Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:874/06.1BELRA
Secção:CA
Data do Acordão:10/04/2018
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores: CANCELAMENTO DE INSCRIÇÃO EM ORDEM PROFISSIONAL
COMPETÊNCIA
Sumário:I. A condenação do técnico oficial de contas pela prática de crime doloso, designadamente, de natureza fiscal, económica ou financeira, impõe o cancelamento compulsivo da inscrição na Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, nos termos do disposto nos artigos 21.º, n.º 2 e 15.º, n.º 1, al. d), do Estatuto da CTOC.
II. O ato de cancelamento compulsivo de inscrição de técnico oficial de contas na Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas não se traduz na aplicação de uma sanção disciplinar, não só porque não prevista como tal no elenco das penas disciplinares no n.º 1 do artigo 63.º do ECTOC, como estando dependente da instauração de processo disciplinar, como se encontra previsto que em situações da prática de crime doloso haja lugar, sem mais, ao cancelamento compulsivo da inscrição do técnico oficial de contas na CTOC.
III. A competência da Comissão de Inscrição da CTOC, prevista no artigo 39.º do ECTOC respeita à execução da decisão de cancelamento oficioso ou compulsivo, o que pressupõe que previamente tenha sido tomada essa decisão, pois só pode executar-se o que antes tenha sido decidido ou deliberado.
IV. A competência para dar cumprimento ao que se estabelece no disposto nos artigos 21.º, n.º 2 e 15.º, n.º 1, al. d), do ECTOC não se encontra especificamente atribuída a nenhum órgão da CTOC.
V. A alínea t), do n.º 1 do artigo 35.º do ECTOC, prevê uma norma de competência residual da Direção da CTOC, atribuindo-lhe a competência para “Praticar todos os demais actos conducentes à realização dos fins da Câmara e tomar deliberações em todas as matérias que não sejam da competência exclusiva de outros órgãos.”.
VI. Cabe à Direção e não à Comissão de Inscrição da CTOC, a competência para deliberar sobre o cancelamento compulsivo de inscrição de técnico oficial de contas na Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I – RELATÓRIO

A Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, devidamente identificada nos autos, veio interpor recurso jurisdicional do acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, datado de 31/03/2015, que no âmbito da ação administrativa especial, instaurada por J..., julgou a reclamação para a conferência improcedente e confirmou a sentença reclamada, que julgou a ação procedente, anulando o ato impugnado, a deliberação da Direção da Câmara dos Técnicos Oficias de Contas, datada de 29/03/2006, que determinou o cancelamento compulsivo de inscrição do Autor.


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Formula a aqui Recorrente nas respetivas alegações (cfr. fls. 180 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que infra e na íntegra se reproduzem:

“1. O Acórdão tomado pelo Tribunal a quo padece de erro de interpretação e aplicação de lei, ao entender que a deliberação impugnada padece de vício de incompetência, porque a então Direcção da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, nos termos do Estatuto em vigor à data (ECTOC), não tinha poderes para deliberar sobre o cancelamento compulsivo de um TOC condenado por crime doloso.

2. Os factos em causa podem resumir-se no seguinte: i) o recorrido inscreveu-se como TOC, instruindo o seu pedido de inscrição com documentos por ele falsificados para o efeito, crime pelo qual acabou por ser condenado; ii) verificado o trânsito em julgado do crime cometido pelo recorrido, a Direcção da então CTOC deliberou cancelar compulsivamente a sua inscrição.

3. O art.º 39.º do ECTOC, alínea f), prevê que compete (apenas) à Comissão de inscrição “dar execução às penas de suspensão e cancelamento oficioso ou compulsivo da inscrição aplicadas nos termos do presente Estatuto”.

4. Ora, “dar execução”, para além de diverso de “decidir”, pressupõe uma anterior decisão.

5. Nos termos do art.º 21.º, n.º 2, alínea a), “A Câmara cancelará compulsivamente a inscrição dos técnicos oficiais de contas sempre que, relativamente a estes (...) se verifique algum dos impedimentos previstos no n.º l do artigo 15.º”.

