Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 06559/13 |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 04/18/2018 |
Relator: | CATARINA ALMEIDA E SOUSA |
Descritores: | DIREITO DE AUDIÇÃO DILIGÊNCIAS COMPLEMENTARES |
Sumário: | I - O exercício do direito de audição inclui, não apenas o direito do visado a pronunciar-se sobre todas as questões objecto de procedimento, mas também o seu direito a requerer diligências complementares e a juntar documentos ao processo. II - Perante esta possibilidade de requerer diligências complementares, recai sobre a entidade administrativa o dever de as realizar, sempre que, naturalmente, as mesmas se afigurem adequadas e úteis a averiguar o circunstancialismo de facto relevante para a decisão a tomar no procedimento. III - Mesmo que entenda não dever efectuar as diligências requeridas, a administração tributária deverá pronunciar-se expressamente sobre o pedido da sua realização, se não antes, na decisão final. |
Aditamento: |
1 |
Decisão Texto Integral: | 1 – RELATÓRIO
M…., inconformado com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial por si deduzida, anulando a liquidação adicional de IRS respeitante ao ano de 2002, na parte relativa à não aceitação do custo com o pagamento da Contribuição Autárquica e juros de mora, mas mantendo no mais a decisão de indeferimento proferida no recurso hierárquico apresentado contra a reclamação graciosa referente ao IRS dos anos de 2002 e 2003, vem dela interpor o presente recurso jurisdicional. Nas suas alegações o Recorrente expende, a final, o seguinte quadro conclusivo (cuja numeração se corrige face ao lapso de escrita): “1 - Por serem relevantes para a decisão da causa e por resultarem provados dos documentos constantes dos autos devem ser aditados à matéria de facto provada os seguintes factos: -O impugnante pagou à I…, lda, o valor de 12.205,53€, conforme factura 2194d de 10-09-2002.(art. 48º da petição inicial). -de tal factura constam nebulizadores, braçadeiras, juntas entre tubos, braçadeiras de manguito, difusor para nebulizador estriado e junta flexível, no valor de 6.878,74€, sem iva; -e consta 3.378,01€ de mão-de-obra especializada, sem impostos; -o conteúdo da factura evidencia um custo unitário dos componentes que varia entre os 0,15 € e os 37,75 € -a fatura nº 9 de 20-01-2003, no valor de 2650,00 € emitida pela Sociedade Agropecuária J…, Lda, refere-se a serviços de limpeza de vala. 2- A conta 62232 do poc, quadro normativo-contabilístico vigente ao tempo dos factos sob a epigrafe "conservação e reparação" incluía " os bens e os serviços destinados à manutenção do activo imobilizado e que não provoquem um aumento do seu custo ou da sua duração". 3 - Como referem os professores de contabilidade do ISCAL e revisores oficiais de contas C… "para que uma benfeitoria (...) Ou uma grande reparação possam ser capitalizados é fundamental que as mesmas conduzam a que benefícios económicos futuros fluam para a empresa, para além do desempenho normal do respetivo bem. Existem várias situações que podem levar ao aumento do dos referidos benefícios, como sejam: -a modificação de um bem de forma a aumentar-lhe a sua vida útil, incluindo um aumento da sua capacidade; -a actualização de parte de uma máquina de modo a obter uma melhoria substancial do seu output»; -a adopção de novos processos de produção que possibilitem uma redução substancial nos custos operacionais previamente estimados" (Contabilidade Financeira, 5ª edição, Publisher Team, 2005, pags. 765-766, negritos nossos). 4 -A AT não alegou, nem provou que se tenha verificado nenhuma destas situações e, pelo contrário, do tipo de elementos constantes das faturas resulta notório que os bens adquiridos não têm a virtualidade de aumentar o desempenho do bem, mas tão só permitir que o mesmo continue a funcionar. 5 - 0s argumentos da AT para sustentar a sua posição foram os de que os bens são de uso duradouro (relativamente ao qual também não fez qualquer prova) e o que que pela aquisição de tais o recorrente candidatou-se e recebeu subsídios do IFADAP. Ora, nenhum destes dois argumentos, mesmo que verdadeiros, seria fundamento para tornar incorreto o registo contabilístico do recorrente. 6 - O enquadramento das faturas 2194d de 10-09-2002 e fatura nº 9 de 20-01-2003 na conta 62232 do POC foi correto sendo ilegais as correções feitas pela AT, no que se refere a tais faturas. 7 - Ainda que assim não fosse, sempre seria ilegal a proposta de correcção por violação do princípio da justiça pois a AT, não corrigiu a favor do impugnante, a liquidação dos anos posteriores, em função das amortizações que, seguindo a tese da AF, caberiam nos anos subsequentes, nem deixou de considerar o subsídio como proveito do exercício na sua totalidade; 8 - Foi ilegal a decisão da AT de não ouvir no âmbito do procedimento inspetivo as testemunhas cuja inquirição o impugnante requereu, pois que entendendo o tribunal que a prova testemunhal poderia ser e levante para convencer o tribunal da veracidade o alegado, não pode, a nosso ver, considerar irrelevante a produção de tal prova no âmbito do procedimento inspectivo com o fundamento de que tal prova seria insuscetível de ter influência na decisão da AT, uma vez que também a administração está vinculada à apreciação dos factos e do direito nas suas decisões. 