Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2548/14.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:12/03/2020
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:OPOSIÇÃO,
GERÊNCIA DE FACTO,
ACTO ISOLADO
Sumário:I. À luz das regras de experiência comum, da assinatura de um único requerimento de pagamento em prestações que constitui a prática de um ato isolado, não se poderá extrair a conclusão de que a Oponente exerceu de facto a gerência da sociedade executada originária, porque é necessário a demonstração de uma atividade continuada, através da prática reiterada de atos de gestão ou administração;
II. Sendo o exercício efetivo de funções de administração ou gestão um dos pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária prevista no art. 24.º da LGT, e cabendo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efetivo exercício de funções de administração ou gestão pela Oponente.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

H..., veio deduzir oposição à execução fiscal nº 1... e apenso, instaurada, originariamente contra a sociedade X..., Lda., por falta de pagamento de IRC dos anos de 2009 e 2010, encontrando-se em dívida a quantia de €3.859,13.

O Tribunal Tributário de Lisboa julgou procedente a oposição.

Inconformada, a FAZENDA PÚBLICA, veio recorrer contra a referida decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:
«1. O presente recurso visa reagir contra a douta sentença declaratória de procedência da oposição, deduzida na execução fiscal nº 1..., instaurada pelo Serviço de Finanças de Vila Franca de Xira 1, para cobrança da quantia exequenda de €3.859,13, e acrescidos, por falta de pagamento de IRC dos anos de 2009 e 2010, execução inicialmente instaurada à devedora originária X..., Lda., NIF 5....

2. Visa-se a parte da sentença, na qual, o Tribunal “a quo” considerou que tendo a reversão sido concretizada ao abrigo da alínea b), do nº 1 do artº 24º da LGT, competia à Administração Tributária fazer prova do exercício de facto da gerência por parte da oponente.

3. Decorre das normas legais plasmadas na LGT que a suscetibilidade da ora oponente ser responsabilizada subsidiariamente pelo pagamento da dívida em causa decorre do facto de, no período ao qual a mesma respeita, ser uma das gerentes da devedora originária, conforme resulta da análise à certidão permanente e ainda ao cadastro constante do sistema informático gerido pela Autoridade Tributária.

4. Ora, em face do exposto anteriormente, e coincidindo os factos constitutivos da dívida tributária com o período em que exercia o cargo, aquela torna-se responsável subsidiária da empresa (al. b), do nº 1, do artº 24º da LGT, e artº 8º, nº 1, al. b) do RGIT).

5. Tal como foi demonstrado e não considerado na decisão proferida, o órgão de execução fiscal reuniu provas que bem revelam o efetivo exercício do cargo de gerência por parte da oponente, nomeadamente o recebimento de rendimento pelo cargo de gerência e o facto de, em nome da sociedade devedora originária, ter requerido junto do Serviço de Finanças de Vila Franca de Xira 1, o pagamento em prestações no âmbito do PEF 1…, conforme requerimento datado de 01/09/2010, que oportunamente se juntou aos autos para todos os efeitos legais.

6. Ora, sem mais discussões porque desnecessárias, tal atuação revela o efetivo exercício do cargo.

7. E tal porque “(…) se o ato em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o ato tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação (cfr. Raúl Ventura, Comentário ao CSC, Sociedades por Quotas, III, Almedina, 1991, pág. 128 e ss.) (sublinhado nosso).

8. Mais, ao assinar documentos em nome da sociedade, exteriorizou a vontade daquela, vinculando-a e representando-a perante terceiros, bem revelando assim o dito exercício tal como decorre do artº 260º, nº 4 do CSC.

9. Daí que, em face do conteúdo dos autos, não restou à Administração Tributária senão concluir que, sendo a oponente gerente de facto da devedora originária e, sendo o património desta manifestamente insuficiente para assegurar o cumprimento das obrigações tributárias, encontravam-se reunidos, e provados todos os requisitos necessários à efetivação da responsabilidade subsidiária por reversão da execução fiscal.