6. Por a competência para decidir sobre esta matéria de cancelamento compulsivo da inscrição não estar atribuída especificamente (e muito menos em exclusivo) a nenhum outro órgão da então CTOC, era à Direcção que cabia o seu exercício, de acordo com o disposto na alínea t), do n.º 1,do art.º 35.º do ECTOC, no qual se-lhe concede uma competência de decisão genérica, residual, quando tais matérias não fossem da competência exclusiva de outros órgãos.

7. O cancelamento compulsivo da inscrição não é uma pena disciplinar (cfr. o art.º 63.º do ECTOC que elenca as várias penas possíveis de ser aplicadas).

8. O cancelamento compulsivo é consequência de uma decisão administrativa (não disciplinar), pelo que carece de um acto expresso, o qual, depois, deve ser executado.

9. Ora, tal decisão tinha de ser tomada pela Direcção, pois a nenhum outro órgão se atribuiu tal competência, cabendo, depois, a sua execução, aqui sim, à Comissão de inscrição.

10. A letra do Estatuto é tão clara que não se percebe como chegou o Tribunal a quo à decisão sob recurso, a menos que se entendesse que o cancelamento compulsivo da inscrição seria uma consequência automática do facto de o técnico oficial de contas ter sido condenado por crime doloso, isto é, que tudo estaria já decidido, apenas cabendo à Comissão de inscrição a execução de tal decisão prévia.

11. Mas tal decisão prévia, se se apagar aquela que foi tomada pela Direcção, não existe.

12. Não há nenhuma decisão disciplinar aplicada neste caso que determine o cancelamento compulsivo (que, lembra-se, não é uma pena disciplinar), e a condenação obtida em sede de processo-crime não ordenou o cancelamento da inscrição.

13. Assim, sempre seria necessário tomar uma decisão que determinas­ se o cancelamento compulsivo do recorrido - atendendo aos factos que vieram a ser revelados, conhecidos, provados e condenados naquele processo-crime -, decisão essa que só pela Direcção poderia ser tomada, já que a Comissão de inscrição apenas tem competência executória.

14. Donde resulta a incorrecção da decisão tomada, o que tem por consequência que a mesma deva ser revogada, mantendo-se, pois, a legalidade do acto impugnado nos presentes autos, pois era à Direcção da então CTOC que cabia deliberar sobre o cancelamento compulsivo do TOC, cabendo à Comissão de inscrição a execução posterior dessa decisão.”.

Termina, pedindo que seja concedido provimento ao recurso e revogado o acórdão recorrido, mantendo-se a deliberação impugnada.


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O ora Recorrido, notificado da admissão do recursão, apresentou contra-alegações (cfr. fls. 194 e segs.), formulando as seguintes conclusões:

“1. O douto Tribunal a quo, por entender que a Direcção da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, nos termos estatutários, não tinha poderes para deliberar sobre o cancelamento compulsivo de um Técnico Oficial de Contas condenado por crime doloso, decidiu julgar a acção procedente, anulando o acto impugnado.

2. O artigo 39°, ECTOC, dispõe que é competência da Comissão de Inscrição, “dar execução às penas de suspensão e cancelamento oficioso ou compulsivo da inscrição” (al, m.

3. No que concerne à vertente da inscrição, o que implique a suspensão ou cancelamento da inscrição, é da competência da Comissão de Inscrição e não da Direcção.

4. O acto impugnado pelo AA/Recorrido foi praticado pela Direcção, foi tomado por órgão que, nos termos do ECTOC, não tem competência para a tomar.

5. Tendo o acto sido praticado pela Direcção, órgão não competente para o efeito, este padece do vício de incompetência, traduzido na falta de poderes do órgão que praticou o acto para o fazer e tem como consequência a anulabilidade do acto respectivo, que foi declarada pelo Tribunal a quo.

6. Inexiste qualquer vício, nomeadamente de erro de interpretação e aplicação de lei, do douto Acórdão a quo, que deve ser confirmado.”.

Pede que seja negado provimento ao recurso, confirmando-se o acórdão recorrido.


