Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1247/11.0BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:12/13/2019
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores: REVERSÃO DA EXECUÇÃO;
ÓNUS DA PROVA DA GERÊNCIA EFECTIVA.
Sumário:1. Não existe presunção legal que imponha que, verificada a gerência de direito, se dê por provado o efectivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário.
2. Competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão
I- Relatório
L........, melhor identificado nos autos, veio deduzir oposição no âmbito do processo de execução fiscal com o n.º 3433200401077... e apensos, que contra ele corre termos, por reversão no Serviço de Finanças de Cascais 2, tendo por objecto a cobrança de dívidas de IVA, dos anos de 2002 a 2007, no valor global de € 8.230,20.
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, por sentença proferida a fls. 183 e ss., (numeração em formato digital – sitaf), datada de 04 de Janeiro de 2018, julgou (i) extinta a oposição quanto aos processos executivos com os números 3433200401077..., 3433200501110…, 3433200701008… e 3433200701071…, por inutilidade superveniente da lide; (ii) improcedente a excepção de caducidade do direito de acção invocada pela Fazenda Pública; (iii) procedente a oposição à execução fiscal deduzida pelo oponente, L........, referente aos processos 3433200801010…, 3433200901100… .
Nas alegações de fls. 214 e ss., (numeração em formato digital – sitaf), a recorrente, FAZENDA PÚBLICA, formulou as conclusões seguintes:
«I - Vem o presente recurso reagir contra a Sentença proferida pelo Douto Tribunal a quo nos presentes autos em 04-01-2018, a qual julgou parcialmente procedente a Oposição à Execução Fiscal n.º 3433200401077... e apensos, deduzida por L......., com o NIF 125638..., revertido no citado processo de execução fiscal, que corre termos no Serviço de Finanças de Cascais 2 e havia sido originariamente instaurado contra a sociedade “L..... - P......, LDA.”, com o NIF 506082…, para a cobrança de dívidas fiscais referentes a IVA, já devidamente identificadas nos autos, no valor de € 8.230,20 (oito mil, duzentos e trinta euros e vinte cêntimos) e acrescido.
II - Na Sentença ora recorrida julgou-se parcialmente procedente a Oposição acima identificada com o fundamento de que, no despacho de reversão proferido no âmbito da citada execução fiscal, em nenhum momento foi feita qualquer referência a factos individuais e concretamente identificados com base nos quais o órgão de execução fiscal imputou a gerência de facto da sociedade devedora originária ao Oponente, o que acarreta a “falta de fundamentação legal para a reversão”.
III - Contudo, ao contrário do que foi postulado pelo Douto Tribunal a quo, o ordenamento jurídico tributário não impõe, em sede de despacho de reversão, que do mesmo constem os factos concretos nos quais a administração tributária fundamenta a alegação relativa à gerência de facto da sociedade originária executada.
IV - Atente-se, neste aspecto, ao Douto entendimento vertido no Acórdão proferido pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA em 16-10-2013, no âmbito do recurso n.º 0458 /13, onde se sumariza “A fundamentação formal do despacho de reversão basta-se com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (nº 4 do art. 23º da LGT…”.
V - Na realidade, a falta de fundamentação formal do despacho de reversão deve ser autónoma relativamente à falta de pressupostos legais que são necessários reunir em ordem ao exequente se encontrar legitimado a dirigir a execução fiscal contra o revertido, já que aquele primeiro momento se afere pela enunciação da existência dos pressupostos legais, enquanto este segundo momento se afere pela real existência dos requisitos legais enunciados.
VI - Não impondo a lei que constem do despacho de reversão os factos individuais e concretos com base nos quais a administração tributária pretende consubstanciar a alegação relativa à gerência efectiva da sociedade devedora originária por banda do revertido, cfr. Acórdão do Venerando TCA SUL, no processo 03071 /09 de 29-09-2009
VII - E tais motivos são suficientes para considerar, em nosso modesto entendimento, que a Sentença laborou em erro quanto à apreciação da matéria de direito, violando o disposto nas disposições legais acima transcritas, pelo que merece ser reparada.
