor:

(cfr. doc. 1/1 junto com a p.i.);
2. Em anexo à notificação referida no número antecedente foi junto documento intitulado “mapa com a identificação das cotizações em falta”, com o seguinte teor:


(cfr. doc. 1/2 junto com a p.i.);
3. A….., foi notificado do documento referido em 1 e respetivo anexo identificado em 2, em 30 de maio de 2019 (facto expressamente assumido pelo Recorrente no artigo 1.º da p.i.);
4. Foi emitido documento pelo Instituto da Segurança Social-Departamento de Fiscalização-Unidade de Fiscalização de Lisboa e Vale do Tejo intitulado “Notificação”, com o seguinte teor:


(cfr. doc. 1/3 junto com a p.i.);


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III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, o Recorrente não se conforma com a rejeição liminar proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, por a ação ser “manifestamente improcedente, por inadmissível e por falta de objecto”.

Cumpre, desde já, relevar que em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto importa, assim, analisar se a decisão de rejeição liminar prolatada pelo Tribunal a quo, deve manter-se na ordem jurídica analisando, para o efeito, o teor do ato impugnado, o seu âmbito e extensão, a sua concreta lesividade e consequente impugnabilidade.

Antes, porém, importa aferir da questão prévia da incompetência em razão da hierarquia suscitada pelo DMMP, visto que a infração das regras da competência em razão da hierarquia determina a incompetência absoluta do tribunal, constituindo uma questão que o tribunal deve conhecer, oficiosamente ou mediante arguição, com prioridade sobre qualquer outra (cfr. artigos 16.º, n.ºs 1 e 2, 18.º, n.º 3, do CPPT e artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT).

Apreciando.

De harmonia com o disposto no artigo 280.º, nº 1, do CPPT das decisões dos Tribunais Tributários de 1.ª Instância cabe recurso a interpor, em primeira linha, para os Tribunais Centrais Administrativos, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que tal recurso tem de ser interposto para a Secção de Contencioso Tributário do STA (artigos 26.º, alínea b) e 38.º, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF)).

A competência, sendo um pressuposto processual afere-se pelo pedido e pela causa de pedir, ou seja, pela pretensão do autor e pelos factos com relevância jurídica, tal como são expostos pelo autor, sendo certo que não é a interpretação subjetiva desses factos que interessa à determinação da competência do tribunal mas a relevância objetiva desses factos.

Para determinação da competência hierárquica, à face do preceituado nos citados artigos 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a) do ETAF e artigo 280º, n.º 1, do CPPT, o que é relevante é que o Recorrente, nas alegações de recurso e respetivas conclusões, suscite qualquer questão de facto ou invoque, como suporte da sua pretensão, factos que não foram dados como provados na decisão recorrida.

Com efeito, o recurso não versa exclusivamente matéria de direito, se nas respetivas conclusões se questionar a matéria de facto, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à matéria de facto provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos, quer, ainda, por o Tribunal, no âmbito dos seus poderes cognição, ter entendido fixar matéria de facto que reputou relevante para a apreciação da lide[1].

In casu, tendo em consideração que no despacho de indeferimento liminar o Tribunal a quo não procedeu à fixação de qualquer matéria de facto, e uma vez que, face ao teor das alegações de recurso, são arguidas irregularidades quanto ao ato impugnado e aos requisitos legais a ele inerentes, torna-se curial proceder à sua fixação, legitimando, per se, a competência deste Tribunal.

E por assim ser, improcede a exceção de incompetência absoluta deste Tribunal, em razão da hierarquia, suscitada pelo DMMP.

Vejamos, então, se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento.

O Recorrente defende que foi notificado ao abrigo do disposto no artigo 105.º, nº4, alínea b), do RGIT, para efetuar o pagamento da quantia de €585.701,53, porém os montantes constantes da notificação encontram-se totalmente errados, ou seja, a notificação efetuada não reflete a verdade material dos valores concretamente em dívida, e que, in casu, ascende a €359.079,34 o que por si só a fere de invalidade, sendo, como tal, totalmente ineficaz.

Mais sustenta que a errada ou incorreta notificação prevista no artigo 105. °, n° 4, alínea b) do RGIT, constitui irregularidade de conhecimento oficioso que afeta o valor do ato praticado.