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O Digno Magistrado do Ministério Público, notificado nos termos e efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, nos seguintes termos, que ora se transcrevem:

“(…) Salvo melhor opinião, o objecto do presente recurso consiste em saber qual o órgão da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas que tem competência para decretar/aplicar o cancelamento compulsivo da inscrição de um Técnico Oficial de Contas na respectiva Ordem: no caso concreto o Recorrido, na sequência da condenação pelo mesmo, como autor material, de um crime (doloso) de falsificação de documento, p.p. pelo artigo 256º, nº l, b), com referência ao artigo 255º, al., a), ambos do Código Penal, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de € 6,00, no montante global de € 720,00, a que correspondem 80 dias de prisão subsidiária sendo que tal decisão veio a ser confirmada, em sede de recurso, pelo Tribunal da Relação de Coimbra de 15/12/2004 e transitado em julgado.

Isto é, a competência para a prática de tal acto cabe à Comissão de Inscrição (como veio a ser decidido pelo Acórdão ora sob sindicância e em consonância com o defendido pelo aqui Recorrido) ou, se pelo contrário, (como é entendimento do ora Recorrente), pela Direcção da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas?

Segundo o Acórdão posto em crise, “...resulta que a condenação do TOC pela prática de crime doloso, designadamente de natureza fiscal, económica ou financeira, impõe o cancelamento compulsivo da inscrição daquele na CTOC - cfr. art.º 21, n° 2 e 15º, nº l, al. d), do estatuto da CTOC.

Estatui o artigo 39°, do Estatuto da CTOC que, é competência da Comissão de Inscrição, “dar execução às penas de suspensão e cancelamento oficioso ou compulsivo da inscrição”.

Do disposto no mencionado normativo legal resulta, tal corno se entende, que as penas aplicadas, no que concerne à vertente da inscrição, isto é, que impliquem a sua suspensão ou cancelamento, são da competência da Comissão de Inscrição e não da Direcção ...”.

Ao caso concreto são aplicáveis as disposições legais contidas no Decreto-Lei nº 452/99, de 5/11 (que aprovou o Estatuto da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas), na redacção anterior às alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 310/2009, de 26 de Outubro (tal como foi feito pelo sobredito Acórdão), sendo certo que a recente Lei nº 139/2015, de 7 de Setembro, publicada no Diário da República, I Série, nº 174, veio transformar a Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas em Ordem dos Contabilistas Certificados e altera o respectivo Estatuto.

Posto isto, diga-se que o cancelamento compulsivo da inscrição da CTOC não é uma pena disciplinar (estas, elencadas de acordo com o princípio da tipicidade, no artigo 63° do DL 452/99, de 5/11 e cujo exercício do poder disciplinar compete ao conselho disciplinar e a execução das penas à direcção, sendo o processo disciplinar instaurado mediante decisão do conselho disciplinar - artigos 60º e 61º do supra citado diploma legal) mas, antes, consequência de uma decisão administrativa.

Executar significa o acto ou o efeito de executar, cumprir, realizar.

No caso em apreço, e segundo o artigo 39º, nº 1, f), do DL 452/99, de 5/11 compete à comissão de inscrição dar execução às penas de suspensão e cancelamento oficioso ou compulsivo da inscrição aplicadas nos termos do presente estatuto.

Tal como se alcança, sem esforço, da expressão “aplicadas” resulta que é outro órgão (que não a comissão de inscrição) que aplica (impõe) o cancelamento oficioso ou compulsivo da inscrição, limitando-se a comissão de inscrição a dar-lhe execução/cumprir (após aplicação).

Em suma, a execução sobre o cancelamento compulsivo cabe à Comissão de Inscrição, o que pressupõe a existência de um acto prévio/anterior qual seja a deliberação sobre a aplicação do sobredito cancelamento.

E no quadro legal então em vigor, dúvidas não se nos suscitam que a competência para o efeito (aplicação) cabe à Direcção (praticar todos os demais actos conducentes à realização dos fins da Câmara e tomar deliberações em todas as matérias que não sejam da competência exclusiva de outros órgãos), como é no caso vertente. (artigo 35º, nº 1, al. t) do DL 452/99, de 5/11).