VIII - De qualquer forma, quanto ao exercício de facto da gerência da sociedade devedora originária, considerou o Douto Tribunal a quo que a Fazenda Pública em nenhum momento logrou efectuar a prova do exercício efectivo da gerência da sociedade devedora originária por banda do Oponente, o que gera a sua ilegitimidade quanto aos tributos em cobrança nos autos de execução fiscal n.º 3433200801010… e 3433200901100… .
IX - Efectivamente, não descuida esta Fazenda Pública, tal como muito doutamente postulou o Tribunal a quo, que o ónus da prova da gerência de facto, cabe à Administração Fiscal, pois que, ao abrigo de qualquer um dos regimes estabelecidos no n.º 1 do artigo 24.º da LGT “é pressuposto da responsabilidade subsidiária o exercício de facto da gerência, cuja prova impende sobre a Fazenda Pública, enquanto entidade que ordena a reversão da execução” (cfr., entre vários outros, o Acórdão TCA SUL de 31/10/2013, Processo n.º 06732 /13).
X - No entanto, o facto de não existir qualquer disposição legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito, não significa que não seja possível ao Tribunal, em face das regras da experiência, entender que existe uma forte probabilidade de esse exercício efectivo (de facto) da gerência por parte do Oponente possa ter acontecido.
XI - Tal como se postulou no acórdão de 10 de Dezembro de 2008 da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo com o n.º 861 / 08, diga-se que “eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumida no processo e provas produzidas ou não pelo revertido e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte («certeza jurídica») de esse exercício da gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ele tenha acontecido”
XII - Assim, ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que quem figura como gerente de direito, se presume como tendo exercido, de facto, tais funções, sempre é possível ao Tribunal, em face das regras da experiência, da matéria factual e dos elementos probatórios carreados para os autos, entender que existe uma forte probabilidade de esse exercício efectivo (de facto) da gerência por parte do Oponente possa ter acontecido.
XIII - Em primeiro lugar, durante o período a que respeitam as dívidas em crise, o Oponente era gerente da sociedade devedora originária, cfr. Contrato de Sociedade a fls. 29 a 33 do PEF, já junto aos autos e que aqui se dá por inteiramente reproduzido para os devidos efeitos legais, sendo que o Oponente nunca diligenciou no sentido de apresentar qualquer tipo de prova documental susceptível de contrariar a força autêntica do registo, constante do artigo 11.º do CRC
XIV - Diga-se, ainda, por consulta ao Contrato de Sociedade (a fls. 29 a 33 do PEF), que a gerência da sociedade devedora originária pertencia ao ora Oponente e também a L......., sendo que aquela se obrigava com a intervenção conjunta de dois gerentes, cfr. artigo 4.º, ponto 2 daquele contrato.
XV - Assim, tendo em conta esta forma de obrigar a sociedade, ou seja, tendo em consideração que a sua assinatura obrigava a mesma, será legítimo presumir (presunção judicial baseada nas regras da experiência – artigo 35.º do CC), o exercício efectivo e continuado dos poderes de administração e representação de que era titular face à mesma sociedade, cfr. o Acórdão do TCA Sul de 06 /10 /2009, processo 03336 /09.
VXI - Acresce, ainda, que o Oponente procedeu à assinatura, enquanto gerente da sociedade devedora originária, da declaração de inscrição no registo/início de actividade, representando aquela e exteriorizando a respectiva vontade social, cfr. fls. 36 do PEF.
XVII - A designada gerência de facto de uma sociedade comercial consiste no efectivo exercício de funções que lhe são inerentes e que passam, entre outras, pelas relações com os parceiros comerciais, fornecedores, clientes, instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação da sociedade.
