Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06559/13
Secção:CT
Data do Acordão:04/18/2018
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:DIREITO DE AUDIÇÃO
DILIGÊNCIAS COMPLEMENTARES
Sumário:I - O exercício do direito de audição inclui, não apenas o direito do visado a pronunciar-se sobre todas as questões objecto de procedimento, mas também o seu direito a requerer diligências complementares e a juntar documentos ao processo.
II - Perante esta possibilidade de requerer diligências complementares, recai sobre a entidade administrativa o dever de as realizar, sempre que, naturalmente, as mesmas se afigurem adequadas e úteis a averiguar o circunstancialismo de facto relevante para a decisão a tomar no procedimento.
III - Mesmo que entenda não dever efectuar as diligências requeridas, a administração tributária deverá pronunciar-se expressamente sobre o pedido da sua realização, se não antes, na decisão final.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:1 – RELATÓRIO

M…., inconformado com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial por si deduzida, anulando a liquidação adicional de IRS respeitante ao ano de 2002, na parte relativa à não aceitação do custo com o pagamento da Contribuição Autárquica e juros de mora, mas mantendo no mais a decisão de indeferimento proferida no recurso hierárquico apresentado contra a reclamação graciosa referente ao IRS dos anos de 2002 e 2003, vem dela interpor o presente recurso jurisdicional.

Nas suas alegações o Recorrente expende, a final, o seguinte quadro conclusivo (cuja numeração se corrige face ao lapso de escrita):

1 - Por serem relevantes para a decisão da causa e por resultarem provados dos documentos constantes dos autos devem ser aditados à matéria de facto provada os seguintes factos:

-O impugnante pagou à I…, lda, o valor de 12.205,53€, conforme factura 2194d de 10-09-2002.(art. 48º da petição inicial).

-de tal factura constam nebulizadores, braçadeiras, juntas entre tubos, braçadeiras de manguito, difusor para nebulizador estriado e junta flexível, no valor de 6.878,74€, sem iva;

-e consta 3.378,01€ de mão-de-obra especializada, sem impostos;

-o conteúdo da factura evidencia um custo unitário dos componentes que varia entre os 0,15 € e os 37,75 €

-a fatura nº 9 de 20-01-2003, no valor de 2650,00 € emitida pela Sociedade Agropecuária J…, Lda, refere-se a serviços de limpeza de vala.

2- A conta 62232 do poc, quadro normativo-contabilístico vigente ao tempo dos factos sob a epigrafe "conservação e reparação" incluía " os bens e os serviços destinados à manutenção do activo imobilizado e que não provoquem um aumento do seu custo ou da sua duração".

3 - Como referem os professores de contabilidade do ISCAL e revisores oficiais de contas C… "para que uma benfeitoria (...) Ou uma grande reparação possam ser capitalizados é fundamental que as mesmas conduzam a que benefícios económicos futuros fluam para a empresa, para além do desempenho normal do respetivo bem.

Existem várias situações que podem levar ao aumento do dos referidos benefícios, como sejam:

-a modificação de um bem de forma a aumentar-lhe a sua vida útil, incluindo um aumento da sua capacidade;

-a actualização de parte de uma máquina de modo a obter uma melhoria substancial do seu output»;

-a adopção de novos processos de produção que possibilitem uma redução substancial nos custos operacionais previamente estimados" (Contabilidade Financeira, 5ª edição, Publisher Team, 2005, pags. 765-766, negritos nossos).

4 -A AT não alegou, nem provou que se tenha verificado nenhuma destas situações e, pelo contrário, do tipo de elementos constantes das faturas resulta notório que os bens adquiridos não têm a virtualidade de aumentar o desempenho do bem, mas tão só permitir que o mesmo continue a funcionar.

5 - 0s argumentos da AT para sustentar a sua posição foram os de que os bens são de uso duradouro (relativamente ao qual também não fez qualquer prova) e o que que pela aquisição de tais o recorrente candidatou-se e recebeu subsídios do IFADAP. Ora, nenhum destes dois argumentos, mesmo que verdadeiros, seria fundamento para tornar incorreto o registo contabilístico do recorrente.

6 - O enquadramento das faturas 2194d de 10-09-2002 e fatura nº 9 de 20-01-2003 na conta 62232 do POC foi correto sendo ilegais as correções feitas pela AT, no que se refere a tais faturas.

7 - Ainda que assim não fosse, sempre seria ilegal a proposta de correcção por violação do princípio da justiça pois a AT, não corrigiu a favor do impugnante, a liquidação dos anos posteriores, em função das amortizações que, seguindo a tese da AF, caberiam nos anos subsequentes, nem deixou de considerar o subsídio como proveito do exercício na sua totalidade;

8 - Foi ilegal a decisão da AT de não ouvir no âmbito do procedimento inspetivo as testemunhas cuja inquirição o impugnante requereu, pois que entendendo o tribunal que a prova testemunhal poderia ser e levante para convencer o tribunal da veracidade o alegado, não pode, a nosso ver, considerar irrelevante a produção de tal prova no âmbito do procedimento inspectivo com o fundamento de que tal prova seria insuscetível de ter influência na decisão da AT, uma vez que também a administração está vinculada à apreciação dos factos e do direito nas suas decisões.

9 - Por outro lado, salvo o muito devido respeito, também não colhe o argumento da decisão recorrida quando esta sustenta o bem fundado da posição da AT de não ouvir as testemunhas na circunstância de no requerimento se não especificar a concreta matéria factual sobre que iria incidir a inquirição, por um lado porque, não foi esse o fundamento da a posição da AT, e por outro, porque em nenhuma norma é imposto o dever ao contribuinte de proceder a tal especificação, nem tal dever existe em processo judicial tributário e mesmo que assim não fosse, caso a AT não presumisse tratar-se de toda a matéria de facto alegada sempre poderia convidar o contribuinte a proceder a tal especificação, sob pena de desproporcionalidade da medida, pelo que, foram assim violados também o princípio da verdade material e o princípio da audiência dos interessados antes da decisão final.

Foram violados os artigos 17º, nº 1 e 28º, nº 1 do CIRC, a norma contabilística em que se consubstancia a conta nº 62232 constante da Plano Oficial de Contabilidade, vigente ao tempo dos factos tributários em causa, o princípio da justiça consagrado no art. 55º da LGT e 266º da CRP e ainda o art. 60º da LGT (direito de audição prévia) e o art. 6º do Regime Complementar do Processo de Inspeção Tributária (princípio da verdade material).”


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Não foram apresentadas contra-alegações.

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A Exma. Magistrada do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu Parecer onde concluiu no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos, vem o processo submetido à Secção de Contencioso Tributário para julgamento dos recursos.


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2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:

Factos Provados

Com interesse para a apreciação da causa, consideram-se provados pelos documentos constantes dos autos os seguintes factos:

A)
Em 4 de Abril de 2006, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de … elaboraram relatório da acção de inspecção efectuada aos sujeitos passivos M… e L…, relativa aos exercícios de 2002 e 2003, onde, além do mais, consta o seguinte:
“I – CONCLUSÕES DA ACÇÃO INSPECTIVA
1– Exercício de 2002
1.1– IRS
2– Exercício de 2003
2.1– IRS
II – OBJECTIVOS, ÂMBITO E EXTENSÃO DA ACÇÃO INSPECTIVA
1 – Credencial e período em que decorreu a acção
2 – Motivo, âmbito e incidência temporal
3– Outras situações
3.1– Caracterização do sujeito passivo
3.1.1– Actividade desenvolvida
3.1.2– Enquadramento fiscal e regularidade da escrita
III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA COLECTÁVEL
1– Em sede de IRS

1.1– Análise das contas de compras, custos e proveitos
1.1.1- Exercício de 2002
1.1.1.1– Aqusição de bens do imobilizado contabilizados indevidamente como despesas com conservação e reparação
1.1.1.2– Encargos relativos ao pagamento da contribuição autárquica de exercícios anteriores, não aceites como custo fiscal
1.1.1.3– Despesas de representação contabilizadas indevidamente como deslocações e estadas
1.1.1.4- Total das correcções técnicas
1.1.1.5- Total do IRS a tributar autonomamente
1.1.2– Exercício de 2003
1.1.2.1- Prestação de serviços de “limpeza de vala” contabilizada indevidamente como custos do exercício
1.1.2.2- Amortizações referentes à aquisição de bens do imobilizado contabilizados indevidamente como despesas com conservação e reparação em 2002
1.1.2.3– Despesas de representação contabilizadas indevidamente como deslocações e estadas
1.1.2.4– Total das correcções técnicas
1.1.2.5– Total do IRS a tributar autonomamente
2 – Em sede de IVA
2.1– Exercício de 2002
2.1.1– Análise do IVA Dedutível
2.1.2– Análise do IVA Liquidado
2.2– Exercício de 2003
2.2.1– Análise do IVA Dedutível
2.2.2– Análise do IVA Liquidado
IV – MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRETOS
V – CRITÉRIOS E CÁLCULOS DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
VI – REGULARIZAÇÕES EFECTUADAS PELO SUJEITO PASSIVO
VII – INFRACÇÕES VERIFICADAS
VIII– OUTROS ELEMENTOS RELEVANTES
IX– DIREITO DE AUDIÇÃO – FUNDAMENTAÇÃO
Anexos
I – CONCLUSÕES DA ACÇÃO INSPECTIVA