10. Pelo que, em face ao exposto, é convencimento da Fazenda Pública que o Tribunal “a quo” incorreu em erro de julgamento sobre a factualidade constante dos autos, consubstanciada na errada interpretação quanto à alegada falta de prova dos requisitos necessários à efetivação da responsabilidade subsidiária por reversão.

Nestes termos, e nos mais de direito aplicáveis, em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se, em consequência a douta sentença ora recorrida, com as legais consequências, assim se fazendo por Vossas Excelências a costumada JUSTIÇA.»

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A recorrida, devidamente notificada para o efeito, não contra-alegou.
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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

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A questão invocada pela Recorrente Fazenda Pública nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em aferir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito, porquanto o órgão de execução fiscal reuniu provas de que a Oponente exerceu de facto a gerência de facto da sociedade executada originária, face ao disposto no art. 260.º, n.º 4 do CSC.

II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«a) A sociedade por quotas denominada X..., foi constituída em 15-01-2007, constando da Certidão Permanente da Conservatória do Registo Comercial, que são sócia A... e H..., que foram ambas nomeadas gerentes, sendo a forma de obrigar com a assinatura conjunta das gerentes;

b) Em 01-11-2011 no SF de Vila Franca de Xira 1, foi instaurado processo de execução fiscal nº 1... e apenso (15…), contra a sociedade X..., Lda, por falta de pagamento de IRC dos anos de 2009 e 2010, encontrando-se em dívida a quantia de €3.859,13 (PEF apenso);

c) Em 01-09-2010 a oponente requereu, no âmbito do PEF nº 15…, o pagamento em prestações da dívida em execução coerciva, constando do requerimento, nomeadamente (doc nº 1, da contestação):
«Imagem no original»

d) Em 27-09-2012 foi prestada a informação de que não foram encontrados bens da sociedade susceptíveis de penhora (fls 5, do PEF);
e) Em 27-10-2010 foi proferido despacho para audição reversão, junto a fls 9, do PEF, que aqui se dá por inteiramente reproduzido;

f) H... (ora oponente) foi notificada para audição prévia (reversão) (fls 10, do PEF);

g) Em 24-10-2012 foi proferido despacho (reversão), junto a fls 18, que se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais;

h) Em 11-07-2014 a oponente foi citada (fls 30 a 34, do PEF)
*
P..., marido da oponente, disse que a empresa iniciou a sua actividade em 2007 e encerrou em 2009. Mais disse que a Srª A..., a determinada altura ausentou-se do país para o estrangeiro e não mais regressou. Referiu ainda que a sua esposa não tinha conhecimentos da gestão da empresa e não teve capacidade financeira para fazer face às dificuldades financeiras que surgiram. Disse ainda que era a A… que pagava fornecedores, trabalhadores e quem recebia as mensalidades dos clientes. Disse ainda que há mais de 6 ou 7 anos que tem uma perda salarial, em virtude um pagamento que está a fazer e a sua esposa não tirou qualquer vantagem patrimonial.»

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Com base na matéria de facto supra exposta, a Meritíssima Juíza do TT de Lisboa julgou a oposição procedente com fundamento na alínea b) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, entendendo, em síntese que os factos que resultam provados relativamente à gerência nominal não são suficientes para concluir pela gerência de facto.

É a seguinte a fundamentação da sentença recorrida na parte com relevo para a decisão a proferir no presente recurso:

“A oponente é executada, na qualidade de responsável subsidiária, no processo de execução fiscal nº 1... e apenso, instaurada, originariamente contra a sociedade X..., Lda, pelo Serviço de Finanças de Vila Franca de Xira 1, por falta de pagamento de IRC dos anos de 2009 e 2010, encontrando-se em dívida a quantia de €3.859,13, invocando, em suma, o não exercício da gerência de facto da sociedade, devedora originária, defendendo que a gerência foi sempre exercida pela outra sócia gerente, A..., que era quem negociava com os clientes ou potenciais interessados, bem como fornecedores, acrescentando que era aquela que dava ordens e recebia o dinheiro dos clientes, exercendo a ora oponente funções de mera trabalhadora da sociedade, limitando-se a cumprir ordens.
Alegação que encontra previsão na al b) do nº 1 do artº 204º do CPPT.
(…)
In casu, dos factos que resultam provados relativamente à gerência nominal da sociedade executada originária não se pode se poderá concluir pela gerência de facto da oponente, pois atenta à arquitectura da gerência nominal da sociedade nada impede que aquele nunca tenha praticado um acto de gerência que vinculasse a sociedade executada originária, porque havia outro gerente de direito com poderes para vincular a sociedade, ainda que a sociedade se vinculasse com a assinatura conjunta dos dois gerentes.
Na verdade e, em teoria, ainda que haja necessidade da assinatura conjunta dos dois gerentes, qualquer poderia desenvolver a sua actividade normalmente, sem que nunca a oponente tivesse praticado um único acto material de gerência. Veja-se a título de exemplo o requerimento do pedido de pagamento em prestações, levado ao probatórios em c).
Na verdade havendo outro gerente nominal, com os mesmos poderes da oponente, havia de, na instrução do processo pelo órgão de execução fiscal, averiguar se efectivamente ambos os gerentes de direito exerciam de facto a gerência para a qual foram nomeados.
Não o tendo feito verifica-se o fundamento previsto na al b) do nº 1 do artº 204º do CPPT, sendo de proceder a oposição, extinguindo-se a execução fiscal revertida contra a oponente.”

A recorrente Fazenda Pública não se conforma com o decidido, invocando que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito, porquanto o órgão de execução fiscal reuniu provas de que a Oponente exerceu de facto a gerência de facto da sociedade executada originária, face ao disposto no art. 260.º, n.º 4 do CSC.

Apreciando.

A responsabilidade membros de corpos sociais e responsáveis técnicos vem prevista no art. 24.º da LGT, que dispõe do seguinte modo:

“1 - Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.
2 - A responsabilidade prevista neste artigo aplica-se aos membros dos órgãos de fiscalização e revisores oficiais de contas nas pessoas colectivas em que os houver, desde que se demonstre que a violação dos deveres tributários destas resultou do incumprimento das suas funções de fiscalização.
3 - A responsabilidade prevista neste artigo aplica-se aos técnicos oficiais de contas desde que se demonstre a violação dos deveres de assunção de responsabilidade pela regularização técnica nas áreas contabilística e fiscal ou de assinatura de declarações fiscais, demonstrações financeiras e seus anexos.”

Portanto, resulta daquele preceito legal, desde logo, que um dos requisitos da responsabilidade subsidiária dos membros de corpos sociais e responsáveis técnicos é o exercício de facto de funções de administração ou gestão.

No que diz respeito às regras do ónus da prova relativamente ao exercício de facto de funções de administração ou gestão, importa ter presente que o Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão do Pleno do CT do STA de 28/02/2007, proc. n.º 01132/06, reiterado posteriormente, pelo acórdão do STA de 10/12/2008, proc. n.º 0861/08, e pelo acórdão do Pleno do CT do STA de 21/11/2012, proc. n.º 0474/12) considerou, ainda no âmbito do regime do CPT, que competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária, «deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efetivo exercício da gerência».

Entendeu-se no que respeita ao exercício das funções de gerência que «sendo possível ao julgador extrair, do conjunto dos factos provados, esse efetivo exercício, tal só pode resultar da convicção formada a partir do exame crítico das provas, que não da aplicação mecânica de uma inexistente presunção legal».

Com este acórdão, fica assim sem margens para dúvidas, afastado o entendimento segundo o qual, uma vez verificada a gerência nominal ou de direito, se presume a gerência de facto ou efetiva. Estas regras do ónus da prova aplicam-se, de igual modo, no âmbito do regime do art. 24.º da LGT.

