Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1161/08.6BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:06/09/2021
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:DIREITO DE AUDIÇÃO
PRETERIÇÕES DE FORMALIDADES LEGAIS
FATURAÇÃO FALSA
IVA
Sumário:I-Se a Recorrente foi notificada para exercer o direito de audição prévia aquando da emissão do projeto de conclusões e antes da emissão do Relatório definitivo em conformidade com o preceituado no artigo 60.º da LGT, e se a AT analisou as razões expendidas no seu articulado e documentação carreada, tendo refutado, fundamentadamente, as razões atinentes à improcedência e à manutenção das correções aritméticas, inexiste qualquer violação do direito de participação.

II-A AT não está obrigada a realizar todas as diligências de prova que os interessados requeiram na fase da audiência prévia, bastando que justifique quais as razões atinentes ao efeito. A decisão antagónica à pretensão da Recorrente, no sentido de que os depoimentos não são relevantes não traduz preterição de formalidade essencial, porquanto pronunciou-se sobre a desnecessidade de tal audição justificando as razões que estavam na génese do seu juízo de entendimento.

III-Se do elenco das testemunhas arroladas no direito de audição prévia se verifica total similitude com o rol constante na p.i. e se as mesmas foram ouvidas na fase judicial, então qualquer, eventual, vício formal ocorrido em sede administrativa, não teria, de todo, a relevância invalidante face à teoria do aproveitamento do ato.

IV-No domínio da faturação falsa, a AT não precisa de fazer prova da falsidade/simulação das faturas, mas apenas evidenciar a consistência do seu juízo, invocando factos que traduzam uma probabilidade séria de as operações constantes nas faturas serem simuladas. Cumprido esse ónus passa a competir à Impugnante, apresentar prova capaz de destruir esses indícios, demonstrando que as faturas têm subjacentes operações com materialidade.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I-RELATÓRIO

 

P....., Lda, e DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (DRFP) interpuseram recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida tendo por objeto liquidação oficiosa de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), referente ao exercício de 2003, no valor de €43.986,24.

P....., Lda, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

“1ª- Vem o presente recurso da Sentença proferida nos autos a fls.., datada de 19/04/2018, que julgou parcialmente improcedente a impugnação, considerando ser de manter parte das correções efetuadas pela A.T. e as consequentes liquidações.

2ª - O ora recorrente, em sede de impugnação, arguiu a nulidade resultante da violação do art. 60º nº1 e 7 da LGT; art. 100, do CPA e art. 267 da CRP.

3ª O Tribunal “a quo” julgou não existente tal nulidade.

4ª - Mmos Juizes deste Tribunal Superior não podemos descurar o Princípio que consagra a participação dos administrados na formação das decisões em que são directamente interessados-art. 60º nº1 e 7 da LGT.

5ª Este direito de participação tem consagração quer constitucional (artigo 267.5 da CRP), quer no Código de Procedimento Administrativo (cf. artigo 100A).

6ª - Nos presentes autos, em termos efetivos, a A.T. não deu cumprimento ao direito de audição do ora recorrente, pois, pese embora o ora recorrente tenha sido notificado para o exercício do direito de audição prévia e tenha respondido, a A.T. atuou como se tal não tivesse ocorrido, designadamente não levou em conta os documentos juntos e, essencialmente, não ouviu as testemunhas arroladas.

7ª - A A.T. alegou "falta de imparcialidade das testemunhas arroladas", por, alegadamente haver relações de familiaridade ou laborais entre a ora recorrente e tais testemunhas. As informações e fundamentações da A.T. têm de ser objetivas, sérias, verdadeiras, coerentes e legalmente fundada - art. 76º LGT, 0 que não acontece no caso concreto.

8ª - As alegadas relações de parentesco ou laborais só se verificavam quanto a uma minoria das testemunhas.

9ª - Ainda assim, os argumentos da A.T. afigura-se-nos absurdos por duas ordens de razões, em primeiro lugar porque são exatamente as pessoas que têm relações profissionais com a ora impugnante e por causa dessas relações, que têm conhecimento direto do modo como esta opera.

7º - Por outro lado, para aferir da credibilidade ou não das testemunhas necessário seria tê-las ouvido, analisar a espontaneidade e a seriedade dos depoimentos e não partir de afirmações pré-concebidas e preconceituosas sobre as mesmas. Afirmações essas que não têm qualquer suporte legal, bem pelo contrário, a lei não estabelece qualquer impedimento ou suspeição da testemunha em função das relações de familiaridade ou relação laborai (v.g. 496 C.P.C.).

11ª- A Administração Tributária, ao agir como agiu, fê-lo ao arrepio de lei expressa e preteriu formalidades essenciais.

12ª - Tal só seria legalmente admissível se a decisão fosse favorável ao contribuinte, tal como previsto no n.° 2 do artigo 60.º da LGT.

13ª - O disposto no nº 7 do artigo 60.° da Lei Geral Tributária confere aos contribuintes uma efetiva participação na formação das decisões que lhes digam respeito, impondo-se que a AT tenha obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão final os elementos novos suscitados na audição pelo contribuinte.

14ª - Salientamos aliás que a Digna Procuradora da República emitiu, e bem, parecer no sentido da impugnação ser julgada procedente, por se mostrar violado o disposto na al. e) do nº 1 e nº 7 do artº 60 da LGT.

15 ª Resulta por demais evidente a contradição e a falta de lógica entre a matéria de facto provada, a não provada e a fundamentação (final de fls 14 da sentença).

16ª - Designadamente o facto constante da al. AI. I) e J) dos factos provados, único facto considerado não provado e a fundamentação apresentada pelo tribunal para dar como não provado o facto referido.

17ª - Se a firma "J..... Lda" realizou para a ora recorrente serviços de montagem de andaimes, (facto provado - al. I) se são os pedreiros que executam os trabalhos de montagem de andaimes (fim de fls 14 da Sentença). Logicamente a firma "J..... Lda” tinha trabalhadores com a profissão de pedreiros.

18ª- Pelo que é totalmente incoerente, ilógico e contraditório tribunal não dar como provado que a firma "J..... Lda" tenha feitos outros trabalhos de pedreiro para a ora recorrente porque não tinha trabalhadores com a profissão de pedreiro.

19ª - Andou mal o Tribunal " a quo" ao dar como não provada esta matéria.

20ª- A Acrescer que existem também os depoimentos das testemunhas que afirmam que os pagamentos eram feitos em numerário. Depoimentos que o Tribunal reputou de credíveis, tanto mais que com base neles deu como provado o facto da al. J).

21ª - Devendo, por isso, a decisão ser revogada, nos termos do nº 1 do Artigo 662 do CPC, considerando provado o único facto que o tribunal "a quo" julgou não provado.

22ª - Venerandos Desembargadores, julgando procedente o presente recurso, julgar igualmente procedente a impugnação, Assim V. Exas. farão JUSTIÇA.

23ª O tribunal recorrido violou o disposto nos arts 60º nº 1 e 7 da LGT art.; 100º do C.P.A.; 267.º da CRP; 74º; 75º; 76º da LGT 19.º do CIVA e 104º do RGIT.”


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A Recorrida devidamente notificada optou por não contra-alegar.