Da acção inspectiva efectuada ao sujeito passivo “MANUEL ...”, relativamente aos exercícios de 2002 e 2003, resultaram correcções técnicas, descritas no capítulo III, as quais ascenderam a:

1 - Exercício de 2002
1.1 – IRS
Ponto Rel.DescriçãoValor
Cap. III – ponto 1.1.1.1Aquisição de bens do imobilizado contabilizados

indevidamente como despesas com conservação e reparação
10.256,75 €
Cap. III – ponto1.1.1.1Amortização dos bens do imobilizado contabilizados

indevidamente como despesas com conservação e reparação
- 1.282,09 €
Cap. III – ponto 1.1.1.2Encargo relativo ao pagamento da contribuição

autárquica de exercício anterior não aceite como custo fiscal
959,42 €
Total das correcções técnicas9.934,08 €

Em face das correcções técnicas propostas, o resultado tributável apresentado pelo sujeito passivo no exercício de 2002, passa de 14.175,32 € para 24.109,40 € (14.175,32 € + 9.934,08 €).
De salientar que foi apurado IRS no valor de 184.50 €, referente à tributação autónoma das despesas de representação, não efectuada pelo sujeito passivo.

2 – Exercício de 2003
2.1 – IRS
Ponto Rel.DescriçãoValor
Cap. III – ponto 1.1.2.1Aquisição de bens do imobilizado contabilizados

indevidamente como despesas com conservação e reparação
2.650,00 €
Cap. III – ponto 1.1.2.2Amortização dos bens do imobilizado contabilizados

indevidamente como despesas com conservação e reparação
- 378,42 €
Cap. III – ponto 1.1.2.3Amortização dos bens do imobilizado contabilizados

indevidamente como despesas com conservação e reparação no exercício de 2002
1.282,09 €
Total das correcções técnicas989,49 €

Na sequência das correcções propostas para o exercício de 2003, o lucro tributável do sujeito passivo passou de 25.020,02 € para 26.009,51 € (25.020,02 € + 989,49 €).
Foi apurado IRS no valor de 93,17 €, referente à tributação autónoma das despesas de representação, não efectuada pelo sujeito passivo.

I – OBJECTIVOS, ÂMBITO E EXTENSÃO DA ACÇÃO INSPECTIVA
1 – Credencial e período em que decorreu a acção
O presente exame à escrita foi efectuado com base na Ordem de Serviço n.º OI200500832, emitida pela Direcção de Finanças de … – DPIT II em 10-03-2005, tendo sido iniciada em 12-04-2005. A nota de diligência foi assinada em 06-02-2006.

2 – Motivo, âmbito e incidência temporal
A acção de inspecção efectuada a este sujeito passivo, foi enquadrada nas acções inspectivas determinadas por despacho do Director de Finanças, tendo incidido sobre os exercícios de 2002 e 2003 para efeitos de IVA e IRS.
Nos termos do n.º 5 do art.º 38.º do Código de Procedimento e Processo Tributário e n.º 4 do art.º 36.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, a acção de inspecção efectuada ao sujeito passivo ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI 200500832 foi prorrogada por mais dois períodos de três meses.

3 – Outras situações
3.1 – Caracterização sujeito passivo
3.1.1 - Actividade desenvolvida.
O sujeito passivo tem por objecto social a produção e comércio de cereais – CAE – 01111.
3.1.2 – Enquadramento fiscal e regularidade da escrita
O sujeito passivo pertence à área fiscal de …. e encontra-se colectado em lRS, pelo regime geral com contabilidade organizada.
Em sede de IVA enquadra-se no regime normal de periodicidade mensal e tem procedido ao envio das respectivas declarações periódicas.

III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS Á MATÉRIA COLECTÁVEL

1– Em sede de IRS
1.1– Análise das contas de compras custos e proveitos
Da análise efectuada ás diversas contas das classes 3, 6 e 7, com vista a verificar a correcta contabilização dos respectivos custos e proveitos e da sua concordância com os montantes constantes dos documentos de suporte, detectaram-se os seguintes factos passíveis de correcção:

1.1.1– Exercício de 2002
1.1.1.1– Aquisição de bens do imobilizado contabilizados indevidamente como despesas com conservação e reparação.
Em Setembro de 2002, o sujeito passivo adquiriu à empresa “I…, Lda.”, bens (nebulizadores) para aplicação no “pivot” no valor de 10.256,75 € (Doc. Int. 236 – Fact. 2194D de 10-09-2002). Verifica-se no entanto que estes bens são de uso duradouro, relativamente aos quais a empresa se candidatou e recebeu subsídios do IFADAP, pelo que foram indevidamente contabilizados como custos do exercício na conta … – “Conservação e Reparação de Equipamentos”. Assim, haverá que adicionar ao resultado declarado pelo sujeito passivo a quantia supra mencionada.
Estes encargos deveriam ser contabilizados como bens do imobilizado com o código 0110 – (Equipamento de Rega por Aspersão – Restante Equipamento”, do Decreto Regulamentar n.º 2/90 e sujeitos à taxa de amortização de 12.5%.
Assim ao resultado fiscal apresentado pelo sujeito passivo será deduzido o montante de 10.256,75 € e acrescida a quantia de 1.282,09 € (12.256,75 € x 12,5 %) referente à respectiva amortização. Os factos descritos constituem infracção ao art.º 23.º do CIRC.

1.1.1.2– Encargos relativos ao pagamento da contribuição autárquica de exercícios anteriores não aceites como custo fiscal
No exercício de 2002 o sujeito passivo contabilizou na conta 6321 – Contribuição Autárquica e na conta 68151 – Juros de Mora p/ Prática Infracções, e imputou como custo do exercício a quantia de 959,32 € (Doc. Int. n.º 291) referente ao pagamento da contribuição autárquica do ano de 1999. Nos termos do art.º 18.º n.º 1 do CIRC os custos são imputáveis ao exercício a que digam respeito, de acordo com o principio da especialização dos exercícios. Assim, o referido encargo não é aceite fiscalmente como custo.

1.1.1.3– Despesas de representação contabilizadas indevidamente como deslocações e estadas

O sujeito passivo contabilizou na conta … – Deslocações e Estadas, vários custos com o pagamento de refeições, os quais se verificou pela análise efectuada aos documentos de suporte emitidos pelos prestadores de serviços (facturas ou vendas a dinheiro), quer pelas quantias totais, quer pela descrição do número de refeições que os mesmos dizem respeito a mais do que uma refeição (2, 3, 4, 5, 6, 8). Segundo a definição do POC a conta … – Deslocações e Estadas compreende os gastos com o transporte do pessoal com natureza eventual, os de alojamento e alimentação fora do local de trabalho. Verificou-se por outro lado que o único trabalhador da empresa recebeu subsidio de refeição. Assim, relativamente aos funcionários que recebem subsidio de alimentação, só são aceites encargos com refeições quando estes se deslocam para fora do local de trabalho e bem assim, nos dias em que isso acontece não têm direito a receber o subsidio de alimentação, o que não aconteceu. Se as facturas ou vendas a dinheiro emitidas pelos prestadores dos serviços se referissem a despesas de alimentação do sujeito passivo da sua descrição constaria “uma refeição” e não duas, três, quatro, cinco e onze refeições como pudemos constatar. Pressupõe-se assim que os referidos encargos no total de 3.075,01 € (ver anexo 1), são referentes a encargos suportados com refeições pagas pelo sujeito passivo a clientes e/ou a fornecedores, pelo que deveriam ter sido consideradas despesas de representação e sujeitos a tributação autónoma à taxa de 6 % nos termos do art.º 73.º, n.º 2 do CIRC. Assim, o referido valor será acrescido no campo 1002 do quadro 10 do Anexo C da Declaração Mod. 3. O imposto a tributar autonomamente é 184,50 € (3.075,00 € x 6 %).

1.1.1.4– Total das correcções técnicas
Em resumo as correcções técnicas descritas anteriormente totalizam 9.934,08 €
Mapa de apuramento do total das correcções técnicas
Ponto Rel.DescriçãoValor
1.1.1.1Aquisição de bens do imobilizado contabilizados
indevidamente como despesas com conservação e reparação
10.256,75 €
1.1.1.1Amortização dos bens do imobilizado contabilizados
indevidamente como despesas com conservação e reparação
- 1.282,09 €
1.1.1.2Encargo relativo ao pagamento da contribuição autárquica de
exercício anterior não aceite como custo fiscal
959,42 €
Total das correcções técnicas9.934,08 €

Em face das correcções técnicas propostas, o resultado fiscal apresentado pelo sujeito passivo no exercício de 2002 passa de 14.175,32 € para 24.109,40 € (14.175,32 € 9.934,08 €).