Nesta conformidade, não se vê que a deliberação impugnada tenha sido aplicada por órgão com falta de poderes e sem competência para tal.

São termos em que, violados que foram os preceitos legais invocados no presente e nas alegações da aqui Recorrente, se emite parecer no sentido de que o recurso merece provimento, revogando-se, em consequência, o douto Acórdão proferido, pois que o acto/deliberação impugnado não regista qualquer vício ou ilegalidade de que cumpra conhecer.”.


*

O processo vai, com vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir a questão colocada pela Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

A questão suscitada pela Recorrente resume-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento de direito, de interpretação e aplicação da lei ao entender que a deliberação impugnada padece do vício de incompetência, por a Direção da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas não ter poderes para deliberar sobre o cancelamento compulsivo de um técnico oficial de contas, em violação da alínea t), do n.º 1 do artigo 35.º do Estatuto da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas (ECTOC).

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

A) Em 02/07/1998, o Autor J... requereu a sua inscrição como Técnico Oficial de Contas e tal pedido de inscrição foi-lhe deferido, tendo-lhe sido atribuída a inscrição naquela Associação com o n.º 46629 – cfr. fls. 1 e 2, do PA.

B) Em 20/03/2000, a CÂMARA DOS TÉCNICOS OFICIAIS DE CONTAS participou criminalmente contra o Autor pelo facto de haver discrepâncias entre os elementos constantes das declarações fiscais enviadas para instrução do processo de inscrição e os existentes no registo informático da Direcção Geral das Contribuições e Impostos, “relativas aos mesmos sujeitos passivos e aos mesmos exercícios fiscais, entre o número de contribuinte dos candidatos (já inscritos), constante das declarações fiscais juntos dos processos de candidatura e o existente no registo informático da DGCI, nomeadamente constando neste registo o contribuinte de outro Técnico Oficial de Contas. Indiciada está, desta forma, a prática de crimes de FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTOS, conforme Art. 256º do Código Penal” – cfr. PA.

C) O Ministério Público deduziu acusação contra o ora A. pela prática de um crime de falsificação de documento, p.p. pelo artº 256º, nº 1, al. b), com referência ao artº 255º, al. a), ambos do Código Penal [autos de inquérito nº 714/01.8TAFVN, do Tribunal Judicial de Figueiró dos Vinhos] – cfr. PA.

D) No âmbito do referido processo nº 714/01.8TAFVN, do Tribunal Judicial de Figueiró dos Vinhos foi o A. julgado e condenado como autor material de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artº 256º, nº 1, al. b), com referência ao artº 255º, al. a), ambos do C. Penal, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de € 6,00, no montante global de € 720,00 a que correspondem 80 dias de prisão subsidiária, o que foi confirmado por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15/12/2004.

E) Por ofício com a refª 107/FT, da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, datada de 23/02/2005, assinado pelo Presidente da Direcção da CTOC, procedeu-se “ao reenvio do nosso ofício de 23.12.2004, em anexo, que veio devolvido com a indicação ―Não reclamado” – cfr. PA.

F) Consta do ofício com a refª 279-FT-101CPA, datado de 23/12/2004, assinado pelo Presidente da Direcção da CTOC, o seguinte:

Atentas as divergências detectadas no seu processo de inscrição, formalizado ao abrigo da Lei n° 27/98, de 03 de Junho, foi remetida participação criminal ao Ministério Público que proferiu despacho de acusação.

O processo correu os seus termos vindo a ser condenado como autor de um crime de falsificação de documento p. e p. no art. 256°, n° 1, alínea b, com referência ao art. 255°, al. a) ambos do Código Penal, por sentença proferida pelo Judicial da Comarca de Figueiró dos Vinhos - (Proc. N° 714/01.8TAFVN).

Nos termos supra expostos, é intenção da Direcção CANCELAR COMPULSIVAMENTE a sua inscrição com base no disposto na alínea a) do n.° 2 do Artº 21º, do Estatuto da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas (aprovado pelo Decreto-Lei n.° 452/99, de 05 de Novembro), conjugado com o disposto no n° 1 da alínea d) do artº 15o, daquele normativo.

