Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06133/12
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:01/22/2013
Relator:BENJAMIM BARBOSA
Descritores:DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE COMERCIAL - DÍVIDAS FISCAIS - INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário:I. O principio da limitação da responsabilidade dos sócios impede que estes respondam para com os credores pelas dívidas da sociedade, salvo estipulação contratual em contrário (art.º 197º, n.º 3, do CSC).
II. Por essas dívidas responde o património da sociedade, excepto, designadamente, em caso de extinção, situação em que os sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada (art.º 163.º do CSC).
III. A existência de dívidas de natureza fiscal ainda não exigíveis à data da dissolução não obsta à partilha do seu património;
IV. Atentos os princípios referidos em I. e II supra, o art.º 147.º, n.º 2, do CSC, deve ser interpretado no sentido de que a responsabilidade dos sócios não é limitada pelo valor da respectiva quota, mas pelo valor global dos bens partilhados.
V. Nesta perspectiva o art.º 147.º, n.º 2, do CSC, não cria quaisquer novas responsabilidades tributárias à revelia da Assembleia da República, podendo apenas ser visto, quando muito, como mero desincentivo à partilha dos bens da sociedade dissolvida enquanto não estiverem liquidadas todas as dívidas fiscais da mesma. Não é, por isso, inconstitucional.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO 2º JUÍZO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:

1 - Relatório

a) - As partes e o objecto do recurso

A Fazenda Pública, inconformada como despacho de fls. 105 dos autos, que a condenou em multa, e com a sentença de fls. 162 e ss., que anulou o despacho que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia apresentado pelo recorrido A..., veio interpor dois recursos jurisdicionais, em cujas alegações concluiu:

Quanto ao 1.º recurso:
1. O presente recurso tem como objecto a decisão da Mma. Juiz a quo de condenar a Administração Fiscal (AF) em multa no valor de €306.00, por falta de colaboração com o Tribunal, ao abrigo do disposta nos artigos 519.º do CPC e 99.º/2 da LGT (certamente por lapso o despacho refere o CPPT).
2. Contudo, o Serviço de Finanças demandado prestou a informação judicialmente solicitada (montante da execução na origem dos autos) a coberto do oficio n.º 3372/3, de 2012/06/20.
3. E simultaneamente, informou que não havia recepcionado todo o aludido expediente enviado anteriormente pela secretaria do TAF.
4. Pois que apenas através de notificação do despacho judicial condenatório e 2012/06/12, este remetido via postal e através do oficio de 2012-06-14, com data de entrada/recepção de 2012/06/18 (entrada n.º 8294), é que o Serviço de Finanças ficou constituído na obrigação de colaborar com o douto tribunal.
5. O que fez prontamente em 2012-06-20, mediante o já aludido oficio n°33713.
6. Além de que, compulsados os autos, se constata que todas as comunicações do TAF de Leiria datados de 2012/05/09, 2012/05/16 e 2012/0.5128 contêm a menção de "urgente ­via fax" aposta, sendo certo que o Serviço de Finanças afirma não as ter recebido.
7. Tal tacto podia ser facilmente comprovada pela consulta dos correspondentes comprovativos de remessa/recepção, certamente negativos.
8. No caso vertente, não foi observado o principio de inquisitório - art. 99.º/1 da LGT, pois que não foi feito tudo o que se podia ter feito, de molde e apurar as reais circunstâncias de facto reportadas pelo oficio n° 337213, de 2012-06-20 do Serviço de Finanças demandado.
9. Inexistindo no caso vertente uma verdadeira recusa de colaboração ou uma qualquer quebra no dever de colaboração. 'também não existe matéria para condenar a AT na multa em causa, fundada precisamente na falta de colaboração com o Tribunal.
10. Ao condenar a AT na multa de 306,00€, por falta de colaboração com o Tribunal a decisão ora recorrida enferma de erro de julgamento que determinou a errada aplicação do direito, consubstanciado na incorrecta apreciação e valoração da matéria factual, como igualmente na errada interpretação dos preceitos legais, designadamente, do artigo 519°/1 e 2 do CPC e do artigo 99.º/1 e 2 de LGT. pelo que não deve manter-se.