9 - Por outro lado, salvo o muito devido respeito, também não colhe o argumento da decisão recorrida quando esta sustenta o bem fundado da posição da AT de não ouvir as testemunhas na circunstância de no requerimento se não especificar a concreta matéria factual sobre que iria incidir a inquirição, por um lado porque, não foi esse o fundamento da a posição da AT, e por outro, porque em nenhuma norma é imposto o dever ao contribuinte de proceder a tal especificação, nem tal dever existe em processo judicial tributário e mesmo que assim não fosse, caso a AT não presumisse tratar-se de toda a matéria de facto alegada sempre poderia convidar o contribuinte a proceder a tal especificação, sob pena de desproporcionalidade da medida, pelo que, foram assim violados também o princípio da verdade material e o princípio da audiência dos interessados antes da decisão final. Foram violados os artigos 17º, nº 1 e 28º, nº 1 do CIRC, a norma contabilística em que se consubstancia a conta nº 62232 constante da Plano Oficial de Contabilidade, vigente ao tempo dos factos tributários em causa, o princípio da justiça consagrado no art. 55º da LGT e 266º da CRP e ainda o art. 60º da LGT (direito de audição prévia) e o art. 6º do Regime Complementar do Processo de Inspeção Tributária (princípio da verdade material).” * Não foram apresentadas contra-alegações. * A Exma. Magistrada do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu Parecer onde concluiu no sentido da improcedência do recurso. * Colhidos os vistos, vem o processo submetido à Secção de Contencioso Tributário para julgamento dos recursos. * 2 - FUNDAMENTAÇÃO 2.1. De facto É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida: “Factos Provados Com interesse para a apreciação da causa, consideram-se provados pelos documentos constantes dos autos os seguintes factos: A) Em 4 de Abril de 2006, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de … elaboraram relatório da acção de inspecção efectuada aos sujeitos passivos M… e L…, relativa aos exercícios de 2002 e 2003, onde, além do mais, consta o seguinte:“I – CONCLUSÕES DA ACÇÃO INSPECTIVA 1– Exercício de 2002 1.1– IRS 2– Exercício de 2003 2.1– IRS II – OBJECTIVOS, ÂMBITO E EXTENSÃO DA ACÇÃO INSPECTIVA 1 – Credencial e período em que decorreu a acção 2 – Motivo, âmbito e incidência temporal 3– Outras situações 3.1– Caracterização do sujeito passivo 3.1.1– Actividade desenvolvida 3.1.2– Enquadramento fiscal e regularidade da escrita III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA COLECTÁVEL 1– Em sede de IRS 1.1– Análise das contas de compras, custos e proveitos Da acção inspectiva efectuada ao sujeito passivo “MANUEL ...”, relativamente aos exercícios de 2002 e 2003, resultaram correcções técnicas, descritas no capítulo III, as quais ascenderam a:
Em face das correcções técnicas propostas, o resultado tributável apresentado pelo sujeito passivo no exercício de 2002, passa de 14.175,32 € para 24.109,40 € (14.175,32 € + 9.934,08 €).
Na sequência das correcções propostas para o exercício de 2003, o lucro tributável do sujeito passivo passou de 25.020,02 € para 26.009,51 € (25.020,02 € + 989,49 €). III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS Á MATÉRIA COLECTÁVEL O sujeito passivo contabilizou na conta … – Deslocações e Estadas, vários custos com o pagamento de refeições, os quais se verificou pela análise efectuada aos documentos de suporte emitidos pelos prestadores de serviços (facturas ou vendas a dinheiro), quer pelas quantias totais, quer pela descrição do número de refeições que os mesmos dizem respeito a mais do que uma refeição (2, 3, 4, 5, 6, 8). Segundo a definição do POC a conta … – Deslocações e Estadas compreende os gastos com o transporte do pessoal com natureza eventual, os de alojamento e alimentação fora do local de trabalho. Verificou-se por outro lado que o único trabalhador da empresa recebeu subsidio de refeição. Assim, relativamente aos funcionários que recebem subsidio de alimentação, só são aceites encargos com refeições quando estes se deslocam para fora do local de trabalho e bem assim, nos dias em que isso acontece não têm direito a receber o subsidio de alimentação, o que não aconteceu. Se as facturas ou vendas a dinheiro emitidas pelos prestadores dos serviços se referissem a despesas de alimentação do sujeito passivo da sua descrição constaria “uma refeição” e não duas, três, quatro, cinco e onze refeições como pudemos constatar. Pressupõe-se assim que os referidos encargos no total de 3.075,01 € (ver anexo 1), são referentes a encargos suportados com refeições pagas pelo sujeito passivo a clientes e/ou a fornecedores, pelo que deveriam ter sido consideradas despesas de representação e sujeitos a tributação autónoma à taxa de 6 % nos termos do art.º 73.º, n.º 2 do CIRC. Assim, o referido valor será acrescido no campo 1002 do quadro 10 do Anexo C da Declaração Mod. 3. O imposto a tributar autonomamente é 184,50 € (3.075,00 € x 6 %).