XVIII - Na esteira do entendimento veiculado no acórdão do TCA Sul, de 20-06-2000, proferido no âmbito do processo n.º 346/00, “tal como vem sendo jurisprudencialmente entendido, a lei não exige que os gerentes, para que sejam responsabilizados pelas dívidas da sociedade, exerçam uma administração continuada, apenas exigindo que eles pratiquem actos vinculativos da sociedade, exercitando desse modo a gerência de facto.
XIX - Assim, o facto de o Oponente ter assinado documentos (a fls. 36 do PEF), em representação da sociedade devedora originária e exteriorizando a vontade desta, é o suficiente para que se considere que praticou actos efectivos de gerência desta sociedade.
XX - No mesmo sentido, não devemos olvidar que da produção de prova testemunhal prestada nos presentes autos, resultou provado que o Oponente praticou diversos actos que consubstanciam o exercício efectivo da gerência da sociedade originária executada.
XXI - Do teor de 00:12:24 a 00:13:27 do suporte digital da gravação da audiência de inquirição de testemunhas e de 00:13:38 a 00:14:05 do mesmo suporte digital, já acima devidamente transcrito ressaltou, claramente, que o “know how” ou o “expertise” da sociedade originária executada pertencia ao Oponente e não se mostrava viável o giro comercial da sociedade sem os conhecimentos e as habilidades daquele.
XXII - Do teor de 00:14:30 a 00:15:06 do suporte digital da gravação da audiência de inquirição de testemunhas e de 00:19:09 a 00:19:33 do mesmo suporte digital, já acima integralmente transcrito, resulta que o Oponente expressamente confessou que encetou relações com parceiros comerciais em nome, no interesse e em representação da sociedade originária executada.
XXIII - Donde se retira que o Oponente tinha uma vontade decisiva no rumo a tomar pela sociedade devedora originária, exteriorizando a sua vontade, representando-a perante os parceiros comerciais e realizando negócios em seu nome e por sua conta.
XXIV - Do teor de 00:15:16 a 00:15:43 do suporte digital da gravação da audiência de inquirição de testemunhas, resultou provado que o Oponente se encontrava numa posição decisória fulcral quanto aos destinos a dar à sociedade e que o mesmo detinha um papel fiscalizador preponderante na actividade comercial da executada, sendo a sua vontade crucial nos destinos a dar à mesma e que se subsume, inteiramente, ao exercício efectivo (de facto) da sociedade devedora originária.
XXV - Por outro lado, o depoimento da testemunha A....... não possui a equidistância e a imparcialidade exigida para a boa decisão da causa, contrariamente ao que foi postulado pelo Douto Tribunal a quo., pelo facto de tal testemunha e o Oponente manterem uma relação conjugal ou de carácter análogo à dos cônjuges, o que é susceptível de afectar a isenção e imparcialidade do seu depoimento, o que resultou de 00:00:56 a 00:01:10 do suporte digital da gravação da audiência de inquirição de testemunhas.
XXVI - Por último, merece especial enfoque o teor da declarações prestadas perante o órgão de execução fiscal por R…… e por C……, no âmbito dos autos de reversão contra o remanescente gerente, L......., o que se juntou como doc. 2 anexo às alegações prestadas pela Fazenda Pública nos termos do disposto no artigo 120.º do CPPT e se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
XXVII - Deste documento retiram-se as declarações de R....... no sentido de que “os dois sócios gerentes efectuavam todos os actos de gerência próprios de uma empresa, até porque a mesma detinha como forma de obrigar a assinatura dos dois gerentes” e que o ora Oponente impediu o acesso de L....... às instalações da sociedade; bem como as declarações de C......., relativamente à criação da sociedade devedora originária que “…a empresa tinha apenas dois sócios” e que “..a ora declarante, nunca mais conseguiu estabelecer qualquer contacto com nenhum dos dois sócios, embora, esporadicamente, o tenha conseguido com o Sr L........ E, nesses contactos, este último dizia-lhe que não tinha os papéis organizados ou mesmo que não os tinha (…) Posteriormente, o Sr. L....... criou uma nova empresa e contactou a declarante para ser Técnica Oficial de Contas da mesma”.
