Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:26/22.3BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:04/20/2023
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:IMPUGNAÇÃO ARBITRAL
NÃO ESPECIFICAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO
CONTRADIÇÃO ENTRE FUNDAMENTOS E DECISÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário:I - Ao contrário do que decorre do regime de recurso das decisões proferidas pelos tribunais tributários de 1.ª instância, o mérito das decisões proferidas pelos tribunais arbitrais tributários é sindicável num conjunto muito limitado de situações e nunca no âmbito da sua impugnação junto do Tribunal Central Administrativo.
II - Na impugnação da decisão arbitral junto do TCA, nos termos do art.º 27.º, n.º 1, do RJAT, tal decisão pode ser anulada, sendo que a impugnação pode ser apresentada considerando um dos fundamentos taxativamente elencados no n.º 1 do art.º 28.º do mesmo diploma, não podendo abranger qualquer erro de julgamento.
III - A nulidade por não especificação dos fundamentos de facto e de direito abrange as situações de falta absoluta de fundamentação de facto ou de direito.
IV - Verifica-se contradição real entre os fundamentos e a decisão proferida quando o discurso argumentativo constante da decisão arbitral impugnada conduza a uma decisão distinta da que foi proferida, não se confundindo a mesma com o erro de julgamento.
V - Há nulidade por omissão de pronúncia quando uma das questões suscitadas não tenha sido apreciada, se o seu não conhecimento não resultou prejudicado pela solução dada às demais questões.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

A Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante Impugnante ou AT) veio apresentar impugnação da decisão arbitral proferida, pelo Tribunal Arbitral Coletivo constituído no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no processo a que aí foi atribuído o n.º 397/2020-T, ao abrigo dos art.ºs 27.º e 28.º do DL n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária – RJAT).

Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos:

“1. A presente Impugnação visa reagir contra a decisão arbitral proferida a 11/01/2022 pelo Tribunal Arbitral Coletivo constituído no Centro de Arbitragem Administrativa no Processo 397/2020-T, que julgou procedente o Pedido determinando a anulação das liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (doravante “IVA”) relativas aos vários períodos melhor identificados no Pedido de Pronúncia Arbitral;

2. Aquela Decisão considera-se notificada à Impugnante a 14/01/2022;

3. Assim, o prazo de 15 dias para Impugnar aquela Decisão, foi o passado dia 29/01/2022, que por se tratar de sábado, se transfere para o primeiro dia útil seguinte, a segunda feira dia 31/01/2022.

4. Desta forma, tem de se concluir pela tempestividade da presente Impugnação.

5. A Impugnante não concorda a decisão proferida pelo Tribunal Arbitral por entender que: (a) a mesma não especificou os fundamentos de facto que justificam a decisão; (b) os fundamentos apontados estão em oposição à decisão e, (c) incorreu em Omissão de Pronúncia;

6. No tocante ao primeiro ponto, o Tribunal Arbitral deu como provado, entre outros que, do RIT constava que “a faturação da prestação de serviços de nutrição não beneficia da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA, estando sujeita a tributação nos termos gerais do CIVA, uma vez que os serviços de aconselhamento nutricional, disponibilizados em complemento da atividade física, não se enquadram no conceito de prestações de serviços médicos nem visam a assistência médica, diagnóstico, tratamento de doenças ou quaisquer anomalias de saúde.”

7. E, transcreveu no ponto 24) da factualidade provada, a parte do RIT, na qual se inclui este excerto e, outros, que evidenciam, salvo melhor opinião, que os SIT consideraram que a aplicação da isenção, em suma (e entre outros), não era legal, porque não se enquadrava no conceito de serviços médicos e, que a demonstrá-lo estava o facto de tais serviços serem facturados (com recurso à isenção), independentemente de serem ou não, efectivamente prestados.

8. Para mais tarde concluir na decisão impugnada que a alegação pela Impugnante da falta de finalidade terapêutica das consultas de nutrição e bem assim, da falta de efectividade da prestação dos serviços, constitui fundamentação à posteriori, por que não foi fundamento das liquidações impugnadas;

9. Contudo, da análise da referida decisão não se compreende quais os fundamentos em concreto nos quais o Tribunal a quo fundou a sua convicção, até porque da análise do constante do RIT (dado como reproduzido na decisão impugnada), tudo aponta no sentido contrário àquele em que arrimou o areópago;

10. Pelo que, se deve dar por provado que a decisão não especificou os fundamentos de facto que justificam a decisão, na parte relativa à sua conclusão de que a falta de finalidade terapêutica dos serviços não foi fundamento das correcções e que, assim, constitui fundamentação à posteriori e, a necessária desconsideração pelo Tribunal do feito constar do RIT a este respeito, com todas as consequências legais.