Em face das correcções técnicas propostas, o resultado fiscal apresentado pelo sujeito passivo no exercício de 2002 passa de 14.175,32 € para 24.109,40 € (14.175,32 € 9.934,08 €). 1.1.2.2- Amortizações referentes à aquisição de bens do imobilizado contabilizados indevidamente como despesas com conservação e reparação em 2002. 1.1.2.4- Total das correcções técnicas
Em face das correcções propostas o resultado fiscal apresentado pelo sujeito passivo passa de 25.020,02 € para 26.009,51 € (25.020,02 € + 989,49 €). Da verificação efectuada aos documentos emitidos pelo sujeito passivo com IVA Liquidado, nomeadamente no que se refere à correcta aplicação das taxas do imposto, assim como à concordância dos valores contabilizados com os declarados, não foram detectados quaisquer factos passíveis de correcção. 1 As transmissões de animais efectuadas pelo sujeito passivo no exercício de 2002, à empresa “Sociedade A…, Lda." e no exercício de 2003 às empresas "Sociedade Agricola A… & C…, Lda.", "Sociedade Agrícola M… & M…, Lda." e "Sociedade Agrícola Q…, Lda." não serão anuladas, dado que se considera que, efectivamente os animais foram vendidos ao senhor A…. Assim ao resultado fiscal declarado pelo senhor A… nos exercícios de 2002 e 2003, será deduzido o montante das referidas compras. 7. De acordo com o art.º 58.º do CIRC, é pressuposto da correcção da matéria tributável que: a) existam relações especiais entre o contribuinte e uma entidade sujeita ou não ao regime do IRC; 17. É curial concluir que na verdade as prorrogações não tiveram por motivo a existência de relações económicas entre o SP e empresas de que é sócio-gerente. O sujeito passivo afirma que "as facturas de refeições consistem em refeições do empresário e dos seus colaboradores quando deslocados em serviço". B) C) Na mesma data a Direcção Geral dos Impostos emitiu em nome de M… e L…, a liquidação oficiosa de lRS n.º …, respeitante ao ano de 2003, no valor de € 2.508,19. – (cfr. doc. de fls. 16 do processo administrativo apenso).D) Em 09 de Outubro de 2006, o impugnante deduziu reclamação graciosa das liquidações mencionadas nas alíneas anteriores. - ( cfr. fls. 139 e segs. do processo administrativo apenso).E) Em 29 de Novembro de 2006 o Chefe do serviço de Finanças de S… proferiu despacho de indeferimento da reclamação graciosa indicada na alínea anterior. – (cfr. doc. de fls. 81 do processo administrativo apenso).F) Em 29 de Dezembro de 2006, o impugnante deduziu recurso hierárquico da decisão mencionada na alínea anterior. – (cfr fis. 2 a 13 do processo administrativo apenso)G) Em 14 de Novembro de 2007 a Directora da Direcção de Serviços do IRS proferiu decisão de indeferimento do recurso hierárquico referido em X), conforme consta de fls. 36 a 47 do processo administrativo apenso.H) Em 21 de Fevereiro de 2008 deu entrada neste TAF a presente impugnação judicial. – (cfr. carimbo aposto na folha de rosto da petição inicial).***
Factos não provados Dos factos, com interesse para a decisão da causa, constantes dos presentes autos, todos objecto de análise concreta, não se provaram quaisquer outros passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito e que importe registar como não provados. A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, conforme se refere a propósito de cada uma das alíneas do probatório.” * 2.2. De direito
Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer. Assim sendo, atento o teor das conclusões transcritas, temos que a primeira questão aqui suscitada respeita à impugnação da matéria de facto – conclusão 1). Com efeito, pretende o Recorrente que este Tribunal adite à matéria de facto o seguinte: “ (i) -O impugnante pagou à I…, Lda, o valor de 12.205,53€, conforme factura 2194d de 10-09-2002.(art. 48º da petição inicial). (ii) - de tal factura constam nebulizadores, braçadeiras, juntas entre tubos, braçadeiras de manguito, difusor para nebulizador estriado e junta flexível, no valor de 6.878,74€, sem iva; (iii) - e consta 3.378,01€ de mão-de-obra especializada, sem impostos; (iv) -o conteúdo da factura evidencia um custo unitário dos componentes que varia entre os 0,15 € e os 37,75 € (v) - a fatura nº 9 de 20-01-2003, no valor de 2650,00 € emitida pela Sociedade Agropecuária J…, Lda, refere-se a serviços de limpeza de vala”. Refere o Recorrente, na alegação recursória, que os documentos em causa – factura nº 2194d, de 10-09-2002, e factura nº 9, de 20-01-2003 – constam do anexo 3 do RIT. Vejamos, então, desde já se esclarecendo que o anexo 3 do RIT é composto apenas pela factura 2194d, de 10-09-2002, e que a factura nº 9, de 20-01-2003, não consta dos autos (apesar de ser mencionada no relatório de inspecção). Quanto ao ponto (i) supra, deve dizer-se que o pagamento da factura não é matéria controvertida nos autos, sendo aspecto que não assume, em concreto, qualquer utilidade para a decisão da causa. Assim sendo, é desprovido de sentido aditar ao probatório o facto correspondente ao efectivo pagamento da factura. Já relativamente aos restantes aspectos – pontos ii), iii) e iv) – entende-se que há utilidade no seu aditamento, já que, precisamente, uma das correcções efectuadas e contestadas prende-se com a natureza dos bens adquiridos e contabilizados com base na dita factura nº 2194d, de 10-09-2002. Quanto ao ponto v), dissemos já que inexiste qualquer documento nos autos, concretamente no anexo 3 do RIT, correspondente à factura nº 9 de 2003. De todo o modo, sempre se dirá que no RIT tal factura é especificamente identificada, aí se fazendo expressa menção à descrição da factura, ao seu valor e ao respectivo emitente, ou seja, a todos os elementos que o Recorrente pretendia ver contemplados com o aditamento do facto por ele identificado em v). Assim sendo, considerando o que vem dito, adita-se ao probatório a seguinte factualidade: I) Em 10/10/02, a I… emitiu ao cliente M… a factura nº 2194 D, no valor total de € 12.205,53, a qual inclui IVA no montante de € 1. 