Quanto ao 2.º recurso:
1. Tendo sido alegada a falta de notificação para o exercício de direito de audição no âmbito de decisão da AT respeitante a pedido de dispensa de prestação de garantia para suspensão da execução fiscal, a mui douta sentença recorrida decido julgar procedente a alegação por considerar que a situação controvertida não se encontrava expressamente prevista nos casos de dispensa de audiência, pela que a sua falta gerava um vicio do procedimento tributário, o qual, atento o montante muitíssimo elevado da garantia fixada impunha e justificava, por si só, a audiência prévia do interessado.
2. Assente na convicção de que o art. 60° da LGT não tem aplicabilidade no processo executivo fiscal se deduz e presente.
3. Pois que, desde logo, em sede de sistematização da LGT, significativamente, o art. 60.º encontra-se inserido nas normas que regulam o "procedimento tributário” e o processo de execução fiscal não integra a elenco exibido peto art. 54° da LGT.
4. Depois, o n.º 1 do art.º 103.º da LGT afirma claramente que “O processo de execução fiscal tem natureza judicial, sem prejuízo da participação dos órgãos da administração tributária”, acrescentando o n.º 2 que "É garantido aos interessados o direito de reclamação para o juiz de execução dos actos materialmente administrativos praticados por órgãos da administração tributária, nos termos do número anterior.
5. E a alínea f) do art. 10° do CPPT estabelece que compete aos serviços da administração tributária instaurar os processos de execução fiscal e realizar os actos a estes respeitantes, promovendo administrativamente a sua tramitação, salvo aqueles especialmente previstos no n° 1 do art 151° do CPPT, designadamente, as reclamações dos actos materialmente administrativos praticados pelos órgãos da execução fiscal.
6. Da conjugação dos normativos antes referidos resulta que, apesar da natureza judicial do processo de execução fiscal, existem actos administrativos na execução que podem ser praticados pela AT (nomeadamente, o acto de decidir sobre o pedido de dispensa de garantia) e que o processo de execução fiscal não perde a sua natureza judicial, mesmo na fase em que corre termos junto das autoridades administrativas, tanto que são passíveis de reclamação para o juiz todos os actos que seriam passíveis de recurso jurisdicional se a decisão tivesse sido proferida por um juiz.
7. Tudo para concluir que em sede do processo de execução fiscal não estamos no âmbito do procedimento tributário e, consequentemente, o art. 60.º da LGT não tem aplicação no processo executivo fiscal, pelo que resulta sem sentido afirmar a sua violação,
8. Acrescendo que, mesmo que se entendesse corno aplicável o art. 60.º da LGT ao caso vertente, a formulação do art. 170°/3 do CPPT tem subjacente que a decisão proferida não pode ser alterada em sede de direito de audição, uma vez que o normativo legal impõe (e apenas assim se pode interpretar a forma imperativa adoptada peto legislador fiscal) que a fundamentação e instrução do requerimento tenha de ser contemporânea com a sua apresentação junto do ôrgão da execução fiscal, fazendo recair sobre interessado o ônus de carrear para o pedido todos as respectivos elementos demonstrativos e confinnahvos, dispensando a AT de verdadeiras dlligências instrutórias.
9. E neste enfoque, ausente o carácter obrigatório, por imposição do quadro legal vigente, não sendo inütil, resulta dispensada, por desnecessidade de qualquer previa audiência dos interessados quanto a tal tema, pelo que o despacho posto em crise deveria ser mantido, em nome do princípio da celeridade (art. 55.º da LGT) e do principio do aproveitamento dos atos úteis, uma vez que inexistia uma verdadeira possibilidade de a intervenção do interessado poder influenciar o conteúdo daquele acto.
10. Ao não decidir pela manutenção da decisão posta em crise, a sentença sob recurso enferma de erro de julgamento que determinou a errada aplicação do direito, consubstanciado na incorrecta apreciação e valoração da matéria factual e na errada interpretação dos preceitos legais, designadamente, dos artigos 276.º e 277.º do CPPT, do art. 60.º da LGT e do art 125.º do CPA, pelo que não deve manter-se.

Não houve contra-alegações.

Neste TCA Sul o EMMP emitiu parecer no sentido de ser rejeitado o recurso da decisão que condenou em multa e concedido provimento ao outro recurso.