Assim, nos termos e para os efeitos previstos no Código de Procedimento Administrativo deverá, caso o pretenda, no prazo de 10 dias úteis, a contar da presente notificação vir, por escrito, apresentar a sua defesa.

G) Em 11/03/2005, o A. apresentou a sua defesa por escrito, dirigida ao Presidente da Câmara dos Técnicos de Oficiais de Contas – cfr. PA.

H) Por carta registada datada de 29/03/2006, assinada pelo Presidente da Direcção da CTOC, com o assunto: “Notificação de cancelamento compulsivo da inscrição”, foi o A. notificado do seguinte:

Na sequência da nossa anterior comunicação vimos comunicar-lhe que a Direcção da Câmara deliberou, por unanimidade, na sua reunião de 06/03/29, proceder ao CANCELAMENTO COMPULSIVO da sua inscrição nesta instituição, nos termos do disposto nos arts. 21°, n° 2, al. a) e 15°, n° 1, al. d), ambos do Estatuto da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas.

De acordo com o previsto na al. a), do n° 2 do art. 21° do Estatuto da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, a CTOC "cancelará compulsivamente a inscrição dos técnicos oficiais de contas, sempre que, relativamente a estes, se verifique algum dos impedimentos previstos no n°. 1 do artº. 15º", designadamente o da sua al. d), que é o ter sido condenado pela prática de crime doloso.

Esta decisão foi tomada na sequência do conhecimento da sentença condenatória proferida contra V. Exa. pelo Tribunal Judicial de Figueiró dos Vinhos, sob o n° de processo 714/01.8TAFVN, pela prática de um crime de falsificação de documento p. e p. no Art. 256°, n° 1, alínea b) com referência ao art. 255°, al. a), ambos do Código Penal, na pena de 120 dias de multa, resultante de divergências existentes no seu processo de inscrição. Com a falsificação de documentos visou e logrou obter a inscrição como Técnico Oficial de Contas.

É entendimento da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas que tal comportamento, objecto de apreciação judicial, que culminou numa condenação, é particularmente gravoso para quem pretende continuar a exercer as funções de Técnico Oficial de Contas, a quem se exige particular probidade e rigor no tratamento e análise de documentos.

Tendo o Estado reconhecido a natureza pública da função de Técnico Oficial de Contas, não pode admitir-se que continue no exercício de funções um profissional condenado precisamente por falsificar declarações fiscais, pois aquele reconhecimento supõe que o profissional adopte um comportamento acima de qualquer suspeita, digno e exemplar. Não foi o que sucedeu no caso em apreço.

Cumpre-nos esclarecer V. Exª. que a partir da data desta notificação deixa de reunir as condições para exercer a profissão de Técnico Oficial de Contas, bem como de usar o respectivo título, devendo devolver a cédula profissional. O incumprimento é passível de procedimento judicial por usurpação de funções.

Mais se comunica que o cancelamento compulsivo da inscrição será, nos termos do Estatuto, publicado na III Série do Diário da República e comunicado às entidades onde presta serviços como Técnico Oficial de Contas.

Nos termos do disposto no n.° 2 do Art. 24° do Estatuto, poderá reagir a esta deliberação, interpondo recurso contencioso para o Tribunal Administrativo competente.” – cfr. PA.”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, importa, agora, entrar na análise do fundamento do presente recurso jurisdicional.

Erro de julgamento de direito, de interpretação e aplicação da lei ao entender que a deliberação impugnada padece do vício de incompetência, por a Direção da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas não ter poderes para deliberar sobre o cancelamento compulsivo de um técnico oficial de contas, em violação da alínea t), do n.º 1 do artigo 35.º do Estatuto da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas (ECTOC)

Vem a Entidade Demandada, ora Recorrente a juízo invocar o erro de julgamento de direito contra o acórdão recorrido ao decidir que a deliberação impugnada enferma do vício de incompetência, por a Direção da Câmara dos Técnicos Oficias de Contas não ter poderes para deliberar sobre o cancelamento compulsivo de um técnico oficial de contas, alegando a violação do disposto da alínea t) do n.º 1 do artigo 35.º do ECTOC.

