Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1137/11.6BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:09/17/2020
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:INDEMNIZAÇÃO POR GARANTIA INDEVIDA
Sumário:O “erro imputável aos serviços”, pressuposto para o direito à indemnização por garantia indevidamente prestada nos termos do n.º 1 e 2, do art. 53.º da LGT, existe quando a declaração subjacente à liquidação foi apresentada de acordo com orientações genéricas da AT, liquidação essa que vem a ser posteriormente anulada pela AT.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A V....... S........, SA, veio impugnar parcialmente a autoliquidação da derrama IRC do exercício de 2010, no montante global de 28 651,09€, mais peticionando a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de indemnização por prestação e manutenção da garantia para suspensão do processo executivo.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (i) declarou a extinção parcial da instância por inutilidade superveniente lide e (ii) condenou a Fazenda Pública no pagamento de indemnização pela prestação e manutenção de garantia para suspensão do processo no montante peticionado de 18 313,37€.

A FAZENDA PÚBLICA veio recorrer contra a referida decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:
«i. A Fazenda Pública considera que a douta decisão do Tribunal a quo ora recorrida, não faz, salvo o devido respeito, uma correcta apreciação da matéria de facto relevante no que concerne à indemnização pelos custos incorridos com a prestação de garantia bancária.
Vejamos,
ii. Estabelece o artigo 53.º da LGT, sob a epígrafe “Garantia em caso de prestação indevida”, que: “1 - O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.
2 - O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
(sublinhando nosso)

iii. No caso dos presentes autos verifica-se que a garantia bancaria n.º 003…., prestada pelo montante de €285.813,86, por forma a garantir o processo de execução fiscal n.º 3654201……, instaurado na sequência do não pagamento da liquidação objecto dos presentes autos, foi constituída em 2013.05.28, pelo que, ainda não foi ultrapassado o prazo de três anos indicado no n.º 1 do artigo 53.º da LGT.

iv. Nas palavras de JORGE LOPES DE SOUSA (In Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 6.ª Ed.. 2011, vol.III, pag. 237), “[s]e se comprovar que houve erro imputável aos serviços, essa indemnização será devida independentemente do período de tempo durante o qual a garantia tiver sido mantida (n.º 2 daquele art. 53.º). Se a anulação, total ou parcial, não tem por fundamento um erro daquele tipo (designadamente, se a liquidação é anulada por erro imputável ao próprio contribuinte ou por vício de forma ou incompetência) a indemnização só é devidase a garantia tiver sido mantida pormais de três anos (n.º 1 do mesmo artigo) ”.

v. Contudo vem a douta sentença dizer que “considera-secomo erro imputávelaos serviços, o erro na autoliquidação (artigo 78/1.2 LGT)(…) Em suma: consideramos que se encontram reunidos os pressupostos de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no ressarcimento dos custos suportados pela Impugnante paraprestação e manutenção da garantia bancária. Assim, e como vimos, para que seja devida é necessário o preenchimento dos seguintes requisitos: (a) que haja um erro num ato de liquidação de um tributo; (b) que ele seja imputável aos serviços; (c) que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial.” Ora não podemos concordar com tal conclusão.

vi. A douta sentença conclui, a final, pela existência de erro imputável aos serviços, sem que conste da factualidade dada como provada, factos que permitam fundamentar e sustentar tal conclusão, salvo o devido respeito, e perante a matéria factual carreada para os autos, entendemos que não poderia a Mmª Juiz do Tribunal “a quo” ter decidido pela existência de erro imputável aos serviços.

vii. Ou seja, da factualidade dada como provada resulta apenas que “Com data de acerto de 2015.10.10, foi emitida a demonstração de liquidação de IRC nº 2015000….., do período de 2010, com importância de derrama corrigida para € 412 122,75 (cf. fls. 621 – Id.);”

viii. Ora, não resulta assente e provado dos autos qualquer entendimento de facto ou direito que assente que houve erro imputado aos serviços, pelo que, do conjunto dos factos descritos e constantes dos autos, um normal destinatário consegue compreender por que razão não poderá existir erro imputável aos serviços.

ix. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artigo 607.º, nº. 5, do CPC).

x. Ora, não resulta do autos qualquer meio de prova em que assente a sua decisão, apenas que “Com data de acerto de 2015.10.10, foi emitida a demonstração de liquidação de IRC nº 2015000……, do período de 2010, com importância de derrama corrigida para € 412 122,75”, o que de per si não consubstancia erro imputável aos serviços, ou seja, não se encontram reunidos os pressupostos para a condenação da AT no pagamento de indeminização por prestação de garantia indevida, nos termos dos artigos 171.º do CPPT e artigo 53.º da LGT.

xi. Tanto mais que o Impugnante, no seu requerimento aos autos, datado de 11/11/2015, veio dizer que “desconhece as razões de facto e de direito pelas quais a AT decidiu corrigir o valor da derrama devida”. (Negrito nosso). E, se o douto tribunal assentou a sua decisão na Informação do Impugnante, veja-se o relatório da douta sentença ao referir que: “Entretanto a Impugnante veio informar que, na pendência dos presentes autos, foi notificada da demonstração da liquidação de IRC nº 2015801……., referente ao período de IRC de 2010, emitida na sequência de vencimento de causa no âmbito do processo judicial em que se discutia a correção da matéria coletável, na qual a Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu à anulação parcial da derrama no montante de € 226 366,61, pelo que entende satisfeita a sua pretensão de anulação parcial da mesma, concluindo pela parcial inutilidade superveniente da lide, e pedindo a condenação da Fazenda Pública emindemnização pelos custos incorridos coma prestação e manutenção de garantiabancáriano montante total de €18.313,37, e nas custas do processo.”

