Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:92/20.6BEBJA
Secção:CT
Data do Acordão:09/16/2021
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
REJEIÇÃO LIMINAR
PRINCÍPIO DA IMPUGNAÇÃO UNITÁRIA
INIMPUGNABILIDADE DO ATO
Sumário:I - Em regra, as contribuições para a Segurança Social resultam da apresentação das declarações de remunerações pelo contribuinte, a quem compete também proceder à liquidação dos montantes a entregar, aplicando as percentagens legais às remunerações, numa figura próxima da autoliquidação.

II - Mas nem sempre é assim, casos há em que a liquidação, a inscrição e a declaração de remunerações bem como o cálculo das contribuições que lhe correspondam irá ainda ser efetuada oficiosamente, com base em elementos de prova obtidos no âmbito do processo de averiguações.

III - Atento o princípio da impugnação unitária constante do artigo 54º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), e salvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou tal resulte de disposição expressa em sentido diferente, não são suscetíveis de impugnação contenciosa os atos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I - Relatório

P... – Gestão e Prestação de Serviços, Lda., não se conformando com a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja que rejeitou liminarmente a impugnação judicial por si deduzida, dela veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul.

Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente formula as seguintes conclusões:

i. A Autora não reage contra os actos ilegais de execução de uma putativa penhora, actos estes que nunca foram notificados (comunicados) à Autora e como tal são-lhe juridicamente inoponíveis (e ineficazes);
ii. Uma vez que a Autora só teve conhecimento dos actos referentes a uma putativa penhora através do seu banco;
iii. A Autora reage, sim, contra o próprio acto “Decisão Final” e não contra quaisquer actos de execução da própria decisão final – actos de execução que materializam a própria lesividade do acto subjacente;
iv. A “Decisão Final” que ora se impugna refere expressamente que: “Concordo com as conclusões e propostas. (…). Determino a correspondente liquidação oficiosa de contribuições bem como a notificação da entidade averiguada do sentido da presente decisão (…)”, contribuições essas que logo fixou em valor concreto e determinado: 9.770,83 €;
v. Como se pode ler, ao contrário do que refere a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja este acto não foi então uma qualquer proposta de decisão que, como indica a sentença recorrida, “pode ou não ser acolhida pelo órgão para a prática do acto tributário”;
vi. Não estamos, portanto, perante um acto interlocutório (anterior a uma decisão final) e por isso inimpugnável, mas sim perante um acto administrativo declarativo de liquidação de um tributo (constituiu uma obrigação contributiva ao declarar a Autora devedora de € 9.770,83);
vii. Aliás, o próprio acto, ao invocar os artigos 114º e 160.º do CPA, considera que é condição da sua oponibilidade – e, já agora, eficácia – a notificação do seu conteúdo à Autora com respeito pelas exigências do próprio artigo 114º do CPA, precisamente por se tratar de um acto de liquidação de um tributo que impõe deveres, encargos, ónus, sujeições ou sanções, que causem prejuízos ou restrinjam direitos ou interesses legalmente protegidos;
viii. Só por essa razão o acto “Decisão Final”, por ser um acto final, é um acto impugnável (não se tratando de um acto interlocutório);
ix. Aliás, é o próprio acto que se [denomina] “Decisão Final”;
x. Quanto à lesividade do acto, diga-se em primeiro lugar que, também por essa razão, ou seja, por ser concretamente um acto que impõe deveres, encargos, ónus, sujeições ou sanções, que causem prejuízos ou restrinjam direitos ou interesses legalmente protegidos – liquidando um tributo –, a “Decisão Final” é um acto lesivo;
xi. Lesivo porque liquida, contra o interesse da Autora, um tributo no valor de € 9.770,83;
xii. Face a tão claros elementos, nem se compreende como se poderia considerar que o acto que se impugna não é imediatamente lesivo e, como tal, que não é impugnável;
xiii. Aliás, o facto da notificação do acto referir que será realizada nova notificação não poderá, em caso algum, significar que o acto em si não é lesivo, porque a posterior notificação só serviria para se tornar exigível o cumprimento da obrigação de pagamento que se constituiu com a própria “Decisão Final”;
xiv. Seja como for, ainda que a notificação “advirta” a Autora para não exercer os seus direitos de defesa, o acto “Decisão Final” não deixou de ser lesivo mesmo existindo uma menção à não impugnação autónoma;
xv. Pelo que o acto impugnado “Decisão Final” é lesivo de per si.
xvi. Em segundo lugar, o acto é imediatamente lesivo, e por isso impugnável nos termos do artigo 54.º do CPPT, porque a “Decisão” Final teve efectivas consequências muito gravosas para a Autora, visto que, mesmo sem qualquer possível título executivo válido e com total atropelo por todas as regras que regem o processo de execução fiscal, lhe acarretou a penhora da sua conta bancária no valor €9.980,41;
xvii. Como tal, o acto “Decisão Final” considera-se lesivo não só porque constituiu a Autora numa obrigação contributiva perante a Segurança Social (trata-se da liquidação de um tributo), mas também porque foram, efectivamente, desencadeados actos de execução do próprio acto que foram gravemente lesivos para a Autora;