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Sem vistos vem o processo à conferência.

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2 – Fundamentação

a) De facto
1. Por despacho de 08-05-2012, proferido a fls. 99 dos autos, foi determinado que o OEF prestasse informação, em cinco dias, sobre o valor da dívida exequenda;
2. A fls. 100 consta o original da notificação desse despacho, com a menção “URGENTE – VIA FAX”, com data de 09-05-2012;
3. A fls. 101 consta o original der nova notificação do mesmo despacho, reiterando a solicitação, também com a menção “URGENTE – VIA FAX”, com data de 16-05-2012;
4. Em 24-05-2012 foi proferido novo despacho com cominação de multa por falta de colaboração;
5. A fls. 104 consta o original da notificação do despacho referido no número anterior, com a menção “URGENTE – VIA FAX” e com data de 28-05-2012;
6. A fls. 105 dos autos, foi proferido despacho, datado de 12-06-2012, condenando a Administração Fiscal em multa de 3 (três) UC, “por falta de colaboração com o tribunal, ao abrigo do disposto nos art. 519.º do CPC e 99.º, 2, do CPPT”.
7. Esse despacho foi notificado por correio datado de 14-06-2012, constando da cópia do ofício, por cima da data do mesmo, a seguinte menção aposta manuscritamente: “Após saída dos CTT”.
8. No dia 21-06-2012 deu entrada no TAF de Leiria um ofício do Serviço de Finanças de Leiria 2, onde além do mais é expressamente referido o seguinte: “Na eventual ausência de melhor soluçao, a Representação da Fazenda Pública deverá contestar a condenação que dimana da primeira parte do douto despacho de 12-06-2012”.


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9. No SF de Leiria foi instaurado o PEF n.° 36032001101006096 contra o reclamante A..., com o NIPC 165720174, e residência na Rua Dona Maria José, n.° 1, Casal dos Ferreiros, em Arrabal (cópia do PEF em anexo);
10. Em 28.02.2011 a sociedade executada requereu ao OEF a dispensa de prestação de garantia para suspensão do PEF (fls. 26 e ss.);
11. Por despacho de Senhor Chefe do SF de Leiria, de 04.03.2011, foi aquele requerimento indeferido (fls. 40 e ss.);
12. Deste despacho a executada apresentou RAOE junto deste tribunal, que correu termos sob o n.° 437/11 (fls. 40 e ss.);
13. Por decisão judicial proferida no âmbito do referido processo, em 10.05.2011, foi aquela reclamação julgada procedente por falta de fundamentação do despacho recorrido (fls. 40 e ss.);
14. Por decisão do Exmo. Senhor Chefe do SF de Leiria, de 13.07.2011 foi determinado o valor da garantia a prestar, que o fixou em €1.001.978,52 para suspensão da execução contra a executada;
15. E que a mesma deveria ser prestada pelos sócios como responsáveis solidários, entre os quais o ora reclamante Pedro Rodrigues (fls. 5 e ss., do PEF em anexo);
16. Em 02.01.2012 o reclamante requereu ao OEF a dispensa de prestação da referida garantia (fls. 76 e ss.);
17. Por despacho do Senhor Chefe do SF de Leiria, de 18.01.2012, foi aquela pretensão indeferida (fls. 88 e ss.);
18. Do referido despacho consta o teor de fls. 88 e ss., o qual se dá aqui por integralmente reproduzido;
19. Deste despacho o reclamante apresentou a presente reclamação.
20.O despacho referido em 17. tem o seguinte teor:

(…)

(imagem)


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b) De Direito

A primeira questão diz respeito à apreciação do recurso relativo à condenação em multa da Autoridade Tributária (AT).

O argumento esgrimido pela Fazenda Pública é de que a AT não recebeu os faxes através dos quais terão sido notificados os despachos judiciais que impunham a colaboração desta na prestação de informações.

Conforme decorre da matéria de facto provada, dos autos consta cópias dos faxes que aparentemente terão sido enviados ao SF de Leiria. Mas inexiste qualquer comprovativo de que esses faxes tenham sido recebidos no terminal receptor, razão pela qual não podia a Mm.ª Juíza a quo concluir que a AT tinha sido notificada dos despachos para daí extrair a conclusão que recusou a colaboração e com isso merecia ser condenada em multa.