Não obstante, nada impede que o julgador possa valorar criticamente toda a prova que consta do processo de execução fiscal para formar a sua convicção, inclusive a certidão da matrícula da sociedade executada originária e as respetivas inscrições, em particular, aquelas que dizem respeito à existência de um ou mais gerentes ou administradores nomeados, e a forma como se vincula a sociedade, que poderão constituir factos indiciadores da gerência de facto e que podem e devem ser conjugados com outros meios de prova constantes do processo.

O julgador deve extrair do conjunto dos factos provados o efetivo exercício da gerência, formando a sua convicção pelo exame crítico das provas, mas já não pela “aplicação mecânica de uma inexistente presunção legal.” [acórdão do Pleno do CT do STA de 21/11/2012, proc. n.º 0474/12], e diremos mais, de igual modo, também não poderá o julgador resguardar-se na inexistência de presunção para se eximir do exame crítico da prova (cf. acórdão do TCAS de 11/07/2019, proc. n.º 281/11.4BELRS).

Com efeito, naquele acórdão do Pleno do CT do STA de 21/11/2012, proc. n.º 0474/12, sumariou-se: “I - No regime do Código de Processo Tributário relativo à responsabilidade subsidiária do gerente pela dívida fiscal da sociedade, a única presunção legal de que beneficia a Fazenda Pública respeita à culpa pela insuficiência do património social. II - Não existe presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário. III - A presunção judicial, diferentemente da legal, não implica a inversão do ónus da prova. IV - Competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência. V - Sendo possível ao julgador extrair, do conjunto dos factos provados, esse efectivo exercício, tal só pode resultar da convicção formada a partir do exame crítico das provas, que não da aplicação mecânica de uma inexistente presunção legal.” (sublinhado nosso).

Como supra exposto, não existe uma presunção legal segundo a qual o gerente de direito o é, também, de facto, sendo esse um elemento a considerar na decisão de facto.

Em suma, a partir da prova produzida o juiz pode firmar um facto desconhecido, usando as regras da experiência e juízos de probabilidade, através de presunção judicial nos termos do art. 350.º do Código Civil (v. acórdão do STA de 10/12/2008, proc. n.º 0861/08: “(…) IV - No entanto, o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência”). O que não se poderá é inferir a gerência de facto automática e exclusivamente com base na gerência de direito, sob pena de reconduzir a presunção judicial a uma presunção legal, como resulta da jurisprudência fixada pelo STA.

Desta forma, no procedimento de reversão, a AT deve procurar determinar se os gerentes de direito exercerem de facto essa gerência, e para formar essa convicção, deve juntar ao processo executivo elementos de prova que a corroborem, de modo a satisfazer o seu ónus probatório. Se concluir pelo não exercício de facto da gerência pelos gerentes de direito, deve então apurar quem exerceu a gerência de facto do sujeito passivo, na medida em que tais pessoas são responsáveis subsidiários ainda que a sua atuação seja “somente de facto”, como refere o n.º 1 do art.º 24.º da LGT, pois o preceito legal não se exige a gerência nominal ou de direito, sendo suficiente a mera gerência efetiva ou de facto.

Para podermos apreciar da verificação dos pressupostos do chamamento do responsável subsidiário ao abrigo do art. 24.º, n.º 1 da LGT importa, então, partir da análise concreta da instrução do processo de execução fiscal no qual se funda a prolação do despacho de reversão, valorando criticamente todos os meios de prova que aí constam.

Passemos, então, à análise do caso dos autos.

Resulta da matéria de facto dada como provada, e que não foi impugnada pela recorrente Fazenda Pública o seguinte:
_ a Oponente foi citada na qualidade de executada por reversão nos termos do art. 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT.
_ a Oponente era sócia da sociedade executada originária juntamente com uma outra pessoa;
_ foi nomeada gerente nominal juntamente com a outra sócia-gerente;
_ a sociedade executada originária obrigava-se com a assinatura conjunta das gerentes;
_ em 01/09/2010 a Oponente requereu o pagamento a prestações da dívida da executada originária.