11. Pelo mesmo motivo, na falta de qualquer fundamento que em detrimento do que foi dado como provado constar do RIT, permita a conclusão formulada na decisão impugnada, de que, apesar do acima referido como parte do RIT, a alegação pela Impugnante da falta de finalidade terapêutica das consultas de nutrição e/ou, a falta de efectividade de prestação dos serviços, constitui fundamentação à posteriori, ou seja, que não foi fundamento das liquidações impugnadas, se deve concluir que esta conclusão está em contradição com os fundamentos da mesma.

12. E, por não se verificar tal fundamentação à posteriori, sempre se deveria ter o Tribunal pronunciada sobre aquela questão, que foi levantada no Pedido de Pronúncia Arbitral apresentado pela Impugnada e, contraditado pela Impugnante, nas Resposta e Alegações que apresentou, verificando-se também assim, o vício de Omissão de Pronúncia, na Decisão impugnada, vício este que também deve ser dado como provado, com todas as consequências legais. 13. Entende, assim, a Impugnante que a decisão arbitral em causa se mostra contrária à lei, não podendo, por conseguinte, manter-se na ordem jurídica.

Termos em que, por todo o exposto supra e sempre com o douto suprimento de V.Exas., deve a presente Impugnação ser julgada procedente e, consequentemente, ser anulada a decisão arbitral, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA”.

Foi ordenada a notificação da H…, SA (doravante Impugnada) para alegar, nos termos consignados no art.º 144.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), ex vi art.º 27.º, n.º 2, do RJAT, tendo sido apresentadas contra-alegações, nas quais foram formuladas as seguintes conclusões:

I. Vem a presente impugnação judicial interposta da douta decisão Arbitral que anulou as liquidações de IVA da Impugnada referentes aos meses de janeiro a dezembro de 2015 e de janeiro de 2016.

II. Em sede de regime da arbitragem voluntária em direito tributário, o qual foi introduzido pelo Dec. Lei 10/2011, de 20/1 (R.J.A.T.), os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reação da decisão dos Tribunais Arbitrais para os Tribunais Centrais Administrativos, consistem na impugnação da decisão arbitral consagrada no artº. 27.º, com os fundamentos que se ancorem nos vícios de forma expressamente tipificados no artº. 28º, nº.1.

III. Na verdade, o desígnio legislativo foi de restringir os recursos das decisões arbitrais, revelado na alínea h) do nº 4 do artigo 124 da Lei 3/b/2010 de 28 de Abril, na qual a Assembleia da República deu ao Governo a autorização legislativa, na qual se baseou o DL 10/2011 de 20 de janeiro que regulamenta a arbitragem e que consagrou a regra da irrecorribilidade da decisão arbitral em matéria tributária, com exceção dos recursos de constitucionalidade e o recurso por oposição de acórdãos do STA, nos termos do art.º. 25.º do RJAT e da a impugnação da decisão arbitral, prevista nos arts.º 27.º e 28.º do RJAT.

IV. Vem a Impugnante ancorar a sua impugnação em três alíneas do art.º 28º do RJAT que correspondem a vícios de nulidade das sentenças nos tribunais arbitrários, nos termos do plasmado no artigo 125.º nº 1 do CPPT.

V. Porém, o que a Impugnante alega no seu aliás douto articulado é um erro de julgamento e não nulidade da sentença.

VI. Ora, pela própria letra da lei, o fundamento da presente impugnação não poderá assentar nas duas primeiras alíneas do art.º 28º (não especificação dos fundamentos de fato que justifiquem a decisão e oposição entre os fundamentos e a decisão), porquanto as mesmas são incompatíveis entre si.

VII. Ou não existem fundamentos e como tal a impugnação é possível atenta a alínea a) do n.º 1 do art.º 28º.

VIII. Ou os fundamentos existem e estão em oposição com a decisão e, portanto, subsume-se na alínea b) do n.º 1 do art.º 28º, mas já não na alínea a).