XXVIII - Todas as circunstâncias do caso concreto, já acima devidamente explicitadas, não deixam antever outra conclusão que não seja a de que o Oponente praticou diversos actos que consubstanciam o exercício efectivo da gerência da sociedade originária executada.
XXIX - Desta forma, e contrariamente ao que foi postulado pelo Doutro Tribunal a quo, perante tal matéria factual, a qual possuía a dignidade de ser julgada provada, devemos considerar que o Oponente actuou como um verdadeiro gerente de facto, sendo responsável para que a sociedade “L..... - P......, LDA.”, com o NIF 506082… não cumprisse com o dever fundamental de pagamento dos tributos.
XXX - Com o devido e muito respeito, a Sentença ora recorrida, ao decidir como efectivamente o fez, menosprezou o entendimento consolidado e reiterado da jurisprudência vertida pelos Tribunais Superiores, estribando o seu entendimento numa inadequada valoração da matéria de facto e de direito relevante para a boa decisão da causa, tendo violado o disposto nas supra mencionadas disposições legais.
TERMOS EM QUE, E COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADA A SENTENÇA ORA RECORRIDA, COM AS DEMAIS E DEVIDAS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!»
X
O recorrido, devidamente notificada para o efeito, optou por não apresentar contra-alegações.
X

O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal, notificado para o efeito, juntou aos autos parecer no sentido da improcedência do recurso.

X
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

X
II- Fundamentação.
2.1.De Facto.
A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:
«a) Em 12/04/2002, no Cartório Notarial do Centro de Formalidades das Empresas de Lisboa, foi constituída por escritura pública, a sociedade por quotas que adoptou a firma “L……– P……. Lda”, tendo como únicos sócios, L........ e L…… - Cfr. documento constante de fls. 29 a 33 dos autos, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
b) A gerência cabia aos dois sócios, L........ e L……. – Cfr. idem;
c) Corre termos no Serviço de Finanças de Cascais – 2, o processo de execução fiscal n.º 3433200401077... e apensos, em que é executada originária a sociedade «L....... - P........., Ldª» para cobrança de dívidas fiscais referentes a:
- IVA do ano de 2002, no montante de Eur 748,20, com data limite de pagamento voluntário no dia 25/11/2004 (Proc. Executivo n.º 3433200401077..., cf. fls. 23 dos autos, a qual se dá, aqui, por integralmente reproduzida);
- IVA do ano de 2003, no montante de Eur 1.496,40, com data limite de pagamento voluntário no dia 11/08/2005 (Proc. Executivo n.º3433200501110…, cf. fls. 24 dos autos, a qual se dá, aqui, por integralmente reproduzida);
- IVA do ano de 2004, no montante de Eur 1.496,40, com data limite de pagamento voluntário no dia 21/12/2006 (Proc. Executivo n.º 3433200701008…, cf. fls. 25 dos autos, a qual se dá, aqui, por integralmente reproduzida);
- IVA do ano de 2005, no montante de Eur 1.496,40, com data limite de pagamento voluntário no dia 03/05/2007 (Proc. Executivo n.º3433200701071…, cf. fls. 26 dos autos, a qual se dá, aqui, por integralmente reproduzida);
- IVA do ano de 2006, no montante de Eur 1.496,40, com data limite de pagamento voluntário no dia 06/12/2007 (Proc. Executivo n.º 3433200801010…, cf. fls. 27 dos autos, a qual se dá, aqui, por integralmente reproduzida);
- IVA do ano de 2007, no montante de Eur 1.496,40, com data limite de pagamento voluntário no dia 28/05/2009, no montante de Eur 1.496,40, com data limite de pagamento 28/05/2009, (Proc. Executivo n.º 3433200901100…, cf. fls. 44 dos autos, a qual se dá, aqui, por integralmente reproduzida);
d) Em 30/11/2010 o Órgão de Execução Fiscal elaborou despacho de reversão do qual consta a seguinte fundamentação:
“FUNDAMENTOS DA REVERSÃO
Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado que lhes seja imputável a falta de pagamento da divida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo (art.24/nº1/b) LGT).