Sustenta que tendo o Autor instruído o seu pedido de inscrição com documentos que ele próprio falsificou, crime pelo qual foi condenado, verificando-se o trânsito em julgado do crime cometido, a Direção da então Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas deliberou cancelar compulsivamente a sua inscrição.

Alega que a competência para deliberar pelo cancelamento compulsivo cabe à Direção, nos termos da alínea t) do n.º 1 do artigo 35.º do ECTOC, por essa competência não se encontrar atribuída a qualquer outro órgão da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas e que a Comissão de Inscrição apenas possui competência para dar execução às penas de suspensão e de cancelamento oficioso ou compulsivo da inscrição, o que pressupõe que previamente tenha sido tomada uma decisão que careça de ser executada.

Mais invoca que a deliberação impugnada não se traduz na aplicação de uma pena disciplinar, mas uma decisão administrativa que carece de ser tomada, para depois poder ser executada.

Vejamos.

Tendo presente a factualidade assente no acórdão recorrido verifica-se que o Autor requereu em 02/07/1998 a sua inscrição como Técnico Oficial de Contas, tendo sido deferido tal pedido.

Em 20/03/2000 a Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas participou criminalmente contra o Autor, por haver discrepâncias nos documentos apresentados, vindo a ser deduzida acusação penal e depois condenação, pela autoria material de um crime de falsificação de documentos.

Em sequência da condenação penal transitada em julgado, em 23/12/204 o Presidente da Direção da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas notificou o Autor da intenção de cancelamento compulsivo da sua inscrição, o que foi deliberado em reunião da Direção em 29/03/2006, nos termos do artigo 21.º, n.º 2 alínea a) do Estatuto da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas.

Com base na factualidade apurada, o Tribunal a quo veio a decidir pela procedência do vício de incompetência da deliberação impugnada, entendendo que a competência para a prática do ato impugnado pertence à Comissão de Inscrição e não à Direção da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas.

Mas sem razão, incorrendo o acórdão recorrido no erro de julgamento que se mostra invocado como fundamento do presente recurso e tal como pugnado pelo Ministério Público no parecer emitido.

Compulsando as normas legais aplicáveis, à data dos factos releva o regime aprovado no Estatuto da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas (ETOC), aprovado pelo D.L. n.º 452/99, de 05/11, na redação anterior às alterações introduzidas pelo D.L. nº 310/2009, de 26/10.

Segundo a alínea d), do n.º 1 do seu artigo 15.º do ECTOC, sob epígrafe “Condições de inscrição”:

1 - São condições gerais de inscrição como técnico oficial de contas:

(…)

d) Não ter sido condenado pela prática de crime doloso, designadamente de natureza fiscal, económica ou financeira, salvo se concedida a reabilitação, nem ter sido declarado interdito ou inabilitado;”.

A alínea a), do n.º 2 do artigo 21.º do ECTOC, no que respeita à “suspensão ou cancelamento compulsivo de inscrição”, estabelece:

2 – A Câmara cancelará compulsivamente a inscrição dos técnicos oficiais de contas sempre que, relativamente a estes.

a) Se verifique algum dos impedimentos previstos no n.º 1 do artigo 15.º.

Nos termos do disposto no artigo 24.º do ECTOC, que estabelece os “Órgãos da Câmara”:

1 - A Câmara realiza os seus fins e atribuições através dos seguintes órgãos:

a) Assembleia geral;

b) Direcção;

c) Conselho fiscal;

d) Comissão de inscrição;

e) Conselho disciplinar;

f) Conselho técnico.”.

Por sua vez, no que se refere à competência da Direção, prevê a alínea t), do n.º 1 do artigo 35.º do ECTOC, o seguinte:

1 - Compete à direcção:

(…)

t) Praticar todos os demais actos conducentes à realização dos fins da Câmara e tomar deliberações em todas as matérias que não sejam da competência exclusiva de outros órgãos.” (sublinhado nosso).