xii. É indiscutível que relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr. artigos 596.º, nº.1 e 607.º, nºs 2 a 4, ambos do CPC) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr. artigo 123.º, nº 2, do CPPT).

xiii. Acontece que, dos autos não existe prova a ser seleccionada para a livre apreciação do douto tribunal, quer de facto ou direito, que assente que houve erro imputado aos serviços.

xiv. Mais, vem a Impugnante no seu requerimento aos autos datado de 27/11/2014 dizer que;
“(…)
4. E acrescenta o n.º 2 do mesmo artigo que “o prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em (…) impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
5. A este respeito referem DIOGO LEITE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES E JORGE LOPES DE SOUSA, que “O erro imputávelaos serviços considerar-se-á verificado se o sujeito passivo obtiver vencimento na reclamação ou na impugnação” (….)
6. Desta forma, vem Impugnante dar conhecimento dos gastos em que incorreu com a prestação e manutenção da garantia bancária prestada por forma a que, em caso de provimento da impugnação pendente de decisão nos presentes autos, como se espera e é justiça (…)”

xv. Desde logo se dirá que a Impugnante não logrou provar que, a prestação da garantia em ordem à suspensão do processo de execução fiscal, tenha causado danos, sendo que, o sujeito passivo tem sempre que comprovar a existência de prejuízos emergentes da prestação dessa garantia, consequentemente, o pedido formulado pela Impugnante teria, desde logo, que improceder.

Continuando,

xvi. Aderindo à referência doutrinal da Impugnante, “referem DIOGO LEITE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES E JORGE LOPES DE SOUSA, que “O erro imputável aos serviços considerar- se-á verificado se o sujeito passivo obtiver vencimento na reclamação ou na impugnação” (negrito nosso).

xvii. Aliás como reconhece a impugnante no seu requerimento ao referir que “(…) em caso de provimento da impugnação pendente de decisão nos presentes autos”. (negrito nosso)

xviii. Ora resulta dos autos que foi a Impugnante que “entende satisfeita a sua pretensão de anulação parcial da mesma, concluindo pela parcial inutilidade superveniente da lide ”. (negrito nosso)

xix. Contudo, concluiu a douta sentença que “consideramos que se encontram reunidos os pressupostos de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no ressarcimento dos custos suportados pela Impugnante paraprestação e manutenção dagarantia bancária. Assim, e como vimos, para que seja devida é necessário o preenchimento dos seguintes requisitos: (…) que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial.”

xx. Ou seja, com o devido respeito, mais uma vez andou mal a douta sentença, ao decidir como decidiu, pois como foi demonstrado, a existência do erro imputável aos serviços não foi determinado em sede da impugnação, veja-se a douta sentença, “Assim, a impugnação deduzida emque se discutea legalidadeliquidação, perdeu parcialmente a sua utilidade” (negrito nosso)

xxi. Ao decidir como decidiu, a douta sentença incorreu em erro de julgamento ao considerar que “se encontram reunidos os pressupostos de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no ressarcimento dos custos suportados pela Impugnante para prestação e manutenção da garantia bancária.”

xxii. Assim sendo, tendo presente a realidade em análise e de todos os elementos constantes do probatório, considera a Fazenda Pública, contrariamente ao doutamente decidido, que não foi demonstrado o erro imputável aos serviços, nem dos prejuízos emergentes da prestação dessa garantia, pelo que, não pode, também por esta via, ser atribuído à Impugnante qualquer indemnização por prestação de garantia indevida, nos referidos termos.

xxiii. Face ao exposto, salvo o devido respeito que é muito, entendemos que a douta sentença recorrida ao condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento da indemnização pelos custos incorridos com a prestação de garantia para suspensão do processo executivo, enferma de erro de apreciação da prova, de erro de interpretação de lei, nomeadamente dos artigos 171.º do CPPT e 53.º da LGT.

Termos em que, com o douto suprimento de Vossa Excelências, deve o presente Recurso ser provido e, consequentemente ser revogada a sentença proferida pelo douto Tribunal “a quo” assim se fazendo a costumada Justiça.»