948.78, em cuja descrição constam diversos nebulizadores, braçadeiras, juntas entre tubos, braçadeiras de manguito, difusor para nebulizador estriado, junta flexível, porcas, parafusos e chapas de braçadeiras, cujo valor unitário varia entre € 0,15 e € 37,75 e, bem assim, mão-de-obra especializada e deslocações – cfr. factura com cópia junta a fls. 45 do PAT/ impugnação judicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). * Estabilizada a matéria de facto, importa avançar. Prosseguindo na análise, surpreendem-se três outras questões a apreciar neste recurso. Uma primeira, a que se referem as conclusões 2 a 6; uma segunda, a que se refere a conclusão 7; uma terceira, a que respeitam as conclusões 8 e 9. Na primeira, o Recorrente manifesta a sua discordância relativamente à sentença na parte em que aí se aceitou a correcção efectuada pela AT, quanto à contabilização das facturas nºs 2194d, de 10-09-2002, e 9, de 20-01-2003, ou seja, a questão de saber se tais encargos correspondem a despesas de reparação e conservação ou, antes, a aquisições relativas ao activo imobilizado, sujeitos a amortização anual de 12,5%. Na segunda, o Recorrente insurge-se contra o entendimento defendido na sentença que determinou o Tribunal a quo a julgar não verificada, no caso, “a violação do princípio da justiça, quanto aos actos de liquidação dos anos de 2002 e 2003”. Na terceira, o Recorrente insurge-se contra o entendimento constante da sentença quanto à não violação, in casu, do direito de audição (e do princípio da verdade material), concretamente quanto à desconsideração do requerimento de prova (testemunhal) formulado aquando da participação do contribuinte no âmbito do procedimento inspectivo. Ora, não obstante a ordem pela qual as questões vêm suscitadas no presente recurso jurisdicional – ordem essa, aliás, que segue a linha de análise proposta na sentença – entende-se que, no caso, se justifica que este Tribunal inicie a análise pela questão a que correspondem as conclusões 8 e 9. Tal inversão na ordem de apreciação explica-se facilmente. É que, como está bem de ver, o vício do procedimento, a que se reportam as referidas conclusões, a proceder, inquina a totalidade dos actos tributários de liquidação consequentes, ao passo que as outras questões respeitam as particulares correcções que, por isso, apenas contendem com partes (determinadas) dos actos de liquidação emitidos. Assim, por questões de coerência e a fim de evitar análises inúteis, passa a apreciar-se, em primeiro lugar, a questão correspondente às conclusões 8 e 9 da alegação de recurso. * Vejamos, então, o que se nos oferece dizer a este propósito, lembrando que segundo o Recorrente “foi ilegal a decisão da AT de não ouvir no âmbito do procedimento inspetivo as testemunhas cuja inquirição o impugnante requereu, pois que entendendo o tribunal que a prova testemunhal poderia ser relevante para convencer o tribunal da veracidade o alegado, não pode, a nosso ver, considerar irrelevante a produção de tal prova no âmbito do procedimento inspectivo com o fundamento de que tal prova seria insuscetível de ter influência na decisão da AT, uma vez que também a administração está vinculada à apreciação dos factos e do direito nas suas decisões”. Por outro lado, segundo o Recorrente, “também não colhe o argumento da decisão recorrida quando esta sustenta o bem fundado da posição da AT de não ouvir as testemunhas na circunstância de no requerimento se não especificar a concreta matéria factual sobre que iria incidir a inquirição, por um lado porque, não foi esse o fundamento da posição da AT, e por outro, porque em nenhuma norma é imposto o dever ao contribuinte de proceder a tal especificação, nem tal dever existe em processo judicial tributário e mesmo que assim não fosse, caso a AT não presumisse tratar-se de toda a matéria de facto alegada sempre poderia convidar o contribuinte a proceder a tal especificação, sob pena de desproporcionalidade da medida”. Relembremos os factos. Tal como resulta da leitura da alínea A) dos factos provados (vide, ponto IX do RIT, aí transcrito), bem se percebe que, com a notificação do projecto de relatório de inspecção, o contribuinte, ora Recorrente, foi notificado para exercer o direito de audição prévia ao relatório final. Tratou-se, obviamente, do cumprimento das normas constantes do artigo 60º da LGT e do artigo 60º do RCPIT. Como resulta da mesma alínea A) do probatório, dúvidas não restam que o contribuinte, aqui Recorrente, oportunamente exerceu o direito de audição, por escrito, tendo, além do mais, aí requerido a inquirição de duas testemunhas. Com efeito, lê-se no RIT, no que para aqui releva, o seguinte: “(…) IX - DIREITO DE AUDIÇAO~ FUNDAMENTAÇÃO Tendo sido notificado o sujeito passivo para exercer o direito de audição sobre o Projecto de Relatório de Inspecção Tributária, nos termos do artigo 60.º da LGT e artigo 60.º do RCPIT, o mesmo exerceu-o em 06/03/2006, tendo-se pronunciado por escrito. Transcreve-se de seguida as alegações do sujeito passivo, seguidas do nosso entendimento, por tipo de correcção não aceite pelo mesmo: (…) Nos termos do art.º 104.