Ora, tais factos são efetivamente insuficientes para que se possa concluir o efetivo exercício de funções de gerência pela Oponente.

Efetivamente é preciso notar, desde logo, que para a gerência nominal foram nomeadas ambas as sócias, e, portanto, não fica excluída a possibilidade de a gerência efetiva da sociedade ser exclusivamente exercida pela outra sócia-gerente.

Por outro lado, apesar da sociedade se obrigar com a assinatura conjunta das gerentes nomeadas, a verdade é que resulta das regras da experiência comum que ainda assim, é possível que a sociedade executada originária pudesse exercer normalmente a sua atividade sem a assinatura da Oponente, por exemplo, efetuando-se pagamentos através de transferências bancárias, e a outra sócia-gerente ser a única contratar com os fornecedores, clientes, etc., e ser a única efetivamente a tomar decisões na condução do exercício da atividade da executada originária.

Na verdade, num juízo de probabilidade podemos afirmar que, in casu, não fica afastada a possibilidade de a Oponente não ter exercido funções efetivas de gerência, sendo apenas gerente nominal.

Finalmente, ao contrário do que entente a recorrente Fazenda Pública, não se pode concluir pelo exercício efetivo da gerência pela Oponente, unicamente com base no facto dado como provado na alínea c) do probatório.

Efetivamente, à luz das regras de experiência comum, da assinatura de um único requerimento de pagamento em prestações que constitui a prática de um ato isolado, não se poderá extrair a conclusão de que a Oponente exerceu de facto a gerência da sociedade executada originária, porque é necessário a demonstração de uma atividade continuada, através da prática reiterada de atos de gestão ou administração.

Nesse sentido, v. o acórdão do TCAS de 07/05/2020, proc. n.º 3118/12.3BELRS, cujo sumário é o seguinte: “Da assinatura de um único requerimento de pagamento em prestações, não é viável, à luz das regras de experiência comum, extrair a conclusão de que o Oponente exerceu, de facto, a gerência da dita sociedade.” – v. ainda, acórdão do TCAS de 05/03/2020, proc. n.º 2410/11.9BELRS.

Na verdade, por um lado, trata-se de um único ato praticado pela Oponente, e por outro, praticado no contexto em que a empresa se encontrava em fase de dissolução e eventual insolvência. Ora, valorando em conjunto o ato praticado e o seu contexto, e a jurisprudência supra citada, importa concluir que aquele ato é insuficiente para que se concluir que a Oponente exercia efetivamente a gerência de facto da sociedade executada originária.

Em suma, sendo o exercício efetivo de funções de administração ou gestão um dos pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária prevista no art. 24.º da LGT, e cabendo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efetivo exercício de funções de administração ou gestão pela Oponente.

Em matéria de custas o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual paga custas a parte que lhes deu causa. Vencida na presente causa a recorrente, esta deu causa às custas do presente processo (n.º 2), e, portanto, deve ser condenada nas respetivas custas (n.º 1, 1.ª parte).

Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)

I. À luz das regras de experiência comum, da assinatura de um único requerimento de pagamento em prestações que constitui a prática de um ato isolado, não se poderá extrair a conclusão de que a Oponente exerceu de facto a gerência da sociedade executada originária, porque é necessário a demonstração de uma atividade continuada, através da prática reiterada de atos de gestão ou administração;

II. Sendo o exercício efetivo de funções de administração ou gestão um dos pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária prevista no art. 24.º da LGT, e cabendo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efetivo exercício de funções de administração ou gestão pela Oponente.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
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Custas pela recorrente.
D.n.
Lisboa, 03 de dezembro de 2020.

A Juíza Desembargadora Relatora

Cristina Flora


A Juíza Desembargadora Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Juízes Desembargadores Tânia Meireles da Cunha e António Patkoczy.