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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:159/08.9BECTB
Secção:CT
Data do Acordão:02/14/2019
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:PRINCÍPIOS DA IMEDIAÇÃO
ORALIDADE
PLENITUDE DA ASSISTÊNCIA DOS JUÍZES
VALORAÇÃO DE FACTO EM RECURSO
GERÊNCIA DE FACTO
GERÊNCIA DE DIREITO
Sumário:I –O princípio da imediação traduz-se no contacto pessoal entre o juiz e as diversas fontes de prova, isto é, o princípio da imediação diz-nos que deve existir uma relação de contacto directo, pessoal, entre o julgador e as pessoas cujas declarações irá valorar, com as coisas e documentos que servirão para fundamentar a decisão da matéria de facto, permitindo-lhe que se aperceba de todos os factos pertinentes para a resolução do litígio e uma valoração da prova expurgada, pelo menos tendencialmente, dos factores de falseamento e erro que as transmissões de conhecimento podem envolver.

II - O princípio da oralidade, que constitui matriz do nosso regime processual civil, reporta-se ao modo de produção da prova e significa que a prova produzida sob a égide deste princípio é a realizada oralmente.

III – Do princípio da plenitude da assistência dos juízes - actualmente consagrado no artigo 605.º do Código de Processo Civil corolário dos princípios referidos em I e II, resulta que só podem intervir na decisão da matéria de facto os juízes que tenham assistido a todos os actos de instrução e discussão praticados na audiência final.

IV – Em sede de contencioso tributário o julgamento da matéria de facto e o julgamento de direito estiveram sempre (e permanecem até hoje) cometidos ao juiz que profere a sentença, não existindo a dicotomia que se verificava em processo civil (até à data de entrada em vigor do NCPC) entre a fase de audiência de julgamento (onde eram produzidas as provas para a determinação dos factos) e a fase da prolação da decisão (onde é feito o enquadramento jurídico dos factos determinados ao caso e afirmada a consequente decisão).

V - Embora o poder de cognição do Tribunal Central sobre a matéria de facto não seja tão amplo que permita um julgamento ex novo de facto (está limitado aos concretos pontos de facto impugnados e deva respeitar a livre apreciação da prova do julgador, consagrada no n.º 3 do artigo 607.º do Código de Processo Civil, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade), o Tribunal de recurso pode e deve formar a sua própria convicção por referência à prova constante dos autos e, com base nela, determinar a alteração do julgamento de facto, designadamente se entender que a prova foi mal apreciada ou interpretada ou constatar a existência de outros elementos probatórios relevantes, invocados pelo recorrente na sua alegação, que não foram tidos em consideração pelo julgador de 1.ª instância.

VI - Nem do regime que se aplicou nestes autos, já revogado (artigo 113.º do CPT), nem do actual regime (artigo 24.º da LGT) resulta que, provada a gerência ou administração de direito se deve presumir provada a gerência de facto, incumbindo à Exequente, que tais factos invoca como suporte da responsabilização do devedor subsidiário, alegar e provar que este é efectivamente o gerente ou administrador da devedora originária no período tributário em questão.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acórdão

l – Relatório

A Fazenda Pública, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco que julgou procedente a Oposição instaurada pelo revertido João ......................................... - no processo de execução fiscal n.º ........................... e apensos - que corre termos no Serviço de Finanças de Castelo Branco para cobrança de dívidas de contribuição autárquica, relativas aos anos de 1993, 1994 e 1995 devidas pelo contribuinte “T.................................................................................., S.A.” – interpôs o presente recurso jurisdicional.

As razões de facto e de direito em que sustenta a sua pretensão de revogação do julgado encontram-se sintetizadas nas alegações de recurso nos termos que ora se transcrevem:

«a) Vem o presente recurso de agravo interposto da douta sentença, proferida nos autos, por se considerar que padece a referida decisão dos vícios de violação do princípio da imediação e da oral idade, erro de julgamento na valoração da prova testemunhal em detrimento da prova documental, tendo sido igualmente desrespeitado o princípio da descoberta da verdade material, por incorreta consideração da prova, produzida nos autos e incorreta apreciação da causa de pedir. Incorreu ainda a douta decisão em erro de julgamento, por violação do artº 13º do CPT.

b) A inquirição das testemunhas realizou-se no dia 02 de Fevereiro de 2009. O Mmª Juiz "a quo", que proferiu a sentença ora recorrida não presidiu à audiência, tendo sido a mesma dirigida pelo anterior titular dos autos.

c) O princípio da imediação diz-nos que deve existir uma relação de contacto direto, pessoal, entre o julgador e as pessoas cujas declarações irá valorar, e com as coisas e documentos que servirão para fundamentar a decisão da matéria de facto. As testemunhas inquiridas foram todas apresentadas pelo oponente.

d) No probatório, transcrito supra, refere-se, que as dívidas respeitam a contribuição autárquica de 1993, 1994 e 1995. A gerência de facto do oponente verificou-se, pelo menos, entre a data da constituição da sociedade anónima, ou seja, em 05/08/1992 até 11/07/1994 (data do despacho judicial de prosseguimento da Ação Especial de Recuperação de Empresa) pois que nessa data é nomeado corno gestor judicial José ..........................................., porque eram necessárias as assinaturas de dois administradores.