IX. Vem a Impugnante no seu art. 5º dizer que o Acórdão Arbitral dá como reproduzido todo o RIT no ponto 24) da matéria dada como provada para fundamentar a não especificação dos fundamentos, quando, na verdade, o que a mesma indicia no seu articulado é um erro de julgamento

X. Refere a Impugnante que da transcrição do RIT resulta evidente que os SIT entenderam que não se verificou a finalidade terapêutica nos serviços de nutrição quando eram acessórios do ginásio (o que nem sequer está em causa para os vícios invocados da nulidade da decisão!)

XI. Contudo, se lermos atentamente o RIT, a conclusão é diferente e antagónica, considerando que os Serviços SDIET são acessórios da atividade de exercício físico.

XII. Na verdade, o que ficou provado foi que os serviços de nutrição vendidos com a Sigla SDIET (únicos que foram objeto de correção aritmética) e os serviços SNUT (que não foram objeto de correção) não são diferenciados.

XIII. Não se pode concluir, como pretende a Impugnante, que do relatório dos SIT se infirma que não se verificou a finalidade terapêutica e daí a não beneficiação da isenção do IVA e a correção aritmética e como tal existira oposição entre os fundamentos e a decisão.

XIV. Ora, os fundamentos da douta decisão assentam em que os SIT basearam a correção na questão da acessoriedade e decidiu em conformidade, entendendo que os serviços de nutrição prestados pela Impugnante não são acessórios, mas autónomos e independentes.

XV. Na verdade, não estamos em sede de impugnação judicial a discutir o mérito da questão, mas tão somente vícios da decisão subsumíveis nas alienas a), b) e c) do nº 1 do artigo 28 do RJAT, ou seja, nulidades da decisão.

XVI. Na verdade, a pedra basilar de todo o relatório não tem haver com a discussão da finalidade terapêutica das consultas prestadas sob a sigla SDIET (que reitere-se são exatamente iguais às consultas SNUT), mas sim na tónica de que sendo as prestações de serviços de nutrição contratadas conjuntamente com os serviços de ginásio, são acessórios e, por essa razão, não têm fim terapêutico, ou seja, se os SIT não tivessem caracterizado os serviços como acessórios nem sequer a questão da finalidade terapêutica se punha em causa, como aconteceu nos serviços de nutrição faturados com a sigla SNUT, que como não foram considerados acessórios nem sequer se discutiu a finalidade terapêutica.

XVII. Acresce que, dúvidas não existem que os SIT apenas fizeram a diferença pelos códigos SDIET e SNUT, tendo procedido às correções de todas as faturas dos códigos SDIET.

XVIII. Ou seja, o critério distintivo não foi se as consultas foram ou não efetuadas, que aliás o próprio SIT referem existirem,

XIX. o critério distintivo não foi que as consultas SDIET não tinham fim terapêutico,

XX. sendo que o próprio tribunal na sua douta decisão refere que o Relatório assenta na questão da acesoriedade, pelo que inexiste qualquer contradição ente os fundamentos e a oposição

XXI. Andou bem o Tribunal arbitral ao considerar que a fundamentação de correção não foi a finalidade terapêutica das consultas, pois se assim fosse, não poderia justificar e fundamentar as correções com a questão de acessoriedade, pelo que não existe, por um lado, nem falta de fundamentação, nem contradição entre os fundamentos e a decisão , não sofrendo a decisão arbitral de qualquer nulidade e, portanto, não sendo suscetível este tribunal de apreciar o mérito da questão já decidida pelo tribunal arbitral

XXII. A conclusão do RIT é bem clara e assenta claramente na questão da acessoriedade.

XXIII. A decisão que se impugna especificou concretamente aos fatos que justificam a decisão, pelo que não existe qualquer nulidade de decisão nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 28º do RJAT e ainda que se houvesse erro na apreciação da matéria como provada, o que só se concede por excesso de patrocínio, não se subsumiria nas alíneas do artigo do RJAT, pelo que nunca poderia ser objeto de impugnação judicial

XXIV. A decisão impugnada fundamentou bem a sua posição no sentido de justificar porque razão não estava em causa a finalidade terapêutica das consultas tendo decidido nesse sentido não havendo qualquer oposição.