º do CPA, aplicável ao procedimento de inspecção, mesmo após o exercício do direito de audição, poderão ser efectuadas as diligências complementares que se mostrem convenientes, seja oficiosamente seja a pedido dos interessados (Neste sentido, Martins Alfaro, Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, Comentado e Anotado, Areas Editores, 2003, pag. 422) Pelo que, nesta conformidade, o inspeccionado solicita a inquirição das seguintes pessoas, que têm conhecimento dos factos: 1. J…., casado, residente na rua do F….. 2. A…, casado, residente em.... Quanto aos argumentos apresentados pelo sujeito passivo no direito de audição e anteriormente transcritos, irá de seguida proceder-se à sua análise: (…) (…) Ponto V (diligências complementares) O sujeito passivo foi notificado através do nosso oficio n.º 2 892, de 09/03/2006 do Projecto de Relatório, nos termos do artigo 60.º da Lei Geral Tributária e artigo 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, para efectuar, querendo, o exercício do direito de audição, por escrito ou oralmente, tendo sido concedido o prazo máximo previsto de 15 dias. Ora, durante o prazo concedido o sujeito passivo poderia ter-se apresentado para uma audição oral, inclusive com as testemunhas que agora indicou, cujas declarações seriam lavradas em termo de declarações, em complemento às suas próprias alegações que entregou por escrito. Conclusão Em face do exposto serão de manter todas as conclusões, e consequentes correcções, descritas no Projecto de Relatório. (…).”. Temos, pois, que a AT não ouviu as testemunhas indicadas pelo contribuinte aquando do exercício do direito de audição, por, segundo se retira do relatório transcrito, entender que poderia o sujeito passivo, no prazo concedido, ter exercido oralmente tal direito, aí se apresentando com as testemunhas que pretendia que fossem ouvidas. Contra tal entendimento, já vimos, insurge-se o ora Recorrente. O Tribunal não reconheceu razão ao Impugnante e, embora com fundamentação não inteiramente coincidente com aquela que foi avançada pela AT, julgou improcedente o apontado vício de “violação do princípio da verdade material e do princípio da audiência dos interessados antes da decisão final proferida no relatório de inspecção”. Para assim concluir o Mmo. Juiz alinhou o discurso argumentativo que, em parte, se transcreve seguidamente: “(…) Portanto, considera o impugnante que Administração Tributária deveria ter inquirido as duas testemunhas por si arroladas em sede de audiência prévia, destinada a comprovar os factos por si invocados. Porém, como se constata pela análise do exercício do direito de audição quanto à proposta do relatório de inspecção, o impugnante não indica em concreto quais são os factos que entende serem susceptíveis de prova testemunhal, ou seja, não concretiza qual a factualidade relativamente à qual devia ser produzida prova testemunhal. É certo que, como resulta do probatório, o aqui impugnante exerceu o direito de audição questionando o entendimento da inspecção tributária quanto ao tratamento dado à factura 2194 D, contabilizadas na conta 6….. como despesas de conservação e reparação, discordando que se tratem de bens de uso duradouro pois a maioria das peças ali descritas são sujeitas ao desgaste do uso, com substituição previsível na campanha seguinte, uma vez que tais peças funcionam e interagem com água e com adubos líquidos altamente corrosivos, e, por isso, calcinam e entopem com frequência. Por outro lado alega que os componentes de maior valor constantes de tal factura são componentes eléctricos, que não aumenta a vida útil do pivot nem produz qualquer alteração à sua capacidade, sendo que sem a substituição destas peças o "pivot" não funciona. No entanto, a despesa em causa foi alvo de um projecto de investimento financiado pelo IFADAP, pelo que a qualificação e contabilização dos bens descritos na sobredita factura, que se reconduz a saber se tais bens constituem ou não despesas de conservação e reparação ou bens susceptíveis de integrar o activo imobilizado, é questão de direito e, enquanto tal, não sujeita a qualquer prova. O impugnante questiona também o entendimento da inspecção tributária sobre os encargos com prestação de serviços de vala e a sua contabilização como bens do activo imobilizado como o código 0140, uma vez que está em causa apenas uma limpeza de vala, um trabalho de conservação e manutenção duma estrutura já existente e não de aquisição ou construção duma nova estrutura. No entanto, também neste particular, segundo o entendimento do relatório inspectivo, a limpeza de uma vala de 1 metro de profundidade por 2 metros de largura não é, por regra, um trabalho de drenagem e/ou de defesa contra inundações que necessite de ser efectuado anualmente e que, por isso, a contabilização dessa despesa se esgote num único exercício, sendo certo que o impugnante, no exercício do seu direito de audição, não especifica quais os factos que pretende ver provados através da inquirição das testemunhas. Neste contexto, apesar de o direito consagrado no art.º 60.º da LGT dever ser entendido em sentido amplo, isto é, o contribuinte tem direito não só a ser ouvido sobre o projecto de decisão da AT, pronunciando-se sobre os seus fundamentos de facto e de direito, como a apresentar os elementos probatórios admissíveis em direito (cfr. art.º 72.