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O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA conclui as suas alegações da seguinte forma:

“I. O presente recurso visa reagir contra a douta sentença declaratória da parcial procedência da impugnação, na parte em que anulou a liquidação adicional de IVA, relativa ao período 0306T, e respectivos juros compensatórios, emitida na sequência da acção de inspecção levada a efeito pelos Serviços de Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Lisboa, que desconsiderou as facturas identificadas com o número 0428, datada de 29.05.2003, n.°0429, de 30.06.2003 e n.° 0430 de 30.06.2003, relativas àquele período.

II. Especificando, a sentença em crise, considerou, atendendo à actividade desenvolvida pela impugnante, haver necessidade de a mesma se socorrer de prestação de serviço de fornecimento e colocação de andaimes para efectuar respectivos trabalhos de pedreiro, nomeadamente nas obras a que as referidas faturas fazem referência, visto tratarem-se de prédios com 5 ou 6 andares, não se pode conceber que as mesmas não tenham adesão à realidade, ou que não correspondam a operações reais.

III.Ora, a Administração Tributária não se conforma.

IV. É que os Serviços de Inspecção Tributária recolheram uma série de factos demonstrativos de que aquelas facturas não correspondem a operações reais, concluindo pela existência de fortes indícios de que as facturas não traduzem prestações de serviços efectivas - ‘'Facturação falsa”.

V. Aliás, o Tribunal "a quo" deu como provado os indícios recolhido pela AT, considerando a prova junta pelos serviços de Inspecção Tributária suficiente para infirmar a contabilidade e escrita da impugnante, cessando assim a presunção de veracidade das declarações do contribuinte (cfr. Art. 75°, n.° 2, al. a), da LGT)

VI. Assim sendo, cabia à impugnante tornar certa a veracidade das operações em causa, constantes da sua contabilidade, ou seja, provar que as referidas facturas corresponderam a operações efectivamente realizadas, que, como vimos, não fez.

VII. Assim, não existindo prova, quer documental, quer testemunhal, que contrariasse o juízo de probabilidade feito pela AT (“Facturação Falsa”), isto é, que sustentasse a efectiva realização das obras pelo referido subempreiteiro ou a sua quantificação, nomeadamente prova dos pagamentos efectuados ao mesmo e, em consequência, que o respectivo IVA, corresponde a operações reais, as liquidações em apreço não padecem de qualquer vício que afecte a sua legalidade.

VIII.Acresce ainda o facto das referidas facturas não observarem os requisitos do artigo 35°, n° 5 do CIVA, não estando, assim cumprido o estabelecido no artigo 19°, n°s 2 e 3 e 20°, n° 1, ambos do CIVA.

IX.Em suma, a impugnante não podia ter deduzido o IVA constante daquelas facturas, nos termos dos n°s 2 e 3 do artigo 19.º e 20.° do CIVA.

X.Pelo que a douta sentença proferida pelo Mm°. Juiz a quo fez, a nosso ver, uma incorrecta interpretação de facto e de direito das normas legais e da ratio legis que a fundamentam, nomeadamente os art.°s 74° da LGT e o art. 35, n°5, conjugado com o disposto no n° 2 e 3 do artigo 19° e do n°1 do art. 20°, do CIVA incorrendo assim em erro de julgamento, devendo, por esse motivo, ser nesta parte revogada, com as legais consequências.

Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente revogando-se parcialmente a douta sentença, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.”


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A Recorrida não apresentou contra-alegações.

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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

Com relevância para a decisão da presente ação de impugnação, de acordo com as diversas soluções plausíveis de direito, considero provados os seguintes factos:

A) A impugnante é uma sociedade com atividade de Construção de Edifícios com contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal, enquadrada para efeito de tributação com o Código de Atividade Económica (CAE) 45211, no regime geral, para efeitos de IRC e, no regime normal trimestral, para efeitos de IVA; (cfr. fls. 52 dos autos)

B) A impugnante era composta por 2 gerentes, 8 empregados, exercia a sua atividade em empreitadas para a construção civil socorrendo-se de outros prestadores de serviços; (cfr. fls. 52 dos autos)

C) Através da Ordem de Serviço ..... a inspeção tributária de Lisboa levou a efeito uma ação de inspeção da qual resultaram correções meramente aritméticas à matéria coletável com o seguinte teor:

«(...)

III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA COLECTÁVEL

Após análise à contabilidade do sujeito passivo verificou-se que o mesmo, em 2002, apresentou a seguinte demonstração de resultados:

Prestações de serviços
272 296,90 €
Subcontratos
215 026,03 €
Impostos
53,88 €
Despesas com o pessoal
53 106,39 €
Amortizações e Reintegrações
3 040,08 €
Imposto s/Rendimento
1 268,37 €
Resultado Líquido do Exercício
- 2020,24 €

Verificou-se que não há recibos emitidos n clientes servindo as facturas emitidas para lançar o proveito e o respectivo pagamento em simultâneo, não existindo assim, qualquer saldo de clientes em dívida.

Quanto às facturas de subcontratos, quer da firma J....., Lda quer dos dois pedreiros, estão acompanhadas dos recibos, sendo o pagamento lançado em simultâneo com o custo através da conta de caixa, não existindo assim conta corrente para estes prestadores de serviços.

O único fornecedor que possui conta corrente é a C..... - empresa de contabilidade. As restantes despesas foram todas contabilizadas em caixa através de pagamento em numerário, o que é razoável para as despesas de pequeno valor, mas que não faz sentido, para as facturas do fornecedor J....., Lda.

Subcontratos

Quanto aos subcontratos verifica-se que há dois trabalhadores individuais a facturarem serviços de pedreiro no montante de 7 847,96€ havendo também a firma J....., Lda, que lhe facturou "trabalhos de pedreiro, montagem de andaimes c assentamento de tijolos”, no montante de 190 000,00€.

Quanto ao pagamento das facturas do fornecedor J....., Lda, foi dito que o mesmo se efectuava cm dinheiro ou em cheque, no entanto, analisado a conta de depósitos à ordem verifica-se que os movimentos efectuados apenas respeitam a depósitos sendo todos os pagamentos e recebimentos lançados por caixa. No entanto, foram apresentados os extractos bancários da conta que a empresa detêm na Caixa Agrícola verificando-se existirem muitos movimentos.

Analisado o extracto bancário da conta n° ....., que a empresa detêm na Caixa de Crédito Agrícola, não foi possível identificar qualquer cheque que possa ter sido utilizado para pagamento à firma J....., Lda.

Face a esta dificuldade foi pedido aos gerentes que identificassem no extracto bancário alguns dos cheques utilizados para pagamento àquela empresa e que nos enviassem cópia, frente e verso, pedida ao banco. Foi-me dito, pela D. L..... (sócia gerente), que não conseguia identificar nenhum cheque pelo que o pagamento das facturas dever-se-ia ter efectuado somente em dinheiro. Não foi assim possível a confirmação documental dos pagamentos.

Analisada a conta comente deste fornecedor verifica-se que não existe qualquer saldo em divida sendo os recibos contabilizados na mesma data que as facturas, no entanto o Sr. J..... (gerente da empresa J....., Lda) afirma que este cliente lhe deve bastante dinheiro. Além das facturas não existe qualquer outro comprovativo ela realização dos trabalhos por parte da empresa J....., Lda.