e) A gerência do oponente não se verificou apenas até 11.07.1994, uma vez que, como consta das cópias juntas aos autos, (cópia da certidão do registo comercial) a gestão controlada foi rejeitada em 15.11.93, por deliberação da assembleia de credores, facto que foi levado a registo em 19.10.94. Em 20.03.1995 foi registada a desistência da instância, homologada por sentença de 11.03.1994. Apenas em 29.03.1995, foi nomeado como gestor judicial José ............................................ Ou seja, entre aquele período - 11.03.1994 e 29.03.1995 - a empresa, devedora originária foi administrada pelo anterior Conselho de Administração

f) As dívidas revertidas referem-se a contribuição autárquica de 1993 a 1995 e constituíram-se no período da gerência.

g) "...impõe-se ao administrador... que as suas opções discricionárias não sejam o fruto de improvisações irresponsáveis ou negligentes mas de decisões meditadas, ainda que envolvendo riscos, devidamente calculados e ponderados"

h) Mostrando-se provado que o oponente era gerente, nomeado e designado formalmente no registo comercial, que a gerência era um órgão plural (assinatura conjunta de dois gerentes), que os membros da gerência eram membros da mesma família - pai e irmãos - não deve ser afastada, quase de forma pueril, a conclusão de que não existia participação nos desígnios da empresa e na gestão social, apenas porque as testemunhas o afirmaram.

i) Também não é crível que nesta estrutura oligárquica, sendo membros da mesma família e apelando às regras da experiência e sendo comum não se concluísse que todas as decisões, referentes ao grupo empresarial, eram tomadas por todos os gerentes, que de facto e de direito, pertenciam ao conselho de administração de todas as empresas, maxime, da devedora originária.

j) Violou-se, portanto, o disposto no artº 13º do CPT, no tocante à efetivação da responsabilidade subsidiária.

k) A douta sentença, ora recorrida, parte de premissas erradas para extrair conclusões que carecem de justificação, pelo que deve ser substituída por outra que julgue improcedente a oposição.

Pelo que, com o mais que Vossas Excelências se dignarão suprir, deve ser dado provimento ao recurso e em consequência ser declarada a revogação da decisão ora recorrida, como é de inteira JUSTIÇA!»

Notificado do despacho de admissão do recurso jurisdicional, o Recorrido, João ........................................., contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, em suma, porque, em seu entender:

«1. O princípio da imediação não se encontra violado nos presentes autos, pelo que a sentença não merece censura processual.
2. A FP não cumpriu o ónus que se lhe impunha de provar que o oponente foi gerente de facto da originária devedora.
3. O oponente fez mais do que lhe competia, provando mesmo que o não foi.
4. O constante na prova documental, nomeadamente o registo comercial, não afeta nem interfere com essa mesma prova.
5. Pelo que não cumprindo a FP o seu ónus, e indo o oponente muito além do seu, afastando de todo em todo, qualquer responsabilidade sua na devedora originária, nada mais poderia o tribunal a quo fazer que não fosse decidir tal qual fez.

Termos em que,
Mantendo a decisão recorrida V.s Ex.as farão JUSTIÇA.»
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal Central Administrativo ofereceu douto parecer, aí defendendo a manutenção do julgamento de facto e direito realizado em 1ª instância.

Colhidos os vistos legais dos Exmo. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem agora os autos à conferência para decisão.

II – Objecto do recurso

Como é sabido, sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva parecer conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o Recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida) que se determina o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem.
Assim, e pese embora na falta de especificação no requerimento de interposição se deva entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao Recorrente (artigo 635.°, n.°2 do Código de Processo Civil), esse objecto, assim delimitado, pode ser, expressa ou tacitamente, restringido nas conclusões da alegação (n.°3 do mesmo artigo 635.°). Pelo que, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.
Acresce que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto pela Fazenda Pública, importa agora responder às questões concretamente colocadas pela Recorrente, em cuja enunciação se incluirá a questão do erro sobre o julgamento de facto.

Efectivamente, não obstante ser hoje muito rigoroso o formalismo processual e substantivo que legalmente se encontra imposto para efeitos de impugnação da matéria de facto e constituir hoje jurisprudência uniforme que a indicação dos concretos pontos incorrectamente julgados, o sentido em que os factos devem ser vertidos no julgamento e a especificação dos concretos meios probatórios que suportam essa pretensão constitui um ónus da parte que pretende ver alterada a factualidade apurada (artigo 640.º do Código de Processo Civil) sob pena de rejeição do recurso (1), também é certo que a doutrina e a jurisprudência mais actual dos nossos tribunais superiores (2) vêm admitindo que não é necessário que estes elementos constem integral ou exaustivamente das conclusões, “bastando que ressaltem das conclusões”.

Ora, no caso concreto, face ao que se mostra vertido nas conclusões, especialmente nas alíneas d) e e), conjugadas com as alegações de recurso, designadamente o alegado nos artigos 8.º a 12.º (onde os documentos invocados nas conclusões se encontram devidamente identificados e os depoimentos testemunhais se mostram transcritos) não cremos, numa interpretação abrangente, mas ainda assim conforme com a letra e o espírito do legislador, que na impugnação do julgamento de facto se encontra suficientemente observado o formalismo a que nos reportamos.

Cumpre, assim, a este Tribunal de recurso apreciar e dar resposta às seguintes questões:

- Foram violados os princípios da imediação e da oralidade por a sentença recorrida ter sido proferida por Juiz que não presidiu à produção da prova?