Sublinha, neste particular, que atenta a natureza omissiva do ilícito consignado no artigo 105.º, nº4 do RGIT, o mesmo se concretiza no momento da não entrega da prestação tributária, estatuindo o mesmo duas condições objetivas de punibilidade, razão pela qual é imperioso que a notificação que confere a possibilidade de extinção da responsabilidade criminal, seja rigorosa, inteligível e corresponda à realidade fiscal do devedor, o que não sucede no caso vertente, não podendo, por isso, o Recorrente defender-se e optar de forma esclarecida, livre e consciente, pelo cumprimento ou não, daquela notificação.

Contrariamente ao defendido pelo Tribunal a quo, existe total legitimidade processual e material, nos termos do disposto no artigo 55.° n° 1 alínea a) do CPA, sendo a notificação em questão, não um ato processual penal, mas sim um ato administrativo, que incumbe à Administração Tributária e com subsunção normativa no artigo 97.º. nº1, alínea a), do CPPT, cuja competência se circunscreve na jurisdição administrativa e fiscal.

Apreciando.

Comecemos por atentar na fundamentação jurídica em que se suportou a rejeição liminar da petição em apreço.

O Tribunal a quo começa por evidenciar que “a notificação a que se reporta o artigo 105.º, n.º 4, alínea b), do RGIT se insere no âmbito do processo-crime, na fase do inquérito, e que apenas aí se destina a produzir os seus efeitos, que são os de aferir da punibilidade da actuação do notificando, um dos pressupostos da responsabilidade penal, e da procedibilidade de uma eventual acusação.”

Mais sustentando que “[n]ão se vislumbra qual o direito ou interesse legítimo que o Autor pretende ver reconhecido, que não seja o de ser determinado, por via da sobredita notificação, a pagar quantia diversa, para menos, da que dela resulta, o que, por força de se tratar de uma notificação nos termos e para efeitos do consignado no artigo 105.º, n.º 4, alínea b), do RGIT, pelos mesmos motivos, é matéria que se insere no âmbito do processo-crime.”

Sublinhando, neste particular, que “não está em causa, por conseguinte, qualquer das matérias que o artigo 97.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), designadamente as constantes nas alíneas a) a g) do respectivo n.º 1, reserva à impugnação ou a qualquer outra espécie processual aí prevista e não se entrevê que o acto impugnado, que foi praticado no âmbito de um processo-crime, na fase do inquérito, seja susceptível de produzir qualquer alteração ou modificação na esfera jurídica do Impugnante, de forma a que seja imediatamente lesivo dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, pelo que não é autonomamente impugnável.”

Para depois concretizar que “A matéria em causa nos presentes autos devia antes ter sido arguida e o respectivo pedido formulado em sede do correlativo processo-crime.”

E ulteriormente concluir que “[à] presente “Impugnação” ou “acção”, falta objecto, já que os vícios apontados à notificação que constitui o objecto da mesma, concretizada no âmbito de um processo-crime, na fase do inquérito, carecem sempre de ser apreciados nesse contexto, não cabendo a este tribunal discorrer sobre tais questões, por não se inserirem, inclusive, no âmbito da sua jurisdição.”

Julgando, assim, “manifestamente improcedente, por inadmissível e por falta de objecto, a presente acção será objecto de rejeição liminar e, consequentemente, conduz ao indeferimento liminar.”

Vejamos, então.

O ato impugnado foi emitido pelo Instituto de Segurança Social, pelo Departamento de Fiscalização Unidade de Fiscalização de Lisboa e Vale do Tejo, relativamente a cotizações retidas e não entregues na Segurança Social, identificadas em mapa anexo, e ao abrigo do disposto no artigo 105.º, nº4, alínea b), do RGIT, concedendo-se o prazo de 30 dias para o seu pagamento, com expressa menção de que o pagamento determinaria o arquivamento do processo de inquérito em curso.

Assim, uma vez identificado o ato impugnado e o preceito legal em que se fundamenta, comecemos por convocar o artigo 105.º, nº4, alínea b), do RGIT e analisar o seu âmbito objetivo e subjetivo.

Apreciando.

De harmonia com o disposto no artigo 105.º, nº4 do RGIT, sob a epígrafe de “abuso de confiança” com a redação à data aplicável:
“1 - Quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a (euro) 7500, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias.
2 - Para os efeitos do disposto no número anterior, considera-se também prestação tributária a que foi deduzida por conta daquela, bem como aquela que, tendo sido recebida, haja obrigação legal de a liquidar, nos casos em que a lei o preveja.
3 - É aplicável o disposto no número anterior ainda que a prestação deduzida tenha natureza parafiscal e desde que possa ser entregue autonomamente.
4 - Os factos descritos nos números anteriores só são puníveis se:
a) Tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação;
b) A prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respetivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito.”