XXV. O RIT não se refere á finalidade terapêutica como justificativo da correção

XXVI. Ora, quer do relatório do Chefe de Equipa, que nem sequer faz alusão à finalidade terapêutica, mas sim à acessoriedade, quer ao critério utilizado para a correção aritmética, concluímos sem mais que os SIT não operaram as correções de IVA com base na finalidade terapêutica, mas sim com base na acessoriedade das consultas vendidas conjuntamente com os serviços de ginásio.

XXVII. Aliás, sempre foi o caracter acessório que foi discutido nos processos de IVA nos exercícios de 2013/2014 que foram decididos no Tribunal Arbitral sob os números 169/2019-T; 159/2019-T; 170/2019-T; 163/2019-T; 373/2018-T; 162/2019-T; 164/2019-T; 161/2019-T e 160/2019-T e cujos RIT são quase uma cópia integral ao dos presentes autos.

XXVIII. Na verdade, tendo o Tribunal a quo decidido que a questão basilar de correção era a questão de acessoriedade, a decisão foi no sentido de entender que os serviços de nutrição são autónomos e independentes da prestação dos serviços de ginásio, aliás na senda do doutamente decidido pelo TJUE

XXIX. Também o vício alegado pela Impugnante de omissão de pronúncia quanto ao fim terapêutico não pode prosseguir.

XXX. Ao invés do invocado pela AT, o Douto Tribunal pronunciou-se sobre esta questão.

XXXI. O que o Douto Tribunal não fez (e bem!), foi alargar o “thema decidendum” dos presentes autos à questão do fim terapêutico das consultas de nutrição quando prestadas conjuntamente com os serviços de ginásio.

XXXII. Tal prejudicaria a possibilidade de os contribuintes em relação à nova fundamentação utilizarem a globalidade dos meios de defesa administrativos e jurisdicionais previstos na lei para defesa dos seus direitos contra actos de liquidação e, desta forma, violar-se-ia um direito constitucional garantido.

XXXIII. E ainda que assim não se entendesse, conforme se pronunciou o Douto Tribunal, a legalidade do ato tem de ser aferida tal como o mesmo ocorreu, com a fundamentação que nele foi utilizada, não sendo relevantes outras possíveis fundamentações que poderiam servir de suporte a outros atos, de conteúdo total ou parcialmente coincidente com o ato praticado.

XXXIV. Atender-se ao fundamento da finalidade terapêutica, constituiria o acolhimento de uma fundamentação a posteriori, que se afasta da do próprio acto tributário em apreciação.

XXXV. Face ao exposto, a decisão em causa não enferma de nenhuma nulidade constante do art.º 28º do RJAT, pelo que os fundamentos invocados pela Impugnante, não podem, com o devido respeito, prosseguir.

Termos em que deverá a presente impugnação ser julgada improcedente, mantendo-se a decisão arbitral por a mesma não conter qualquer vício, tudo com custas a cargo da impugnante”.

O Ilustre Magistrado do Ministério Público (IMMP) foi notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 146.º, n.º 1, do CPTA.

Com dispensa dos vistos legais, atenta a simplicidade das questões suscitadas, vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Há nulidade da decisão arbitral, por falta de fundamentação?

b) Há nulidade da decisão arbitral, por oposição dos fundamentos com a decisão?

c) Há nulidade da decisão arbitral, por omissão de pronúncia?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. Para a apreciação da presente Impugnação estão provados os seguintes factos:

1) A 05.08.2020, a ora Impugnada apresentou junto do CAAD pedido de constituição de tribunal arbitral (cfr. fls. 1 a 289 da certidão do processo arbitral, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

2) Na sequência do referido em 1), foi constituído tribunal arbitral coletivo, tendo dado origem ao processo n.º 397/2020-T (cfr. fls. 313 da certidão do processo arbitral).

3) No âmbito do processo referido em 2), foi proferida, a 10.01.2022, decisão arbitral, da qual consta designadamente o seguinte:

“…


«Imagem no original»

«Imagem no original»

«Imagem no original»

«Imagem no original»




(…)

(…)


” (cfr. fls. 1250 a 1288 da certidão do processo arbitral, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Da nulidade por não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão

Considera, desde logo, a Impugnante que a decisão arbitral impugnada padece de nulidade, por não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, dado que, na sua perspetiva, não se compreende quais os fundamentos em concreto que sustentaram a convicção de que a falta de finalidade terapêutica das consultas de nutrição constitui fundamentação a posteriori, tudo apontando em sentido contrário, atenta a decisão proferida sobre a matéria de facto.