1.1.1.5– Total do IRS a tributar autonomamente
Conforme se descreveu no ponto 1.1.1.3 do presente capítulo, o imposto a tributar autonomamente totaliza 184,50 €.

1.1.2– Exercício de 2003
1.1.2.1– Prestação de serviços de “limpeza de vala” contabilizada indevidamente como custos do exercício.
No exercício de 2003 a empresa contabilizou na conta …. – “Outros Serviços Especializados”, e imputou como custo do exercício, encargos com prestação de serviços de “limpeza de vala” no valor de 2.650,00 € (Factura n.º 9 de 20-01-2003, da empresa “Soc. Agro-Pecuária J…., Lda.” – Doc. Int. 14). Pela análise efectuada aos elementos contabilísticos do sujeito passivo constatou-se que as referidas prestações de serviços são referentes a melhoramentos fundiários relativamente aos quais a empresa se candidatou e recebeu subsídios do IFADAP. Estes encargos deveriam ser contabilizados como bens do imobilizado com o Cod. 0140 – “Surribas profundas, trabalhos de enxugo ou drenagens, obras de defesa contra inundações, etc.” do Decreto Regulamentar n.º 2/90 e sujeitos à taxa de amortização de 14,28%.
Assim ao resultado fiscal apresentado pelo sujeito passivo será deduzido o montante de 2.650,00 € e acrescida a quantia de 378,42 € (2.650,00€ x 14,28%) referente à respectiva amortização. Os factos descritos constituem infracção ao disposto no art.º 23.º do CIRC.

1.1.2.2- Amortizações referentes à aquisição de bens do imobilizado contabilizados indevidamente como despesas com conservação e reparação em 2002.
Tal como se descreveu no ponto 1.1.1.1 do presente capítulo, o sujeito passivo adquiriu em 2002, nebulizadores para uso no pivot, no valor total de 10,256,75 €, os quais são de uso duradouro (bens do imobilizado), tendo o sujeito passivo relativamente a estes bens se candidatado e recebido, subsídio do IFADAP, pelo que foram indevidamente contabilizados como custo do exercício na conta … - "Conservação e Reparação de Outros". Relativamente ao exercício de 2002 foi adicionado ao resultado declarado pelo sujeito passivo a quantia supra mencionada e deduzida a respectiva reintegração no montante de 1.282,09 €. Também em relação ao exercício de 2003, será apurada a respectiva reintegração à taxa de 12,5% (Código 0110 - "Equipamento de Rega por Aspersão-Restante Equipamento", do Decreto Regulamentar n.º 2/90).
Ao resultado tributável declarado pelo sujeito passivo será deduzido o montante de1.282,09 € (13.812,61€ x 10%).

1.1.2.3- Despesas de representação contabilizadas indevidamente como deslocações e estadas
No exercício de 2003 o sujeito passivo contabilizou na conta … - Deslocações e Estadas e na conta …-Material sujeito a IVA, vários encargos com o pagamento de refeições, os quais se verificou pela análise efectuada aos documentos de suporte emitidos pelos prestadores de serviços (facturas ou vendas a dinheiro), quer pelas pelas quantias totais, quer pela descrição do número de refeições que os mesmos dizem respeito a mais do que uma refeição (duas, três, quatro, cinco, nove ou doze). Segundo a definição do POC a conta …- Deslocações e Estadas compreende os gastos com o transporte do pessoal com natureza eventual, os de alojamento e alimentação fora do local de trabalho. Verificou-se, por outro lado, que o único trabalhador da empresa recebeu subsídio de refeição. Assim, relativamente aos funcionários que recebem subsídios de alimentação, só são aceites encargos com refeições quando estes se deslocam para fora do local de trabalho e bem assim, nos dias em que isso acontece, não têm direito a receber o subsídio de alimentação, o que não aconteceu. Se as facturas ou vendas a dinheiro emitidas pelos prestadores dos serviços se referissem a despesas de alimentação do sujeito passivo, da sua descrição constaria "uma refeição" e não duas, três, quatro, cinco, oito, nove e doze refeições como pudemos constatar. Pressupõe-se assim que os referidos encargos no total de 1.552,89 € (ver Anexo 2), são referentes a encargos suportados com refeições pagos pelo sujeito passivo a clientes e/ou a fornecedores, pelo que deveriam ter sido consideradas despesas de representação e sujeitos a tributação autónoma à taxa de 6%, nos termos do art.º 73.º n.º 2 do CIRS. Assim, o referido valor será acrescido no campo 1002 do quadro 10 do Anexo C da Declaração Mod. 3. O imposto a tributar autonomamente é 93,17 € (1.552,89 € x 6%).

1.1.2.4- Total das correcções técnicas
Em resumo as correcções técnicas descritas anteriormente totalizam 989,49 € .

Mapa de apuramento do total das correcções técnicas

Ponto Rel.DescriçãoValor
1.1.2.1Aquisição de bens do imobilizado contabilizados
indevidamente como despesas com conservação e reparação
2.650,00 €
1.1.2.2Amortização dos bens do imobilizado contabilizados
indevidamente como despesas com conservação e reparação
- 378,42 €
1.1.2.3Amortização dos bens do imobilizado contabilizados

indevidamente como despesas com conservação e reparação no exercício de 2002
1.282,09 €
Total das correcções técnicas989,49 €

Em face das correcções propostas o resultado fiscal apresentado pelo sujeito passivo passa de 25.020,02 € para 26.009,51 € (25.020,02 € + 989,49 €).

1.1.2.5- Total do IRS a tributar autonomamente

Conforme se descreveu no ponto 1.1.2.3 do presente capítulo o imposto a tributar autonomamente totaliza 93,17 €.
2.- Em sede de IVA
2.1- Exercício de 2002
2.1.1- Análise do IVA Dedutível
Para aferir da legalidade das deduções efectuadas pelo sujeito passivo no exercício de 2002, testaram- se diversos documentos e registos contabilísticos, com valores de IVA superiores a 25 €, na sequência dos quais não foram detectadas quaisquer irregularidades passíveis de correcção.

2.1.2- Análise do IVA Liquidado

Da verificação efectuada aos documentos emitidos pelo sujeito passivo com IVA Liquidado, nomeadamente no que se refere à correcta aplicação das taxas do imposto, assim como à concordância dos valores contabilizados com os declarados, não foram detectados quaisquer factos passíveis de correcção.

2.2- Exercício de 2003.

2.2.1- Análise do IVA Dedutível
Tal como se procedeu para o exercício de 2002, também em relação ao exercício de 2003, se analisaram diversos documentos e os respectivos registos contabilísticos, com valores de IVA dedutível superiores a 25 €, não se tendo detectado quaisquer.

2.2.2- Análise do IVA Liquidado
No que se refere ao IVA Liquidado, foram efectuados diversos testes de modo a conferir a legitimidade dos valores declarados versus contabilizados, não se tendo detectado quaisquer factos com relevância fiscal.

IV – MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRETOS
Não aplicável ao caso em apreciação

V– CRITÉRIOS E CÁLCULOS DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
Não aplicável ao caso em apreciação

VI– REGULARIZAÇÕES EFECTUADAS PELO SUJEITO PASSIVO
Não aplicável ao caso em apreciação

VII– INFRACÇÕES VERIFICADAS
(…)
VIII– OUTROS ELEMENTOS RELEVANTES

1 As transmissões de animais efectuadas pelo sujeito passivo no exercício de 2002, à empresa “Sociedade A…, Lda." e no exercício de 2003 às empresas "Sociedade Agricola A… & C…, Lda.", "Sociedade Agrícola M… & M…, Lda." e "Sociedade Agrícola Q…, Lda." não serão anuladas, dado que se considera que, efectivamente os animais foram vendidos ao senhor A…. Assim ao resultado fiscal declarado pelo senhor A… nos exercícios de 2002 e 2003, será deduzido o montante das referidas compras.
2 Foram analisadas as despesas apresentadas na declaração Mod. 3, pelo agregado familiar, não se tendo detectado quaisquer anomalias.