Nos termos dos artigos 22º, 23º e 24º da LGT, 8º do RGIT e 148º e 153ª do CPPT.” – Cfr. fls. 66 do PEF.
e) Em 20/06/2011, no âmbito do PEF identificado em c), o Oponente foi citado, na qualidade de responsável subsidiário –Cfr. documento 1 junto com a PI, constante de fls. 17 a 28 dos autos, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido.
f) Em 07/09/2011, deu entrada no Órgão de Execução Fiscal a petição inicial que originou os presentes autos - Cfr. Carimbo aposto a fls. 3 dos autos, a qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
g) Em 10/03/2016, foi proferido despacho pelo Chefe de Finanças de Cascais 2, no qual pode ler-se:
• “Os Processos de execução fiscal n.º 3433200401077..., 3433200501110…, 3433200701008… e 3433200701071… se encontram extintos por prescrição, tal como, à excepção dos activos que a seguir se indicam, todos os restantes processos que integram o processo principal (3433200401077...)
• Os processos de execução fiscal n. º3433200801010… e 3433200901100… ainda se encontram activos.” - cf. fls. 133 dos autos, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido.

FACTOS NÃO PROVADOS
O oponente nunca exerceu, de facto, quaisquer funções de gerência da sociedade L....... - P......... Lda (prova testemunhal e prova por declarações de parte).
MOTIVAÇÃO DE FACTO
Para a formação da convicção do tribunal a respeito da matéria que considerou provada e não provada foi relevante, a posição assumida pelas partes nos articulados, a documentação junta aos autos, a prova testemunhal e a prova por declarações de parte.
Foi particularmente relevante o depoimento da testemunha A......., mulher do Autor, pelo detalhe com que procedeu ao enquadramento de toda a situação em litígio tendo referido que o Oponente não exerceu funções na devedora originária e quando descreveu a actividade profissional do Oponente à data dos factos, quando refere que, ele explorava o “B.......”, e que por isso não “tinha tempo para mais nada”. No mais, é de realçar o depoimento de parte prestado pelo autor, que se mostrou esclarecedor, afirmando que “trabalhava cerca de 12 hora por dia”, explorava o bar “B.......”, e que a gestão desse espaço não lhe deixava tempo para mais nada.»
X
Rectifica-se a matéria de facto não provada, dado corresponder a lapso material. Da mesma passa a constar que:
«O oponente exerceu, de facto, quaisquer funções de gerência da sociedade L....... - P......... Lda (prova testemunhal e prova por declarações de parte)».
X
2.2. De Direito
2.2.1. Nos presentes autos, é sindicada proferida a fls. 183 e ss., (numeração em formato digital – sitaf), datada de 04 de Janeiro de 2018, que julgou (i) extinta a oposição quanto aos processos executivos com os números 3433200401077..., 3433200501110…, 3433200701008… e 3433200701071…, por inutilidade superveniente da lide; (ii) improcedente a excepção de caducidade do direito de acção invocada pela Fazenda Pública; (iii) procedente a oposição à execução fiscal deduzida pelo oponente, L........, referente aos processos 3433200801010…, 3433200901100… .
2.2.2. Para julgar procedente a oposição, a sentença considerou que não foi comprovado o exercício efectivo da gerência por parte do recorrido em relação à sociedade devedora originária.
Para assim entender a sentença estruturou, em síntese, a argumentação seguinte.
«Da matéria factual provada resultou claro que a administração tributária não alegou nem provou factos que demonstrem o exercício da gerência de facto.