Já quanto à competência da Comissão de inscrição, o n.º 1 do artigo 39.º estabelece:

1 - Compete à comissão de inscrição:

a) Verificar a regularidade das condições de inscrição dos candidatos a técnicos oficiais de contas;

b) Inscrever os requerentes que se encontrem nas condições legalmente exigidas na lista dos técnicos oficiais de contas;

c) Organizar, actualizar e publicar a lista dos técnicos oficiais de contas;

d) Promover as averiguações necessárias ou convenientes com vista a verificar se os requerentes se encontram nas condições legalmente exigidas para a sua inscrição como técnicos oficiais de contas;

e) Deliberar sobre os pedidos de suspensão ou de cancelamento voluntário da inscrição, bem como sobre os pedidos de reinscrição, comunicando à direcção a decisão tomada;

f) Dar execução às penas de suspensão e cancelamento oficioso ou compulsivo da inscrição aplicadas nos termos do presente Estatuto;” (sublinhado nosso).

Acresce ainda, com relevo para a delimitação da natureza do ato impugnado nos autos, no que se refere à competência do Conselho Disciplinar, que segundo o artigo 41.º do ECTOC compete a esse órgão, “a) Instaurar e decidir os processos disciplinares, bem como nomear o instrutor, que deverá, preferencialmente, ser licenciado em Direito e não ser técnico oficial de contas;”.

Relativamente à “Responsabilidade disciplinar”, o artigo 59.º do ECTOC prevê:

1 - Os técnicos oficiais de contas estão sujeitos à jurisdição disciplinar dos órgãos da Câmara, nos termos previstos no presente Estatuto.

2 - Considera-se infracção disciplinar a violação pelo técnico oficial de contas, por acção ou omissão, de algum dos deveres gerais ou especiais consignados no presente Estatuto ou noutras normas aprovadas pela Câmara, ainda que a título de negligência.”.

Mais estabelece o artigo 60.º quanto à “Competência disciplinar” que o exercício do poder disciplinar compete ao Conselho Disciplinar e a execução das penas à Direção.

O artigo 61.º do ECTOC no que concerne à instauração do processo disciplinar, dispõe que:

1 - O processo disciplinar é instaurado mediante decisão do conselho disciplinar.

2 - Os tribunais e demais autoridades públicas devem dar conhecimento à Câmara da prática de actos por técnicos oficiais de contas susceptíveis de se qualificarem como infracção disciplinar.”.

No tocante à tipificação das penas disciplinares, prevê o artigo 63.º do ECTOC:

1 - As penas disciplinares aplicáveis aos técnicos oficiais de contas pelas infracções que cometerem são as seguintes:

a) Advertência;

b) Multa;

c) Suspensão até três anos;

d) Expulsão.”.

Em face do quadro legal exposto, resulta que a condenação do técnico oficial de contas pela prática de crime doloso, designadamente de natureza fiscal, económica ou financeira, impõe o cancelamento compulsivo da inscrição daquele na CTOC, nos termos do disposto nos artigos 21.º, n.º 2 e 15.º, n.º 1, al. d), do ECTOC.

Por outro lado, é manifesto que a deliberação impugnada não se traduz na aplicação de uma sanção disciplinar, não só porque não prevista como tal no elenco das penas disciplinares no n.º 1 do artigo 63.º do ECTOC, como não esteve subjacente a instauração de qualquer processo disciplinar, no âmbito do qual viesse a ser praticada a deliberação impugnada.

O ECTOC prevê expressamente que em situações como a dos autos haja lugar, sem mais, ao cancelamento compulsivo da inscrição do técnico oficial de contas na CTOC.

Por sua vez estabelece o artigo 39.º do ECTOC que é competência da Comissão de Inscrição dar execução às penas de suspensão e cancelamento oficioso ou compulsivo da inscrição, o que, ao contrário do decidido no acórdão recorrido, ora não está em causa.

A competência da Comissão de Inscrição respeita à execução da decisão de cancelamento oficioso ou compulsivo, o que pressupõe que previamente tenha sido tomada essa decisão.