- Padece a sentença recorrida de erro por não ter julgado como provado que o Recorrido - pelo menos entre a data de constituição da devedora originária (5-8-1992) e a data do despacho de prosseguimento da Acção Especial de Recuperação de Empresa (11-7-1994), mas também entre a data de desistência da instância (11-3-94) e a data de nomeação do gestor judicial, (29-3-1995) – exerceu efectivamente as funções de administrador da devedora originária?

- Considerado a factualidade apurada, errou o Tribunal a quo ao julgar que o Recorrido é parte ilegítima para contra ele prosseguir a execução fiscal na qualidade de responsável subsidiário, uma vez que se provou que exerceu efectivamente as funções de administrador e não foram apurados factos que permitissem concluir pelo afastamento do juízo de censura presumido no artigo 13.º do Código de Processo Tributário?

III – Fundamentação de facto

3.1. Em 1.ª instância ficou fixada como provada a seguinte factualidade:

A) Em 11/07/1984, na Conservatória do Registo Comercial de Seia, foi registado o contrato de sociedade da “T..............................................................., LDA” [cf. fls. 22 a 26 dos autos].

B) Em 05/04/1993 foi registada a transformação da referida sociedade em sociedade anónima e remodelação do contrato, ficando a constar como administradores nomeados para o triénio de 1992/94: Joaquim ............................................., João ......................................... (ora oponente), K............................................. e Miguel ..................................... [cf. fls. 22 a 26 dos autos].

C) Em 24/06/1993 foi registada acção de recuperação de empresa da “T.................................................................................., S.A.”, a admissão da gestão controlada e a nomeação de José ........................................... como Administrador [cf. fls. 22 a 26 dos autos].

D) Em 20/03/1995 foi registada a desistência da instância, homologada por sentença de 11/03/1994 [cf. fls. 22 a 26 dos autos].

E) Em 29/03/1995 foi registada a acção especial de recuperação de empresa “T.................................................................................., S.A.”, por despacho de prosseguimento da acção proferido em 11/07/1994, no qual foi designado como gestor judicial José ........................................... [cf. fls. 22 a 26 dos autos].

F) Em 19/10/1994 foi registada a rejeição da gestão controlada, por deliberação da Assembleia de Credores, de 15/11/1993, na mesma data homologada por sentença [cf. 22 a 26 dos autos].

G) Em 25/08/1995 foi registada a nomeação, em 13/03/1995, do Conselho de Administração da “T.................................................................................., S.A.”, composto por Joaquim ....................................., Joaquim ..................................... e Júlio ..................................... [cf. fls. 22 a 26 dos autos].

H) Em 08/06/1995, na então Repartição de Finanças de Seia, foi instaurado, contra a sociedade “T.................................................................................., S.A.”, o processo de execução fiscal n.º .........................., com base nas certidões de dívida n.ºs ........../95 e .........., para cobrança de dívidas de Contribuição Autárquica do ano de 1993, com data limite de pagamento até 30/04/1994, pela quantia exequenda de 3.968.672$00 [cf. fls. 11 a 14 dos autos].

I) Em 19/07/1996, na mesma repartição e contra a mesma sociedade, foi instaurado o processo de execução fiscal n.º ......................., com base nas certidões de dívida n.ºs ........../96 e ........../96, para cobrança de Contribuição Autárquica do ano de 1994, com data limite de pagamento até 30/04/1995, pela quantia exequenda de 4.152.877$00 [cf. fls. 15 a 17 dos autos].

J) Em 16/01/1997, na mesma repartição e contra a mesma sociedade, foi instaurado o processo de execução fiscal n.º ........................, com base nas certidões de dívida n.ºs .........../96 e .........../96, para cobrança de dívidas de Contribuição Autárquica do ano de 1995, com data limite de pagamento até 17/05/1996, pela quantia exequenda de 3.805.332$00 [cf. fls. 18 a 19 dos autos].

K) Por sentença proferida no Processo n.º 136/2000, do Tribunal Judicial de Seia, foi declarada a falência da sociedade executada, com efeitos reportados a 15/09/2000 [cf. fls. 92 a 97-verso dos autos].

L) Em 27/12/2007, no âmbito do processo de execução fiscal n.º .......................... e apensos, pelo Chefe do Serviço de Finanças foi proferido despacho de reversão do qual se destaca o seguinte teor:

«Na sequência dos despachos de fls. 55 a 63 foram efectuadas as competentes notificações aos responsáveis subsidiários (…) os responsáveis subsidiários João ........................................., NIF ................... e (…), para além de suscitarem a prescrição da dívida, vêm alegar que exerceram somente de direito as funções de Administradores (…)

Antes de se avançar com a reversão propriamente dita, foi solicitado um “Parecer Jurídico” que faz parte integrante deste Despacho, tendo o mesmo concluído que não havia lugar à prescrição, tendo em consideração as vicissitudes porque passou a dívida desde que foi gerada, de fls. 115 a 141.

Face ao exposto, cumpre-me decidir:-

Dispõe a alínea a) do N.º 2 do art.º 153.º do CPPT que “O chamamento à execução dos responsáveis subsidiários depende da verificação da inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores…”

A originária devedora T.................................................., SA, NIPC .................., não possui quaisquer bens, tendo todo o património sido vendido por negociação particular através de escritura lavrada no cartório Notarial de Seia em 21 de Fevereiro de 2001, no âmbito do processo de execução fiscal N.º …..-93/.................. e Apensos. Por sentença do Tribunal Judicial de Seia foi declarada falida em 3 de Maio de 2001 (…)

Assim, porque se encontra reunida a condição referida na alínea a) do N.º 2 do art.º 153.º do CPPT e tendo em conta o “Parecer Jurídico de fls. 115 a 141 (…) REVERTO a presente execução (…) contra (…) João ........................................., NIF ................... o montante de € 46 866,66, correspondente ao período de 05 de Agosto de 1992 a 13 de Março de 1995 (…)». [cf. fls. 43 a 45 dos autos].

