Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 06133/12 |
Secção: | CT - 2.º JUÍZO |
Data do Acordão: | 01/22/2013 |
Relator: | BENJAMIM BARBOSA |
Descritores: | DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE COMERCIAL - DÍVIDAS FISCAIS - INCONSTITUCIONALIDADE |
Sumário: | I. O principio da limitação da responsabilidade dos sócios impede que estes respondam para com os credores pelas dívidas da sociedade, salvo estipulação contratual em contrário (art.º 197º, n.º 3, do CSC). II. Por essas dívidas responde o património da sociedade, excepto, designadamente, em caso de extinção, situação em que os sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada (art.º 163.º do CSC). III. A existência de dívidas de natureza fiscal ainda não exigíveis à data da dissolução não obsta à partilha do seu património; IV. Atentos os princípios referidos em I. e II supra, o art.º 147.º, n.º 2, do CSC, deve ser interpretado no sentido de que a responsabilidade dos sócios não é limitada pelo valor da respectiva quota, mas pelo valor global dos bens partilhados. V. Nesta perspectiva o art.º 147.º, n.º 2, do CSC, não cria quaisquer novas responsabilidades tributárias à revelia da Assembleia da República, podendo apenas ser visto, quando muito, como mero desincentivo à partilha dos bens da sociedade dissolvida enquanto não estiverem liquidadas todas as dívidas fiscais da mesma. Não é, por isso, inconstitucional. |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO 2º JUÍZO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:
1 - Relatório a) - As partes e o objecto do recurso A Fazenda Pública, inconformada como despacho de fls. 105 dos autos, que a condenou em multa, e com a sentença de fls. 162 e ss., que anulou o despacho que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia apresentado pelo recorrido A..., veio interpor dois recursos jurisdicionais, em cujas alegações concluiu: Quanto ao 1.º recurso: Quanto ao 2.º recurso: Não houve contra-alegações. Neste TCA Sul o EMMP emitiu parecer no sentido de ser rejeitado o recurso da decisão que condenou em multa e concedido provimento ao outro recurso. * Sem vistos vem o processo à conferência. * 2 – Fundamentação a) De facto * 10. Em 28.02.2011 a sociedade executada requereu ao OEF a dispensa de prestação de garantia para suspensão do PEF (fls. 26 e ss.); 11. Por despacho de Senhor Chefe do SF de Leiria, de 04.03.2011, foi aquele requerimento indeferido (fls. 40 e ss.); 12. Deste despacho a executada apresentou RAOE junto deste tribunal, que correu termos sob o n.° 437/11 (fls. 40 e ss.); 13. Por decisão judicial proferida no âmbito do referido processo, em 10.05.2011, foi aquela reclamação julgada procedente por falta de fundamentação do despacho recorrido (fls. 40 e ss.); 14. Por decisão do Exmo. Senhor Chefe do SF de Leiria, de 13.07.2011 foi determinado o valor da garantia a prestar, que o fixou em €1.001.978,52 para suspensão da execução contra a executada; 15. E que a mesma deveria ser prestada pelos sócios como responsáveis solidários, entre os quais o ora reclamante Pedro Rodrigues (fls. 5 e ss., do PEF em anexo); 16. Em 02.01.2012 o reclamante requereu ao OEF a dispensa de prestação da referida garantia (fls. 76 e ss.); 17. Por despacho do Senhor Chefe do SF de Leiria, de 18.01.2012, foi aquela pretensão indeferida (fls. 88 e ss.); 18. Do referido despacho consta o teor de fls. 88 e ss., o qual se dá aqui por integralmente reproduzido; 19. Deste despacho o reclamante apresentou a presente reclamação. 20.O despacho referido em 17. tem o seguinte teor: (…) (imagem) * b) De Direito A primeira questão diz respeito à apreciação do recurso relativo à condenação em multa da Autoridade Tributária (AT). O argumento esgrimido pela Fazenda Pública é de que a AT não recebeu os faxes através dos quais terão sido notificados os despachos judiciais que impunham a colaboração desta na prestação de informações. Conforme decorre da matéria de facto provada, dos autos consta cópias dos faxes que aparentemente terão sido enviados ao SF de Leiria. Mas inexiste qualquer comprovativo de que esses faxes tenham sido recebidos no terminal receptor, razão pela qual não podia a Mm.