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A Recorrida, V....... S........, SA, devidamente notificada para o efeito, veio oferecer as suas contra-alegações, tendo formulado as conclusões seguintes:

«A. Vêm as presentes contra-alegações de recurso apresentadas na sequência do recurso interposto pela FP da douta sentença da Meritíssima Juiz a quo que condenou a Recorrente no pagamento de indemnização pela prestação e manutenção de garantia bancária para suspensão do processo de execução fiscal no valor de € 18.313,37;
B. O recurso ora interposto pela Recorrente deverá ser julgado totalmente improcedente, por manifesta falta de fundamento legal, o que nesta sede se demonstra de forma clara e indubitável, só assim se respeitando a LEI e fazendo JUSTIÇA;
C. In casu, decidiu o douto Tribunal a quo - e bem! - no exercício do seu poder jurisdicional,pela condenação da AT no pagamento de indemnização pelas despesas incorridas pela Recorrida na prestação de garantia bancária, pois é manifesto que, no concreto caso em análise, se encontram preenchidos os requisitos legais de que depende a indemnização pela prestação de garantia bancária nos termos dos artigos 53.º da LGT e 171.º do CPPT;
D. É desta decisão que a Recorrente discorda, assentando o seu recurso essencialmente no que considera ser uma incorreta valoração da prova pelo douto Tribunal a quo, já que entende que da prova carreada para os autos não poderiam resultar as conclusões de direito formuladas na sentença recorrida, pois tal prova não é (segundo entende a Recorrente) adequada para demonstrar (i) quer a existência de erro imputável aos serviços (pela qual conclui de forma clara e fundamentada a decisão recorrida) - cfr. conclusões v) a xiii) do Recurso; afirmando ainda a Recorrente que (ii) a existência de erro dos serviços não foi determinado em impugnação judicial - cfr. conclusões xvi) a xx) do Recurso; e que (iii) não se demonstrou que a prestação de garantia haja causado danos à Recorrente -cfr. conclusão xv) do Recurso.
E. Este é, assim, e em exclusivo, um recurso em matéria de direito, já que o que a Recorrente contesta é um "erro de interpretação de lei'', em virtude da apreciação da prova e das conclusões de direito que são extraídas pelo douto Tribunal a quo de tal apreciação (e já que não contesta a matéria de facto dada como assente pelo Tribunal recorrido);
F. Refira-se, como ponto prévio, que não obstante a Recorrida entenda que a factualidade assente na decisão a quo se encontra corretamente selecionada, sendo idónea e suportando as conclusões de direito que de tais factos retira o Tribunal recorrido - não padecendo a decisão do Tribunal a quo, contrariamente ao que sugere a FP, de qualquer vício que conduza à sua revogação ou alteração -, não pode a Recorrida deixar de requerer, nos termos conjugados dos art.ºs 636º, n.º 2 e 640º, n.º 2 b), ambos do CPC, ex vi art.º 2°, e) do CPPT, porque assim lhe impõe a cautela e dever de patrocínio, a alteração dos pontos (A) a (C) e (E) da matéria assente e o aditamento do ponto (C) 1 à matéria assente, que resultam diretamente da prova carreada para os autos, nos seguintes termos:
(A). "Em 2011.05.27, a Impugnante entregou a declaração Modelo 22 de IRC do Grupo (cf fls. 294 a 302 do processo - numeração de suportefisico), na qual apurou derrama no montante de € 412.940,00",correspondente a 1,5% do lucro tributável do Grupo (de € 27.529.333,40);
(B). "A declaração modelo 22 de IRC identificada na alínea anterior nãofoi validada centralmente (cf fls. 305 – ld.) ", surgindo sempre como erro o valor da derrama municipal apurado pelo Grupo;
(C). "Seguidamente, entregou nova declaração modelo 22, com derrama declarada de € 639 306,61 (cf fls. 122 a 129 - Id.)" apurada como correspondendo à soma algébrica das derramas apuradas em cada uma das sociedades do Grupo, como única forma de satisfazer o entendimento da AT, apresentar a sua declaração de rendimentos e ver a mesma declaração validada centralmente;
(E). "Com data de acerto de 2015.10.10, foi emitida a demonstração de liquidação de IRC n.º 201500……, do período de 2010, com importância de derrama corrigida para € 412.122,75 (cf fls. 621 -ld)'', assim adotando o método de apuramento da derrama m unicipal do Grupo propugnada pela Recorrida, i.e., o apuramento da derrama sobre o lucro tributável do Grupo.
(C).1 Esta declaração - com a derrama municipal apurada nos termos aceites pela AT - foi considerada correta e validada centralmente pela AT;

G. Sucede que, tratando-se a decisão a quo de uma decisão sólida e bem fundamentada, conforme já mencionado supra, acaba a FP a recorrer a argumentos que, quando detalhados e sopesados quer individualmente, quer em conjunto, são manifestamente improcedentes e jamais conduziriam à revogação da douta decisão do Tribunal a quo.
H. Assim, e no que corresponde à alegada inexistência de erro imputável aos serviços (cf. conclusões v) a xiii) do Recurso), a verdade é que constam do probatório e dos elementos de prova juntos aos autos todos os factos dos quais decorre com inelutável clareza a conclusão que retira a decisão recorrida pela existência de erro imputável aos serviços; sendo que o Tribunal a quo responde à questão de direito sobre a existência de erro imputável aos serviços de forma correta, completa e bem fundamentada, argumentação que a FP aliás nem sequer contesta, limitando-se a contestar o facto - errado - de inexistir na factualidade assente ou na prova produzida nos autos qualquer evidência suscetível de permitir tal conclusão (e nunca dizendo, como se lhe impunha, quais os factos que, resultando da prova junta, deveriam constar do probatório e impunham decisão diversa);
I. Com efeito, e tal como já demonstrado, da factualidade provada resulta inequivocamente (reproduzindo-se integralmente o que já se mencionou supra) que:
(i). A Recorrente apresentou declaração modelo 22 de IRC no âmbito da qual apurou a derrama municipal sobre o lucro tributável do Grupo (€ 412.940,00) - cf. ponto (A) da matéria assente;
(ii). A referida declaração modelo 22 de IRC apresentada pela Recorrente não foi validada centralmente - cf. ponto (B) da matéria assente;
(iii). A Recorrente teve de apresentar nova declaração modelo 22 de IRC apurando a derrama como soma algébrica das derramas individualmente apuradas pelas sociedades do Grupo (€ 639.306,61) para que a referida Declaração fosse aceite e validada centralmente - cf. ponto (C) da matéria assente; e
(iv). A AT veio reconhecer o lapso no apuramento da derrama, ao emitir liquidação adicional de IRC em 2015, nos termos da qual apurou derrama no valor de € 412.122,75, assim adotando o método de apuramento da derrama municipal do Grupo propugnada pela Recorrida, i.e., o apuramento da derrama sobre o lucro tributável do Grupo -cf. ponto (E) da matéria assente;