IX - DIREITO DE AUDIÇAO~ FUNDAMENTAÇÃO

Tendo sido notificado o sujeito passivo para exercer o direito de audição sobre o Projecto de Relatório de Inspecção Tributária, nos termos do artigo 60.º da LGT e artigo 60.º do RCPIT, o mesmo exerceu-o em 06/03/2006, tendo-se pronunciado por escrito.
Transcreve-se de seguida as alegações do sujeito passivo, seguidas do nosso entendimento, por tipo de correcção não aceite pelo mesmo:

1. “Nos termos do art.º 36.º n.º 2 do RCPIT constitui princípio geral que o procedimento de inspecção deve ser concluído no prazo máximo de seis meses.
2. Dispõe, ainda, o n.º 3 do mesmo preceito que "O prazo referido no número anterior poderá, no caso de procedimento geral ou polivalente geral ou polivalente, ser ampliado por mais dois períodos de três meses, nas seguintes circunstâncias:
a)Situações tributárias de especial complexidade resultante, nomeadamente, do volume de operações, da dispersão geográfica ou da integração em grupos económicos nacionais ou internacionais das entidades inspeccionadas"
3. Em 14 de Setembro de 2005 a senhora inspectora propôs a prorrogação da acção inspectiva por mais três meses tendo em consideração o facto de, segundo a mesma, o Sr. M… ser, também, sócio-gerente de outras empresas com as quais existem relações económicas que se podem definir como especiais, nos termos do artigo 58.º do Código cio IRC e tornarem-se necessários procedimentos inspectivos que envolvem várias entidades com o consequente dispêndio de tempo.
4. A proposta foi objecto de parecer concordante do senhor coordenador em “face dos factos descritos na presente informação" e acolhido com despacho concordante do chefe de divisão por delegação do Exmo. Senhor Director de Finanças.
5. Em 20 de Dezembro do mesmo ano, a senhora inspectora propôs a prorrogação por mais três meses com os mesmos fundamentos, o que também obteve parecer e despacho favoráveis.
6. Temos portanto que, para ambas as prorrogações a senhora inspectora invocou a existência de relações especiais e invocou expressamente o art.º 58.º do CIRC.

7. De acordo com o art.º 58.º do CIRC, é pressuposto da correcção da matéria tributável que: a) existam relações especiais entre o contribuinte e uma entidade sujeita ou não ao regime do IRC;
b)em virtude dessas relações, sejam estabelecidas condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes;
c)conduzindo ao apuramento de uma base tributária distinta da que seria apurada na ausência de tais relações.
8. À luz deste instituto compreendia-se a prorrogação.
É que, termos do art.º 77.º n.º 3 da LGT· "Em caso de existência de operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, ou de operações financeiras, efectuadas entre um sujeito passivo de imposto sobre o rendimento e qualquer outra entidade, sujeita ou não a imposto sobre o rendimento, com a qual aquele esteja em situação de relações especiais, e sempre que haja incumprimento de qualquer obrigação estatuída na lei para essa situação, a fundamentação da determinação da matéria tributável corrigida dos efeitos das relações especiais deve observar os seguintes requisitos:
a. Descrição das relações especiais;

b. Indicação das obrigações incumpridas pelo sujeito passivo;

c. Aplicação dos métodos previstos na lei, podendo a Direcção-geral dos Impostos utilizar quaisquer elementos de que disponha e considerando-se o seu dever de fundamentação dos elementos de comparação adequadamente observado ainda que de tais elementos sejam expurgados os dados susceptíveis de identificar as entidades a quem dizem respeito;
d. Quantificação dos respectivos efeitos".
9. Vê-se, assim, que a fundamentação da correcção da matéria colectável por causa da existência de relações especiais com aplicação do art.º 58.º do CIRC (preços de transferência) é especialmente exigente.
10. Foi invocado esta realidade e referindo expressamente o art.º 58.º do CIRC que foi proposta a prorrogação.
11. A essa luz foi dado parecer positivo para a mesma e foi nesse pressuposto que a prorrogação foi concedida.
12. Porém, constata-se pela leitura do projecto de relatório final que nenhuma diligência foi feita no procedimento inspectivo, para efeito do art.º 58.º do CIRC.
13. Não se faz qualquer referência às alegadas relações especiais entre o sujeito passivo e empresas de que o mesmo é sócio-gerente.
14. Quanto mais não fosse para chegar à conclusão que as mesmas não teriam existido.

15. Ou que teriam existido, mas sem que justificassem, qualquer correcção técnica por parte da AT.
16. Mas nada é dito.

17. É curial concluir que na verdade as prorrogações não tiveram por motivo a existência de relações económicas entre o SP e empresas de que é sócio-gerente.
18. Em boa verdade é esta a única conclusão possível.
19. Temos, assim, de concluir, que a mesma invocou fundamentos para prorrogação do procedimento de inspecção que não se verificavam.
20. A prorrogação baseou-se, assim, num pressuposto que não teve correspondência na realidade.
21. As prorrogações da inspecção são ilegais, por não terem enquadramento legal. 1.1.1.1
22. A inspecção ultrapassou o prazo previsto no art.º 36.º n.º 1 do RCPIT.
23. O SP pagou à empresa I…, Lda. 12.205,53 € a factura 2194 D (doc.1).
24. De tais facturas constam nebulizadores, braçadeiras, juntas entre tubis, braçadeiras de manguito, difusor para nebulizador estriado, junta flexível, juntas entre tubos no valor de 6.878.74 €, antes de IVA
25. E constam 3.378,01 € de mão-de-obra especializada, antes de impostos.
26. O SP contabilizou estas aquisições como despesas de conservação e reparação (conta 622322)
27. O projecto de relatório considera que “estes bens são de uso duradouro relativamente à qual a empresa se candidatou a recebeu subsídios do IFADAP" (pags. 5-6).
28. Os argumentos da Inspecção são, portanto dois:
1Os bens são de uso duradouro
2Pelas aquisições de tais bens o SP candidatou-se e recebeu subsídios do IFADAP
29. Salvo o devido respeito por opinião em contrário, entende-se que a IT não tem razão.
30. Uma atenta ao conteúdo da factura evidencia um custo unitário dos componentes substituíveis que varia entre os 0.15 € e os 37,75 €.
31. O valor global é significativo porque as pequenas peças sujeitas ao desgaste do uso são em grande quantidade.
32. É possível que as peças substitutas, ora adquiridas, tenham que o ser de novo na campanha seguinte.
33. É que tais peças funcionam e interagem com água e com adubos líquidos altamente corrosivos, e, por isso, calcinam e entopem com frequência.
34. Os componentes de maior valor são componentes eléctricos.
35. Nenhuma das peças ou componentes constantes de facturas aumenta a vida útil do pivot ou a sua capacidade.
36. Nem produz qualquer alteração à sua capacidade.
37. Nem origina redução de custos operacionais.
38. Pura e simplesmente, sem a substituição destas peças o "pivot" não funciona.
39. É, pois, inequívoco, que se trata de despesa de conservação e reparação.
40. O recebimento do subsidio do IFADAP não pode ser decisivo para a contabilização destas despesas mas, de qualquer modo, a decisão contabilista em causa não causou qualquer prejuízo à AT dado que, a contabilização do proveito é sempre feita na proporção do custo, se o custo é contabilizado num só ano, também o subsidio é, como foi.
41. Carece, assim , de fundamento a proposta de correcção.
1.1.1.2
42. Quanto aos juros de mora e contribuição autárquica pagos em 2002 respeitantes ao ano de 1999 a inspecção não põe em causa que tenha havido pagamento e que tal tenha sido pago pelo SP.
43. Está fora de causa que tal custo tenha sido considerado em 1999.
44. Se o custo não for considerado em 2002, não o tendo sido em 1999, a manter-se a correcção, haverá uma liquidação desconforme com o lucro real.
45. Não se põe em causa a existência do princípio da especialização dos exercícios, mas não se poderá solucionar a questão com base na conta 697 do POC?

1.1.1.3

46. A actividade do SP exige muitas deslocações.
47. As facturas de refeições consistem em refeições do empresário de dos seus colaboradores quando deslocados em serviço.

1.1.2.1

48. A Inspectora Tributária entende que os encargos com prestação de serviços de vala devem ser contabilizados como bens do activo imobilizado como o código 0140 - Surribas profundas, trabalhos de enxugo ou drenagens, obras de defesa contra inundações, etc ...", do Decreto Regulamentar n.º 2/90.
49. Trata-se apenas de limpeza de vala.
50. O que não se enquadra em Surribas profundas, trabalhos de enxugo ou drenagens, obras de defesa contra inundações.
51. É um trabalho de conservação e manutenção duma estrutura já existente e não de aquisição ou construção duma nova estrutura.
52. A correcção carece de fundamento.

Nos termos do art.º 104.º do CPA, aplicável ao procedimento de inspecção, mesmo após o exercício do direito de audição, poderão ser efectuadas as diligências complementares que se mostrem convenientes, seja oficiosamente seja a pedido dos interessados (Neste sentido, Martins Alfaro, Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, Comentado e Anotado, Areas Editores, 2003, pag. 422)
Pelo que, nesta conformidade, o inspeccionado solicita a inquirição das seguintes pessoas, que têm conhecimento dos factos:
1. J.., casado, residente na rua do F…, 2… A….
2. A…, casado, residente em C….