Só pode executar-se o que antes tenha sido decidido ou deliberado.

Não se encontra atribuída a competência à Comissão de Inscrição para deliberar sobre o cancelamento compulsivo de inscrição, mas apenas a competência para dar execução a tal medida.

A competência para dar cumprimento ao que se estabelece no disposto nos artigos 21.º, n.º 2 e 15.º, n.º 1, al. d), do ECTOC não se encontra expressamente atribuída a nenhum órgão da CTOC.

Porém, o ECTOC prevê uma norma de competência residual na alínea t), do n.º 1 do artigo 35.º do ECTOC, atribuindo à Direção a competência para “Praticar todos os demais actos conducentes à realização dos fins da Câmara e tomar deliberações em todas as matérias que não sejam da competência exclusiva de outros órgãos.”.

Assim sendo, apurando-se que a deliberação impugnada não consiste na aplicação de uma pena disciplinar e que a competência para deliberar sobre o cancelamento compulsivo de inscrição na Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas não se encontra especificamente atribuída a qualquer dos seus órgãos, a qual em si mesma não se traduz, nem pode ser confundida com a competência para dar execução à deliberação de cancelamento compulsivo, perante uma norma atributiva de competência residual à Direção da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, tem de se entender caber a este órgão a competência legal para a prática da deliberação impugnada nos autos.

Em consequência, enferma o acórdão recorrido do erro de julgamento invocado, ao entender que a deliberação impugnada enferma do vício de incompetência, por ao invés da Direção da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, a competência estar atribuída à Comissão de Inscrição, quando este órgão apenas possui competência da executar as deliberações sobre cancelamento compulsivo de inscrição tomadas pela Direção.

Pelo que, em face do exposto, procede o erro de julgamento de direito que se mostra dirigido contra o acórdão recorrido, sendo de conceder provimento ao recurso e em revogar o acórdão recorrido.


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Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. A condenação do técnico oficial de contas pela prática de crime doloso, designadamente, de natureza fiscal, económica ou financeira, impõe o cancelamento compulsivo da inscrição na Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, nos termos do disposto nos artigos 21.º, n.º 2 e 15.º, n.º 1, al. d), do Estatuto da CTOC.

II. O ato de cancelamento compulsivo de inscrição de técnico oficial de contas na Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas não se traduz na aplicação de uma sanção disciplinar, não só porque não prevista como tal no elenco das penas disciplinares no n.º 1 do artigo 63.º do ECTOC, como estando dependente da instauração de processo disciplinar, como se encontra previsto que em situações da prática de crime doloso haja lugar, sem mais, ao cancelamento compulsivo da inscrição do técnico oficial de contas na CTOC.

III. A competência da Comissão de Inscrição da CTOC, prevista no artigo 39.º do ECTOC respeita à execução da decisão de cancelamento oficioso ou compulsivo, o que pressupõe que previamente tenha sido tomada essa decisão, pois só pode executar-se o que antes tenha sido decidido ou deliberado.

IV. A competência para dar cumprimento ao que se estabelece no disposto nos artigos 21.º, n.º 2 e 15.º, n.º 1, al. d), do ECTOC não se encontra especificamente atribuída a nenhum órgão da CTOC.

V. A alínea t), do n.º 1 do artigo 35.º do ECTOC, prevê uma norma de competência residual da Direção da CTOC, atribuindo-lhe a competência para “Praticar todos os demais actos conducentes à realização dos fins da Câmara e tomar deliberações em todas as matérias que não sejam da competência exclusiva de outros órgãos.”.

VI. Cabe à Direção e não à Comissão de Inscrição da CTOC, a competência para deliberar sobre o cancelamento compulsivo de inscrição de técnico oficial de contas na Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso e em revogar o acórdão recorrido, julgando a ação administrativa improcedente, por não provada, assim mantendo a deliberação impugnada na ordem jurídica.

Custas pelo Recorrido, em ambas as instâncias.

Registe e Notifique.

(Ana Celeste Carvalho - Relatora)

(Conceição Silvestre)

(Cristina Santos)