M) Em 02/01/2008, o opoente foi citado no âmbito do processo de execução fiscal n.º .......................... e apensos, para cobrança da quantia exequenda de 46.866,66€, reportada às certidões de dívida n.ºs ......, ......, .........., .......... e ........... [cf. fls. 46 frente e verso dos autos].

N) A presente oposição deu entrada no Serviço de Finanças de Seia em 30/01/2008 [cf. fls. 4 dos autos].

O) Era o pai do oponente, Joaquim ............................................., quem dava ordens aos trabalhadores da sociedade executada [cf. depoimentos das testemunhas Rui .............. e Jorge ..............].

P) O oponente não exerceu quaisquer funções na sociedade executada, antes se dedicava à sociedade F.............., da qual era Administrador [cf. depoimento das testemunhas, Rui .............., Jorge .............. e António ..............].

3.2. Mais ficou exarado na sentença recorrida queCom interesse para a decisão nada mais se provou”.

3.3. E queA convicção do Tribunal, no que respeita aos factos provados, assentou, desde logo, na prova documental junta aos autos, conforme indicado em cada um desses factos. Quanto aos factos descritos em O) e P), o Tribunal valorou positivamente os depoimentos das testemunhas Rui .............. e Jorge .............., ambos funcionários da sociedade executada e, relativamente ao facto descrito em P), foi ainda valorado o depoimento da testemunha António .............., Técnico Oficial de Contas da sociedade executada, sendo que todos os depoimentos foram convincentes e congruentes, revelando conhecimento directo dos factos que relataram.»

IV – Fundamentação de direito

Exposta a pretensão que originou a instauração da presente Oposição, as razões que a sustentam, o fundamento e sentido do julgado, resta-nos, agora, apreciar se assiste razão à Recorrente, o que passa por apreciar as questões por ela suscitadas neste recurso e que deixámos enunciadas na delimitação do objecto do recurso definido no ponto II supra.

Diga-se, no entanto, que a sua formulação autónoma apenas foi realizada por uma questão de rigor processual e para que não ficasse dúvida alguma quanto à nossa apreciação recair sobre todas as questões efectivamente suscitadas, sendo que, se bem interpretamos o raciocínio que percorre toda a pretensão recursória, as questões suscitadas estão todas interligadas, de tal forma que podem ser traduzidas numa única questão: foi a violação do princípio da imediação que determinou a que o Tribunal a quo tivesse valorado mal a prova produzida e, consequentemente, errado no julgamento de direito?

Adiantamos, desde já, que a resposta que damos a esta questão amplamente formulada é negativa, quer porque não houve violação do princípio da imediação, quer porque não houve erro sobre o julgamento de facto, quer, por fim, porque é acertada a decisão de direito que o julgamento encerra.

4.1. Vejamos, então, começando por salientar que, como comummente é aceite na doutrina e na jurisprudência, o princípio da imediação traduz-se no contacto pessoal entre o juiz e as diversas fontes de prova, isto é, o principio da imediação diz-nos que deve existir uma relação de contacto directo, pessoal, entre o julgador e as pessoas cujas declarações irá valorar, com as coisas e documentos que servirão para fundamentar a decisão da matéria de facto, permitindo-lhe que se aperceba de todos os factos pertinentes para a resolução do litígio e uma valoração da prova expurgada, pelo menos tendencialmente, dos factores de falseamento e erro que as transmissões de conhecimento podem envolver. (3)

Por sua vez, o princípio da oralidade, que constitui matriz do nosso regime processual civil, reporta-se ao modo de produção da prova e significa que a prova produzida sob a égide deste princípio é a realizada oralmente.

Como se vê das alegações de recurso, para a Recorrente foi violado o princípio da imediação e da oralidade, uma vez que a sentença não foi proferida pelo Juiz que presidiu à produção da prova, tendo dessa violação resultado um incorrecto julgamento de facto e, subsequentemente, de direito da causa.

Se bem interpretamos aquelas alegações, pretende a Recorrente convocar em abono da sua pretensão a violação do princípio da plenitude da assistência dos juízes, actualmente consagrado no artigo 605.º do Código de Processo Civil (e anteriormente à última grande reforma processual, no artigo 654.º do mesmo diploma legal), corolário daqueles princípios (da imediação e da oralidade), de que resulta que só podem intervir na decisão da matéria de facto os juízes que tenham assistido a todos os actos de instrução e discussão praticados na audiência final.