Quanto aos argumentos apresentados pelo sujeito passivo no direito de audição e anteriormente transcritos, irá de seguida proceder-se à sua análise:
Ponto I - (ponto 1 a 22 do direito de audição)
A invocação expressa do artigo 58.º do Código do IRC nas informações elaboradas para propostas de prorrogação da acção inspectiva deveu-se ao facto de ser neste artigo que consta a definição de "relações especiais", ou seja, relações entre entidades, quer singulares, quer colectivas, comuns, que no seu conjunto pressupõem a existência de um grupo económico, este, no sentido, de entidades com direcção comum.
Devido ao facto de a análise do conjunto de operações entre tais entidades (sete sociedades e dois empresários em nome individual) se revelar de especial complexidade, principalmente, pelo número de entidades jurídicas envolvidas, exigia um dispêndio de tempo alargado, estando assim, a situação abrangida pela alínea a) do n.º 3 do artigo 36.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária.
Em nenhum ponto, quer das informações agora referidas, quer do Projecto de Relatório e agora do Relatório Final se refere a utilização do artigo 58.º já citado, como normativo base para as correcções a efectuar.
Até porque, a aplicação das correcções previstas no artigo 58.º do Código do IRC pressupõe a existência de transacções económicas reais e efectivas, embora por preços diferentes dos que seriam praticados entre pessoas independentes, o que conforme se demonstrou no Projecto de Relatório, e agora se demonstra no Relatório Final, não é o caso.
Assim, os fundamentos para as prorrogações propostas não tiveram por base futuras correcções com base no artigo 58.º do Código do IRC, mas sim, a análise do conjunto alargado de operações declaradas por várias entidades jurídicas, que se consideraram com "relações especiais", conceito este definido naquele artigo 58.º.
E foi com este objectivo que se invocou este artigo, como se entende claramente pela análise das informações/propostas de prorrogação da acção inspectiva, existindo fundamento para a sua autorização, devido ao número de entidades jurídicas envolvidas e à complexidade de análise daí resultante, com o inerente dispêndio de tempo, pelo que se entende que o prazo previsto no artigo 36.º do RCPIT não foi ultrapassado, pois a acção foram realizadas ao abrigo de prorrogações legalmente efectuadas.

Ponto 11- (ponto 23 a 41 do direito de audição)·
A factura 2194D, no valor total de 10.256,75 €, diz respeito à aquisição de bens para "mudar centro de pivot 91p17" , conforme consta na descrição da mesma (Anexo 3). Esta factura foi apresentada no IFADAP, no âmbito de um "projecto de investimento agro medida 1" , conforme consta da folha 1 do Mod. 0023000498 apresentado pelo sujeito passivo e onde o mesmo o descreve na coluna 2 como se tratando de um "equipamento de rega/pivot" (Anexo 4). O IFADAP não financiou despesas de conservação e reparação mas sim um projecto de investimento e como tal os bens devem ser afectos ao activo imobilizado, ser objecto da respectiva reintegração anual e não serem imputados na sua totalidade como custo de um único exercício, conforme foi feito.

Ponto III - (ponto 42 a 45 do direito de audição)
Segundo o disposto no artigo 18.º n.º 1 do Código do IRC, os proveitos e os custos, são imputáveis ao exercício a que digam respeito, logo o encargo contabilizado pelo sujeito passivo no exercício de 2002, referente ao pagamento da contribuição autárquica e respectivos juros de mora, do ano de 1999, não podem influenciar o resultado fiscal de 2002. Se tivessem sido contabilizado na conta 697 do POC, teriam de ser, nos mesmos termos já referidos, acrescidos ao resultado fiscal.

Ponto IV - (ponto 46 a 47 do direito de audição)

O sujeito passivo afirma que "as facturas de refeições consistem em refeições do empresário e dos seus colaboradores quando deslocados em serviço".
Nos exercícios em análise, o sujeito passivo apenas tinha um trabalhador ao seu serviço, o senhor "J…", o qual recebeu ao longo do ano o respectivo subsídio de alimentação. Ora nos dias em que se deslocou para fora, da área onde normalmente exerce a actividade, se lhe foi pago pelo sujeito passivo o almoço, não haveria direito a "receber o subsídio de alimentação o que não aconteceu.
Por outro lado, se "as refeições foram efectuadas pelo sujeito passivo e seus colaboradores", pergunta- se quais colaboradores? O sujeito passivo só tinha um trabalhador.

Ponto V - (ponto 48 a 52 do direito de audição)
A limpeza de uma vala de 1 metro de profundidade por 2 metros de largura não é tipo de trabalho de drenagem e/ou de defesa contra inundações que se esgote num único exercício, pelo as despesas suportadas não podem ser imputadas na sua totalidade como custo do exercício de 2003 e como tal devem ser levadas ao activo imobilizado e calculada a respectiva reintegração.

Ponto V (diligências complementares)
O sujeito passivo foi notificado através do nosso oficio n.º 2 892, de 09/03/2006 do Projecto de Relatório, nos termos do artigo 60.º da Lei Geral Tributária e artigo 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, para efectuar, querendo, o exercício do direito de audição, por escrito ou oralmente, tendo sido concedido o prazo máximo previsto de 15 dias.
Ora, durante o prazo concedido o sujeito passivo poderia ter-se apresentado para uma audição oral, inclusive com as testemunhas que agora indicou, cujas declarações seriam lavradas em termo de declarações, em complemento às suas próprias alegações que entregou por escrito.

Conclusão
Em face do exposto serão de manter todas as conclusões, e consequentes correcções, descritas no Projecto de Relatório. (…).”.
– (cfr. doc. de fls. 34 a 72 do processo administrativo apenso)


B)
Em 12 de Abril de 2006 a Direcção Geral dos Impostos emitiu em nome de M… e L…, a liquidação oficiosa de lRS n.º .., respeitante ao ano de 2002, no valor de € 2.060,72. – (cfr. doc. de fls. 15 do processo administrativo apenso).
C)
Na mesma data a Direcção Geral dos Impostos emitiu em nome de M… e L…, a liquidação oficiosa de lRS n.º …, respeitante ao ano de 2003, no valor de € 2.508,19. – (cfr. doc. de fls. 16 do processo administrativo apenso).
D)
Em 09 de Outubro de 2006, o impugnante deduziu reclamação graciosa das liquidações mencionadas nas alíneas anteriores. - ( cfr. fls. 139 e segs. do processo administrativo apenso).
E)
Em 29 de Novembro de 2006 o Chefe do serviço de Finanças de S… proferiu despacho de indeferimento da reclamação graciosa indicada na alínea anterior. – (cfr. doc. de fls. 81 do processo administrativo apenso).
F)
Em 29 de Dezembro de 2006, o impugnante deduziu recurso hierárquico da decisão mencionada na alínea anterior. – (cfr fis. 2 a 13 do processo administrativo apenso)
G)
Em 14 de Novembro de 2007 a Directora da Direcção de Serviços do IRS proferiu decisão de indeferimento do recurso hierárquico referido em X), conforme consta de fls. 36 a 47 do processo administrativo apenso.
H)
Em 21 de Fevereiro de 2008 deu entrada neste TAF a presente impugnação judicial. – (cfr. carimbo aposto na folha de rosto da petição inicial).
***

Factos não provados

Dos factos, com interesse para a decisão da causa, constantes dos presentes autos, todos objecto de análise concreta, não se provaram quaisquer outros passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito e que importe registar como não provados.

Motivação da Decisão de Facto

A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, conforme se refere a propósito de cada uma das alíneas do probatório.”


*

2.2. De direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Assim sendo, atento o teor das conclusões transcritas, temos que a primeira questão aqui suscitada respeita à impugnação da matéria de facto – conclusão 1).

Com efeito, pretende o Recorrente que este Tribunal adite à matéria de facto o seguinte:

“ (i) -O impugnante pagou à I…, Lda, o valor de 12.205,53€, conforme factura 2194d de 10-09-2002.(art. 48º da petição inicial).

(ii) - de tal factura constam nebulizadores, braçadeiras, juntas entre tubos, braçadeiras de manguito, difusor para nebulizador estriado e junta flexível, no valor de 6.878,74€, sem iva;

(iii) - e consta 3.378,01€ de mão-de-obra especializada, sem impostos;

(iv) -o conteúdo da factura evidencia um custo unitário dos componentes que varia entre os 0,15 € e os 37,75 €

(v) - a fatura nº 9 de 20-01-2003, no valor de 2650,00 € emitida pela Sociedade Agropecuária J…, Lda, refere-se a serviços de limpeza de vala”.

Refere o Recorrente, na alegação recursória, que os documentos em causa – factura nº 2194d, de 10-09-2002, e factura nº 9, de 20-01-2003 – constam do anexo 3 do RIT.

Vejamos, então, desde já se esclarecendo que o anexo 3 do RIT é composto apenas pela factura 2194d, de 10-09-2002, e que a factura nº 9, de 20-01-2003, não consta dos autos (apesar de ser mencionada no relatório de inspecção).

Quanto ao ponto (i) supra, deve dizer-se que o pagamento da factura não é matéria controvertida nos autos, sendo aspecto que não assume, em concreto, qualquer utilidade para a decisão da causa. Assim sendo, é desprovido de sentido aditar ao probatório o facto correspondente ao efectivo pagamento da factura.

Já relativamente aos restantes aspectos – pontos ii), iii) e iv) – entende-se que há utilidade no seu aditamento, já que, precisamente, uma das correcções efectuadas e contestadas prende-se com a natureza dos bens adquiridos e contabilizados com base na dita factura nº 2194d, de 10-09-2002.