Com efeito, pela fundamentação constante do Despacho de reversão acima, transcrito na alínea h) do probatório, este acto assenta na conclusão de que, verificada a gerência de direito de uma sociedade por determinada pessoa, faz a lei presumir que a mesma exerce a gerência de facto, assim se verificando que o Órgão de Execução Fiscal, se bastou com o que consta da escritura pública de constituição da sociedade, para a prova da gerência de facto.
Sem que esteja assente a questão da efectiva gerência de facto, a reversão não tem por provado o seu pressuposto essencial, pelo que a mesma não pode manter-se, nos termos decididos pelo Órgão de Execução Fiscal.
Deste modo, para que a reversão da execução pudesse operar-se contra o oponente competia ao Órgão de Execução Fiscal fazer a alegação e prova dos factos integradores da gerência de facto. A verdade é que o Órgão de Execução Fiscal não logrou fazer prova disso. Considerando a prova produzida, verifica-se que nada ficou demonstrado quanto à necessária gerência de facto, que esteve na origem da reversão da execução contra o Oponente.
Da prova testemunhal resultou claro que o revertido nunca exerceu qualquer actividade na sociedade, tendo sempre desenvolvido a sua actividade profissional no “B.......”, pelo que se conclui, pela falta de fundamentação legal para a reversão.
Pelo exposto é de concluir que o oponente é parte ilegítima nos dois processos executivos com os números 3433200801010… e 3433200901100…, por falta de prova da gerência de facto da sociedade “L....... - P........., Lda”.

2.2.3. A recorrente censura o veredicto que fez vencimento na instância. Invoca erro de julgamento quanto à matéria de facto.
Está em causa o IVA de 2006 e IVA de 2007 (segmento decisório iii) e alínea c), do probatório).
Compulsados os autos e ouvida a inquirição das testemunhas, impõe-se referir que a decisão da matéria de facto não logra ser revertida.
Não existem actos concretos de gerência imputáveis ao recorrido. Recorde-se que da fundamentação da matéria de facto, resulta que o recorrido «não exerceu funções na devedora originária e quando descreveu a actividade profissional do Oponente à data dos factos, quando refere que ele explorava o “B.......”, e que por isso não “tinha tempo para mais nada”. No mais, é de realçar o depoimento de parte prestado pelo autor, que se mostrou esclarecedor, afirmando que “trabalhava cerca de 12 hora por dia”, explorava o bar “B.......”, e que a gestão desse espaço não lhe deixava tempo para mais nada.» Matéria que não foi impugnada pela recorrente, dado que não indica elementos que permitam afiançar o oposto e porque é que tais elementos devem ser considerados. A matéria assente resulta dos elementos recolhidos nos autos, incluindo a prova testemunhal. Quer do depoimento de A..........., mulher do oponente, quer do depoimento do oponente. Este último esclareceu que o seu contributo na sociedade era de Know-how, dado que trabalhava noutra empresa desde as 10.000H às 24.00H, tendo ficado acordado com o outro sócio, L..........., que quem praticava actos em nome da sociedade, quem contactava com clientes ou fornecedores, quem contratava a contabilista e tratava com ela era o outro sócio. A sociedade terminou antes de começar porque o outro sócio desviou os contactos do recorrido para a empresa dele, pelo que a sociedade não chegou a iniciar a actividade (apenas existiu durante meses).
Mais se refere que os depoimentos constantes dos PEF, oferecidos quer por R……, mulher de L……., quer por C......., TOC (fls. 46/52, do pef), respeitam a pessoas com relações com o outro sócio gerente, pelo que o seu valor teria de ser cruzado com outros elementos por parte do órgão de execução fiscal. O que não sucedeu. Tais depoimentos confirmam a asserção do oponente de que não tinha o domínio da gestão da empresa e que o outro sócio tinha transferido o cerne da actividade para outra empresa sobre o seu controlo.