Com efeito, o n.º 4 do artigo 105.° do RGIT, na redação introduzida pelo artigo 95.º da Lei nº 53º-A/2006 de 29 de dezembro, acrescentou, no que respeita ao crime de abuso de confiança fiscal, e ao crime de abuso de confiança contra a segurança social, ex vi, art. 107.º, nº 2 do RGIT, uma nova condição objetiva de punibilidade[2]- conforme qualificação atribuída pela jurisprudência fixada pelo Acórdão de fixação de jurisprudência do STJ de 9.04.2008, processo 07P4080, publicado no DR 1ª série, de 15.05.2008, p. 2672,-a qual consiste em a falta de entrega das prestações tributárias e das prestações de segurança social, declaradas, deduzidas e não entregues, só serem puníveis se não forem pagas, com os legais acréscimos, no prazo de 30 dias após a notificação para o efeito.

Com efeito, considerando o teor do normativo citado, conclui-se que comete o crime de abuso de confiança fiscal quem, estando legalmente obrigado a entregar à Administração prestação que, tendo recebido, tenha a obrigação legal de liquidar, de valor superior a €7.500,00, omita, total ou parcialmente, tal entrega, desde que, cumulativamente, tenham decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação e a prestação comunicada à Administração não tenha sido paga, acrescida dos juros respetivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito.

Portanto, antes que tenham decorrido aqueles 90 dias após a data em que deveria ter sido entregue a prestação tributária e antes que tenha sido realizada notificação admonitória para que seja efetuada a entrega da prestação tributária, e após esta tenham decorridos 30 dias, não se encontram preenchidos todos os elementos objetivos e subjetivos do tipo.

Ora, como é bom de ver, o ato impugnado mais não representa que a notificação para pagamento no prazo de 30 dias, realizada nos moldes anteditos e em cumprimento da nova condição de punibilidade, facultando-se, assim, a possibilidade de o agente infrator ver excluída a sua punibilidade.

Porém, e no sentido preconizado pelo Tribunal a quo, o aludido ato não é imediatamente lesivo, donde autonomamente impugnável.

Explicitemos, então, porque o assim o entendemos.

Conforme expendido no Aresto proferido por este Tribunal em 13.12.2019, no âmbito do processo nº 941/18.9BESNT, na qual a, ora, Relatora interveio como 1ª Adjunta a aludida notificação “[n]ão constitui em si qualquer decisão lesiva dos direitos do Recorrente, ainda que potencial.”

Neste particular, importa, outrossim, chamar à colação o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido no processo nº 728/2008-3, de 12.03.2018[3], extratando-se na parte que os autos releva, designadamente, o seguinte:

“Seguindo posição já defendida pelo Acórdão do STJ de 2007.02.07, o despacho concluiu que a nova redacção do art. 105.º do RGIT e, nomeadamente o seu n.º 4, consagra uma condição objectiva de punibilidade que é aplicável a um caso, como o vertente, por virtude da consagração da lei mais favorável ínsito no art. 2.º, n.º 4 do CP. Este entendimento implica que se proceda à notificação a que alude o referido dispositivo do RGIT (nova redacção) após o que decorrido o prazo ali cominado se verifique da existência (ou não) da referida condição objectiva de punibilidade.

Mas o despacho que vier a retirar as consequências da atitude do arguido é que poderá vir a afectar tal direito, ou não, pois o juiz, perante a notificação feita no despacho proferido, não está vinculado a concluir num dado sentido, o que confirma a natureza não definitiva do despacho em causa.

Estamos perante um despacho judicial mediante o qual foi ordenada a notificação expressamente prevista na al. b) do n.º 4 do art. 105.º do RGIT, na redacção introduzida pela Lei n.º 53-A/2006, de 29-12.

Ora, tal despacho, além de não envolver qualquer interpretação da lei, não interfere com qualquer direito do seu destinatário. (…)

Essa atitude, porém, fica ao seu alvedrio: se efectuar o pagamento as consequências jurídico-penais que se impõem retirar no processo respectivo são umas; se não o efectuar, são outras.

Quer dizer: o despacho que ordenou a notificação, por si mesmo, é inidóneo para decidir o que quer que seja.” (destaques e sublinhados nossos).

É certo que o Recorrente vem invocar que a quantia de €585.701,53 para a qual foi expressamente notificado não corresponde ao montante real em dívida, mas a verdade é que tal alegação em nada releva nesta fase e nesta sede.