J. Tais factos - e os documentos de que tais factos resultam diretamente (cf. doe. n.º 1, does. n.ºs 3 a 28, doe. n.º 29 e liquidação adicional de IRC emitida em 2015, junta como doe. n.º 1 ao requerimento apresentado em 10 de novembro de 2015) - consubstanciam, por si só, evidência e fundamentação suficiente para sustentar a conclusão (que é de Direito) pela existência de erro dos serviços, pois não fosse tal atuação da AT e a Recorrente não teria sido obrigada a prestar a garantia bancária em apreço.

K. Com efeito, foi precisamente por reconhecer que a derrama municipal se encontrava erradamente calculada (sendo ilegal) que a AT, aquando da emissão de liquidação adicional para correção da matéria coletável do Grupo em virtude do vencimento por parte da Recorrida de processo judicial em que se discutia a correção da matéria coletável para 2010, veio corrigir não apenas a referida matéria coletável e a derrama na sua proporção (objeto dos referidos autos), mas igualmente a derrama municipal nos termos peticionados pela Recorrida nos presentes autos, i.e., sobre o lucro tributável do Grupo o que consubstancia, por si só, uma admissão de tal erro dos serviços da AT;

L. Também por admitir que a referida correção se encontrava já efetuada, veio a AT - independentemente de qualquer decisão nestes autos - a cancelar a garantia bancária prestada pela Recorrida e a extinguir este processo de execução fiscal (cf. ponto (G) da matéria assente), já que reconhece que, encontrando-se devidamente corrigida a liquidação adicional nos termos propugnados pela Recorrida, a cobrança coerciva da dívida no referido processo de execução fiscal era ilegal, motivo pelo qual se encontra amplamente demonstrado o erro dos serviços fundamento do direito de indemnização da ora Recorrente pelas despesas incorridas com a prestação de garantia bancária;
M. Note-se que a AT atua estritamente balizada pelo princípio da legalidade (cf. art.º 55° da LGT), sendo o crédito tributário indisponível (cf. art.º 30º, n.º 2 da LGT), pelo que a AT não pode em nenhuma circunstância anular parcialmente uma liquidação a não ser com fundamento na sua ilegalidade.

N. Deste modo, ao corrigir e anular oficiosamente a liquidação impugnada no montante da derrama contestado nestes autos a AT está a reconhecer a ilegalidade de tal ato.

O. E não apenas a Recorrida determinou tal derrama seguindo a posição defendida pela AT nas suas instruções administrativas como o fez por ser esse o único modo de ver validada centralmente a sua declaração de rendimentos, sendo certo, sempre e em todo o caso, que ainda que assim não fosse (como é) o erro na autoliquidação se considera um erro dos serviços, como bem afirma a decisão recorrida.

P. É pois muito evidente que bem andou a decisão recorrida ao concluir pela existência de erro dos serviços, que motivou a liquidação ilegal e cujo reconhecimento pela AT levou à anulação oficiosa do ato contestado e à inutilidade superveniente da lide nessa parte (que a AT não contesta e em cuja s custas foi condenada, sem que recorra de tal segmento decisório).

Q. Por sua vez, contrariamente ao propugnado pela AT (cf. Conclusões xvi) a xx) do Recurso) é manifesto que tal erro imputável aos serviços foi declarado em impugnação judicial, pois na sentença recorrida o douto Tribunal procede à análise dos factos subjacentes aos presentes autos e se manifesta expressamente pela existência de erro imputável aos serviços.

R. Aliás, se o erro dos serviços não tivesse sido apreciado e decidido em impugnação a Recorrente não teria interposto o presente recurso.

S. De qualquer forma, e porque a Recorrente parece sugerir que além do erro dos serviços a própria anulação do ato teria que resultar da impugnação, sempre diremos que esse não é um requisito que a lei formula (nem poderia, aliás).