Vejamos.

A sindicância das decisões proferidas pelos tribunais arbitrais tributários é limitada às situações previstas no art.º 25.º (que prevê a possibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional e para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos circunscritos aí previstos) e nos art.ºs 27.º e 28.º, todos do RJAT.

Estes últimos, relativos à impugnação da decisão arbitral junto do Tribunal Central Administrativo, definem, de forma taxativa, os termos e os fundamentos dessa mesma impugnação.

Assim, nos termos do art.º 27.º, n.º 1, do RJAT, a decisão arbitral pode ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo, sendo que a impugnação pode ser apresentada considerando um dos fundamentos taxativamente elencados no n.º 1 do art.º 28.º do mesmo diploma.

Atento o teor desta última disposição legal, a decisão arbitral é impugnável com fundamento em:

“a) não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

b) oposição dos fundamentos com a decisão;

c) pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia;

d) violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artigo 16.º”.

Tendo em conta o disposto no art.º 29.º, n.º 1, do RJAT, é de considerar a disciplina subsidiariamente aplicável, de onde se destacam as normas constantes do CPPT, do CPTA e do CPC [cfr. art.º 29.º, n.º 1, als. a), c) e e), do RJAT].

Nos termos do art.º 125.º, n.º 1, do CPPT, constitui nulidade da sentença a não especificação dos fundamentos de facto e de direito [cfr. igualmente o art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC].

A nulidade por não especificação dos fundamentos de facto e de direito abrange as situações de falta absoluta de fundamentação de facto ou de direito (1) V., neste sentido, a título ilustrativo, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 24.01.2018 (Processo: 01411/16), de 25.11.2015 (Processo: 0162/15) e de 04.03.2015 (Processo: 01939/13) e os deste TCAS, de 11.07.2019 (Processo: 42/18.0BCLSB), de 15.11.2018 (Processo: 1339/10.2BELRA), de 05.03.2015 (Processo: 08065/14) e de 15.05.2014 (Processo: 07508/14). .

A lei processual exige, com efeito, que a sentença esteja cabalmente fundamentada, de facto e de direito, como resulta, desde logo, do disposto no art.º 123.º, n.º 2, do CPPT, bem como no art.º 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, por forma a que seja perfeitamente apreensível o itinerário cognoscitivo percorrido, fundamental para a sua adequada compreensão e eventual impugnação. Trata-se da consagração, na lei ordinária, do desiderato constitucionalmente consagrado, segundo o qual “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei” (art.º 205.º, n.º 1, da CRP).

Nas palavras de Alberto dos Reis Alberto dos Reis, (2) Código de Processo Civil, Vol. V, p. 139., “[u]ma decisão sem fundamentos equivale a uma conclusão sem premissas; é uma peça sem base”.

Não obstante, cumpre distinguir a não especificação dos fundamentos de facto e de direito, que se configura como nulidade da sentença, nos termos já referidos, da existência de algumas insuficiências ou deficiências na fundamentação de facto e de direito.

“O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. // Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto (3) Alberto dos Reis, ob. cit., p. 140..

Ora, in casu, aquilo que a Impugnante reputa como nulidade não é, se não, um eventual erro de julgamento, questão arredada da apreciação deste TCAS, nos termos já aventados.

Com efeito, a fundamentação da decisão proferida está na mesma explanada, como, aliás, resulta da presente impugnação, onde claramente a Impugnante descreve tal fundamentação, não concordando, no entanto, com a mesma.

Como tal, considerando que o alegado consubstancia um eventual erro de julgamento e não uma nulidade da decisão, não assiste razão à Impugnante.

III.B. Da nulidade por oposição dos fundamentos com a decisão

Considera, por outro lado, a Impugnante que se verifica uma situação de nulidade da decisão arbitral por oposição dos fundamentos com a decisão, pelos motivos que já explanou, a propósito da nulidade apreciada em III.A., ou seja, a ausência de fundamento no tocante ao facto de a falta de finalidade terapêutica constituir fundamentação a posteriori.

Vejamos.