Pelo exposto, deverá a decisão de que se recorre ser revogada pelo Tribunal ad quem, e substituída por outra que ordene o prosseguimento do processo seguir os seus termos até final, fazendo-se assim JUSTIÇA!


A Recorrida, devidamente notificada para o efeito, não apresentou contra-alegações.

O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, sendo a de saber se a decisão recorrida que rejeitou liminarmente a impugnação, por inimpugnabilidade do ato deve, ou não, ser revogada por o ato ser imediatamente lesivo e, consequentemente, ordenada a prossecução dos autos.


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:

a) Em 22.08.2018, a Autora teve conhecimento do ofício com a referência PROAVE n.º 2017000..., proveniente dos serviços de fiscalização de Évora do Instituto de Segurança Social IP, com o seguinte teor:

“Fica V. Exa. Por este meio notificado, nos termos do disposto nos n.s 3 e 4 do artigo 40.º do Código dos Regimes Contributivos de segurança Social (CRC), aprovado pela Lei n.º 110/2009 de 16 de Setembro, na sua redacção actual, na última parte do artigo 28.º e do art.º 29.º do Decreto Regulamentar n.º 1- A/2011, de 3 de Janeiro, e do artigo 160.º do Código do Procedimento Administrativo, do teor da decisão constante do Relatório final de fiscalização, elaborada na sequência da acção inspectiva realizada ao abrigo do proave n.º 2017000....
Mais se informa que a execução do ato agora notificado originará posterior notificação dos serviços do Centro Distrital de Lisboa para efeitos de regularização voluntária dos montantes apurados, a qual conterá indicação do prazo para pagamento e dos meios de defesa que lhe assistirem nos termos da legislação aplicável.
Da presente notificação e respectiva fundamentação não cabe recurso ou impugnação autónoma.”; Cfr doc junto à petição inicial, admitido pela Autora

b) Em 29.04.2020, foi apresentada via site a petição inicial; Cfr consulta ao sitaf

c) Em 08.10.2020, foi proferido despacho nos presentes autos, com o seguinte teor:

“Considerando que o acto impugnado é uma decisão proferida na sequência de um procedimento inspectivo, que aliás, remete para o posterior acto de lançamento oficioso do montante das contribuições apuradas;
Considerando que, nos termos da decisão final proferida naquele procedimento inspectivo esse lançamento oficioso deverá ser efectuado pelo Centro Distrital de Lisboa do Instituto de Segurança Social IP, onde se situa, aliás, a sede da Impugnante;
Considerando que a Impugnação Judicial é o meio processual para reagir contra actos tributários, enquanto que a reacção contra quaisquer actos ilegais praticados durante a execução fiscal, nomeadamente actos de penhora, deve ser feita através da reclamação de actos do órgão de execução fiscal,
Notifique a Impugnante para, no prazo de 10 dias, se pronunciar sobre a inimpugnabilidade do acto, sobre a incompetência do tribunal em razão do território, e sobre o erro na forma de processo relativamente ao terceiro pedido.”Cfr doc de fls 71 dos presentes autos

d) Notificada deste despacho, veio a Autora responder através de requerimento constante de fls 75 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e no qual afirma, além do mais que:

“1 - O acto objecto da presente impugnação judicial foi praticado pelo Departamento de Fiscalização – Unidade de Fiscalização do Alentejo da Segurança Social.
2 - Como acto considera-se a Decisão Final que foi levada ao conhecimento da Autora mediante ofício com a referência PROAVE n.º 2017000... – cfr. Doc. 1 junto com a Petição Inicial.
6 - (…) a Autora não recebeu qualquer comunicação por parte da Segurança Social para pagamento voluntário da alegada dívida, nem recebeu qualquer comunicação que informasse sobre a data limite para pagamento, nem, tampouco, recebeu qualquer comunicação com indicação dos meios de defesa, a partir da qual pudesse ser apresentada impugnação do acto de liquidação oficiosa de contribuições.
(…)
8 - Não obstante, a Autora veio a tomar conhecimento de que as suas contas bancárias foram penhoradas no âmbito de uma execução fiscal que terá resultado do procedimento PROAVE n.º 2017000....
10 - Por conseguinte, a Autora reage, tal como se explicou na petição inicial, contra o acto consubstanciado na Decisão Final, pelo qual se liquidou a alegada dívida que a Autora teria para com a Segurança Social, e não contra os posteriores actos de cobrança coerciva praticados pela Administração, nomeadamente os chamados actos de “penhora” posteriores à Decisão Final, de que a Autora só veio a ter conhecimento após a verificação da sua conta bancária.
11 - Pelo que a presente impugnação se debruça não sobre os actos praticados no âmbito da execução fiscal, mas sim sobre o próprio acto de liquidação (resultante do procedimento de inspecção), o que faz mesmo antes da sua regular notificação, precisamente por causa dos efeitos que, ainda assim, gerou.
(…)
13 - Ainda que no referido pedido se faça menção à devolução da quantia de 9.840,41 € “penhorada em resultado deste acto, acrescidos de juros vencidos e vincendos desde a data da realização da penhora”, não está, no presente processo, em causa uma qualquer impugnação de acto praticado em sede de execução fiscal que pudesse importar um erro na forma do processo.
(…)
15 - Assim, a forma de reacção adequada ao presente caso continua a ser a impugnação do acto administrativo “Decisão Final” e não uma reclamação de actos do órgão de execução fiscal.
(…)
18 - Uma vez que o acto que se impugna foi praticado pelo Departamento de Fiscalização – Unidade de Fiscalização do Alentejo da Segurança Social, sediado em Évora, então o tribunal competente para julgar a presente acção deverá ser o Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja.
(…)” Cfr requerimento de fls. 75 dos autos.


II.2 Do Direito

A Recorrente, notificada do Relatório Final de Fiscalização, com a referência PROAVE nº 2017000..., deduziu impugnação judicial na qual termina pedindo a nulidade do ato administrativo impugnado e a condenação da Segurança Social à devolução da quantia de € 9 840,41 penhorada em resultado deste ato, acrescido de juros vencidos e vincendos.

Antes de rejeitar liminarmente a impugnação, a ora Recorrente foi convidada a aperfeiçoar a petição inicial.

No requerimento de resposta ao convite formulado esclareceu que pretende reagir contra o despacho constante do ofício com a referência PROAVE nº 2017000... do Departamento de Fiscalização – Unidade de Fiscalização do Alentejo da Segurança Social, em que foi dado conhecimento à ora Recorrente o relatório final e a ordem de elaboração de contribuições em conformidade com o mapa de apuramento relativo aos anos de 2014, 2015, 2016 e 2017, a que correspondem omissões de declarações de contribuições à Segurança Social no montante de € 9 770,83, bem como dar conhecimento ao Centro Distrital de Lisboa, para efeitos de registo oficioso das remunerações não declaradas. O pedido de devolução da quantia penhorada, alega, é uma mera decorrência da declaração de ilegalidade do ato administrativo impugnado.