T. É que a apreciação de tal erro imputável aos serviços em sede de impugnação judicial não carecia, em qualquer caso, de uma qualquer apreciação da legalidade da liquidação de IRC impugnada pela Recorrida para que possa ter-se por efetuada, já que, como vimos, a Recorrente voluntariamente procedeu à sua correção, tendo emitido liquidação adicional de IRC nos termos considerados aplicáveis por parte da Recorrida e propugnados na impugnação judicial em apreço, i.e., apurando a derrama sobre o lucro tributável do Grupo, deixando bem claro que era ilegal a liquidação de IRC objeto do presente processo de impugnação judicial e consequentemente o processo de execução fiscal por si instaurado contra a Recorrida para a cobrança dessa dívida coerciva, motivo pelo qual decidiu aliás pelo cancelamento da garantia bancária prestada pela Recorrida para suspender o processo de execução fiscal;

U. É pois evidente que a posição aqui defendida pela Recorrente - de que não foi determinado em impugnação judicial o erro imputável aos serviços -resulta não apenas de um lapso grosseiro (pois se tal erro não tivesse sido apreciado e decidido em impugnação judicial não estaríamos em presença deste recurso jurisdicional), como resulta (assume-se) de uma interpretação errada e inconstitucional do n.º 2 do art.º 53º da LGT (ao considerar que a AT poderia reconhecer a ilegalidade dos seus atos e corrigi-los, anulando as correspondentes liquidações de imposto, furtando-se com tal atuação, em que apenas se antecipou à decisão judicial que na senda de inúmeras outras assim o determinaria, se furtaria à obrigação de indemnizar o contribuinte que é decorrência do princípio estabelecido no art.º 22º da CRP).

V. É, assim, manifesto que a AT foi (i) condenada (ii) no âmbito de impugnação judicial interposta pela Recorrida (iii) na indemnização pela garantia indevidamente prestada por esta, (iv) por se entender verificado erro imputável aos serviços, tudo nos termos do artigo 53.º da LGT e 171.º do CPPT, pelo que não padece a decisão a quo de qualquer erro de julgamento, devendo improceder o Recurso interposto pela Recorrente e manter-se integralmente a decisão recorrida; e

W. Por fim, no que respeita ao terceiro requisito enunciado no artigo 53.º da LGT, é por demais evidente, in casu, o seu preenchimento, roçando a alegação da Recorrente nesta matéria a má-fé (cf. conclusão xv) do Recurso), já que a Recorrida juntou, por requerimento apresentado no dia 10 de novembro de 2015, os extratos emitidos pelo Banco Espírito Santo que comprovam tais prejuízos, e.g., comissões, imposto e outras despesas pagas relacionadas com a emissão, manutenção e cancelamento da garantia bancária em apreço (cf. doc. n.º 3 junto àquele requerimento), motivo pelo qual o Tribunal a quo deu por provado o ponto (H) da matéria assente, concluiu que "a Impugnante comprovou o montante em concreto ou líquido dos custos suportados " (cf. pág. 5 da decisão a quo), e correspondentemente condenou a Recorrente no pagamento das referidas despesas no montante de € 18 313,37.

X. Em face do exposto, não merece a decisão do douto Tribunal a quo qualquer censura nas conclusões de direito que propugna, pois resulta de forma clara, indiscutível e direta da prova carreada para os presentes autos que se encontram reunidos os requisitos de que a lei faz depender a indemnização das despesas incorridas na prestação e manutenção de garantia indevida, devendo por conseguinte ser o presente Recurso interposto pela FP julgado improcedente por manifesta falta de fundamento e por consubstanciar uma interpretação em violação dos artigos 53.º da LGT e 171.º do CPPT.

Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, deverá ser considerado integralmente improcedente, por manifesta falta de fundamento, o Recurso interposto pela FP, mantendo-se consequentemente a decisão a quo na parte ora objeto de recurso.»
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Foram os autos a vista da Magistrada do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

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A questão invocada pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em aferir se a sentença enferma de erro de julgamento de facto por incorreta apreciação da matéria de facto, uma vez que considera a Fazenda Pública que não existe prova nos autos para que se conclua pelo ao “erro imputável aos serviços” relativo aos custos com a prestação de garantia bancária, sendo certo que a Impugnante não provou que a prestação de garantia lhe tenha causado danos, violando-se o disposto nos artigos 171.º, do CPPT e 53.º da LGT.

II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«A) Em 2011.05.27, a Impugnante entregou a declaração modelo 22 de IRC do grupo (cf. fls. 294 a 302 do processo – numeração do suporte físico), na qual apurou derrama no montante de € 412 940,00;

B) A declaração modelo 22 de IRC identificada na alínea anterior não foi validada centralmente (cf. fls. 305 – Id.);

C) Seguidamente, entregou nova declaração modelo 22, com derrama declarada de € 639 306,61 (cf. fls. 122 a 129 – Id.);

D) Em 2011.09.20, neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra deu entrada a presente impugnação (cf. fls. 3 – Id.);

E) Com data de acerto de 2015.10.10, foi emitida a demonstração de liquidação de IRC nº 2015000……., do período de 2010, com importância de derrama corrigida para € 412 122,75 (cf. fls. 621 – Id.);

F) Em 2013.05.28, o Banco …….., SA, Sociedade Aberta, em nome e a pedido da Impugnante, emitiu a garantia bancária N 003…… a favor de Autoridade Tributária e Aduaneira – Serviço de Finanças de Oeiras-2, até ao montante máximo de €285 813,86, destinada a caucionar/garantir o integral pagamento do processo de execução fiscal nº 365420……. (cf. fls. 505 – Id.);