O ónus da prova da gerência, que recai sobre a exequente/recorrente, postula a demonstração da existência de actos concretos, com efeitos em relação a terceiros à sociedade, praticados pelo revertido em nome da sociedade devedora originária. Factos cuja alegação e prova não resulta dos autos.
Motivo porque se rejeita a presente imputação.
2.2.4. Seja no quadro do regime do artigo 13.º do CPT, seja no âmbito do regime do artigo 24.º da LGT, constitui pressuposto da efectivação da responsabilidade subsidiária o exercício da gerência efectiva por parte do revertido/oponente.
A este propósito de referir que «[c]omo resulta da regra geral de que quem invoca um direito tem que provar os respectivos factos constitutivos – artigo 342.º, n.º 1, do código Civil e artigo 74.º, n.º 1, da LGT , é à AT, enquanto exequente, que compete demonstrar a verificação dos pressupostos que lhe permitam reverter a execução fiscal contra o gerente da sociedade originária devedora e, entre eles, os respeitantes à existência de gestão de facto. Por outro lado, não há presunção legal que faça decorrer da qualidade de gerente de direito o efectivo exercício da função. Ora, só quem tem a seu favor uma presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz (artigo 350.º, n.º 1, do CC)»[1]. O que importa não é a relação jurídico-civil entre o oponente e a sociedade, mas antes a relação entre ele a vida da sociedade, a ponto de se poder comprovar a imediação entre a vontade por si externada e a vontade a imputável à sociedade e, como consequência, aferir do grau de censurabilidade que a sua actuação implicou para a garantia patrimonial dos credores da mesma. Por outras palavras, o que releva é o exercício de representação da empresa face a terceiros (credores, trabalhadores, fisco, fornecedores, entidades bancárias) de acordo com o objecto social e mediante os quais o ente colectivo fique vinculado. Se é verdade que «[d]a nomeação para gerente ou administrador (gerente de direito) de uma sociedade resulta uma parte da presunção natural ou judicial, baseada na experiência comum, de que o mesmo exercerá as correspondentes funções, por ser co-natural que quem é nomeado para um cargo o exerça na realidade; // Contudo, desde a prolação do acórdão do Pleno da Secção de CT do STA de 28-2-2007, no recurso n.º 1132/06, passou a ser jurisprudência corrente de que para integrar o conceito de tal gerência de facto ou efectiva cabia à AT provar para além dessa gerência de direito assente na nomeação para tal, de que o mesmo gerente tenha praticado em nome e por conta desse ente colectivo, concretos actos dos que normalmente por eles são praticados, vinculando-o com essa sua intervenção, sendo de julgar a oposição procedente quando nenhuns são provados»[2].
«Não existe presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário. // A presunção judicial, diferentemente da legal, não implica a inversão do ónus da prova. // Competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência. // Sendo possível ao julgador extrair, do conjunto dos factos provados, esse efectivo exercício, tal só pode resultar da convicção formada a partir do exame crítico das provas, que não da aplicação mecânica de uma inexistente presunção legal»[3].
No caso, não existem elementos nos autos que comprovem o exercício de facto da gerência por parte do oponente/recorrido, pelo que falta a demonstração do pressuposto da gerência efectiva do revertido, o que determina a procedência da oposição, por falta de legitimidade material do revertido.
Ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida não merece censura, devendo ser confirmada na ordem jurídica.
Termos em que de julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe.
Notifique.

(Jorge Cortês - Relator)


(1º. Adjunto)

(2º. Adjunto)

------------------------------
[1] Francisco Rothes, Em torno da efectivação da responsabilidade dos gerentes – algumas notas motivadas por jurisprudência recente, I Congresso de Direito Fiscal, Vida Económica, pp. 45/64, maxime, p. 53/54.
[2] Acórdão do TCAS, de 20.09.2011, P. 04404/10.
[3] Acórdão do Pleno da Secção Tributária do STA, de 28.02.2007, P. 01132/06