A Recorrente não se conformando com a rejeição liminar da impugnação deduzida, defende que, ao contrário do decidido, não se estar, no caso, perante um ato interlocutório (anterior a uma decisão final) e como tal inimpugnável, mas sim perante um ato administrativo declarativo de liquidação de um tributo, lesivo de per si.

Mais, alega que o ato “Decisão Final” considera-se lesivo não só porque constituiu a Autora numa obrigação contributiva perante a Segurança Social (trata-se da liquidação de um tributo), mas também porque foram, efetivamente, desencadeados atos de execução do próprio ato que foram gravemente lesivos para a Autora (cf. conclusão xvii).

Vejamos, então, se o despacho recorrido merece a censura que lhe foi feita pela Recorrente.

Diz a decisão recorrida, na parte que aqui interessa:

Como decorre de tudo o que antecede, designadamente das alegações contidas na petição inicial, e no requerimento de fls. 75, o acto que a Autora vem impugnar é a decisão final do procedimento inspectivo, realizado pela Unidade de Fiscalização do Alentejo da Segurança Social ao abrigo do PROAVE n.º 2017000..., e que lhe foi dada a conhecer em 22.08.2018, através de ofício no qual se referia expressamente que a execução daquela decisão final seria objecto de posterior notificação pelos serviços do Centro distrital de Lisboa para efeitos de regularização voluntária dos montantes apurados, contendo a indicação do prazo de pagamento voluntário e dos meios de defesa.
Ali se informava ainda a Autora que, daquela notificação, e da respectiva fundamentação, não cabia impugnação autónoma.
Decorre ainda daquele articulado inicial e do posterior requerimento, que a Autora alega não ter sido notificada de qualquer decisão posterior à decisão final do processo inspectivo, mas que ainda assim lhe veio a ser instaurado um processo de execução fiscal, no qual não foi citada e no qual lhe veio a ser penhorado o saldo de uma conta bancária em 20.01.2019.
No entanto, como veio esclarecer, é contra a decisão final proferida naquele procedimento inspectivo que vem reagir, e não contra os posteriores actos de cobrança coerciva praticados pela Administração no âmbito do processo de execução fiscal.
Ora, o 54.º do CPPT consagra no contencioso tributário o princípio da impugnação unitária, nos termos do qual, não são susceptíveis de impugnação autónoma os actos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação judicial da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida.
A lei reconhece assim que, por ser aquela que fixa definitivamente a posição da Administração Tributária e que define a situação individual e concreta do contribuinte, é apenas a decisão final do procedimento que lesa efectivamente a sua esfera jurídica e que, por isso, é apenas desta que cabe impugnação contenciosa.
O procedimento de inspecção culmina sempre com uma decisão que assume a natureza de proposta, que pode ou não ser acolhida pelo órgão para a prática do acto tributário.
Mesmo que a decisão final do procedimento de inspecção seja integralmente acolhida pelo órgão competente para a prática do acto tributário, é apenas este que pode ser impugnado, ainda que com fundamento em alguma ilegalidade ocorrida no procedimento inspectivo que o antecedeu.
Como explica Jorge Lopes de Sousa, “Em face do princípio da impugnação unitária e da natureza preparatória do procedimento de inspecção tributária, o acto que lhe põe termo não é directamente impugnável, só o sendo o ulterior acto de liquidação que incorpore o decidido naquele procedimento…”
Aliás, a notificação que foi feita à Autora da decisão final daquele procedimento inspectivo, refere expressamente que tal decisão será objecto de posterior execução e notificação pelos serviços do Centro Distrital de Lisboa para regularização dos montantes apurados, e que, será nessa posterior notificação que serão indicados o prazo para pagamento voluntária e que será dada informação sobre os meios de defesa.
A notificação da decisão impugnada termina mesmo referindo expressamente que dela não cabe recurso nem impugnação autónoma.
O próprio TCA Norte decidiu já, em acórdão de 25.01.2018, tirado no processo 00298/11.9BEAVR, numa situação de facto semelhante à que se encontra em apreço, que a decisão final de procedimento inspectivo realizado pelos Departamentos de Fiscalização do Instituto de Segurança Social “é um ato interlocutório e preparatório da liquidação que ocorrerá posteriormente, e por isso inimpugnável.”
É certo que a Autora alega ter sofrido consequências gravosas depois de ter sido notificada da decisão impugnada.
Porém, de acordo com o alegado, essas consequências gravosas não resultaram da decisão ora impugnada que, se nada mais tivesse acontecido, nenhuma lesão teria provocado na esfera jurídica da Autora.
O que esta alega é que, sem nunca lhe ter sido notificado o acto de execução que a notificação da decisão final anunciou que seria praticado pelo Centro Distrital de Lisboa, e que lhe concederia prazo para pagamento voluntário e para reagir, foi instaurada uma execução fiscal e foi-lhe penhorada uma conta bancária, sem antes ter sido citada para o dito processo de execução fiscal.
Ou seja, terá sido executada uma dívida sem que a mesma lhe fosse exigível, o que poderá inquinar esse processo de execução fiscal e o próprio acto de penhora, mas não torna a decisão final constante do relatório final de fiscalização, elaborada na sequência da acção inspectiva realizada ao abrigo do proave n.º 2017000..., um acto contenciosamente impugnável.
Ora, a inimpugnabilidade do acto, constitui uma excepção dilatória que, obsta ao conhecimento de mérito da acção, como determina o art.º 88 n.º 4 i) do CPTA ex vi art.º 2.º c) do CPPT, que, quando detectada em sede de apreciação liminar, obsta ao recebimento da petição inicial, nos termos do 110.º do CPPT, e do art.º 590 n.º 1 do CPC, ex vi art.º 87.º n.º 9 do CPTA, e este ex vi art.º 2.º c) do CPPT.