Essa condenação pressupunha, obviamente, que fosse feita uma indagação prévia - ainda que perfunctória - sobre a efectiva recepção dos faxes, sem a qual não podia concluir-se pela recusa na colaboração solicitada.

O despacho é por isso ilegal, na medida em que se baseia em dois pressupostos - de que ocorreu a notificação e de que houve recusa de colaboração - que não estão demonstrados.

Tem, pois, de ser revogado.


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Quanto ao segundo recurso:

A jurisprudência do STA tem perfilhado a orientação, embora com flutuações na argumentação, de que o processo de execução fiscal tem natureza judicial, nos termos do art.º 103.º, nº 1 da Lei Geral Tributária, sem prejuízo da participação dos órgãos da administração tributária em actos que não tenham natureza jurisdicional, designadamente na prática de actos materialmente administrativos.

E embora considere como tal o acto que decide o pedido de dispensa de prestação de garantia, entende que não lhe é aplicável o princípio da audiência prévia.

Seguindo a linha de raciocínio e a doutrina expendida no sumário do acórdão de 08-08-2012 (Proc. 0803/12), dir-se-á que “o n° 1 do artigo 103° da LGT, ao referir que «o processo de execução fiscal tem natureza judicial», exprime literalmente o sentido de que a execução fiscal se realiza através de um «processo» e não de um «procedimento administrativo», no pressuposto hoje indiscutível que estamos perante realidades com natureza distintas”.

Deste modo, “da alínea h) do n° 1 do artigo 54° da LGT e da alínea g) do n° 1 do artigo 44° do CPPT resulta que apenas se inclui no âmbito do procedimento tributário a «cobrança das obrigações tributárias, na parte que não tiver natureza judicial”.

Ora, “como o processo de execução fiscal é todo ele de natureza judicial, independentemente da natureza materialmente administrativa ou jurisdicional dos actos que nele sejam praticados, a conclusão lógica é que as normas previstas para o procedimento não se aplicam à categoria processo de execução fiscal”.

Assim sendo, “o acto de indeferimento do pedido de prestação de garantia é um acto predominantemente processual: impede o efeito suspensivo da execução, procedendo-se de imediato à penhora ou à compensação de dívidas (cfr. n° 2 do art. 169° n° 1 do art. 289° do CPPT)”.

O que permite concluir que “à formação desse acto processual não se aplicam as regras do procedimento tributário designadamente a do artigo 60.º da LGT”.

Acrescente-se que mesmo na perspectiva de outra jurisprudência do STA, estando o acto em causa inserido num processo de natureza urgente, só por si esta circunstância justificaria a preterição da formalidade de audiência prévia [art.º 103.º, nº1, al. a) do Código de Procedimento Administrativo aplicável ex vi do art.º 2.º, al. c) da LGT].

De resto, recaindo sobre o requerente da dispensa da garantia o ónus de indicar todas as razões que justificam o pedido, a explanação das mesmas constitui uma verdadeira participação no procedimento de formação do acto administrativo, que dispensa a sua audição posterior.

Tem por isso razão a FP, quando diz que a sentença padece de erro de julgamento por ter decidido anular o acto em causa por julgar verificado o vício formal de preterição da audiência prévia.

É certo que a sentença entende que se impunha essa audição face ao valor em causa da garantia; todavia, esse argumento não encontra qualquer suporte legal, sendo certo que a lei não incluiu nos poderes anulatórios do tribunal qualquer juízo de conveniência, como foi concretamente o caso.

Esse valor interessa, outrossim, para aferir se o despacho sindicado andou bem na aplicação do princípio da legalidade e da proporcionalidade. Dito de outro modo, o montante da garantia pode relevar para a apreciação da ilegalidade intrínseca do acto mas não como argumento de suporte para a decisão judicial, que obviamente não pode subsistir.

Por conseguinte e neste aspecto procede a argumentação da Fazenda Pública.

Todavia, como a sentença não abordou outras questões que tinham sido suscitadas, cumpre apreciá-las em substituição.