ª Juíza a quo concluir que a AT tinha sido notificada dos despachos para daí extrair a conclusão que recusou a colaboração e com isso merecia ser condenada em multa. Essa condenação pressupunha, obviamente, que fosse feita uma indagação prévia - ainda que perfunctória - sobre a efectiva recepção dos faxes, sem a qual não podia concluir-se pela recusa na colaboração solicitada. O despacho é por isso ilegal, na medida em que se baseia em dois pressupostos - de que ocorreu a notificação e de que houve recusa de colaboração - que não estão demonstrados. Tem, pois, de ser revogado. * Quanto ao segundo recurso: A jurisprudência do STA tem perfilhado a orientação, embora com flutuações na argumentação, de que o processo de execução fiscal tem natureza judicial, nos termos do art.º 103.º, nº 1 da Lei Geral Tributária, sem prejuízo da participação dos órgãos da administração tributária em actos que não tenham natureza jurisdicional, designadamente na prática de actos materialmente administrativos. E embora considere como tal o acto que decide o pedido de dispensa de prestação de garantia, entende que não lhe é aplicável o princípio da audiência prévia. Seguindo a linha de raciocínio e a doutrina expendida no sumário do acórdão de 08-08-2012 (Proc. 0803/12), dir-se-á que “o n° 1 do artigo 103° da LGT, ao referir que «o processo de execução fiscal tem natureza judicial», exprime literalmente o sentido de que a execução fiscal se realiza através de um «processo» e não de um «procedimento administrativo», no pressuposto hoje indiscutível que estamos perante realidades com natureza distintas”. Deste modo, “da alínea h) do n° 1 do artigo 54° da LGT e da alínea g) do n° 1 do artigo 44° do CPPT resulta que apenas se inclui no âmbito do procedimento tributário a «cobrança das obrigações tributárias, na parte que não tiver natureza judicial”. Ora, “como o processo de execução fiscal é todo ele de natureza judicial, independentemente da natureza materialmente administrativa ou jurisdicional dos actos que nele sejam praticados, a conclusão lógica é que as normas previstas para o procedimento não se aplicam à categoria processo de execução fiscal”. Assim sendo, “o acto de indeferimento do pedido de prestação de garantia é um acto predominantemente processual: impede o efeito suspensivo da execução, procedendo-se de imediato à penhora ou à compensação de dívidas (cfr. n° 2 do art. 169° n° 1 do art. 289° do CPPT)”. O que permite concluir que “à formação desse acto processual não se aplicam as regras do procedimento tributário designadamente a do artigo 60.º da LGT”. Acrescente-se que mesmo na perspectiva de outra jurisprudência do STA, estando o acto em causa inserido num processo de natureza urgente, só por si esta circunstância justificaria a preterição da formalidade de audiência prévia [art.º 103.º, nº1, al. a) do Código de Procedimento Administrativo aplicável ex vi do art.º 2.º, al. c) da LGT]. De resto, recaindo sobre o requerente da dispensa da garantia o ónus de indicar todas as razões que justificam o pedido, a explanação das mesmas constitui uma verdadeira participação no procedimento de formação do acto administrativo, que dispensa a sua audição posterior. Tem por isso razão a FP, quando diz que a sentença padece de erro de julgamento por ter decidido anular o acto em causa por julgar verificado o vício formal de preterição da audiência prévia. É certo que a sentença entende que se impunha essa audição face ao valor em causa da garantia; todavia, esse argumento não encontra qualquer suporte legal, sendo certo que a lei não incluiu nos poderes anulatórios do tribunal qualquer juízo de conveniência, como foi concretamente o caso. Esse valor interessa, outrossim, para aferir se o despacho sindicado andou bem na aplicação do princípio da legalidade e da proporcionalidade. Dito de outro modo, o montante da garantia pode relevar para a apreciação da ilegalidade intrínseca do acto mas não como argumento de suporte para a decisão judicial, que obviamente não pode subsistir. Por conseguinte e neste aspecto procede a argumentação da Fazenda Pública. Todavia, como a sentença não abordou outras questões que tinham sido suscitadas, cumpre apreciá-las em substituição. Em primeiro lugar para dizer que não faz sentido argumentar-se que enquanto não for decidido o procedimento de dispensa de prestação de garantia feito em nome da devedora originária não pode ser exigida qualquer outra prestação de garantia, com fundamento no art.