Esta questão, como é sabido, que num momento temporal não muito distante suscitou elevada controvérsia, gerada pela defesa nos tribunais superiores de entendimentos distintos e pela própria intervenção do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos, encontra-se, porém, há muito pacificada, nos termos que ficaram definidos no Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, que transcrevemos na parte relevante:
Devemos começar por salientar que o princípio da plenitude da assistência dos juízes plasmado no artigo 654º do CPC se reporta, exclusivamente, aos juízes que assistiram e participaram na audiência final de julgamento e não àqueles juízes que porventura intervieram em actos de instrução do processo, como sejam a produção antecipada de prova ou a realização de prova pericial. Ou seja: no CPC também está prevista a realização de actos de instrução fora do âmbito da audiência final, o que no caso do processo tributário podemos dizer é a regra (pois a aquisição de prova fez-se e faz-se numa fase instrutória que começava com as informações oficiais prestadas pela Repartição de Finanças e se inicia agora com a organização do processo administrativo previsto no artº 111º do CPPT) e, para tais actos de instrução não se questiona a necessidade de aplicação do princípio a que vimos fazendo referência, o que nos permite afirmar a existência de actos de instrução relativamente aos quais a pureza do princípio se esvai em benefício da funcionalidade, economia de meios e celeridade processual, mesmo no domínio do CPC o que por maioria de razão é de considerar no âmbito do processo de impugnação.
Com efeito, a regulamentação da audiência de julgamento é diversa nos processos que se regem exclusivamente pelas normas de direito processual civil –os do foro comum - e, nos processos tributários. É distinta agora e sempre o foi nos domínios dos anteriores códigos de processo tributário; O Código de Processo das Contribuições e Impostos (CPCI) e o Código de Processo Tributário (CPT).
Destacam-se como distinções essenciais: não existir em processo Tributário uma decisão autónoma sobre a matéria de facto ao contrário do que sucede nos processos julgados exclusivamente sob as regras do CPC e, a exigência de discriminação da matéria fáctica provada da não provada.
A razão de ser da obrigatoriedade da discriminação da matéria provada e não provada imposta ao juiz dos tribunais tributários, a qual não resulta imposta pelo artº 659º nº 2 do CPC é explicada pelo Sr. Conselheiro Jorge Lopes de Sousa no seu CPPT anotado e comentado 6ª edição na anotação 7 ao artº 123 onde refere: “A razão da exigência está em que, no contencioso tributário, não há lugar a decisão da matéria de facto, por meio de acórdão ou despacho, próprios e autónomos, como acontece no processo civil -artº 653º nº 2-, em que se exige a indicação dos “factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados”. No contencioso tributário, é na própria sentença que se opera tal julgamento. Aí, pois, a exigida discriminação dos factos provados e não provados é absolutamente essencial pois que não existe outra peça processual que concretize tal julgamento da matéria de facto. É, pois, a necessidade absoluta de julgamento da matéria de facto efectuada, no contencioso tributário, na própria sentença, que leva directamente à exigência da predita discriminação entre «a matéria provada da não provada».” (cfr. declaração de voto in Ac. Pleno do STA – SCT de 07.05.03, Rec. nº 869/02, in AP-DR de 07.07.04, pag. 143).
Cumpre também observar que, em processo tributário, a apresentação de alegações escritas facultativas no prazo de 30 dias as quais se destinam à discussão da matéria de facto e de direito constitui, inequivocamente, o encerramento da discussão da causa na 1ª Instância.
Do quadro legal exposto retiramos a interpretação (e o ora relator revê a posição que assumiu no ac. deste STA de 09/11/2011 Recurso nº 643/11-30) que no contencioso tributário - processo de impugnação - de que inexiste no mesmo contencioso norma que determine o julgamento da matéria de facto pelo mesmo juiz que presidiu à produção de prova. O princípio da plenitude da assistência do juiz pressupõe a existência de actos de instrução e discussão praticados na audiência final, que em bom rigor não existe no contencioso tributário pois, diversamente do que acontece em processo civil, não há dicotomia entre fase de audiência de julgamento onde são produzidas as provas e a subsunção dos factos ao direito na sentença ou decisão final. E, sempre assim foi. No domínio do CPCI a regra era a de as testemunhas serem inquiridas (com redução a escrito dos depoimentos) na então denominada Repartição de Finanças só o sendo pelo próprio juiz do processo se tal fosse requerido pelas partes (artº 96º). E, no domínio do CPT embora se tenha alterado esta regra, invertendo-se os termos, manteve-se a possibilidade de as testemunhas serem inquiridas na Repartição de Finanças, ao dispor-se no artº 133º nº: 2 – Não tendo o impugnante declarado que pretende produzir a prova na repartição de finanças, será aquela produzida directamente no tribunal.
A possibilidade de as testemunhas serem inquiridas na Repartição de Finanças, actualmente designadas por Serviço de Finanças, não é permitida pelo actual CPPT.
Terminada a produção de prova sempre se previu a faculdade de os interessados alegarem por escrito no prazo fixado pelo juiz, que não podia ser superior a 20 dias no domínio do CPCI e CPT, prazo este entretanto alargado para 30 dias (artº 120º do CPPT).
Não existia, pois, uma valoração do princípio da imediação e plenitude do Juiz nos exactos termos em que o Código de Processo Civil o prevê.
O que se entende e aceita atenta a especialidade própria do processo tributário/impugnação judicial, no qual não existe a fase do saneador nem a da audiência de discussão e julgamento da matéria de facto. A própria apresentação das alegações escritas tendentes a analisar a prova produzida e o direito aplicável pode efectivar-se num prazo dilatado que era de 20 dias e agora alargado para 30 dias o que contraria a ideia de imediação já que nesse decurso de tempo a muitas diligências probatórias podem ter assistido os representantes das partes com o inerente afastamento em relação aos depoimentos que provocaram.
Ademais, entende-se que o princípio que vimos analisando não é absoluto (Neste sentido o Ac do STJ de 31/05/2012 tirado no recurso nº 12/09.9T2AND.A.C1.S1)
O mesmo princípio circunscreve-se também e apenas no âmbito dos actos da audiência final, deixando de ter aplicação já relativamente à elaboração da sentença a qual, no caso, designadamente de transferência do Juiz que haja presidido à audiência, cabe ao juiz que o substituir - Cfr neste sentido, Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto in Código de Processo Civil anotado, vol.2, pag.634. (vide também neste sentido o Ac. deste STA de 16/11/2011 tirado no recurso nº 0526/11, que não obstante tratou questão diferente a qual consistia em saber se havia violação do dito princípio nas situações em que um magistrado decidiu prescindir da produção de prova testemunhal entendendo ser de conhecer de imediato do pedido a que se refere o artº 113º nº 1 do CPPT e depois a decisão foi proferida por outro magistrado).