Quanto ao ponto v), dissemos já que inexiste qualquer documento nos autos, concretamente no anexo 3 do RIT, correspondente à factura nº 9 de 2003. De todo o modo, sempre se dirá que no RIT tal factura é especificamente identificada, aí se fazendo expressa menção à descrição da factura, ao seu valor e ao respectivo emitente, ou seja, a todos os elementos que o Recorrente pretendia ver contemplados com o aditamento do facto por ele identificado em v).

Assim sendo, considerando o que vem dito, adita-se ao probatório a seguinte factualidade:


I)

Em 10/10/02, a I… emitiu ao cliente M… a factura nº 2194 D, no valor total de € 12.205,53, a qual inclui IVA no montante de € 1. 948.78, em cuja descrição constam diversos nebulizadores, braçadeiras, juntas entre tubos, braçadeiras de manguito, difusor para nebulizador estriado, junta flexível, porcas, parafusos e chapas de braçadeiras, cujo valor unitário varia entre € 0,15 e € 37,75 e, bem assim, mão-de-obra especializada e deslocações – cfr. factura com cópia junta a fls. 45 do PAT/ impugnação judicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

*

Estabilizada a matéria de facto, importa avançar.

Prosseguindo na análise, surpreendem-se três outras questões a apreciar neste recurso.

Uma primeira, a que se referem as conclusões 2 a 6; uma segunda, a que se refere a conclusão 7; uma terceira, a que respeitam as conclusões 8 e 9.

Na primeira, o Recorrente manifesta a sua discordância relativamente à sentença na parte em que aí se aceitou a correcção efectuada pela AT, quanto à contabilização das facturas nºs 2194d, de 10-09-2002, e 9, de 20-01-2003, ou seja, a questão de saber se tais encargos correspondem a despesas de reparação e conservação ou, antes, a aquisições relativas ao activo imobilizado, sujeitos a amortização anual de 12,5%.

Na segunda, o Recorrente insurge-se contra o entendimento defendido na sentença que determinou o Tribunal a quo a julgar não verificada, no caso, “a violação do princípio da justiça, quanto aos actos de liquidação dos anos de 2002 e 2003”.

Na terceira, o Recorrente insurge-se contra o entendimento constante da sentença quanto à não violação, in casu, do direito de audição (e do princípio da verdade material), concretamente quanto à desconsideração do requerimento de prova (testemunhal) formulado aquando da participação do contribuinte no âmbito do procedimento inspectivo.

Ora, não obstante a ordem pela qual as questões vêm suscitadas no presente recurso jurisdicional – ordem essa, aliás, que segue a linha de análise proposta na sentença – entende-se que, no caso, se justifica que este Tribunal inicie a análise pela questão a que correspondem as conclusões 8 e 9.

Tal inversão na ordem de apreciação explica-se facilmente.

É que, como está bem de ver, o vício do procedimento, a que se reportam as referidas conclusões, a proceder, inquina a totalidade dos actos tributários de liquidação consequentes, ao passo que as outras questões respeitam as particulares correcções que, por isso, apenas contendem com partes (determinadas) dos actos de liquidação emitidos.

Assim, por questões de coerência e a fim de evitar análises inúteis, passa a apreciar-se, em primeiro lugar, a questão correspondente às conclusões 8 e 9 da alegação de recurso.


*

Vejamos, então, o que se nos oferece dizer a este propósito, lembrando que segundo o Recorrente “foi ilegal a decisão da AT de não ouvir no âmbito do procedimento inspetivo as testemunhas cuja inquirição o impugnante requereu, pois que entendendo o tribunal que a prova testemunhal poderia ser relevante para convencer o tribunal da veracidade o alegado, não pode, a nosso ver, considerar irrelevante a produção de tal prova no âmbito do procedimento inspectivo com o fundamento de que tal prova seria insuscetível de ter influência na decisão da AT, uma vez que também a administração está vinculada à apreciação dos factos e do direito nas suas decisões”. Por outro lado, segundo o Recorrente, “também não colhe o argumento da decisão recorrida quando esta sustenta o bem fundado da posição da AT de não ouvir as testemunhas na circunstância de no requerimento se não especificar a concreta matéria factual sobre que iria incidir a inquirição, por um lado porque, não foi esse o fundamento da posição da AT, e por outro, porque em nenhuma norma é imposto o dever ao contribuinte de proceder a tal especificação, nem tal dever existe em processo judicial tributário e mesmo que assim não fosse, caso a AT não presumisse tratar-se de toda a matéria de facto alegada sempre poderia convidar o contribuinte a proceder a tal especificação, sob pena de desproporcionalidade da medida”.

Relembremos os factos.

Tal como resulta da leitura da alínea A) dos factos provados (vide, ponto IX do RIT, aí transcrito), bem se percebe que, com a notificação do projecto de relatório de inspecção, o contribuinte, ora Recorrente, foi notificado para exercer o direito de audição prévia ao relatório final.

Tratou-se, obviamente, do cumprimento das normas constantes do artigo 60º da LGT e do artigo 60º do RCPIT.

Como resulta da mesma alínea A) do probatório, dúvidas não restam que o contribuinte, aqui Recorrente, oportunamente exerceu o direito de audição, por escrito, tendo, além do mais, aí requerido a inquirição de duas testemunhas.

Com efeito, lê-se no RIT, no que para aqui releva, o seguinte:

“(…) IX - DIREITO DE AUDIÇAO~ FUNDAMENTAÇÃO

Tendo sido notificado o sujeito passivo para exercer o direito de audição sobre o Projecto de Relatório de Inspecção Tributária, nos termos do artigo 60.º da LGT e artigo 60.º do RCPIT, o mesmo exerceu-o em 06/03/2006, tendo-se pronunciado por escrito.

Transcreve-se de seguida as alegações do sujeito passivo, seguidas do nosso entendimento, por tipo de correcção não aceite pelo mesmo:

(…)

Nos termos do art.º 104.º do CPA, aplicável ao procedimento de inspecção, mesmo após o exercício do direito de audição, poderão ser efectuadas as diligências complementares que se mostrem convenientes, seja oficiosamente seja a pedido dos interessados (Neste sentido, Martins Alfaro, Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, Comentado e Anotado, Areas Editores, 2003, pag. 422)

Pelo que, nesta conformidade, o inspeccionado solicita a inquirição das seguintes pessoas, que têm conhecimento dos factos:

1. J…., casado, residente na rua do F…..

2. A…, casado, residente em....

Quanto aos argumentos apresentados pelo sujeito passivo no direito de audição e anteriormente transcritos, irá de seguida proceder-se à sua análise:

(…)

(…)

Ponto V (diligências complementares)

O sujeito passivo foi notificado através do nosso oficio n.º 2 892, de 09/03/2006 do Projecto de Relatório, nos termos do artigo 60.º da Lei Geral Tributária e artigo 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, para efectuar, querendo, o exercício do direito de audição, por escrito ou oralmente, tendo sido concedido o prazo máximo previsto de 15 dias.

Ora, durante o prazo concedido o sujeito passivo poderia ter-se apresentado para uma audição oral, inclusive com as testemunhas que agora indicou, cujas declarações seriam lavradas em termo de declarações, em complemento às suas próprias alegações que entregou por escrito.

Conclusão

Em face do exposto serão de manter todas as conclusões, e consequentes correcções, descritas no Projecto de Relatório. (…).”.

Temos, pois, que a AT não ouviu as testemunhas indicadas pelo contribuinte aquando do exercício do direito de audição, por, segundo se retira do relatório transcrito, entender que poderia o sujeito passivo, no prazo concedido, ter exercido oralmente tal direito, aí se apresentando com as testemunhas que pretendia que fossem ouvidas.

Contra tal entendimento, já vimos, insurge-se o ora Recorrente.

O Tribunal não reconheceu razão ao Impugnante e, embora com fundamentação não inteiramente coincidente com aquela que foi avançada pela AT, julgou improcedente o apontado vício de “violação do princípio da verdade material e do princípio da audiência dos interessados antes da decisão final proferida no relatório de inspecção”.

Para assim concluir o Mmo. Juiz alinhou o discurso argumentativo que, em parte, se transcreve seguidamente:

“(…) Portanto, considera o impugnante que Administração Tributária deveria ter inquirido as duas testemunhas por si arroladas em sede de audiência prévia, destinada a comprovar os factos por si invocados. Porém, como se constata pela análise do exercício do direito de audição quanto à proposta do relatório de inspecção, o impugnante não indica em concreto quais são os factos que entende serem susceptíveis de prova testemunhal, ou seja, não concretiza qual a factualidade relativamente à qual devia ser produzida prova testemunhal.