G) Por ofício de 2015.10.23, do Serviço de Finanças de Oeiras-2, foi comunicado ao Banco…….., SA, ter sido cancelamento da garantia N003……, emitida em 2013.05.28, pelo montante de € 285 813,86, e do aumento de 2013.07.29, no montante de € 30 887,24 (cf. fls. 625 – Id.);

H) Pela emissão e manutenção da garantia bancária no montante de 316 701,10, identificada nas alíneas F) e G), a Impugnante despendeu o montante global de €18 313,37 (cf. 626 a 643 – Id.).

b) Motivação
Os factos apurados resultam dos documentos e informaç ões constantes do processo.»

*
Com base na matéria de facto supra transcrita, a Meritíssima Juíza do TAF de Sintra declarou parcialmente extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, mais condenou a Fazenda Pública no pagamento de indemnização pela prestação e manutenção de garantia para a suspensão do processo no montante peticionado de 18.313,37€.

A decisão recorrida tem o seguinte fundamento:
1- Da inutilidade superveniente da lide
Após a interposição da presente ação de impugnação judicial a Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu à emissão de nova liquidação, corrigindo a liquidação da derrama na parte impugnada.
Assim, a impugnação deduzida em que se discute a legalidade liquidação, perdeu parcialmente a sua utilidade.
Há, pois, que declarar a extinção parcial da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277/e) do Código de Processo Civil (nCPC), aplicável ex vi artigo 2.e) CPPT, prosseguindo esta apenas para apreciação do pedido de indemnizaç ão pelos custos incorridos com a prestação e manutenç ão de garantia bancária para suspensão do processo de execução fiscal.
2. Da indemnização pelos custos incorridos com a prestação de garantia bancária
Nos termos do artigo 53º da Lei Geral Tributária (LGT), a Impugnante tem direito a ser ressarcida dos prejuízos resultantes da sua prestação e manutenção.
O contribuinte que para suspender a execução fiscal ofereça garantia bancária será indemnizado pelos prejuízos resultantes da sua prestação, que pode ser requerida no processo de impugnação, caso a tenha mantido por período superior a 3 anos. Todavia, este prazo não se aplica quando se verifique que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
A garantia bancária foi emitida em 2013.05.28 e cancelada em 2015.10.23. Logo, foi mantida por um período inferior a 3 anos.
O montante da indemnização tem como limite máximo a quantia resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios.
Anote-se que a quantia peticionada é inferior à obtida pela aplicação da taxa de juro legal de 4% ao ano (Portaria nº 291/2003 de 8 de Abril) à quantia garantida (contados de 2013.05.28 a 2015.10.23, sobre o montante de € 285 813,86, perfazem € 27 500,77).
A garantia bancária foi apresentada no processo de execução fiscal nº 365420……, que correu termos no Serviço de Finanças de Oeiras- 2, e a Impugnante comprovou o montante em concreto ou líquido dos custos suportados.
Vejamos:
É fora de dúvida que a Autoridade Tributária e Aduaneira, em caso de procedência parcial ou total de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do contribuinte, está obrigada à imediata e plena reconstituição da legalidade ou situação objeto do litígio.
Assim, e como vimos, para que seja devida a indemnização é necessário o preenchimento dos seguintes requisitos: (a) que haja um erro num ato de liquidação de um tributo; (b) que ele seja imputável aos serviços; (c) que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial.
Na solução a dar ao caso seguiremos de perto a solução dada no Ac. STA, Pleno da Seção do CT (Rel.: Conselheiro Pedro Delgado), disponível em www.dgsi.pt (Do sumário transcreve-se: “– A responsabilidade por juros compensatórios tem a natureza de uma reparação civil e, por isso, depende do nexo de causalidade adequada entre o atraso na liquidação e a atuação do contribuinte, bem como da possibilidade de formular um juízo de censura à sua atuação (a título de dolo ou negligência).
– Constitui erro imputável aos serviços e pode servir de base à responsabilidade por juros indemnizatórios a falta do próprio serviço, nomeadamente a prática de uma liquidação ilegal e, por isso ilícita.
– Tendo as liquidações de juros compensatórios sido anuladas por inexistência de atuação culposa do sujeito passivo, e sendo tais liquidações da responsabilidade da Administração Tributária, deve à mesma ser imputado o erro nos pressupostos de direito (artº 35º, nº 1 da LGT) que está na base da anulação de tais liquidações.
– O objetivo da norma prevista no artº 53º da LGT é indemnizar o contribuinte pelos prejuízos que teve com a prestação de uma garantia que não teria que prestar se a Administração não tivesse atuado ilegalmente.
– Tendo a Administração Tributária errado nos pressupostos de direito (artº 35º, nº 1 da LGT) ao considerar que estavam preenchidos os pressupostos legais de liquidação de juros compensatórios que originaram os processos de execução no âmbito dos quais foi prestada garantia, esse erro é imputável aos serviços.
– Verificam-se assim os pressupostos de reconhecimento do direito da recorrente à indemnização pela prestação de garantia, já que, por via daquela indevida liquidação e errada atuação dos serviços, a mesma foi forçada a prestá-la e, consequentemente, a incorrer em despesas.)
Como vimos, nos termos do disposto no artigo 53/1 da LGT o devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnaç ão ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida. Nos termos do nº 2 do mesmo normativo o prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
A indemnização será total ou parcial conforme o vencimento que o interessado obtenha em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida (cf. artigo 53/1, da LGT). Se se comprovar que houve erro imputável aos serviços, essa indemnização será devida independentemente do período de tempo durante o qual a garantia tiver sido mantida (cf. artigo. 53/2 da LGT). Se a anulação, total ou parcial, não tem por fundamento um erro daquele tipo (designadamente, se a liquidação for anulada por erro imputável ao próprio contribuinte ou por vício de forma ou incompetência) a indemnização só é devida se a garantia tiver sido mantida por mais de três anos (cf. artigo. 53/1, da LGT).
O objetivo da norma é assim indemnizar o contribuinte pelos prejuízos que teve com a prestação de uma garantia que não teria que prestar se a Administração não tivesse atuado ilegalmente.
Vejamos, então, se houve erro imputável aos serviços.
O erro, de facto ou de direito, para gerar dever indemnizatório, terá de ser imputável aos serviços.
No caso, a determinação da matéria coletável e a liquidação foi levada a cabo pelo próprio Contribuinte, pelo que estaria afastada a possibilidade de existir erro imputável aos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira, no momento em que são praticados os atos que determinam a quantia a pagar.
Todavia, a Impugnante alegou ainda ter-se visto na contingência de autoliquidar imposto de forma errada, uma vez que o sistema informátic o da Autoridade Tributária e Aduaneira não permitia a submissão de declaração de rendimentos com outra fórmula de cálculo da derrama.
A Impugnante defende, pois, ter efetuado a autoliquidação da derrama em erro sobre a base de incidência do tributo.
E, considera-se como erro imputável aos serviços, o erro na autoliquidação (artigo 78/1.2 LGT).
Como ensinam Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, não há fundamento para uma distinção entre os vários tipos de impostos para estabelecer o dever de corrigir oficiosamente erros nas liquidações que beneficiaram a Administração.
Na verdade, os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua atividade (artigos 266/2 da CRP e 55º da LGT), impõem que sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido em face da lei.
E, concluem os insignes Autores: por isso, sob pena de inconstitucionalidade, deverão interpretar-se as normas que preveem a revisão oficiosa com fundamento em erro imputável aos serviços como não excluindo o dever de revisão em todos os casos em que se constatar, dentro do prazo em que a revisão é possível, que foi liquidado imposto em excesso.
Em suma: consideramos que se encontram reunidos os pressupostos de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no ressarcimento dos custos suportados pela Impugnante para prestação e manutenção da garantia bancária. Assim, e como vimos, para que seja devida é necessário o preenchimento dos seguintes requisitos: (a) que haja um erro num ato de liquidação de um tributo; (b) que ele seja imputável aos serviços; (c) que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial.”