Conforme elucida, neste particular, Tiago Milheiro[4]:“[n]ão cabe discutir pelo arguido, nesta fase, da assertividade dos cálculos, sendo, aliás, que o despacho que ordena a notificação não é recorrível. Efectuada a notificação, cabe ao arguido optar pelo pagamento segundo os montantes que no entender da administração tributária ou segurança social estão em dívida ou não efectuar o mesmo, por vários motivos que podem ir desde a impossibilidade financeira até estratégia de defesa, prosseguindo o processo os seus trâmites legais. Caso opte pelo pagamento deverá dirigir-se à administração tributária ou segurança social efectuar o mesmo e apresentar a respectiva declaração de quitação, que comprove a liquidação no prazo de 30 dias após a notificação, nos respectivo processo, fazendo assim operar a causa de exclusão de punibilidade e o arquivamento dos autos.” (destaques e sublinhados nossos).

Densificando, para o efeito que: ”A norma vertida no artigo 105.º, n.º 4, alínea b), do RGIT tem uma componente adjectiva, ou seja, uma formalidade, um acto processual que consiste na feitura da notificação, cujo cumprimento é exigido por lei, e uma componente substantiva, ou seja, a prática daquele formalismo do processo implicará a extinção da responsabilidade criminal e arquivamento do processo em caso de pagamento, operando uma causa de exclusão de punibilidade, ou caso contrário, o prosseguimento do processo para julgamento ou decisão de recurso, por operar o segundo requisito para a punição do facto (o primeiro, como vimos, é o decurso do prazo de 90 dias). Sendo, portanto, aquela notificação um acto de processo penal deverá seguir-se o formalismo imposto no artigo 113.º do Código de Processo Penal para as notificações, ou seja, por contacto pessoal, via postal registada ou por via postal simples com prova de depósito (artigo 113.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), do Código de Processo Penal)[5]” (destaques e sublinhados nossos).

Concluindo, assim, que “Cumprida a notificação e não efectuado o pagamento surge um novo facto em juízo que deverá constar da decisão condenatória. É nosso entendimento que após a realização da notificação e o não pagamento pelo arguido, tal facto é introduzido em juízo sem necessidade de qualquer outro acto processual, podendo constar da decisão condenatória[6].”(destaques e sublinhados nossos).

Pelo que, inversamente ao defendido pelo Recorrente, e no sentido propugnado pelo Tribunal a quo, inexiste lesividade imediata do ato, não sendo o mesmo diretamente impugnável, não se subsumindo, de todo, no artigo 97.º, do CPPT.

Mais importa ter presente que tal entendimento em nada coarta qualquer possibilidade de defesa, e qualquer direito constitucional, e isto porque não procedendo o Recorrente ao pagamento da quantia em dívida, por qualquer fundamento que entenda pertinente, sempre poderá discutir tal questão no Tribunal Judicial. Note-se que, a não punição resultará de uma atitude positiva do agente que obsta a essa consequência penal, pagando a dívida que se repute, demonstradamente, devida.

O mesmo sucede com as alegadas irregularidades da notificação, estando, face a todo o exposto e independentemente da sua qualificação e natureza, cerceada qualquer apreciação nesta sede. Sem embargo, sempre se dirá que a tal não obsta, necessariamente, que a entidade administrativa, in casu, Segurança Social mediante requerimento do interessado ou oficiosamente, caso assim o entenda, supra qualquer irregularidade processual[7] adveniente da falta de cumprimento de qualquer formalismo atinente à aludida notificação.

De todo o modo, o que importa reter e sublinhar, é que não só o ato impugnado não é imediatamente lesivo, como a análise de qualquer irregularidade processual não compete a este Tribunal[8]. Ademais, importa sublinhar e ter presente que a falta de um pressuposto jurídico- material da punibilidade, no momento do julgamento, implica necessariamente a absolvição do arguido, e isto porque na sua falta não estão verificados todos os pressupostos indispensáveis para que a punição possa materializar-se.

Com efeito, e como bem elucida Tiago Milheiro[9] “Na fase de inquérito competia, tal como compete actualmente, à administração fiscal, segurança social ou ministério público proceder ao cumprimento de tal notificação. Em regra será a administração fiscal ou a segurança social, porque munido de todos os elementos para o cumprimento de tal formalidade, que deverá efectuar a notificação legal, enviando o processo ao ministério público posteriormente.