Esta empresa que funciona com 8 empregados inscritos na segurança social, um gerente, 2 trabalhadores por conta própria e subcontratos no montante de 190 000,00 € (J.....) facturou cm 2003 serviços prestados no montante de 272 296,90 €.

Situação Fiscal do Fornecedor de Subcontratos - J....., Lda

Analisada a situação fiscal do fornecedor J....., Lda verificou-se o seguinte :

1 - Existência de excesso de actividade e exagero no volume de serviços prestados, por parte da firma J....., sem qualquer correspondência na capacidade real da empresa.

2 - Inexistência de trabalhadores inscritos na segurança social e quanto aos trabalhadores ilegais que o sujeito passivo diz contratar não há quaisquer provas da sua existência.

3 - Inexistência de contabilidade.

4 - Falta de provas de subcontratos.

5 - Não há aquisição de materiais ou equipamentos.

6 - Quanto ao pagamento, ou foi em dinheiro ou foi em cheque e neste caso, à excepção de um cliente (R.....). Desconhecem-se os beneficiários

7 - Os recibos são emitidos na data da factura o que prova que nada tem a ver com o pagamento das mesmas já que o Sr. J..... afirma que os clientes lhe devem dinheiro

8 - Na contabilidade dos clientes, ou não há saldos em divida, o que não é normal, ou há valores em dívida muito elevados o que também não seria possível de suportar para uma empresa de pequenas dimensões e mal organizada como aquela. Quer uns quer outros revelam falta de veracidade.

Pode-se assim concluir que a empresa J....., Lda, não tem capacidade nem estrutura empresarial para realizar os trabalhos que factura.

Face à inexistência de contabilidade bem corno de documentos de suporte relacionados com o exercício da actividade, à falta de equipamentos, à falta de empregados inscritos na segurança social, ao facto de os pagamentos, na generalidade, quer por parte dos clientes, quer aos empregados, ser feito cm dinheiro, ou sendo em cheque, desconhecerem-se os beneficiários, ao excesso de actividade para a possível capacidade e estrutura tia empresa, pode-se concluir peia existência de fortes indícios de estarmos na presença de facturas que não traduzem prestações de serviços declivas, ou seja, pela existência de facturaçao falsa o que consubstancia Crime de Fraude Fiscal Qualificada previsto e punível pelo nº 2 do artº 104º do RGIT (Regime Geral das Infracções Tributárias).

Junta-se em Anexo A, cópia do extracto da conta 6212 onde foram contabilizadas as facturas de subcontratos (com 1 folha).

Em face do exposto verifica-se o seguinte:

1 – Existência de excesso de custos.

2 - As farturas relativas a subcontratos foram todas pagas em dinheiro, não existindo prova do pagamento.

3 - Os recibos são emitidos na data da factura não existindo qualquer saldo em divida na conta do fornecedor o que, para uma empresa de pequenas dimensões como esta, revela que os mesmos não correspondem ao pagamento efectivo das facturas.

4 - O fornecedor dos subcontratos (serviços de pedreiro) não tem trabalhadores nem, estrutura empresarial que lhe permitissem efectuar os trabalhos que facturou à empresa P....., Lda.

Conclusão

Perante os fartos descritos verifica-se que as farturas de subcontratos não podem corresponder a operações reais mas sim a operações fictícias ou inexistentes, podendo-se concluir pela existência de facturação falsa, emitida pela empresa J....., Lda e contabilizada como custo pela empresa P....., Lda.

A emissão de facturação falsa consubstancia a prática do Crime de Fraude Fiscal Qualificada previsto e punível pelo nº 2 do artº 104º do RGTT, agindo em conluio o emitente e o utilizador dos documentos, com a intenção livre e consciente de obter, para ambos ou um deles, uma vantagem patrimonial indevida à custa da prática de actos ou omissões nocivos nos interesses da Fazenda Nacional.

No caso em concreto, o sujeito passivo, contabilizou custos e deduziu o IVA correspondente u operações não reais, lesando assim, os Cofres do Estado, através da redução do montante das suas obrigações tributáveis, cm termos de IRC e IVA.

IVA - Imposto Sobre o Valor Acrescentado

Face ao exposto atrás, pode-se concluir que as facturas do fornecedor J....., Lda, relativas a subcontratos (prestações de serviços de pedreiro) não correspondem a operações reais e efectivas pelo que o IVA nelas incluído não é dedutível nos termos do n° 3 do artigo 19º do CIVA.

Assim, foi indevidamente deduzido imposto no montante de 35 835,00 € distribuído por períodos nos seguintes montantes:

Trimestre
Subcontratos
IVA não Dedutível
1º Trimestre
55 000,00 €
10 185,00 €
2º Trimestre
55 000,00 €
10 450,00 €
3º Trimestre
30 000,00 €
5 700,00€
4º Trimestre
50 000,00 €
9 500,00 €
Total
190 000,00 €
35 835,00 €

Junta-se um Anexo B, com 4 folhas, com o extracto da conta 2432132 onde se encontra contabilizado o IVA indevidamente deduzido.

(...)

IX - DIREITO DE AUDIÇÃO

No cumprimento do disposto no artº 60° da Lei Geral Tributária e artº 60º do Regime Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária, foi o sujeito passivo notificado, do Projecto de Conclusões do Relatório, através do Oficio de Saída nº ..... de 10/02/2008, tendo-lhe sido concedido o prazo de 10 dias para o exercício do direito de audição prévia,

(cópia da notificação e do registo em Anexo E).

O sujeito passivo exerceu o direito de audição por escrito, por intermédio da sua advogada, Drª. A....., mandatada por procuração,

Apresentou as seguintes alegações (cópia em Anexo F ):

(...)

A) PROVA

Prova documental

Apresentou um orçamento do fornecedor J....., Lda cujo conteúdo não foi escrito pelo Sr. J..... tendo este apenas aposto a sua assinatura  

Apresentou dois orçamentos elaborados por si que nada provam.

B) Prova Testemunhal

Quanto à prova testemunhal esta padece de falta de imparcialidade, dado as relações laborais ou de parentesco existentes entre as testemunhas arroladas e a empresa visada:

- O técnico oficial de contas presta serviços de contabilidade ao sujeito passivo pelos quais c remunerado.

- C....., é trabalhador dependente desde 2003.

- J....., era trabalhador independente em 2003 e trabalhador dependente a partir de 2007.

- V..... é trabalhador dependente desde 2003.

- V....., concluiu-se pelo nome que é familiar de V.....

- R....., é administrador da empresa C....., Lda, empresa para a qual o sujeito passivo emitiu uma factura relativa a serviços de pedreiro no valor de 15 294,27 € (c/IVA), em 2003. Trata-se portanto do representante de um cliente que devido às suas relações empresariais as sua declarações seriam desvalorizadas por falta de imparcialidade.

Junta-se em Anexo G cópia dos prints informáticos que comprovam algumas das situações referidas

(...)»