É oportuno referir que reconhecendo-se que o princípio da plenitude da assistência dos juízes é um corolário dos princípios da oralidade e da imediação na apreciação da prova é sempre preferível que ocorra contacto directo, imediato, entre o juiz e a testemunha, pois que lhe permite perguntar, observar e depreender do depoimento e das reacções do inquirido uma maior convicção sobre a realidade dos factos do que a obtida pela mera leitura do relato escrito ou audição do depoimento prestado. Como refere Abrantes Geraldes (Temas de Reforma do Processo Civil, Vol. II, pag. 271) «comportamentos ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá apreciar o modo como o primeiro se formou a convicção dos julgadores».
Mas ainda que assim seja, não deve erigir-se em valor absoluto, em direito tributário, o princípio a que nos vimos referindo. Pelas especialidades que comporta o processo tributário e pelo histórico a que fizemos alusão.
Cabe também a referência de que o princípio da imediação sempre sofreu algumas limitações mesmo no processo comum, pois em tempos não muito distantes, mas em que não existia a nova tecnologia da videoconferência, sempre se utilizou a inquirição por carta precatória concretizada em meios escritos ou áudio que não proporcionavam a imediação, na sua plenitude, do juiz julgador com a testemunha mas, ainda assim, valorizados e aproveitados na busca da verdade material, influenciando a fixação do probatório e a realização da justiça.
Tais limitações continuam a justificar-se, designadamente no processo tributário – processo de impugnação - quando temos de ponderar os inconvenientes de um “desaforamento” generalizado de processos ou a sua remessa para prolação de sentença a Magistrados entretanto destacados para equipas extraordinárias de recuperação de processos como as criadas pela Lei n.º 59/2011 de 28 de Novembro onde se prevê no seu artº 2º nº 1 — As equipas extraordinárias de juízes tributários são integradas por juízes exclusivamente afectos à área tributária e com a missão de movimentarem os processos fiscais de valor superior a um milhão de euros pendentes nos respectivos tribunais.
Reconhecendo-se que mesmo com o registo magnético não se conseguem apreender determinadas realidades, que só a imediação entre o juiz e a testemunha permite, e que quando o juiz profere a decisão de acordo com a sua livre convicção, essa convicção foi formada não só com o que lhe foi dito mas também como foi dito, ainda assim o sistema de reapreciação da prova funciona nos Tribunais da Relação e com maior acuidade se impõe a relativização da referida imediação em processo tributário, numa operação de sopesagem das vantagens e inconvenientes, sempre por atenção ao quadro legal supra exposto, o qual, reitera-se, não encerra norma própria que imponha a aplicação do princípio em análise, na sua pureza intrínseca, e atendendo também à especialidade do processado da impugnação judicial que não tem uma fase autónoma de fixação dos factos provados e não provados somos levados a considerar, numa interpretação sistemática, também pautada por critérios de justiça e equidade, que se justificam as referidas limitações não se mostrando prejudicada a busca da verdade material atentos os amplos poderes que nesta matéria assistem ao Juiz Tributário.
A concluir e como argumento adicional destacamos, por com a mesma concordarmos, a observação contida no referido Ac. do TCA sul consistente em: “(…)Porque o juiz que preside à produção da prova pode não vir a ter intervenção na fase da sentença é que o artº 118º, nº 2 do CPPT exige que os depoimentos das testemunhas sejam sempre gravados ou, sendo impossível a gravação, reduzidos a escrito. Fica assim assegurado que os mesmos estarão acessíveis ao juiz que profira a decisão sobre a matéria de facto, o qual lhes conferirá o valor probatório que tiver por adequado, no pressuposto de que o legislador não deixou, seguramente, de atender a que o juiz que procede à inquirição das testemunhas registará em acta, de forma tão fiel quanto possível, as declarações prestadas, tendo em atenção que tal é necessário para a valoração dos depoimentos por parte de quem julga a matéria de facto (…)”.
Pelo exposto, e preparando a decisão alinhamos as seguintes conclusões:
1- O princípio da plenitude da assistência dos juízes, estabelecido no artº 654.º do CPC, só tem aplicabilidade para a decisão sobre a matéria de facto.
2- Em sede de contencioso tributário/processo de impugnação, o julgamento da matéria de facto e o julgamento de direito estão cometidos ao juiz que profere a sentença, não existindo a dicotomia que se verifica em processo civil, entre a fase de audiência de julgamento, onde são produzidas as provas para a determinação dos factos e a da prolação da decisão, onde é feito o enquadramento jurídico dos factos determinados ao caso e afirmada a consequente decisão.
3- Embora o princípio da plenitude da assistência dos juízes seja um corolário dos princípios da oralidade e da imediação, na apreciação da prova, sendo preferível que ocorra contacto directo, imediato, entre o juiz e a testemunha, tal princípio não é absoluto.
4- Ainda assim, o princípio da imediação sofria limitações, pois em tempos não muito distantes, mas em que não existia a nova tecnologia da videoconferência, sempre se utilizou a inquirição por carta precatória concretizada em meios escritos ou áudio que não proporcionavam a imediação na sua plenitude do juiz julgador com a testemunha mas valorizados e aproveitados na busca da verdade material influenciando a fixação do probatório e a realização da justiça.
5- Tais limitações continuam a justificar-se sobretudo quando se tem de ponderar, também, os inconvenientes de um “desaforamento” generalizado de processos ou a sua remessa para prolação de sentença a Magistrados entretanto destacados para equipas extraordinárias de recuperação de processos como as criadas pela Lei n.º 59/2011 de 28 de Novembro.
6- Sopesando as vantagens e inconvenientes, sempre por atenção ao quadro legal supra exposto, o qual, reitera-se, não encerra norma própria que imponha a aplicação do dito princípio na pureza enunciada e, atendendo também à especialidade do processado da impugnação judicial que não tem uma fase autónoma de fixação dos factos provados e não provados somos levados a considerar, numa interpretação sistemática, também pautada por critérios de justiça e equidade, que se justificam as referidas limitações consubstanciadas na prática em dever ser o juiz a quem o processo está distribuído a elaborar a sentença no momento em que a mesma tem de ser proferida.”.
E embora seja certo que com o Novo Código de Processo Civil deixou de existir a estrutura dicotómica (julgamento das matérias de facto e de direito em momentos distintos) mencionada no acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário (cfr. artigo 605.º do Novo Código de Processo Civil), manteve-se até hoje inalterado o regime que regula o processo judicial tributário, ou seja, permanecem válidas as considerações de direito naquele aresto tecidas.
Improcede, pois, com este fundamento, o presente recurso.