A Recorrente Fazenda Pública apenas não se conforma com o decidido, na parte referente à decisão que condenou a Fazenda Pública em indemnização pelos custos incorridos pela Impugnante para prestação de garantia. Portanto, não constitui objeto do presente recurso a parte em que se decidiu pela inutilidade supervivente da lide (parcial).

Antes de mais, cumpre alterar a matéria de facto ao abrigo do art. 662.º, n.º 1, do CPC, porque necessário para a decisão da causa:

C) Na sequência da não validação referida na alínea B) a Impugnante entregou nova declaração modelo 22, com derrama declarada de 639 306,61€, de acordo com o ofício circulado n.º 201…., de 14/04/2008 (cf. fls. 122 a 129 dos autos, e informação junto ao processo administrativo);

D) Em 2011.09.20 deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra a presente impugnação da liquidação referida na alínea I) - (cf. fls. 3 dos autos);

Adita-se à matéria de facto os seguintes pontos:

I) Na sequência da apresentação da declaração modelo 22 referida na alínea C) foi emitida a liquidação de IRC n.º 2310……, de 04/07/2011, com derrama declarada de 961.092,59€, resultando imposto a pagar no valor de 228.651,09€ (cf. demonstração de liquidação de fls. 340 dos autos);

J) A liquidação referida na alínea I) não foi paga, tendo sido extraída certidão de dívida com base na qual foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 365420……. para a cobrança coerciva da dívida (cf. ofício de citação pessoal de fls. 345 dos autos);

L) Em 23/10/2015 foi informado à Impugnante, pelo chefe do serviço de finanças adjunto, que o processo de execução fiscal mencionado na alínea F) foi declarado extinto pelo órgão de execução fiscal na sequência da anulação da dívida exequenda (cf. documento de fls. 622 dos autos).

Deste modo, satisfazendo-se, ainda que não exatamente como requerido, a pretensão de alteração de matéria de facto requerida no ponto F) das contra-alegações.

Estabilizada a matéria de facto, apreciemos o mérito do recurso.