(cfr. fls. 52 a 55 dos autos)

D) No exercício da sua atividade a impugnante tinha em curso no ano 2003 as seguintes obras de construção civil:

- Lotes n.º 10 e n.º 12 na Buraca;

- Lotes n.º 5 e n.º 6 Falagueira na Amadora;

- Lote n.º 30 na Serra de Carnaxide;

- Posto de transformação Damaia Amadora;

- Lote n.º 2 em Vale de Basto Ericeira (vivenda),

tendo utilizado na sua conceção, para além dos seus trabalhadores, mais 3 prestadores de serviços, M....., J..... e a firma «J.....»;

(cfr. fls. 52 dos autos)

E) A sociedade impugnante procedeu à entrega das declarações periódicas de IVA, relativas ao exercício de 2003, tendo apurado imposto dedutível, no montante de €35.835,00; (cfr. relatório inspetivo fls. 55 dos autos)

F) Das referidas correções resultaram as liquidações oficiosas de IVA, nos montantes de €10.185,00, referente ao período 0303T, de €10.450,00, referente ao período 0306T, de €5.700,00, referente ao período 0309T, de €9.500,00, referente ao período 03012T, bem como as liquidações de juros compensatórios, nos montantes de €1.967,80, €1.910,20, €985,08 e €1.544,99 respetivamente, todas com a mesma data limite de pagamento, de 31.07.2008; (cfr. docs. 7 a 14 junto com a PI)

G) Em 09.09.2009, os serviços do Ministério Público de Mafra determinaram o arquivamento e encerramento do Processo de Inquérito n.º 309/08.5IDLSB, onde foram constituídos arguidos «P....., Lda.», ora impugnante, P....., M..... e J....., relativo à omissão e utilização de facturas em sede contabilístico-fiscal, no exercício de 2003; (cfr. fls. 202 a 205 dos autos)

H) A sociedade «J..... Lda.» emitiu à sociedade impugnante as seguintes facturas:

Factura Data Valor Descritivo
0357 29.01.2003 €11.900,00 Trab. Prest. Pedreiro – Obra Buraca lote 12
0358 27.02.2003 €17.445,00 Trab. Prest. Pedreiro – Obra Falagueira lote 12
0359 27.02.2003 €14.280,00 Trab. Prest. Pedreiro – Obra Buraca lote 12
0360 29.03.2003 €9.115,00 Trab. Prest. Pedreiro – Obra Buraca lote 12
0361 29.03.2003 €12.445,00 Trab. Prest. Pedreiro–Obra Ericeira Vale Bastos
0423 30.04.2003 €14.280,00 Trab. Prest. Pedreiro – Obra Buraca lote 10
0424 30.04.2003 €11.900,00 Trab. Prest. Pedreiro– Obra Falagueira lote 6
0425 20.05.2003 €5.950,00 Trab. Prest. Pedreiro - Poste transformação de Eletricidade Damaia.
0426 29.05.2003 €5.950,00 Trab. Prest. Pedreiro – No lote 2 Ericeira
0427 29.05.2003 €9.950,00 Trab. Prest. Pedreiro – Obra Buraca lote 10
0428 29.05.2003 €9.520,00 Trab. Prest. Pedreiro- Fornecimento e montagem de andaimes – Buraca lote 12
0397 28.07.2003 €8.330,00 Trab. Prest. Pedreiro – Cabine eletrica na Urbanização da Damaia.
0398 29.08.2003 €9.520,00 Trab. Prest. Pedreiro – Buraca lote 12
0399 30.09.2003 €17.850,00 Trab. Prest. Pedreiro – Assentamento de tijolo no lote 30 na Serra de Carnaxide
0553 30.10.2003 €14.280,00 Trab. Prest. Pedreiro – Buraca lote 12
0554 30.10.2003 €10.710,00 Trab. Prest. Pedreiro – lote 30 – Urbanização Serra de Carnaxide
0555 28.11.2003 €22.610,00 Trab. Prest. Pedreiro – lote 30 – Urbanização Serra de Carnaxide

I) A sociedade «J..... Lda.» fez trabalhos de fornecimento e montagem de andaimes nas obras da sociedade impugnante, que necessitaram desta prestação de serviços; (cfr., depoimento unânime das testemunhas)

J) Os pagamentos referentes a prestações de serviços que as empresas de pequena dimensão, como a impugnante, efectuavam às empresas que subempreitavam, eram normalmente efetuados em dinheiro; (cfr., depoimento unânime das testemunhas)

K) Os pagamentos efetuados entre o dono da obra e o empreiteiro eram faseados em função do acabamento da obra, juntando a factura e o recibo de quitação do valor recebido referente a cada pagamento parcelar; (Conforme depoimento da testemunha R.....)

L) Os Pedreiros da impugnante faziam trabalhos em todas as obras que estavam a decorrer porque se encontravam em fases diferentes; (cfr., depoimento unânime das testemunhas)

M) Em 2003 a impugnante tinha em curso mas em fases diferentes de construção as seguintes obras de construção civil;

- Lotes n.º 10 e n.º12 Buraca;

- Lotes n.º 5 e n.º6 Falagueira – Amadora;

- Lote n.º30 Serra de Carnaxide;

- Posto de transformação Damaia Amadora;

- Lote n.º 2 Vale de Basto Ericeira (vivenda);

(cfr., depoimento unânime das testemunhas)

N) A petição de impugnação deu entrada no Tribunal em 30.10.2008, onde foi registada com o número 78643, cf. fls. 3 dos autos;


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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:

“1 – Não ficou provado que a empresa subempreitada «J..... Lda.», tivesse efetuado, para além da prestação de serviços de fornecimento e montagem de andaimes, qualquer outro serviço de pedreiro, porque da prova produzida não consta que esta empresa tivesse trabalhadores com profissão de pedreiro;

Não se provaram outros factos com relevância para a presente decisão.”


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A motivação da matéria de facto assentou no seguinte:

A decisão da matéria de facto provada efetuou-se com base na análise crítica dos documentos, não impugnados, que constam dos autos, referenciados em cada uma das alíneas do probatório e na posição assumida pelas partes nos articulados, bem como da prova testemunhal produzida em audiência.

O depoimento das testemunhas, J....., Engenheiro Civil e responsável por algumas das obras referenciadas nos autos, R..... Gerente Comercial da «C..... Lda.», C..... e J....., Pedreiros da impugnante à data dos factos, relevou, sobretudo na medida em que confirmaram os factos provados nos pontos I) a M), nomeadamente que a impugnante para realizar as obras em prédios de alguma altura 5 ou 7 andares necessitava do fornecimento e montagem de andaimes, porque não dispunha dessa funcionalidade. Era subempreitada a colocação dos andaimes à empresa «J..... Lda.». Esclareceram as testemunhas que o trabalho de pedreiro consiste em fazer tudo em construção civil, ou seja, colocação de andaimes, assentamento de tijolo, rebocos, colocação de telhados, colocação de betonilhas assentamento de escadas e cantarias, exceto os trabalhos de especialidades. Mais relevou o seu depoimento na medida em que afirmaram ao tribunal que os pedreiros da impugnante e os pedreiros, prestadores destes serviços, deslocavam-se a mais do que uma obra porque estas se encontravam em fases diferentes de construção. Quanto ao pagamento dos trabalhos esclareceu a testemunha R..... que em empresas de pequena dimensão, como a impugnante, em relação às empresas que subempreitavam, eram normalmente efetuados em dinheiro e faseados em função do acabamento de medição da obra, juntando a factura e o recibo de quitação do valor recebido que muitas vezes eram emitidos passado algum tempo depois de receberem.