Como é consabido, em regra, as contribuições para a Segurança Social resultam da apresentação das declarações de remunerações pelo contribuinte, a quem compete também proceder à liquidação dos montantes a entregar, aplicando as percentagens legais às remunerações, numa figura próxima da autoliquidação.

Todavia, no caso subjacente aos presentes autos, a liquidação, a inscrição e a declaração de remunerações bem como o cálculo das contribuições que lhe correspondam irá ainda ser efetuada oficiosamente, com base em elementos de prova obtidos no âmbito do processo de averiguações.

Ora, como é jurisprudência reiterada dos Tribunais Superiores, da qual citamos a título meramente exemplificativo os Ac. STA de 2014.02.26,Proc nº 01481/13, Ac. STA de 2014.05.28, Proc nº 0220/14, Ac. STA de 2014.04.09, Proc nº 01876/13, Ac. STA de 2014.05.21, Proc nº 0766/13, todos disponíveis em www.dgsi.pt, com a qual concordamos e nos quais se decidiu: nestas situações a inscrição e a declaração de remunerações bem como o cálculo das contribuições que lhe correspondam, efetuados oficiosamente pela Segurança Social, com base em elementos de prova obtidos, designadamente, no âmbito de ações de fiscalização ou de inspeção, constituem um verdadeiro ato administrativo declarativo de liquidação de um tributo.

Seguindo este entendimento, o procedimento de averiguações tem um carácter meramente preparatório ou acessório dos atos tributários ou em matéria tributária e como se decidiu, vigorando o contencioso tributário o princípio da impugnação unitária, consagrado no artigo 54º CPPT, a impugnação dos atos procedimentais ou interlocutórios só pode ocorrer quando o respetivo ato seja imediatamente lesivo ou quando haja disposição expressa nesse sentido.

Como doutrina Jorge Lopes de Sousa (1), em face do princípio da impugnação unitária e da natureza preparatória do procedimento de inspeção tributária, o ato que lhe põe termo não é diretamente impugnável, só o sendo o ulterior ato de liquidação que incorpore o decidido naquele procedimento ou o ato de fixação da matéria tributável, nos casos em que não haja lugar a ato de liquidação (por a matéria tributável ser negativa ou existir isenção).