4.2. Questão distinta mas, como dissemos, com ela interligada, é a de saber se não obstante não ter existido nos autos qualquer violação dos princípios supra convocados, o Juiz que proferiu a sentença de facto e de direito errou no julgamento que fez.

Para a Recorrente é manifesto que tal ocorreu.

Primo, porque o Tribunal a quo não atentou devidamente no teor dos documentos constantes dos autos, mais concretamente nas certidões do registo comercial que a Recorrente cuidou de juntar aos autos, que deveriam ter conduzido a que tivesse sido fixada factualidade diametralmente oposta, mormente, que tivesse sido dado como provado o efectivo exercício da gerência de facto que resulta das inscrições constantes das mencionadas certidões.

Secundus, porque atribui, sem ter presidido à produção da prova, e consequentemente sem um genuíno juízo critico sobre a mesma, às declarações das testemunhas um valor que elas não possuem porque inconsistentes e contrárias aos factos inscritos nas certidões do registo comercial.

Este Tribunal Central, mais uma vez, não acolhe a argumentação de facto e de direito aduzidas pela Recorrente. E não o faz porque nem dos documentos convocados resultam “os factos” cujo aditamento/alteração pretende, nem são válidas as razões convocadas para “desvalorizar” os depoimentos testemunhas.

Para que bem se compreenda o que afirmámos, importa ter presente que o poder de cognição do Tribunal Central sobre a matéria de facto não assume, em circunstância alguma, uma amplitude tal que implique um julgamento ex novo de facto, não só porque está limitado aos concretos pontos de facto impugnados como, não menos essencial, tendo por base, como é o caso, “apenas a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode postergar em absoluto a livre apreciação da prova do julgador, consagrada no actual n.º 3 do artigo 607.º do Código de Processo Civil, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.” (4)

Como há muito vem sendo salientado pela doutrina e pela jurisprudência, o controlo do Tribunal de recurso sobre a convicção alcançada pelo tribunal da 1ª instância deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, sendo certo que a prova testemunhal é, notoriamente, mais falível do que qualquer outra, e na avaliação da respectiva credibilidade tem que reconhecer-se que o tribunal a quo, pelas razões já enunciadas, está em melhor posição.

Fora desse quadro de flagrante desconformidade e, sobretudo, na presença de elementos de prova contraditórios ou em situações de existência de vários juízos de facto compatíveis com a prova produzida deve prevalecer o julgamento de 1ª instância assim e dando prevalência ao princípio da liberdade de julgamento consagrado no já citado artigo 607.º n.º 5 do Código de Processo Civil.

Saliente-se, no entanto, que o que vimos dizendo não significa que no âmbito da sua sindicância (limitada aos pontos invocados) este Tribunal Central não possa formar a sua própria convicção por referência à prova constante dos autos e, com base nela, determinar a alteração do julgamento de facto, como, de resto, o Supremo Tribunal de Justiça vem reafirmando que deve ser feito, designadamente quando entende que a prova foi mal apreciada ou interpretada ou quando constata a existência de outros elementos probatórios relevantes, invocados pelo recorrente na sua alegação, que não foram tidos em consideração pelo julgador de 1.ª instância. (5)

Foi tendo presente este enquadramento legal, doutrinal e jurisprudencial que avançamos para a análise dos factos cuja fixação nos vinha pedida e para a apreciação crítica da prova convocada. E foi ainda este quadro que nos levou a concluir em sentido negativo à questão em apreço: não resulta, e salvo o devido respeito não podia resultar, de qualquer certidão do registo comercial junta aos autos o exercício da gerência de facto pelo Recorrido.