º 9.º do CPA. É que este normativo tem de ser interpretado no sentido de apenas ser aplicável às relações jurídicas directamente estabelecidas entre cada administrado e a Administração e não às relações meramente reflexas e relacionadas com terceiros. Tanto mais que no caso presente a prestação da garantia – ou a sua dispensa – emerge de título executivo diferente daquele que suporta a execução contra a devedora principal, pois são diferentes os pressupostos legais e factuais invocados pela AT para reverter a execução contra o obrigado subsidiário e ora recorrido. Por outro lado é inócua a argumentação de que não tendo sido revogado o respectivo procedimento nem podendo sê-lo, a prestação de garantia em causa nestes autos teria de ser anulada. É que a figura da revogação é privativa dos actos administrativos e não dos procedimentos. Quanto à produção de prejuízos de difícil reparação, a matéria alegada pelo reclamante/recorrido não é de molde, no confronto com os argumentos do despacho recorrido, a justificar a formulação de um juízo positivo acerca da sua existência, quer porque o património e os rendimentos invocados no despacho apontam em sentido diferente, quer porque a este propósito o reclamante/recorrido apenas aduz considerações genéricas e conclusivas. Improcedem, pois, estas questões alegadas na petição inicial. Porém, as questões alegadas na p.i. não se resumem às acima referidas. Também foi alegada uma outra, relativa à invocada inconstitucionalidade do art.º 147.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais (CSC). No caso sub judice a execução em apreço foi revertida contra o executado na sequência da liquidação da sociedade devedora originária. Nos termos da interpretação combinada dos artigos 147º, 152º, 154º, 156º, 158º 162º, 163º e 164º do CSC, a sociedade comercial extinta deixa de ter personalidade jurídica, mantendo-se porém algumas das relações jurídicas de que era titular, designadamente as obrigações não cumpridas no momento da liquidação. Por regra, só o património social responde para com os credores pelas dívidas da sociedade, salvo estipulação contratual em contrário (art.º 197º, n.º 3, do citado diploma legal). É o chamado principio da limitação da responsabilidade dos sócios em sociedades de responsabilidade limitada, que todavia sofre excepções, nomeadamente a prevista no art.º 163.º, que em relação ao passivo superveniente determina que “encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada.” Contudo, o art.º 147.º, n.º 2, dispõe que “as dívidas de natureza fiscal ainda não exigíveis à data da dissolução não obstam à partilha nos termos do número anterior, mas por essas dívidas ficam ilimitada e solidariamente responsáveis todos os sócios, embora reservem, por qualquer forma, as importâncias que estimarem para o seu pagamento”. O número anterior a que a norma se refere (n.º 1), tem a seguinte redacção: “Sem prejuízo do disposto no artigo 148.º, se, à data da dissolução, a sociedade não tiver dívidas, podem os sócios proceder imediatamente à partilha dos haveres sociais, pela forma prescrita no artigo 156.º”. Decorre da interpretação combinada destas duas normas que a partilha é impedida pela existência de dívidas comuns e de dívidas fiscais consolidadas, mas não de dívidas fiscais ainda não exigíveis à data da partilha. Mas, a amplitude da responsabilidade não é aquela que parece resultar de uma interpretação meramente literal e apressada do n.