º da LGT) e poder arrolar testemunhas, como, efectivamente, fez, deveria ter concretizado no seu direito de audição qual a factualidade que se propunha provar por prova testemunhal a fim da inspecção tributária aquilatar da necessidade da sua audição atento o principio da descoberta da verdade material a que se encontra vinculada. Com efeito, tal como em processo judicial tributário, onde o juiz não está obrigado a produzir a prova que julgue irrelevante para a decisão, também no âmbito do procedimento tributário o órgão instrutor não está obrigado a ouvir testemunhas cujo depoimento seja considerado irrelevante para a decisão. Daí que a AT na falta da indicação dos elementos aptos à prova da matéria do projecto de decisão tenha desconsiderado os depoimentos das testemunhas arroladas. Acresce ao referido que o direito do interessado na participação da formação do acto de que é destinatário só será verdadeiramente violado se através dessa participação houver a possibilidade de, quer pelos esclarecimentos prestados, quer pelo chamamento da atenção de certos aspectos de facto e de direito, influenciar a decisão a proferir. Na verdade, apesar do princípio da audiência prévia ser, como acima se referiu, uma garantia de defesa dos direitos do contribuinte, situações há em que a preterição dessa formalidade de audiência pode degradar-se em formalidade não essencial e, portanto, ser omitida sem que daí resulte qualquer ilegalidade determinante da anulação do acto. (…) Quer dizer, a formalidade da audição degrada-se em não essencial, não sendo, por isso, invalidante da decisão, nos casos em que não tem a probabilidade de influenciar a decisão tomada, o que impõe o aproveitamento do acto. (…) E, com efeito, o que se retira da alegação do impugnante, em confronto com o entendimento da Administração Tributária vertido na análise do exercício do direito de audição efectuada no respectivo relatório final é uma divergência na qualificação da contabilização daquele custo que, para o impugnante, será uma despesa de manutenção e conservação e para a inspecção tributária uma aquisição de bens a integrar no activo imobilizado. Daí que, mesmo que se entenda que a audição das testemunhas por parte da Administração Tributária seria relevante para a comprovação de que aquele custo deveria ser contabilizado como despesa de manutenção ou conservação, face à posição que esta assumiu no relatório final, parece-nos clara a conclusão de que esta dispensa da audição de testemunhas foi deliberada porque da mesma, a concretizar-se, não resultaria qualquer alteração de entendimento por parte da AT, ou seja, a produção de tal prova foi considerada irrelevante para a decisão a tomar. Desta forma a falta de audição das testemunhas indicadas pelo oponente haverá de considerar-se como não essencial para a tomada de decisão final. Face ao exposto, parece-nos, pois, seguro concluir que no caso em apreço não ocorreu a invocada violação quer do principio da descoberta da verdade material quer do principio da audiência dos interessados, pelo que improcede nesta parte a presente impugnação”.
Vejamos, então, tendo presente o disposto nos artigos 60º da LGT e 60º do RCPIT, nos termos dos quais se dispõe que: Artigo 60º LGT Princípio da participação 1 - A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas: a) Direito de audição antes da liquidação; b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições; c) Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou acto administrativo em matéria fiscal; d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos, quando não haja lugar a relatório de inspecção; (Redacção dada pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro ) e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária. 2 - É dispensada a audição: a) No caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe seja favorável; b) No caso de a liquidação se efectuar oficiosamente, com base em valores objectivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito. 3 - Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais se não tenha pronunciado. 4 - O direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte. 5 - Em qualquer das circunstâncias referidas no n.º 1, para efeitos do exercício do direito de audição, deve a administração tributária comunicar ao sujeito passivo o projecto da decisão e sua fundamentação. 6 - O prazo do exercício oralmente ou por escrito do direito de audição, não pode ser inferior a 8 nem superior a 15 dias. 7 - Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão. Artigo 60.º RCPIT Audição prévia 1 - Concluída a prática de actos de inspecção e caso os mesmos possam originar actos tributários ou em matéria tributária desfavoráveis à entidade inspeccionada, esta deve ser notificada no prazo de 10 dias do projecto de conclusões do relatório, com a identificação desses actos e a sua fundamentação. 2 - A notificação deve fixar um prazo entre 10 e 15 dias para a entidade inspeccionada se pronunciar sobre o referido projecto de conclusões. 3 - A entidade inspeccionada pode pronunciar-se por escrito ou oralmente, sendo neste caso as suas declarações reduzidas a termo. 4 - No prazo de 10 dias após a prestação das declarações referidas no número anterior será elaborado o relatório definitivo. Não suscita dúvidas que a audiência dos interessados destina-se, no essencial, a possibilitar a participação destes nas decisões que lhes digam respeito, o que permite que os mesmos contribuam para o completo esclarecimento dos factos e, nessa medida, para uma decisão mais ponderada e justa. Assim, em princípio, a omissão da audição dos interessados constitui uma preterição de formalidade legal determinante da anulabilidade do acto. E dizemos em princípio porque podemos considerar situações em que seja manifesto e evidente que a decisão eivada do vício de preterição de audição prévia, só podia, em abstracto, ter o conteúdo que teve em concreto. Ora, o exercício do direito de audição inclui, não apenas o direito do visado a pronunciar-se sobre todas as questões objecto de procedimento, mas também o seu direito a requerer diligências complementares e a juntar documentos ao processo. É isto que, sem dúvida, resultava expressamente do disposto no artigo 101º, nº3 do CPA (na versão à data em vigor, correspondente ao DL n.