É certo que, como resulta do probatório, o aqui impugnante exerceu o direito de audição questionando o entendimento da inspecção tributária quanto ao tratamento dado à factura 2194 D, contabilizadas na conta 6….. como despesas de conservação e reparação, discordando que se tratem de bens de uso duradouro pois a maioria das peças ali descritas são sujeitas ao desgaste do uso, com substituição previsível na campanha seguinte, uma vez que tais peças funcionam e interagem com água e com adubos líquidos altamente corrosivos, e, por isso, calcinam e entopem com frequência. Por outro lado alega que os componentes de maior valor constantes de tal factura são componentes eléctricos, que não aumenta a vida útil do pivot nem produz qualquer alteração à sua capacidade, sendo que sem a substituição destas peças o "pivot" não funciona.

No entanto, a despesa em causa foi alvo de um projecto de investimento financiado pelo IFADAP, pelo que a qualificação e contabilização dos bens descritos na sobredita factura, que se reconduz a saber se tais bens constituem ou não despesas de conservação e reparação ou bens susceptíveis de integrar o activo imobilizado, é questão de direito e, enquanto tal, não sujeita a qualquer prova.

O impugnante questiona também o entendimento da inspecção tributária sobre os encargos com prestação de serviços de vala e a sua contabilização como bens do activo imobilizado como o código 0140, uma vez que está em causa apenas uma limpeza de vala, um trabalho de conservação e manutenção duma estrutura já existente e não de aquisição ou construção duma nova estrutura.

No entanto, também neste particular, segundo o entendimento do relatório inspectivo, a limpeza de uma vala de 1 metro de profundidade por 2 metros de largura não é, por regra, um trabalho de drenagem e/ou de defesa contra inundações que necessite de ser efectuado anualmente e que, por isso, a contabilização dessa despesa se esgote num único exercício, sendo certo que o impugnante, no exercício do seu direito de audição, não especifica quais os factos que pretende ver provados através da inquirição das testemunhas.

Neste contexto, apesar de o direito consagrado no art.º 60.º da LGT dever ser entendido em sentido amplo, isto é, o contribuinte tem direito não só a ser ouvido sobre o projecto de decisão da AT, pronunciando-se sobre os seus fundamentos de facto e de direito, como a apresentar os elementos probatórios admissíveis em direito (cfr. art.º 72.º da LGT) e poder arrolar testemunhas, como, efectivamente, fez, deveria ter concretizado no seu direito de audição qual a factualidade que se propunha provar por prova testemunhal a fim da inspecção tributária aquilatar da necessidade da sua audição atento o principio da descoberta da verdade material a que se encontra vinculada.

Com efeito, tal como em processo judicial tributário, onde o juiz não está obrigado a produzir a prova que julgue irrelevante para a decisão, também no âmbito do procedimento tributário o órgão instrutor não está obrigado a ouvir testemunhas cujo depoimento seja considerado irrelevante para a decisão.

Daí que a AT na falta da indicação dos elementos aptos à prova da matéria do projecto de decisão tenha desconsiderado os depoimentos das testemunhas arroladas.

Acresce ao referido que o direito do interessado na participação da formação do acto de que é destinatário só será verdadeiramente violado se através dessa participação houver a possibilidade de, quer pelos esclarecimentos prestados, quer pelo chamamento da atenção de certos aspectos de facto e de direito, influenciar a decisão a proferir.

Na verdade, apesar do princípio da audiência prévia ser, como acima se referiu, uma garantia de defesa dos direitos do contribuinte, situações há em que a preterição dessa formalidade de audiência pode degradar-se em formalidade não essencial e, portanto, ser omitida sem que daí resulte qualquer ilegalidade determinante da anulação do acto.

(…)

Quer dizer, a formalidade da audição degrada-se em não essencial, não sendo, por isso, invalidante da decisão, nos casos em que não tem a probabilidade de influenciar a decisão tomada, o que impõe o aproveitamento do acto.

(…)

E, com efeito, o que se retira da alegação do impugnante, em confronto com o entendimento da Administração Tributária vertido na análise do exercício do direito de audição efectuada no respectivo relatório final é uma divergência na qualificação da contabilização daquele custo que, para o impugnante, será uma despesa de manutenção e conservação e para a inspecção tributária uma aquisição de bens a integrar no activo imobilizado. Daí que, mesmo que se entenda que a audição das testemunhas por parte da Administração Tributária seria relevante para a comprovação de que aquele custo deveria ser contabilizado como despesa de manutenção ou conservação, face à posição que esta assumiu no relatório final, parece-nos clara a conclusão de que esta dispensa da audição de testemunhas foi deliberada porque da mesma, a concretizar-se, não resultaria qualquer alteração de entendimento por parte da AT, ou seja, a produção de tal prova foi considerada irrelevante para a decisão a tomar. Desta forma a falta de audição das testemunhas indicadas pelo oponente haverá de considerar-se como não essencial para a tomada de decisão final.

Face ao exposto, parece-nos, pois, seguro concluir que no caso em apreço não ocorreu a invocada violação quer do principio da descoberta da verdade material quer do principio da audiência dos interessados, pelo que improcede nesta parte a presente impugnação”.

Vejamos, então, tendo presente o disposto nos artigos 60º da LGT e 60º do RCPIT, nos termos dos quais se dispõe que:


Artigo 60º LGT

Princípio da participação


1 - A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:

a) Direito de audição antes da liquidação;

b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições;

c) Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou acto administrativo em matéria fiscal;

d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos, quando não haja lugar a relatório de inspecção; (Redacção dada pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro )

e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária.

2 - É dispensada a audição:

a) No caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe seja favorável;

b) No caso de a liquidação se efectuar oficiosamente, com base em valores objectivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito.

3 - Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais se não tenha pronunciado.

4 - O direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte.

5 - Em qualquer das circunstâncias referidas no n.º 1, para efeitos do exercício do direito de audição, deve a administração tributária comunicar ao sujeito passivo o projecto da decisão e sua fundamentação.

6 - O prazo do exercício oralmente ou por escrito do direito de audição, não pode ser inferior a 8 nem superior a 15 dias.

7 - Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão.


Artigo 60.º RCPIT

Audição prévia


1 - Concluída a prática de actos de inspecção e caso os mesmos possam originar actos tributários ou em matéria tributária desfavoráveis à entidade inspeccionada, esta deve ser notificada no prazo de 10 dias do projecto de conclusões do relatório, com a identificação desses actos e a sua fundamentação.

2 - A notificação deve fixar um prazo entre 10 e 15 dias para a entidade inspeccionada se pronunciar sobre o referido projecto de conclusões.

3 - A entidade inspeccionada pode pronunciar-se por escrito ou oralmente, sendo neste caso as suas declarações reduzidas a termo.

4 - No prazo de 10 dias após a prestação das declarações referidas no número anterior será elaborado o relatório definitivo.

Não suscita dúvidas que a audiência dos interessados destina-se, no essencial, a possibilitar a participação destes nas decisões que lhes digam respeito, o que permite que os mesmos contribuam para o completo esclarecimento dos factos e, nessa medida, para uma decisão mais ponderada e justa.

Assim, em princípio, a omissão da audição dos interessados constitui uma preterição de formalidade legal determinante da anulabilidade do acto. E dizemos em princípio porque podemos considerar situações em que seja manifesto e evidente que a decisão eivada do vício de preterição de audição prévia, só podia, em abstracto, ter o conteúdo que teve em concreto.

Ora, o exercício do direito de audição inclui, não apenas o direito do visado a pronunciar-se sobre todas as questões objecto de procedimento, mas também o seu direito a requerer diligências complementares e a juntar documentos ao processo. É isto que, sem dúvida, resultava expressamente do disposto no artigo 101º, nº3 do CPA (na versão à data em vigor, correspondente ao DL n.º 442/91, de 15 de Novembro), segundo o qual “Na resposta, os interessados podem pronunciar-se sobre as questões que constituem objecto do procedimento, bem como requerer diligências complementares e juntar documentos”. Trata-se, como não sofre dúvidas, em face do artigo 2º, alínea c), da LGT, de legislação subsidiariamente aplicável ao procedimento tributário.

Perante esta possibilidade de requerer diligências complementares, recai sobre a entidade administrativa o dever de as realizar, sempre que, naturalmente, as mesmas se afigurem adequadas e úteis a averiguar o circunstancialismo de facto relevante para a decisão a tomar no procedimento.

Tal adequação e necessidade de realização de diligências complementares deverá ser – e não poderá ser de outra forma, já que é a entidade administrativa que dirige o curso do procedimento – alvo de um juízo de ponderação que, obviamente, culminará na aceitação, ou rejeição, do pedido formulado pelo administrado/ contribuinte.