***

III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, ambas as partes não se conformam com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida contra o ato de liquidação de IVA, referente ao ano de 2003, no valor de €43.986,24, estando, por isso, a decisão recorrida sindicada no seu todo.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Face ao exposto, as questões sob recurso e que importa decidir são as que infra se enumeram:
Ø  Se existe erro de julgamento, mormente, contradição na fixação e na valoração da matéria de facto que determine o seu aditamento, ou supressão;
Ø Estabilizada a matéria de facto, cumpre avaliar se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito por ter entendido que inexistiu preterição de formalidade essencial no atinente ao direito de audição e por ter ajuizado que apenas foi feita prova da materialidade das operações constantes nas faturas com os nºs 0428, 0429 e 0430.

Apreciando.

Comecemos pelo recurso da sociedade “P....., Lda”.

A Recorrente começa por sindicar erro de julgamento no atinente à apreciação da violação do direito de participação, porquanto contrariamente ao expendido pelo Tribunal a quo, a AT não deu cumprimento ao direito de audição do ora Recorrente pois, pese embora tenha existido essa notificação e a parte exercido o mesmo, a verdade é que a AT não ponderou os argumentos, documentos juntos e, essencialmente, não ouviu as testemunhas arroladas, sendo certo que quanto a estas últimas não pode ser invocada a sua falta de imparcialidade para a recusa da audição.

Conclui, assim, que existiu uma clara preterição de formalidades essenciais, mormente, do artigo 60.º, nº 7, da LGT, o que, contrariamente ao ajuizado pelo Tribunal a quo, configura uma nulidade.

Mais aduz que, a decisão recorrida incorreu em clara contradição, atenta a falta de lógica entre a matéria de facto provada, e a não provada e a fundamentação nela constante, devendo, assim, figurar como facto provado o único facto contemplado como não provado.

Vejamos, então.

Por uma questão de precedência lógica iremos iniciar a análise pela alegada contradição no julgamento da matéria de facto.

Neste concreto particular, alega a Recorrente que a sentença recorrida padece de contradição entre os factos provados e os não provados e a fundamentação, porquanto é consignado na alínea I) da factualidade assente que “A Sociedade «J..... Lda» fez trabalhos de fornecimento e montagem de andaimes nas obras da sociedade impugnante, que necessitaram desta prestação de serviços”.

E, no entanto, ficou consignado enquanto facto não provado que “[a] empresa subempreitada «J..... Lda.», tivesse efetuado, para além da prestação de serviços de fornecimento e montagem de andaimes, qualquer outro serviço de pedreiro, porque da prova produzida não consta que esta empresa tivesse trabalhadores com profissão de pedreiro”.

Sublinhando, ainda, que na motivação da matéria de facto consta que “[e]sclareceram as testemunhas que o trabalho de pedreiro consiste em fazer tudo em construção civil, ou seja, colocação de andaimes, assentamento de tijolo, rebocos, colocação de telhados, colocação de betonilhas assentamento de escadas e cantarias, exceto os trabalhos de especialidades.”

Razão pela qual, propugna pela evidente contradição e a falta de lógica entre a matéria de facto provada e a não provada e a fundamentação desta, até porque os serviços de montagem de andaimes fazem parte integrante daquilo que é englobado nos serviços ou trabalhos de pedreiro.

Concluindo, assim, que atenta a motivação da matéria de facto teria de ficar consignado como provado o único facto que o Tribunal a quo, contemplou como não provado.

Apreciando.

De relevar, ab initio, que face às alegações da Recorrente a mesma convoca a contradição não enquanto fundamento de nulidade da decisão recorrida –aliás importa sublinhar que nunca argui, nem expressa, nem implicitamente, essa nulidade- mas enquanto erro de julgamento de facto, requerendo, nessa conformidade, uma alteração no probatório, particularmente que fique a constar como factualidade assente o facto contemplado como não provado.

No entanto, da análise conjugada da citada alínea I), com a matéria de facto não provada e com a fundamentação que motivou a sua fixação não decorre qualquer contradição que deva ser sancionada com a requerida alteração da matéria de facto, ou com qualquer outra que se afigure pertinente na presente lide.

Expliquemos porque assim o entendemos.

Do teor da alínea I) resulta provado que no ano de 2003, e nas obras em curso, a sociedade denominada de “J....., Lda” realizou trabalhos de fornecimento e montagem de andaimes.

Enquanto do facto contemplado como não provado dimana que não resultou provado que a sociedade denominada de “J....., Lda”, para além dos serviços de fornecimento e montagem de andaimes prestasse qualquer outro tipo de serviço de pedreiro.

Ora, daqui não resulta qualquer contradição sendo que uma alínea está em conformidade com a outra, ou seja, da sua concatenação o que resulta provado é que no ano de 2003 a visada sociedade apenas prestou serviços de fornecimento e montagem de andaimes. Em nada configurando, outrossim, contradição o elencado na alínea J) da factualidade assente, porquanto da sua interpretação conjugada com as demais, mormente, a sindicada alínea I) e a factualidade não provada não resulta, de todo, qualquer incoerência ou antinomia que determine erro de julgamento de facto.

É certo que no aludido facto não provado consta a seguinte menção “porque da prova produzida não consta que esta empresa tivesse trabalhadores com profissão de pedreiro”, no entanto, para além da aludida menção não ter o alcance almejado pela Recorrente, a verdade é que a expressão é conclusiva, e valorativa, donde tem de ser excluída do probatório, faculdade que este Tribunal, no âmbito dos seus poderes de cognição, ora, concretiza.

Com efeito, importa ter presente que a seleção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos, sendo que as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante ou indeferido o seu aditamento.

 “[q]uestão de facto é (..) tudo o que se reporta ao apuramento de ocorrências da vida real e de quaisquer mudanças ocorridas no mundo exterior, bem como à averiguação do estado, qualidade ou situação real das pessoas ou das coisas” e que “(..) além dos factos reais e dos factos externos, a doutrina também considera matéria de facto os factos internos, isto é, aqueles que respeitam à vida psíquica e sensorial do indivíduo, e os factos hipotéticos, ou seja, os que se referem a ocorrências virtuais[1]”.

“As afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado[2]”.

Sem embargo do exposto, sempre se dirá que mesmo que se pondere essa asserção enquanto motivação da matéria de facto e ainda que se entenda que o Tribunal a quo poderia ter sido mais claro evitando quaisquer dúvidas interpretativas, a mesma não tem o alcance e a extensão que lhe é almejada pela Recorrente.

E isto porque, mesmo que se ajuíze que os serviços de montagem e fornecimento de andaimes possam ser qualificados como de pedreiros e que se tenha concluído que a visada empresa subcontratada não tinha profissionais contratados com a essa específica habilitação, tal não impõe concluir, como pretende a Recorrente, que se possa consignar como facto provado que foram prestados os demais serviços que possam integrar o qualificativo de pedreiro.