Atentando no art.º 125.º, n.º 1, do CPPT, constitui nulidade da sentença a oposição dos fundamentos com a decisão [cfr. igualmente o art.º 615.º, n.º 1, al. c), do CPC].

Esta nulidade consubstancia-se na contradição formal entre os fundamentos de facto ou de direito e o segmento decisório da sentença (4) Cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário – Anotado e Comentado, 6.ª Edição, Vol. II, Áreas Editora, Lisboa, 2011, pp. 361 e 362; José Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum à luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª Ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2013, p. 333., ou seja, na circunstância de o iter constante da sentença, na sua motivação, estar em contradição com a decisão a final proferida (5) V., exemplificativamente, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 17.04.2013 (Processo: 0969/12) e de 15.09.2010 (Processo: 01149/09) e o Acórdão deste TCAS, de 18.06.2013 (Processo: 06121/12)..

Como referido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 05.11.2014 (Processo: 0308/14), “… esta nulidade ocorre quando a construção da sentença é viciosa, quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas ao resultado oposto. Isto é, quando das premissas de facto e de direito que o julgador teve por apuradas, ele haja extraído uma oposta à que logicamente deveria ter extraído: a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente”.

Aplicando estes conceitos ao caso dos autos, atentando no discurso argumentativo constante da decisão impugnada, conclui-se que não existe qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão.

Com efeito, da sua leitura o que resulta é que o coletivo arbitral, ainda que não por unanimidade, interpretou a decisão proferida sobre a matéria de facto no sentido de a AT ter efetuado as correções com base em diferentes fundamentos do da falta de finalidade terapêutica, considerando que este não esteve na base da correção em sede inspetiva, e entendeu que os fundamentos que sustentaram a dita correção eram ilegais, justificando a anulação das liquidações. Em sede de segmento decisório, foi justamente nesse sentido que o Tribunal arbitral decidiu, anulando as liquidações objeto de impugnação arbitral.

Ora, desta análise resulta, desde logo, que não há qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão.

O que, no fundo, a Impugnante pretende invocar é erro de julgamento por parte do Tribunal arbitral, considerando que houve uma errada interpretação do RIT e que a fundamentação em torno da falta de finalidade terapêutica se extraía do mesmo.

Assim, o alegado tem apenas a ver com o acerto do julgamento, não integrando, nos termos já explanados, o conceito de oposição dos fundamentos com a decisão.

Logo, não assiste razão à Impugnante, nesta parte.

III.C. Da nulidade por omissão de pronúncia

Entende, ainda, a Impugnante que se verifica uma situação de omissão de pronúncia, em virtude de o Tribunal arbitral não se ter pronunciado sobre a falta de finalidade terapêutica – que não é fundamentação a posteriori.

Atentando no art.º 125.º, n.º 1, do CPPT, há omissão de pronúncia, que consubstancia nulidade da sentença, quando haja falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar [cfr. igualmente o art.º 615.º, n.º 1, al. d), do CPC].

As questões que o juiz deve conhecer são ou as alegadas pelas partes ou as que sejam de conhecimento oficioso.

Feito este enquadramento, apliquemos os conceitos ao caso dos autos.

Como se pode já antecipar, considerando o referido em III.A. e III.B., mais uma vez estamos perante um alegado erro de julgamento. Veja-se que o Tribunal arbitral se pronunciou sobre a falta de finalidade terapêutica, considerando que se tratava de fundamento inadmissível, por não sustentar as liquidações impugnadas.

Coisa diferente, que não nos compete apreciar, é saber se esta decisão está ou não correta e se, por isso, o Tribunal deveria apreciar da verificação ou não desse pressuposto. Tal circunstância tem a ver com erro de julgamento, e não com qualquer omissão de pronúncia. O Tribunal arbitral pronunciou-se inequivocamente sobre a questão, nos termos já referidos, com os quais, simplesmente, a Impugnante não concorda.

Assim, não assiste igualmente razão à Impugnante nesta parte.

Em sentido idêntico, que mencionamos pela similitude e identidade das situações e alegações, v. o Acórdão deste TCAS, de 16.03.2023 (Processo: 12/22.3BCLSB), que a ora Relatora subscreveu na qualidade de 2.ª adjunta.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Julgar improcedente a presente impugnação;

b) Custas pela Impugnante;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 20 de abril de 2023

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Patrícia Manuel Pires)