º 442/91, de 15 de Novembro), segundo o qual “Na resposta, os interessados podem pronunciar-se sobre as questões que constituem objecto do procedimento, bem como requerer diligências complementares e juntar documentos”. Trata-se, como não sofre dúvidas, em face do artigo 2º, alínea c), da LGT, de legislação subsidiariamente aplicável ao procedimento tributário. Perante esta possibilidade de requerer diligências complementares, recai sobre a entidade administrativa o dever de as realizar, sempre que, naturalmente, as mesmas se afigurem adequadas e úteis a averiguar o circunstancialismo de facto relevante para a decisão a tomar no procedimento. Tal adequação e necessidade de realização de diligências complementares deverá ser – e não poderá ser de outra forma, já que é a entidade administrativa que dirige o curso do procedimento – alvo de um juízo de ponderação que, obviamente, culminará na aceitação, ou rejeição, do pedido formulado pelo administrado/ contribuinte. Com efeito, “mesmo que entenda não dever efectuar as diligências requeridas, a administração tributária deverá pronunciar-se expressamente sobre o pedido da sua realização, se não antes, na decisão final, pois, por força do disposto no art. 107º do CPA, “na decisão final expressa, o órgão competente deve resolver todas as questões pertinentes suscitadas durante o procedimento e que não hajam sido decididas em momento anterior”. Isto é, se for proferida decisão final expressa, há um dever de pronúncia generalizado da administração sobre todas as questões suscitadas pelos interessados, pronúncia essa que, a não ocorrer antes da decisão final, deverá ser nela incluída, o que decorre também do princípio da decisão, enunciado no art. 60º da LGT (deve ler-se, 56º), nos termos do qual “a administração tributária está obrigada a pronunciar-se sobre todos os assuntos da sua competência que lhe sejam apresentados por meio de reclamações, recursos, representações, exposições, queixas ou quaisquer outros meios previstos na lei pelos sujeitos passivos ou quem tiver interesse legítimo” – vide, Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, Diogo Leite de Campos e outros, 4ª edição, 2012, Encontro de Escrita, pág. 514. No mesmo sentido, pode ver-se Mário Esteves de Oliveira e outros, in CPA, Anotado e Comentado, Vol. I, 1ª edição, pág. 546, onde se refere, a propósito da decisão final expressa, que aí devem ser incluídas as “opções que o órgão instrutor tenha revelado – seja qual for o grau da sua convicção – em matéria de existência, selecção e comprovação de factos relevantes ou de interpretação e aplicação do direito”, desde que não tenha ocorrido anteriormente uma tomada de decisão expressa. E, na verdade, a não ser assim – entenda-se, ao não se exigir uma tomada de posição expressa sobre as diligências requeridas – facilmente a possibilidade que era concedida pelo artigo 101º, nº1 do CPA redundaria em letra morta, olimpicamente ignorada pela Administração. Neste sentido, veja-se o acórdão do STA, de 01/03/01, recurso nº 45897, em cujo sumário se pode ler que “I - A Administração não está obrigada a realizar todas as diligências de prova que o interessado requeira na fase de audiência prévia, transformando esta numa reabertura da instrução. II - Mas não as poderá omitir sem se pronunciar sobre o pedido que o interessado formule nesse sentido, justificando sumariamente o indeferimento - sob pena de inaceitável degradação da faculdade conferida pelo art. 101º, nº 3, do CPA”. Ora, no caso concreto, já vimos, os serviços de inspecção tributária não se pronunciaram no sentido de deferir, ou indeferir, as diligências de prova requeridas, ou seja, inexiste, no caso, qualquer tomada de posição reveladora de um juízo de ponderação sobre a utilidade da realização da diligência requerida. O que a AT fez, no caso – e, adiante-se, em termos que, para este Tribunal, não são aceitáveis – foi imputar ao contribuinte a responsabilidade pela não audição das testemunhas por o mesmo não se apresentar, como podia, a exercer o direito de audição oralmente, aí se fazendo acompanhar das pessoas cujo depoimento pretendia que fosse prestado. Como é evidente, esta não é uma actuação aceitável e traduz, a nosso ver, uma manifesta violação do conteúdo do direito de audição, na sua vertente de direito dos interessados a requererem a realização de diligências complementares. Por um lado, como já se deixou dito, a AT não está obrigada a realizar todas e quaisquer diligências que lhe são pedidas. Contudo, a não realização das mesmas obriga à ponderação, face às questões a decidir e à matéria controvertida, sobre a adequação e utilidade da realização das mesmas. Este juízo cabe inegavelmente à AT e não ao contribuinte/ administrado. Por outro lado, não é o contribuinte que conhece a organização interna dos serviços administrativos para saber do momento e das condições adequadas à realização de determinadas diligências de prova, em concreto a audição e recolha de depoimentos de testemunhas. No caso concreto, deve dizer-se que, lendo as alegações correspondentes ao direito de audição, não era de afastar, ab initio, a utilidade dos depoimentos em causa, já que, como se percebe, na discussão sobre a natureza dos encargos titulados pelas facturas nºs 2194D e 9 – custos do exercício relativos a despesas de conservação e reparação ou encargos com bens de uso duradouro, integrantes do activo imobilizado – e, até, pela especificidade do caso, o conhecimento das testemunhas poderia ajudar a esclarecer, além do mais – como, aliás, a sentença não deixou de reconhecer – se as peças descritas na factura 2194 D estão “sujeitas ao desgaste do uso, com substituição previsível na campanha seguinte, uma vez que tais peças funcionam e interagem com água e com adubos líquidos altamente corrosivos, e, por isso, calcinam e entopem com frequência”; se “os componentes de maior valor constantes de tal factura são componentes eléctricos, que não aumenta a vida útil do pivot nem produz qualquer alteração à sua capacidade, sendo que sem a substituição destas peças o "pivot" não funciona”; ou se “está em causa apenas uma limpeza de vala, um trabalho de conservação e manutenção duma estrutura já existente” ou a “aquisição ou construção duma nova estrutura”. Quer isto dizer, portanto, que, contrariamente ao decidido pelo TAF de Leiria, foi, no caso, preterida, sem qualquer justificação, uma diligência complementar de instrução oportunamente requerida pelo contribuinte inspeccionado, a qual se afigurava útil e adequada para o esclarecimento das questões em análise em sede inspectiva (o direito de audição versou, aliás, sobre todas as correcções propostas), o que consubstancia uma violação do direito de audição prévia à conclusão do relatório de inspecção, a inquinar os actos tributários de liquidação adicional subsequentes. Sem prejuízo daquilo que ficou dito, justificam-se os seguintes dois esclarecimentos adicionais, tendo em conta o que foi considerado na sentença e que atrás deixámos transcrito. Em primeiro lugar, este Tribunal não acompanha o entendimento do Mmo. Juiz a quo quando põe em evidência, para justificar a actuação da AT, o facto de o contribuinte não ter, desde logo, indicado “em concreto quais são os factos que entende serem susceptíveis de prova testemunhal, ou seja, não concretiza qual a factualidade relativamente à qual devia ser produzida prova testemunhal”, já que tal não corresponde a qualquer obrigação legal, nem a sua falta impedia a AT de aprender, no caso, o alcance da prova pretendida ou de pedir esclarecimentos caso os entendesse necessários. Em segundo lugar, importa deixar claro que, no caso sub judice, não é possível levar tão longe o princípio do aproveitamento do acto para daí concluir que, independentemente da violação em concreto do direito de audição, o conteúdo do acto nunca seria diferente daquele que veio a ser proferido. Trata-se de uma conclusão que, no caso, não é segura, sendo certo que “tendo em conta que a audiência prévia dos interessados não é um mero rito procedimental, a formalidade em causa (essencial) só se podia degradar em não essencial (não invalidante da decisão) se essa audiência não tivesse a mínima probabilidade de influenciar a decisão tomada, e se se impusesse, por isso, o aproveitamento do acto – utile per inutile non viciatur” (cfr. acórdão do Pleno STA, de 22/01/14, proferido no processo nº 441/13). No caso, pode e deve considerar-se que a natureza dos apontados encargos não se apresenta como algo com um conteúdo pré-determinado e indiscutível, relativamente aos quais não haja zonas cinzentas ou de fronteira e cujo concreto circunstancialismo de facto (tipo de peças, contexto da sua utilização, entre outros aspectos) possa ditar um, ou outro, enquadramento. É, precisamente, o enfoque no caso concreto que nos leva a concluir que não podia dar-se por seguro, como entendeu o TAF de Leiria, que o exercício do direito de audiência não teria qualquer influência no conteúdo do acto de liquidação, seja na quantificação da matéria tributável, seja relativamente a outras questões de facto e de direito aptas a influir no acto final do procedimento. Concluímos, pois, que não estamos perante uma situação em que se demonstra que, mesmo sem ter sido cabalmente cumprida a formalidade correspondente ao direito de audição, a decisão final do procedimento – leia-se, o acto tributário de liquidação adicional - não poderia ser diferente. E, assim sendo, como entendemos que é, não havia que aplicar, contrariamente ao que concluiu o Mmo. Juíz a quo, o princípio do aproveitamento dos actos administrativos. Tal equivale a dizer que, por violação do direito de audição, as liquidações impugnadas – como já antes fomos adiantando - teriam que ser anuladas, o que não se verificou. O que vem de se dizer é o suficiente para, concedendo provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, em conformidade, julgar a impugnação procedente e anular as liquidações adicionais de IRS, dos anos de 2002 e 2003, na parte em que foram objecto de recurso. Face ao que ficou decido, quanto à procedência do vício correspondente à violação do direito de audição, na sua vertente de direito dos interessados a requererem a realização de diligências complementares, fica naturalmente prejudicada a apreciação das restantes questões que nos vinham dirigidas e que oportunamente identificámos. * 3 - DECISÃO
Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em conceder provimento ao recurso e, em consequência: - revogar a sentença recorrida; - julgar procedente a impugnação judicial; - e anular as liquidações impugnadas, na parte em que foram mantidas em 1ª instância. Custas pela Recorrida, Fazenda Pública, em ambas as instâncias (mas só com taxa de justiça nesta). Após trânsito, extraia e remeta certidão, com nota de trânsito, à ordem do processo m.i a fls. 255. Lisboa, 18/04/18 *
__________________________ (Catarina Almeida e Sousa)
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(Lurdes Toscano)
_________________________ (Anabela Russo) |