Com efeito, o que o Tribunal a quo pretendeu relevar foi que o serviço de fornecimento e montagem de andaimes pode ser prestado por qualquer profissional que não por um profissional habilitado como pedreiro, ainda que seja intitulado e qualificado enquanto tal.

Ademais, e mesmo que se equacionasse que a firma “J....., Lda” tinha nos quadros da sua empresa pedreiros, tal não implicaria, per se, dar por provada a realização dos trabalhos, singularmente, denominados de serviços de pedreiros e elencados nas faturas em contenda, em nada relevando, neste concreto particular, a asserção atinente ao pagamento em numerário.

Aliás, na motivação da matéria de facto são expressamente evidenciadas as razões atinentes à inferência -apenas e só- da materialidade das operações de fornecimento e montagem de andaimes, relevando-se, para o efeito, que “[a] impugnante para realizar as obras em prédios de alguma altura 5 ou 7 andares necessitava do fornecimento e montagem de andaimes, porque não dispunha dessa funcionalidade. Era subempreitada a colocação dos andaimes à empresa «JJ..... Lda.”.

Note-se que, para que pudesse ocorrer tal asserção a mesma tinha de decorrer da prova produzida, sendo certo que, in casu, e como é bom de ver a Recorrente não procedeu à impugnação do depoimento das testemunhas, em cumprimento do artigo 640.º do CPC, nada relevando com o respetivo registo áudio que permita aditar, suprimir, ou alterar a factualidade assente.

Ora, face ao supra exposto conclui-se que inexiste a contradição arguida pela Recorrente, improcedendo, outrossim, a alegação, ainda que genérica, da falta de análise crítica da prova, bastando para o efeito atentar, desde logo, na motivação da matéria de facto que adensa os motivos atinentes à sua fixação, mormente, a prova testemunhal, sendo certo que no atinente à prova documental a mesma é evidenciada, individualmente, em cada uma das alíneas do probatório.

Assim, face ao supra aludido expurga-se do facto não provado a aludida expressão conclusiva e valorativa “porque da prova produzida não consta que esta empresa tivesse trabalhadores com profissão de pedreiro”, mantendo-se, no demais, o acervo fático.


***

Aqui chegados, uma vez estabilizada a matéria de facto, atentemos, ora, no arguido erro de julgamento de direito concatenado, desde logo, com a preterição de audição prévia.

Como visto, a Recorrente defende que existiu uma clara preterição de formalidades essenciais, mormente, do artigo 60.º, nº 7, da LGT, o que configura uma nulidade, porquanto não foram analisados os fundamentos, documentos e ouvidas as testemunhas arroladas em sede de audição prévia, subvertendo-se, assim, a ratio inerente ao seu exercício.

Porém, mais uma vez, não entendemos que assista razão à Recorrente, tendo o Tribunal a quo interpretado adequada e corretamente o regime jurídico à realidade fática em apreço.

O princípio da audiência prescrito nos artigos 100.º e seguintes do CPA assume-se como uma dimensão qualificada do princípio da participação consagrado no artigo 8.º do mesmo Código, surgindo na sequência e em cumprimento do comando constitucional contemplado no artigo 267.º da CRP, obrigando o órgão administrativo competente a, de alguma forma, associar o administrador à preparação da decisão final, transformando tal princípio em direito constitucional concretizado.

Tal princípio veio, igualmente, a ser acolhido no âmbito do procedimento tributário no artigo 60.º da LGT, sob a forma de “direito de audição do contribuinte”, e no artigo 45.º do CPPT.

De harmonia com o disposto no artigo 60.º da LGT, sob a epígrafe de direito de participação, com a redação, à data, aplicável dispunha-se que:

“1 - A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efetuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:

a) Direito de audição antes da liquidação;

b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições;

c) Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou ato administrativo em matéria fiscal;

d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indiretos, quando não haja lugar a relatório de inspeção;

e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspeção tributária.

2 - É dispensada a audição:

a) No caso de a liquidação se efetuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe seja favorável;

b) No caso de a liquidação se efetuar oficiosamente, com base em valores objetivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito.

3 - Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado.

4 - O direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte.

5 - Em qualquer das circunstâncias referidas no nº 1, para efeitos do exercício do direito de audição, deve a administração tributária comunicar ao sujeito passivo o projeto da decisão e sua fundamentação.

6 - O prazo do exercício oralmente ou por escrito do direito de audição, não pode ser inferior a 8 nem superior a 15 dias.”

7 - Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão.”

Importa, outrossim, ter presente o consignado no artigo 60.º do RCPIT, que sob a epígrafe de “conclusão do procedimento de inspeção tributária” dispõe que:

“1 - Concluída a prática de atos de inspeção e caso os mesmos possam originar atos tributários ou em matéria tributária desfavoráveis à entidade inspecionada, esta deve ser notificada no prazo de 10 dias do projeto de conclusões do relatório, com a identificação desses atos e a sua fundamentação.

2 - A notificação deve fixar um prazo entre 10 e 15 dias para a entidade inspecionada se pronunciar sobre o referido projeto de conclusões.

3 - A entidade inspecionada pode pronunciar-se por escrito ou oralmente, sendo neste caso as suas declarações reduzidas a termo.

4 - No prazo de 10 dias após a prestação das declarações referidas no número anterior será elaborado o relatório definitivo.”

Resulta, assim, do regime jurídico traçado anteriormente e na parte que para os autos releva que é imposto o direito de audição antes da liquidação, antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições, antes da decisão de aplicação de métodos indiretos, e antes da conclusão do relatório da inspeção tributária, só sendo dispensada tal formalidade quando o sujeito passivo já teve oportunidade de o fazer na fase do procedimento de inspeção, que culminou nos atos de liquidação, quando a liquidação se efetue com base na declaração do contribuinte ou quando a decisão lhe seja favorável.

Dimanando, outrossim, que os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes têm de ser, obrigatoriamente, ponderados na fundamentação da decisão.

Com efeito, o direito de audiência prévia de que goza o administrado incide sobre o objeto do procedimento, tal como ele surge após a instrução e antes da decisão. Daí que, estando em preparação uma decisão, a comunicação feita ao interessado para o exercício do direito de audiência deve dar-lhe conhecimento do projeto da mesma, a sua fundamentação, com todos os elementos que nortearam o apuramento adicional de imposto, o prazo em que o mesmo pode ser exercido e a informação relativa à possibilidade de exercício do citado direito por forma oral ou escrita[3].

Razão pela qual, a falta de audição prévia do contribuinte, nos casos em que é obrigatória, constitui um vício de forma do procedimento tributário suscetível de conduzir à anulação da decisão que vier a ser tomada[4]- e não nulidade como alega a Recorrente- podendo, todavia, degradar-se em formalidade não essencial ou em mera irregularidade, se independentemente do exercício de tal direito, aquele ato sempre tivesse de ser da mesma natureza e medida.

Feitos estes considerandos, vejamos, então, o que resulta do acervo probatório dos autos.