º 2. Por um lado essa amplitude não pode ultrapassar o limite estabelecido no art.º 197.º, n.º 3, sob pena de se entender que a posição muito mais favorável para o Estado daí resultante violaria o princípio da proporcionalidade e a igualdade entre credores, e por outro compete sempre à AT provar que a sociedade tinha bens e que esses bens foram partilhados, por se tratar de factos constitutivos do seu direito (art.º 342.º, n.º 1, do C.C.)(1). Ou seja, compete-lhe essa prova e nessa medida os sócios respondem solidariamente, até ao valor dos bens partilhados, não sendo essa responsabilidade limitada pelo valor da respectiva quota, sem prejuízo do sócio que efectuar à Fazenda Pública pagamento superior à sua quota-parte gozar de direito de regresso contra os outros sócios, nos termos gerais (cfr. art.º 524.º do Código Civil). Cremos que foi com este sentido que o legislador usou o termo ilimitadamente, que não pode pois ser encarado como sinónimo de responsabilidade absoluta por dívidas fiscais ainda não exigíveis à data da partilha. Com efeito, a dissolução da sociedade acarreta uma situação de indivisão dos bens (que eventualmente existam) a partilhar; nesse contexto, por razões de utilidade, os sócios podem evitar a intervenção do liquidatário partilhados directamente entre si os bens adicionais(2). Mas se não for feita a partilha o limite será sempre o acervo de bens a partilhar. Portanto, presumindo que o legislador consagrou a solução mais adequada (art.º 9.º, n.º 2, do Código Civil), parece que não poderá ser outra a interpretação a extrair do preceito em causa, que visa acautelar e nada mais do que isso a posição da Fazenda Pública nas dívidas fiscais que muito provavelmente existem à data da dissolução mas que só virão a concretizar-se algum tempo depois(3). Nesta perspectiva o art.º 147.º, n.º 2, não cria quaisquer novas responsabilidades tributárias à revelia da Assembleia da República, podendo apenas ser visto, quando muito, como mero desincentivo à partilha dos bens da sociedade dissolvida enquanto não estiverem liquidadas todas as dívidas fiscais da mesma. Não é, por isso, inconstitucional. Quanto à exigibilidade da garantia ou à sua amplitude, por não ter havido partilha face à inexistência de bens ou menor valor destes da sociedade dissolvida, não é questão que diga respeito a este meio processual. Com efeito, situando-se ao nível da inexistência ou dos limites do título executivo, é no processo executivo que tal questão deve ser colocada. Quanto à alegada exagerada dimensão da garantia: Decorre do disposto no art.º 52.º, n.º 4, da LGT, que “a administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado”. A tese do executado/recorrido é de que a garantia que lhe é exigida é desproporcionada face à sua capacidade económica. No que concerne aos argumentos esgrimidos pelo recorrido/executado, de natureza genérica ou conclusiva, nenhum deles prevalece no confronto com a fundamentação do despacho em causa, onde se demonstra que o executado/reclamante aufere elevados rendimentos e é titular de um vasto património. Por seu lado este não demonstra em concreto a impossibilidade de obter garantia bancária, sendo manifestamente exageradas as afirmações de que a sua prestação o colocam na situação de ficar impedido de prover à sua subsistência. Nada é referido, em concreto, que demonstre o inverso do referido no despacho reclamado, cujos fundamentos não parece que estejam viciados por qualquer erro grosseiro, manifestamente evidente ou palmar. Em resumo e para concluir, o recurso merece provimento, devendo a sentença ser revogada e, em substituição, reconhecer-se que a reclamação não pode proceder. * 3 - Dispositivo Em face de todo o exposto acordam em conceder provimento aos recurso e, em consequência: Sem custas quanto ao recurso do despacho de fls. 105, por falta e oposição. No mais, custas pelo recorrido em ambas as instâncias. Notifique e d.d.n. Lisboa, 2013-01-22 (Benjamim Barbosa, Relator) (Pedro Vergueiro) (Pereira Gameiro) |