Com efeito, “mesmo que entenda não dever efectuar as diligências requeridas, a administração tributária deverá pronunciar-se expressamente sobre o pedido da sua realização, se não antes, na decisão final, pois, por força do disposto no art. 107º do CPA, “na decisão final expressa, o órgão competente deve resolver todas as questões pertinentes suscitadas durante o procedimento e que não hajam sido decididas em momento anterior”. Isto é, se for proferida decisão final expressa, há um dever de pronúncia generalizado da administração sobre todas as questões suscitadas pelos interessados, pronúncia essa que, a não ocorrer antes da decisão final, deverá ser nela incluída, o que decorre também do princípio da decisão, enunciado no art. 60º da LGT (deve ler-se, 56º), nos termos do qual “a administração tributária está obrigada a pronunciar-se sobre todos os assuntos da sua competência que lhe sejam apresentados por meio de reclamações, recursos, representações, exposições, queixas ou quaisquer outros meios previstos na lei pelos sujeitos passivos ou quem tiver interesse legítimo” vide, Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, Diogo Leite de Campos e outros, 4ª edição, 2012, Encontro de Escrita, pág. 514.

No mesmo sentido, pode ver-se Mário Esteves de Oliveira e outros, in CPA, Anotado e Comentado, Vol. I, 1ª edição, pág. 546, onde se refere, a propósito da decisão final expressa, que aí devem ser incluídas as “opções que o órgão instrutor tenha revelado – seja qual for o grau da sua convicção – em matéria de existência, selecção e comprovação de factos relevantes ou de interpretação e aplicação do direito”, desde que não tenha ocorrido anteriormente uma tomada de decisão expressa.

E, na verdade, a não ser assim – entenda-se, ao não se exigir uma tomada de posição expressa sobre as diligências requeridas – facilmente a possibilidade que era concedida pelo artigo 101º, nº1 do CPA redundaria em letra morta, olimpicamente ignorada pela Administração. Neste sentido, veja-se o acórdão do STA, de 01/03/01, recurso nº 45897, em cujo sumário se pode ler que “I - A Administração não está obrigada a realizar todas as diligências de prova que o interessado requeira na fase de audiência prévia, transformando esta numa reabertura da instrução. II - Mas não as poderá omitir sem se pronunciar sobre o pedido que o interessado formule nesse sentido, justificando sumariamente o indeferimento - sob pena de inaceitável degradação da faculdade conferida pelo art. 101º, nº 3, do CPA”.

Ora, no caso concreto, já vimos, os serviços de inspecção tributária não se pronunciaram no sentido de deferir, ou indeferir, as diligências de prova requeridas, ou seja, inexiste, no caso, qualquer tomada de posição reveladora de um juízo de ponderação sobre a utilidade da realização da diligência requerida.

O que a AT fez, no caso – e, adiante-se, em termos que, para este Tribunal, não são aceitáveis – foi imputar ao contribuinte a responsabilidade pela não audição das testemunhas por o mesmo não se apresentar, como podia, a exercer o direito de audição oralmente, aí se fazendo acompanhar das pessoas cujo depoimento pretendia que fosse prestado.

Como é evidente, esta não é uma actuação aceitável e traduz, a nosso ver, uma manifesta violação do conteúdo do direito de audição, na sua vertente de direito dos interessados a requererem a realização de diligências complementares.

Por um lado, como já se deixou dito, a AT não está obrigada a realizar todas e quaisquer diligências que lhe são pedidas. Contudo, a não realização das mesmas obriga à ponderação, face às questões a decidir e à matéria controvertida, sobre a adequação e utilidade da realização das mesmas. Este juízo cabe inegavelmente à AT e não ao contribuinte/ administrado.

Por outro lado, não é o contribuinte que conhece a organização interna dos serviços administrativos para saber do momento e das condições adequadas à realização de determinadas diligências de prova, em concreto a audição e recolha de depoimentos de testemunhas.

No caso concreto, deve dizer-se que, lendo as alegações correspondentes ao direito de audição, não era de afastar, ab initio, a utilidade dos depoimentos em causa, já que, como se percebe, na discussão sobre a natureza dos encargos titulados pelas facturas nºs 2194D e 9 – custos do exercício relativos a despesas de conservação e reparação ou encargos com bens de uso duradouro, integrantes do activo imobilizado – e, até, pela especificidade do caso, o conhecimento das testemunhas poderia ajudar a esclarecer, além do mais – como, aliás, a sentença não deixou de reconhecer – se as peças descritas na factura 2194 D estão “sujeitas ao desgaste do uso, com substituição previsível na campanha seguinte, uma vez que tais peças funcionam e interagem com água e com adubos líquidos altamente corrosivos, e, por isso, calcinam e entopem com frequência”; se “os componentes de maior valor constantes de tal factura são componentes eléctricos, que não aumenta a vida útil do pivot nem produz qualquer alteração à sua capacidade, sendo que sem a substituição destas peças o "pivot" não funciona”; ou se “está em causa apenas uma limpeza de vala, um trabalho de conservação e manutenção duma estrutura já existente” ou a “aquisição ou construção duma nova estrutura”.

Quer isto dizer, portanto, que, contrariamente ao decidido pelo TAF de Leiria, foi, no caso, preterida, sem qualquer justificação, uma diligência complementar de instrução oportunamente requerida pelo contribuinte inspeccionado, a qual se afigurava útil e adequada para o esclarecimento das questões em análise em sede inspectiva (o direito de audição versou, aliás, sobre todas as correcções propostas), o que consubstancia uma violação do direito de audição prévia à conclusão do relatório de inspecção, a inquinar os actos tributários de liquidação adicional subsequentes.

Sem prejuízo daquilo que ficou dito, justificam-se os seguintes dois esclarecimentos adicionais, tendo em conta o que foi considerado na sentença e que atrás deixámos transcrito.

Em primeiro lugar, este Tribunal não acompanha o entendimento do Mmo. Juiz a quo quando põe em evidência, para justificar a actuação da AT, o facto de o contribuinte não ter, desde logo, indicado “em concreto quais são os factos que entende serem susceptíveis de prova testemunhal, ou seja, não concretiza qual a factualidade relativamente à qual devia ser produzida prova testemunhal”, já que tal não corresponde a qualquer obrigação legal, nem a sua falta impedia a AT de aprender, no caso, o alcance da prova pretendida ou de pedir esclarecimentos caso os entendesse necessários.

Em segundo lugar, importa deixar claro que, no caso sub judice, não é possível levar tão longe o princípio do aproveitamento do acto para daí concluir que, independentemente da violação em concreto do direito de audição, o conteúdo do acto nunca seria diferente daquele que veio a ser proferido. Trata-se de uma conclusão que, no caso, não é segura, sendo certo que “tendo em conta que a audiência prévia dos interessados não é um mero rito procedimental, a formalidade em causa (essencial) só se podia degradar em não essencial (não invalidante da decisão) se essa audiência não tivesse a mínima probabilidade de influenciar a decisão tomada, e se se impusesse, por isso, o aproveitamento do acto – utile per inutile non viciatur” (cfr. acórdão do Pleno STA, de 22/01/14, proferido no processo nº 441/13).

No caso, pode e deve considerar-se que a natureza dos apontados encargos não se apresenta como algo com um conteúdo pré-determinado e indiscutível, relativamente aos quais não haja zonas cinzentas ou de fronteira e cujo concreto circunstancialismo de facto (tipo de peças, contexto da sua utilização, entre outros aspectos) possa ditar um, ou outro, enquadramento.

É, precisamente, o enfoque no caso concreto que nos leva a concluir que não podia dar-se por seguro, como entendeu o TAF de Leiria, que o exercício do direito de audiência não teria qualquer influência no conteúdo do acto de liquidação, seja na quantificação da matéria tributável, seja relativamente a outras questões de facto e de direito aptas a influir no acto final do procedimento.

Concluímos, pois, que não estamos perante uma situação em que se demonstra que, mesmo sem ter sido cabalmente cumprida a formalidade correspondente ao direito de audição, a decisão final do procedimento – leia-se, o acto tributário de liquidação adicional - não poderia ser diferente.

E, assim sendo, como entendemos que é, não havia que aplicar, contrariamente ao que concluiu o Mmo. Juíz a quo, o princípio do aproveitamento dos actos administrativos.

Tal equivale a dizer que, por violação do direito de audição, as liquidações impugnadas – como já antes fomos adiantando - teriam que ser anuladas, o que não se verificou.

O que vem de se dizer é o suficiente para, concedendo provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, em conformidade, julgar a impugnação procedente e anular as liquidações adicionais de IRS, dos anos de 2002 e 2003, na parte em que foram objecto de recurso.

Face ao que ficou decido, quanto à procedência do vício correspondente à violação do direito de audição, na sua vertente de direito dos interessados a requererem a realização de diligências complementares, fica naturalmente prejudicada a apreciação das restantes questões que nos vinham dirigidas e que oportunamente identificámos.


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3 - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em conceder provimento ao recurso e, em consequência:

- revogar a sentença recorrida;

- julgar procedente a impugnação judicial;

- e anular as liquidações impugnadas, na parte em que foram mantidas em 1ª instância.

Custas pela Recorrida, Fazenda Pública, em ambas as instâncias (mas só com taxa de justiça nesta).

Após trânsito, extraia e remeta certidão, com nota de trânsito, à ordem do processo m.i a fls. 255.

Lisboa, 18/04/18


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(Catarina Almeida e Sousa)

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(Lurdes Toscano)

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(Anabela Russo)