In casu, dimana inequívoco que a Recorrente foi notificada para exercer o direito de audição prévia aquando da emissão do projeto de conclusões e antes da emissão do Relatório definitivo em conformidade com o preceituado no citado normativo, e contrariamente ao evidenciado pela Recorrente, a AT analisou as razões expendidas no seu articulado e documentação carreada, tendo refutado, fundamentadamente, as razões atinentes à improcedência e à manutenção das correções aritméticas. Aliás, basta para o efeito, atentar no Relatório Definitivo, no item direito de audição para se percecionar que o direito de audição não funcionou como um mero rito processual, tendo sido, devidamente, ponderado.

É certo que, resultou assente no probatório, concretamente, alínea C), que a Recorrente requereu a audição de testemunhas aquando do exercício de audição prévia ao projeto de Relatório de Inspeção Tributária.

E, de facto, não merece qualquer contestação a certeza que, em sede de procedimento, nenhum interessado pode ser alvo de uma decisão administrativa que afete os seus interesses sem ter sido previamente informado pela Administração do sentido dessa decisão, impendendo sobre esta um dever de atuação no sentido da criação das condições fáticas para assegurar a audiência do administrado em momento prévio à decisão.

Sendo, também, inquestionável que o direito de participação não se reduz à mera formalidade de notificação do interessado para se pronunciar sobre o projeto de uma decisão administrativa desfavorável aos seus interesses.

Porém, a AT não está obrigada a realizar todas as diligências de prova que os interessados requeiram na fase da audiência prévia, conforme o atual artigo 125.º do CPA (anterior artigo 104.º, com a mesma redação), que refere que “Após a audiência, podem ser efetuadas, oficiosamente ou a pedido dos interessados, as diligências complementares que se mostrem convenientes.”.

No caso, conforme os factos evidenciam, a Recorrente, foi notificada da desconsideração de gastos e dedução indevida do IVA suportado e, na sequência de tais notificações, apresentou a competente audição prévia, na qual esgrimiu os argumentos que considerou relevantes no sentido de inverter a intenção daquelas desconsiderações, juntando ainda documentos e arrolando testemunhas.

Embora seja inegável que as testemunhas arroladas não foram inquiridas em sede de audiência prévia, daí não pode afirmar-se, sem mais, como faz a Recorrente, que a defesa por si apresentada não foi ponderada antes da prolação dos atos finais questionados nestes autos.

Com efeito, tal valoração conceptual resulta, desde logo, da leitura do Relatório de Inspeção Tributária, como resulta expresso da citada alínea C), da factualidade assente, ressaltando, claramente, que os argumentos apresentados por si apresentados nesta sede foram objeto de análise e ponderação pela AT, encontrando-se, devidamente, fundamentados. É certo que decidiu antagonicamente à pretensão da Recorrente, concluindo pela irrelevância dos mesmos para alterar as propostas de correções, mas a verdade é que se pronunciou sobre a desnecessidade de tal audição justificando as razões que estavam na génese do seu juízo de entendimento.

Mais importa ter presente que, independentemente da bondade das razões atinentes à credibilidade e à, eventual, incorreção dessa asserção, a verdade é que o aduzido pela Recorrente nunca lograria o efeito útil e a cominação que a mesma pretende atribuir, face, desde logo, à teoria do aproveitamento do ato administrativo[5].

E isto porque, atentando no elenco das testemunhas evidenciadas no direito de audição prévia verifica-se total similitude com o rol constante na p.i. donde, tendo as mesmas sido ouvidas na fase judicial, qualquer, eventual, vício formal ocorrido em sede administrativa, não teria, de todo, a relevância invalidante que a Recorrente convoca[6].

E por assim ser improcede o aludido erro de julgamento de direito assacado à decisão recorrida.

Prosseguindo.

Atentemos, ora, na questão atinente ao erro de julgamento na assunção da faturação falsa.

De relevar e sublinhar, desde já, que a Recorrente nada contesta no domínio dos indícios, nada refutando no que nessa sede o Tribunal a quo entendeu, tendo colocado o acento tónico na efetiva materialidade das operações, ou seja, de que o Tribunal a quo, face à prova produzida nos autos, interpretou e decidiu incorretamente que não se encontrava provada a materialidade das operações contempladas nas faturas em contenda e melhor descritas em H), ressalvadas, como visto, as faturas com os números 0428, 0429 e 0430.

Vejamos, então, se lhe assiste razão.

Neste particular, importa recordar o que foi decidido pelo Tribunal a quo.

A decisão recorrida evidencia que “In casu, tendo a inspeção tributária, coligido para o relatório inspetivo indícios certos e seguros da prova da falsidade das facturas desconsideradas como custos, cabia por sua vez à impugnante, infirmá-los ou efectuar a prova da efectiva aderência de tais facturas com a realidade, no que consistem «os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido», ou sejam as razões que podem levar à almejada anulação das liquidações sindicadas.”

Aduzindo, no entanto, que “em relação às facturas relativas ao fornecimento e colocação de andaimes a impugnante logrou provar a materialidade das operações, ou seja, que estas se realizaram efectivamente e que ocorrem os pressupostos de que depende a sua consideração como custo fiscal, bem como o direito à dedução do imposto apurado nas mesmas, nos termos do disposto no art.º21 do CIVA.”

Por seu turno, aduz quanto às “[r]estantes faturas não logrou a impugnante demonstrar ao tribunal que a referida sociedade tenha tido trabalhadores a realizar quaisquer outros trabalhos de pedreiro nas obras referidas e especificamente quais (…)”

É, portanto, seguro que não sendo sindicado pela Recorrente a questão dos indícios o erro de julgamento se atenha, tão-só, à materialidade das operações.

Neste concreto particular, importa ter presente o mecanismo do direito à dedução e bem assim o funcionamento do ónus probatório no domínio da faturação falsa.

Os mecanismos de dedução do IVA, estão consagrados nos artigos 19.º a 25.º do CIVA.

Nos termos do artigo 19.º, do CIVA, especificamente do seu n.º 1, al. a), decorre que os sujeitos passivos de IVA podem deduzir, ao imposto incidente sobre as suas operações tributáveis, o imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos de IVA.

Porém, também de acordo com o artigo 19.º do CIVA, desta feita o seu n.º 3, dimana que:
“Não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura ou documento equivalente.”.

Por seu turno, o artigo 20.º, n.º 1, al. a), do mesmo código, determina igualmente que só é dedutível o imposto suportado relativo a bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados para a transmissão de bens e prestações de serviços sujeitas a IVA e dele não isentas.

Chegados aqui e resumindo, da leitura destas normas retira-se que só o imposto que tenha, efetivamente, incidido sobre bens adquiridos para a realização de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas, pode ser deduzido o IVA incidente sobre as operações tributáveis.

Sendo certo que, para efetivar o ónus da prova em sede de direito à dedução do IVA, é jurisprudência assente que basta à AT provar a factualidade que a levou a não aceitar a respetiva dedução de imposto, factualidade essa que tem de ser suscetível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respetivos documentos de suporte, passando ulteriormente a competir ao contribuinte o ónus de prova do direito de exercer o direito à dedução do IVA, provando, assim, que as operações se realizaram efetivamente e ocorrem os pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução.