Em primeiro lugar para dizer que não faz sentido argumentar-se que enquanto não for decidido o procedimento de dispensa de prestação de garantia feito em nome da devedora originária não pode ser exigida qualquer outra prestação de garantia, com fundamento no art.º 9.º do CPA. É que este normativo tem de ser interpretado no sentido de apenas ser aplicável às relações jurídicas directamente estabelecidas entre cada administrado e a Administração e não às relações meramente reflexas e relacionadas com terceiros. Tanto mais que no caso presente a prestação da garantia – ou a sua dispensa – emerge de título executivo diferente daquele que suporta a execução contra a devedora principal, pois são diferentes os pressupostos legais e factuais invocados pela AT para reverter a execução contra o obrigado subsidiário e ora recorrido.

Por outro lado é inócua a argumentação de que não tendo sido revogado o respectivo procedimento nem podendo sê-lo, a prestação de garantia em causa nestes autos teria de ser anulada. É que a figura da revogação é privativa dos actos administrativos e não dos procedimentos.

Quanto à produção de prejuízos de difícil reparação, a matéria alegada pelo reclamante/recorrido não é de molde, no confronto com os argumentos do despacho recorrido, a justificar a formulação de um juízo positivo acerca da sua existência, quer porque o património e os rendimentos invocados no despacho apontam em sentido diferente, quer porque a este propósito o reclamante/recorrido apenas aduz considerações genéricas e conclusivas.

Improcedem, pois, estas questões alegadas na petição inicial.

Porém, as questões alegadas na p.i. não se resumem às acima referidas. Também foi alegada uma outra, relativa à invocada inconstitucionalidade do art.º 147.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais (CSC).

No caso sub judice a execução em apreço foi revertida contra o executado na sequência da liquidação da sociedade devedora originária.

Nos termos da interpretação combinada dos artigos 147º, 152º, 154º, 156º, 158º 162º, 163º e 164º do CSC, a sociedade comercial extinta deixa de ter personalidade jurídica, mantendo-se porém algumas das relações jurídicas de que era titular, designadamente as obrigações não cumpridas no momento da liquidação.

Por regra, só o património social responde para com os credores pelas dívidas da sociedade, salvo estipulação contratual em contrário (art.º 197º, n.º 3, do citado diploma legal). É o chamado principio da limitação da responsabilidade dos sócios em sociedades de responsabilidade limitada, que todavia sofre excepções, nomeadamente a prevista no art.º 163.º, que em relação ao passivo superveniente determina que “encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada.”

Contudo, o art.º 147.º, n.º 2, dispõe que “as dívidas de natureza fiscal ainda não exigíveis à data da dissolução não obstam à partilha nos termos do número anterior, mas por essas dívidas ficam ilimitada e solidariamente responsáveis todos os sócios, embora reservem, por qualquer forma, as importâncias que estimarem para o seu pagamento”.

O número anterior a que a norma se refere (n.º 1), tem a seguinte redacção:

Sem prejuízo do disposto no artigo 148.º, se, à data da dissolução, a sociedade não tiver dívidas, podem os sócios proceder imediatamente à partilha dos haveres sociais, pela forma prescrita no artigo 156.º”.

Decorre da interpretação combinada destas duas normas que a partilha é impedida pela existência de dívidas comuns e de dívidas fiscais consolidadas, mas não de dívidas fiscais ainda não exigíveis à data da partilha.

Mas, a amplitude da responsabilidade não é aquela que parece resultar de uma interpretação meramente literal e apressada do n.º 2. Por um lado essa amplitude não pode ultrapassar o limite estabelecido no art.º 197.º, n.º 3, sob pena de se entender que a posição muito mais favorável para o Estado daí resultante violaria o princípio da proporcionalidade e a igualdade entre credores, e por outro compete sempre à AT provar que a sociedade tinha bens e que esses bens foram partilhados, por se tratar de factos constitutivos do seu direito (art.º 342.º, n.º 1, do C.C.)(1). Ou seja, compete-lhe essa prova e nessa medida os sócios respondem solidariamente, até ao valor dos bens partilhados, não sendo essa responsabilidade limitada pelo valor da respectiva quota, sem prejuízo do sócio que efectuar à Fazenda Pública pagamento superior à sua quota-parte gozar de direito de regresso contra os outros sócios, nos termos gerais (cfr. art.º 524.º do Código Civil).