Pode, contudo, suceder que caso se omita tal notificação ou não tenha sido cumprido o formalismo processual (por exemplo não concedendo os 30 dias ou a notificação não ter sido efectuada segundo os trâmites do processo penal), o ministério público tenha que suprir tais invalidades processuais per si, ou remeter novamente o processo à administração fiscal ou à segurança social para rectificarem o processado, que nos afigura, na prática, a solução preferível.”

No mesmo sentido aponta o Aresto do Tribunal da Relação de Évora, proferido no processo nº 228/13.3, de 21.03.2017 “Suscitando-se ao tribunal, em sede de julgamento, dúvidas acerca da notificação dos arguidos, que foi efectuada pela Autoridade Tributária, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 105.º, n.º4, al. b) do RGIT, em virtude dos avisos de receção terem sido assinados por pessoa diversa do destinatário, deve ordenar a repetição dessas notificações.”

Ora, face a todo exposto e sem necessidade de quaisquer considerações, mormente, quanto às arguidas nulidades ou anulabilidades intrínsecas ao ato por carecerem, como visto, de qualquer relevância, não merece qualquer censura o despacho que indeferiu liminarmente a petição em apreço, devendo, por isso, ser confirmado.

Uma nota final e ex oficio relativamente à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, nº 7 do RCP.

Com efeito, no Aresto do STA, proferido no processo nº 01953/13, de 07 de maio de 2014, integralmente disponível para consulta em www.dgsi.pt: “A norma constante do nº7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz, ser lícito, mesmo a título oficioso, dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade”.

No caso sub judice, considera-se que o valor de taxa de justiça devida a final, calculado nos termos do tabela I.B., do RCP, é excessivo. Porquanto, ponderadas as circunstâncias do caso vertente à luz dos critérios escolhidos pelo legislador, em especial, o comportamento processual das partes litigantes, sem qualquer reparo negativo a apontar, a complexidade do processo – atendendo a que as questões decidendas, embora respeitantes a matéria específica, não exigiram do julgador especiais e diversos conhecimentos técnicos e jurídicos, antes se mantiveram dentro de parâmetros normais e comuns-encontra-se preenchido o circunstancialismo do n.º 7, do artigo 6.º do RCP, decretando-se, ex oficio, a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

- NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

Custas a cargo do Recorrente, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que excede os €275.000,00.

Registe. Notifique.


Lisboa, 21 de maio de 2020

(Patrícia Manuel Pires)

 (Cristina Flora)

(Tânia Meireles da Cunha)


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[1] [1] Vide, designadamente, Acórdão do STA proferido no processo nº 0161/14, de 09 de abril de 2014 e demais jurisprudência nele citada
[2] Cavaleiro Ferreira-Direito Penal, vol. II, 1957, p. 132, definia a condição de punibilidade como “uma condição da existência do direito de punir, é pressuposto da relação jurídica punitiva. Sem que se verifique determinado facto, não surge para o Estado o direito de punir. Não é elemento do crime, porque consiste num facto estranho ao facto constitutivo principal: é um facto constitutivo acessório, que condiciona os efeitos que normalmente estão ligados ao crime, isto é, condiciona a responsabilidade penal. Pertence, em consequência, ao direito substantivo, ao direito penal”.
[3] Não obstante no Acórdão citado o despacho tenha sido prolatado pelo Juiz, atenta a fase em que o processo se encontrava e em conformidade com a Jurisprudência, desde logo, do Tribunal Constitucional-Acórdão nº 409/2008, publicado no DR, 2ª série, nº185, em 24 de setembro de 2008, o mesmo é inteiramente transponível no que concerne à sua natureza , falta de lesividade e consequentemente, irrecorribilidade.
[4] Da punibilidade nos crimes de abuso de confiança fiscal e de abuso de confiança contra a Segurança Social: Julgar nº 11, 2010, p.77.
[5] In Ob. Cit. 79.
[6] In Ob. Cit., p.88.
[7] As notificações que não obedeçam a formalidades essenciais podem e devem ser supridas “pela entidade competente para a fase processual em que se encontrarem os autos, nos termos do artigo 123.º do Código de Processo Penal”, in Ob. Cit,p.81.
[8] A própria questão de a notificação imposta pelo artigo 105.º, nº4, alínea b), do RGIT, impor ou não uma concretização das quantias a pagar ou se basta com uma notificação genérica para que o arguido “pague as prestações, juros e coimas aplicáveis em 30 dias” não é consensual, sendo objeto de querela jurisprudencial-vide, designadamente, Acórdão da Relação do Porto, proferido no processo nº 0811683, de 24.09.2008.
[9] In Ob. Cit., 71