Para o efeito, atente-se no teor do Aresto proferido pelo STA, em Plenário, no âmbito do processo nº 0591/15, datado de 17 de fevereiro de 2016, integralmente disponível para consulta em www.dgsi.pt, cujo sumário se extrata na parte que os autos releva:
“II - Para que a AT, ao abrigo do disposto no nº 3 do art. 19.º do CIVA, obste à dedução do IVA mencionado em facturas existentes na escrita do contribuinte e relativamente às quais considera não se terem efectivamente realizado as operações nelas consubstanciadas, não tem de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros – cfr. art. 240º do CCivil) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende.
III - Basta à AT provar a factualidade que a levou a não aceitar a respectiva dedução de imposto, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova do direito de que se arroga (o de exercer o direito à dedução do IVA) e que não é reconhecido pela AT, ou seja, o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente e ocorrem os pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução.”.

Ora, tendo presente o supra expendido, regressemos ao caso dos autos.

Da factualidade provada, e contrariamente ao expendido pela Recorrente não resulta que tenha sido feita prova da materialidade das prestações de serviços sindicadas e não reconhecidas pela AT. Sendo que, no sentido inverso ao evidenciado pela Recorrente, a alínea J) da factualidade assente não permite, de todo, e quanto às sindicadas faturas retirar que os serviços elencados nas mesmas foram realizados pela empresa visada.

Aliás, a factualidade não provada é reveladora da falta de prova dessa materialidade, sendo certo que, como visto, o ónus probatório se circunscrevia na esfera jurídica da Recorrente.

Corroborando-se, outrossim, o ajuizado pelo Tribunal a quo no sentido de que não se verifica qualquer fundada dúvida, consignada no artigo 100.º do CPPT, que deva ser valorada contra a AT.

E por assim ser, improcede, na íntegra, o recurso da sociedade “P....., Lda”.

Atentemos, ora, no recurso da DRFP.

Neste particular, evidencia a Recorrente que tendo o Tribunal a quo dado como provado os indícios recolhidos pela AT, cessou a presunção de veracidade das declarações do contribuinte, donde competia à Recorrida tornar certa a veracidade das operações em causa, o que face à inexistência de prova, quer documental, quer testemunhal, que contrariasse o juízo de probabilidade feito pela AT, mormente, os pagamentos ter-se-á de concluir pelo erro de julgamento e manutenção das correções.

Sustenta, ainda neste concreto particular, que ter-se-á de valorar a falta de cumprimento dos requisitos constantes no artigo 35.º, nº5 do CIVA, o que legitima a insusceptibilidade de dedução do IVA.

De facto, o Tribunal ad quem anui, face ao expendido anteriormente, com a densificação e interpretação que é feita pela AT no domínio do ónus probatório, porém face à matéria de facto constante nos autos e à sua falta de impugnação, a mesma não é de molde a contrariar o decidido pelo Tribunal a quo.

Senão vejamos.

Mais uma vez importa relevar que tendo, como visto, o Tribunal a quo, entendido que estavam preenchidos os indícios e não tendo a Recorrida apresentado contra-alegações ou requerido a ampliação do recurso, a questão encontra-se firmada, competindo, assim, apenas aferir do acerto da decisão quanto à prova da materialidade das operações constantes nas faturas com os nºs 0428, 0429 e 0430, relativas ao segundo trimestre do ano de 2003.

Sendo que, neste conspecto, os argumentos avançados pela Recorrente não são de molde a afastar a materialidade contemplada no acervo fático.

Com efeito, decorre da factualidade assente que no ano de 2003, a Recorrida tinha em curso as obras identificadas em D), dela dimanando que subcontratou a sociedade “J..... Lda” a qual realizou trabalhos de fornecimento e montagem de andaimes, cujo pagamento foi realizado em numerário, densificando, neste concreto particular, que os pagamentos eram faseados, juntando a fatura e o recibo de quitação.

Ora, face ao supra expendido, não sendo impugnada, eficazmente, a matéria de facto, nenhuma censura pode ser apontada à decisão recorrida quando conclui pela prova da materialidade dos serviços contemplados nas faturas com os nºs 0428, 0429 e 0430.

Uma nota final para relevar que pese embora a Recorrente convoque a falta de cumprimento dos requisitos formais contemplados no artigo 35.º, nº5 do CIVA para legitimar as correções e a insusceptibilidade de dedução do IVA suportado, a verdade é que atentando na fundamentação que esteou as correções, fundada, como é consabido, exclusivamente no Relatório de Inspeção Tributária, verifica-se que a AT nunca convocou tal realidade para efeitos de legitimação das correções sindicadas.

Noutra formulação dir-se-á que, a fundamentação que releva e que importa para efeitos de apreciação da questão e legalidade do ato impugnado, é a que se encontra espelhada no Relatório Inspetivo, em nada podendo relevar as alegadas, designadamente, em sede de contestação da AT, e ora corroboradas em sede de recurso, por representarem fundamentação a posteriori.[7]

E por assim ser, nunca tendo sido convocado, em sede própria, a questão atinente aos requisitos formais das faturas, encontra-se vedado ao Tribunal a apreciação da validade de tal argumento, a tal não obstando a alusão feita pelo Tribunal a quo, nesse e para esse efeito.

Assim, face a todo o expendido, improcede, igualmente, o recurso do DRFP.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

-NEGAR PROVIMENTO A AMBOS OS RECURSO, E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, com todas as legais consequências supra referidas.

Custas pela sociedade P....., Lda e Fazenda Pública, na proporção do respetivo decaimento que se fixam em 70% e 30%, respetivamente.

Registe. Notifique.

Lisboa, 09 de junho de 2021


[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Susana Barreto e Vital Lopes]

Patrícia Manuel Pires

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[1] Henrique Araújo: “A matéria de facto no processo civil”, publicado no site do Tribunal da Relação do Porto, acessível em www.trp.pt
[2] Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 11 de julho de 2018, proferido no processo nº 1193/16.1T8PRT.P1
[3] Cfr.Ac. STA, proferidos nos processos nº.21244; rec.684/03, datados de 25.1.00 e 2.7.03; Ac TCAS, processo nº 1510/06, de 17.09.2013 Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, Encontro da Escrita Editora, 4ª. Edição, 2012, pág.502 e seg.
[4] cfr.artº.135, do CPA, então em vigor; Ac.TCAS processo nº 9810/16 e 5428/12, de 27.10.2016 e 9.03.2017.; Diogo Leite de Campos e Outros, ob.cit., pág.515; Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.437
[5] Vide, designadamente, Acórdão proferido pelo STA no âmbito do processo nº 01013/11, de 20.06.2012 e TCA Norte, proferido no processo nº 02171/09.1, datado de 05.12.2014.
[6] Vide, designadamente, Acórdão do STA prolatado no âmbito do processo nº 0113/11, de 20.06.2012, e no recente Aresto deste Tribunal proferido no processo nº 2256/11, de 29.04.2011, que, a ora, Relatora interveio como primeira Adjunta
[7] Vide, designadamente, Aresto deste TCAS, proferido no processo nº 65/0, de 11.04.2019 e TCAN, proferido no processo nº 01099/03, de 20.01.2004.