Cremos que foi com este sentido que o legislador usou o termo ilimitadamente, que não pode pois ser encarado como sinónimo de responsabilidade absoluta por dívidas fiscais ainda não exigíveis à data da partilha.

Com efeito, a dissolução da sociedade acarreta uma situação de indivisão dos bens (que eventualmente existam) a partilhar; nesse contexto, por razões de utilidade, os sócios podem evitar a intervenção do liquidatário partilhados directamente entre si os bens adicionais(2). Mas se não for feita a partilha o limite será sempre o acervo de bens a partilhar. Portanto, presumindo que o legislador consagrou a solução mais adequada (art.º 9.º, n.º 2, do Código Civil), parece que não poderá ser outra a interpretação a extrair do preceito em causa, que visa acautelar e nada mais do que isso a posição da Fazenda Pública nas dívidas fiscais que muito provavelmente existem à data da dissolução mas que só virão a concretizar-se algum tempo depois(3).

Nesta perspectiva o art.º 147.º, n.º 2, não cria quaisquer novas responsabilidades tributárias à revelia da Assembleia da República, podendo apenas ser visto, quando muito, como mero desincentivo à partilha dos bens da sociedade dissolvida enquanto não estiverem liquidadas todas as dívidas fiscais da mesma. Não é, por isso, inconstitucional.

Quanto à exigibilidade da garantia ou à sua amplitude, por não ter havido partilha face à inexistência de bens ou menor valor destes da sociedade dissolvida, não é questão que diga respeito a este meio processual. Com efeito, situando-se ao nível da inexistência ou dos limites do título executivo, é no processo executivo que tal questão deve ser colocada.

Quanto à alegada exagerada dimensão da garantia:

Decorre do disposto no art.º 52.º, n.º 4, da LGT, que “a administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado.

A tese do executado/recorrido é de que a garantia que lhe é exigida é desproporcionada face à sua capacidade económica.

No que concerne aos argumentos esgrimidos pelo recorrido/executado, de natureza genérica ou conclusiva, nenhum deles prevalece no confronto com a fundamentação do despacho em causa, onde se demonstra que o executado/reclamante aufere elevados rendimentos e é titular de um vasto património. Por seu lado este não demonstra em concreto a impossibilidade de obter garantia bancária, sendo manifestamente exageradas as afirmações de que a sua prestação o colocam na situação de ficar impedido de prover à sua subsistência. Nada é referido, em concreto, que demonstre o inverso do referido no despacho reclamado, cujos fundamentos não parece que estejam viciados por qualquer erro grosseiro, manifestamente evidente ou palmar.

Em resumo e para concluir, o recurso merece provimento, devendo a sentença ser revogada e, em substituição, reconhecer-se que a reclamação não pode proceder.


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3 - Dispositivo

Em face de todo o exposto acordam em conceder provimento aos recurso e, em consequência:
¾ Revogar o despacho de fls. 105 dos autos que condenou em multa a AT por falta de colaboração com o tribunal;
¾ Concede-se provimento ao recurso interposto da sentença, revogando a decisão recorrida e julgando improcedente a reclamação.

Sem custas quanto ao recurso do despacho de fls. 105, por falta e oposição. No mais, custas pelo recorrido em ambas as instâncias.

Notifique e d.d.n.

Lisboa, 2013-01-22

(Benjamim Barbosa, Relator)

(Pedro Vergueiro)

(Pereira Gameiro)


1- Salvo se, em concreto, se viesse a demonstrar ter a parte contrária culposamente tornado impossível a prova ao onerado, nomeadamente por violação ou não cumprimento das regras de registo e publicidade dos actos sociais, o que poderia, eventualmente, determinar a inversão do ónus da prova nos termos do n.º 2 do art.º 344º do Código Civil, situação esta cuja apreciação não ocorre no caso em apreço.

2- Neste sentido, Raul Ventura, Dissolução e Liquidação das Sociedades, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Almedina, 4.ª reimpressão, 2011, , p. 492 e ss.
3 - Idem, ibidem, p. 271