Assim tem decidido a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, atento o já referido princípio da impugnação unitária (artigo 54º do Código de Procedimento e Processo Tributário) tais ilegalidades relativas a atos interlocutórios do procedimento, que não sejam atos destacáveis ou imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte, apenas poderão ser invocadas na impugnação da decisão final do procedimento – cf., neste sentido, Ac. STA, 2ª Seção, de 2012.12.05, Proc nº 0186/12, disponível em www.dgsi.pt.

Assim, de acordo com o princípio da impugnação unitária consagrado no artigo 54º CPPT, só é possível impugnar diretamente o ato de fixação da matéria coletável se este não der origem a liquidação de imposto.

Todavia, nos presentes autos e como esclareceu a ora Recorrente, impugnava-se a decisão final, exarada no relatório de fiscalização, que concluiu pela verificação de omissão do dever declarativo de remunerações.

E foi a própria Impugnante, ora Recorrente, que juntou aos autos o ofício de notificação onde se refere expressamente não caber recurso ou impugnação autónoma da decisão constante do relatório final de fiscalização [cf. alínea a) dos factos assentes].

Com efeito, limitando-se a decisão ora impugnada a fixar os valores com base nos quais irão ser liquidadas as contribuições, dúvidas não há que se trata de um ato interlocutório e, que por isso mesmo, não é diretamente impugnável, visto o já referido princípio da impugnação unitário. Nessa justa medida, contrariamente ao que defende a Recorrente nas alegações de recurso, o ato impugnado não é um ato destacável nem imediatamente lesivo, não sendo, pois, suscetível de impugnação autónoma.

O ato lesivo contenciosamente impugnável será, tal como indicado no já referido ofício de notificação, a liquidação oficiosa, que se consubstanciará, como vimos, na inscrição e a declaração de remunerações, e no cálculo das contribuições que lhe correspondam, a efetuar oficiosamente pela Segurança Social, que a Contribuinte poderá ou não vir a impugnar judicialmente.

A decisão recorrida, que seguiu, aliás, a principal jurisprudência sobre a matéria e julgou verificada a exceção dilatória de inimpugnabilidade do ato objeto da impugnação judicial, matéria que é de conhecimento oficioso e que, conhecida em fase liminar, gera o indeferimento da petição inicial.

Nesse mesmo sentido veja-se, nomeadamente o decidido no Ac. TCAS de 2017.10.13, Proc nº 146/17.6BELLE, disponível em www.dgsi.pt.

Em face ao exposto é, pois, de confirmar a decisão recorrida.


Sumário/Conclusões:

I- Em regra, as contribuições para a Segurança Social resultam da apresentação das declarações de remunerações pelo contribuinte, a quem compete também proceder à liquidação dos montantes a entregar, aplicando as percentagens legais às remunerações, numa figura próxima da autoliquidação.
II- Mas nem sempre é assim, casos há em que a liquidação, a inscrição e a declaração de remunerações bem como o cálculo das contribuições que lhe correspondam irá ainda ser efetuada oficiosamente, com base em elementos de prova obtidos no âmbito do processo de averiguações.
III- Atento o princípio da impugnação unitária constante do artigo 54º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), e salvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou tal resulte de disposição expressa em sentido diferente, não são suscetíveis de impugnação contenciosa os atos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida.


III - Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar o despacho recorrido.

Custas pela Recorrente, que decaiu.

[Nos termos e para os efeitos do artigo 15º-A do DL nº10-A/2020, de 13 de março, o Relator atesta que os Juízes Adjuntos - Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores Vital Lopes e Luísa Soares - têm voto de conformidade.]

Lisboa, 16 de setembro de 2021

SUSANA BARRETO

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(1) SOUSA, Jorge Lopes de, CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO: Anotado, Vol.I, 6ª Edição, pág. 483