Como decorre das alegações de Recurso, a Fazenda Pública, relativamente à parte recorrida, invoca erro de julgamento de facto por incorreta apreciação da matéria de facto, porque não foi feita qualquer prova nos autos que sustente a conclusão da Meritíssima juíza do TAF de Sintra de que se verifica “erro imputável aos serviços” para efeitos da indemnização relativo aos custos com a prestação de garantia bancária. Entende que a Impugnante não provou que a prestação de garantia lhe tenha causado danos, e nessa medida, a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 171.º, do CPPT e 53.º da LGT.

Contudo, tal como resulta da matéria de facto aditada, a prova se encontrava efetuada no processo, o que sucedeu é que não foram discriminados como provados todos os factos relevantes para a decisão.

Ainda que não se tenha levado ao probatório todos os factos necessários a suportar o entendimento jurídico vertido na sentença recorrida, a verdade é que, com a alteração da matéria de facto pelo seu aditamento oficioso com base nos documentos juntos aos autos e ao processo administrativo, verifica-se que, na aplicação do direito aos factos provados não existe qualquer erro de julgamento.

Senão, vejamos.

Resulta provado nos autos que a impugnação apresentada diz respeito à liquidação de IRC referida na alínea I) da matéria de facto alterada nesta sede. Essa liquidação surge no contexto em que a Impugnante apresenta uma declaração modelo 22 de acordo com o ofício circulado n.º 201…., de 14/04/2008 (cf. alínea I) e C) da matéria de facto alterada). Não obstante, a Impugnante não concordou com os montantes da derrama que teve de declarar de acordo com aquela orientação administrativa, e por isso impugnou aquela liquidação com os fundamentos constantes da p.i.

Ora, não tendo pago o montante de imposto apurado naquela liquidação foi instaurado o respetivo processo de execução fiscal (cf. alínea j) da matéria de facto aditada), no âmbito do qual foi prestada pela Impugnante garantia bancária (cf. alínea F) dos factos provados). Essa garantia foi cancelada (alínea G) dos factos provados) porque o processo de execução fiscal foi extinto por anulação da dívida exequenda (cf. alínea L) dos factos provados). Ou seja, foi a AT que por sua iniciativa anulou a liquidação impugnada, e tanto assim é que conforme resulta da alínea E) o montante da derrama foi efetivamente corrigido pela emissão de uma demonstração de liquidação, para um valor praticamente idêntico ao que pretendia inicialmente a Impugnante declarar (cf. alínea A) da matéria de facto).

Portanto, da conjugação de toda a matéria de facto dada como provada, dúvidas não restam que a anulação da liquidação impugnada pela AT assentou numa errónea interpretação do direito consubstanciada na aplicação da doutrina veiculada pelo ofício circulado em causa, no que toca à derrama, e que vem a ser reconhecida pela AT. Aliás, nas conclusões de recurso da Fazenda Pública, em momento algum se coloca em causa que assim não tenha sido, ou seja, não se diz que não há erro imputável aos serviços, mas tão-somente, se adota a posição jurídica que sem estarem dados como provados factos suficientes, não poderia ter sido concedida a indemnização, situação que o presente tribunal já supriu nos termos do art. 662.º, n.º 1 do CPC.

Portanto, sendo a dívida de IRC que se encontra impugnada nos presentes autos, anulada pela AT nos termos supra expostos, então, se poderá concluir que aquela reconheceu que o imposto foi indevidamente liquidado, e nessa medida verifica-se o erro imputável aos serviços.

Com efeito, o “erro imputável aos serviços”, pressuposto para o direito à indemnização existe no caso em apreço porque a declaração subjacente à liquidação foi apresentada de acordo com orientações genéricas da AT, liquidação essa que é posteriormente anulada (nesse sentido, v. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário - anotado e comentado, Vol. I, 6.º Ed., Áreas Editora, 2011, p. 530).

Assim sendo, e ao contrário que entende a Recorrente Fazenda Pública encontram-se reunidos o pressuposto previsto no art. 53.º, n.º 2 da LGT, ou seja, verifica-se o erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, e portanto, a Recorrida tem direito a ser indemnizada nos termos do n.º 1 daquele preceito legal, pois teve de suportar os montantes enunciados na alínea H) dos factos provados, conforme documentos juntos aos autos que suportam o facto dado como provado, e que não foi impugnado pela Recorrente nos termos do disposto no art. 640.º do CPC, para manutenção da garantia que se veio a relevar indevida por força da anulação pela AT da liquidação impugnada.



Em face do exposto, improcede o recurso.

Em matéria de custas o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual paga custas a parte que lhes deu causa. Vencida na presente causa a Recorrente, esta deu causa às custas do presente processo (n.º 2), e, portanto, deve ser condenada nas respetivas custas (n.º 1, 1.ª parte).

Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)

O “erro imputável aos serviços”, pressuposto para o direito à indemnização por garantia indevidamente prestada nos termos do n.º 1 e 2, do art. 53.º da LGT, existe quando a declaração subjacente à liquidação foi apresentada de acordo com orientações genéricas da AT, liquidação essa que vem a ser posteriormente anulada pela AT.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.
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Custas pela Recorrente.
D.n.
Lisboa, 17 de setembro de 2020.



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Cristina Flora

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Tânia Meireles da Cunha

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Mário Rebelo