Das certidões, devidamente escalpelizadas no julgamento de facto, apenas resultam provados os factos (e é a esse fim que se destinam) que a Meritíssimo Juiz levou ao probatório: que a 11/07/1984 foi registado o contrato de sociedade da “T..............................................................., LDA”; que a 05/04/1993 foi registada a transformação da referida sociedade em sociedade anónima e remodelação do contrato e quem nessa data foi nomeado como administradores nomeados para o triénio de 1992/94; que a 24/06/1993 foi registada acção de recuperação de empresa da “T.................................................................................., S.A.”, que a admissão da gestão controlada e a nomeação de José ........................................... como Administrador; a 20/03/1995 foi registada a desistência da instância, homologada por sentença de 11/03/1994; que a 29/03/1995 foi registada a acção especial de recuperação de empresa “T.................................................................................., S.A.”, que por despacho de prosseguimento da acção proferido em 11/07/1994, foi designado como gestor judicial José ...........................................; que a 1910/1994 foi registada a rejeição da gestão controlada, por deliberação da Assembleia de Credores, de 15/11/1993, na mesma data homologada por sentença e, por fim, que a 25/08/1995 foi registada a nomeação, em 13/03/1995, do Conselho de Administração da “T.................................................................................., S.A.”, composto por Joaquim ....................................., Joaquim ....................................... e Júlio ..................................... [factualidade vertida nas alíneas A) a G) do ponto III supra].

É verdade que o administrador é a figura jurídica com a função de administrar a sociedade, ou seja, de atingir a finalidade pela qual foi constituída a sociedade, detendo os poderes de gestão e de representação daquela, conforme decorre dos artigos 405.º, 408.º e 431.º do Código das Sociedades Comercias, e que, nessa medida, lhe cabem ara além dos deveres legais e específicos ou vinculados (decorrentes da lei e dos estatutos da sociedade), os deveres mais abstractos decorrentes da relação fiduciária subjacente às suas funções, salientando-se a gestão de bens e interesses alheios.

Porém, esses deveres jurídicos traduzem-se, na prática, em actos concretos por eles praticados (ou não), e dos quais se deve poder concluir que, para além da figura jurídica que são, também, de facto quem representa e gere essa sociedade, orientando do ponto de vista interno e externo as relações funcionais e comerciais da sociedade que administram.

Ora, como claramente resulta do probatório, não ficou apurado qualquer facto que, relevado que fosse, permita concluir pela administração de facto do Recorrido, pelo efectivo desempenho de funções de representação e gestão. Antes, como limpidamente resulta do julgamento de facto, embora de modo, reconheça-se, conclusivo, resultou apurado precisamente o contrário, ou seja, positivamente provado que o Recorrido não exercia de facto as funções para as quais se encontrava nomeado de direito, as quais eram exercidas exclusivamente pelo seu pai que, designadamente, “dava ordens aos trabalhadores da sociedade executada, e que o Recorrido apenas se dedicava à administração de uma outra sociedade de que igualmente era administrador de direito.

E não é o facto de essa factualidade ter resultado provada do depoimento das testemunhas que nos permite, sem mais, censurar o julgamento que com base nelas foi realizado, quer porque, por natureza, o depoimento é apto a comprová-la, por não existir normativo que imponha a sua demonstração por recurso a outro tipo de prova, designadamente documentos, quer porque as considerações invocadas relativamente aos referidos depoimentos, centradas na sua qualidade de meros trabalhadores, não reúnem força bastante para afastar a credibilidade que lhes foi atribuída, diga-se, irrepreensível, como fica evidenciado pela transcrição dos depoimentos que a própria Recorrente realizou.

É, pois, de julgar também improcedente, nesta parte o recurso jurisdicional nesta parte, mantendo-se assim inalterado o julgamento de facto vertido no probatório pelo Tribunal a quo.

4.3. Enfrentemos, agora a última questão colocada: a sentença recorrida incorreu em erro ao julgar o Recorrido parte ilegítima com fundamento na não verificação dos pressupostos da sua responsabilização como responsável subsidiário à luz do artigo 13.º do CPT?

Evidentemente que não.

Note-se que a resposta a esta questão estava condicionada por dois factores. Por um lado, pela alteração do probatório e subsequente fixação de factualidade de que resultasse a administração de facto. Por outro lado pela admissibilidade da tese de que, estando provada a administração de direito desta se devia extrair a administração de facto da sociedade devedora originária pelo Recorrido.

Quanto ao primeiro factor, como ficou assente, não ocorreu, nada havendo, por isso, nada mais a acrescentar.

No que respeita ao segundo, limitamo-nos a recordar, mais uma vez, o que ficou firmado no acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 28-2-2008, no processo n.º 1132/07, a partir do qual se uniformizou, em definitivo, a jurisprudência:

De acordo com o artigo 349º do Código Civil, «presunções são as ilações que a lei ou o julgador tiram de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido».

Há, pois, presunções legais – ilações que a lei tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido – e presunções judiciais – ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.

O artigo 350º nº 1 do mesmo diploma diz-nos que «quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz». É por isso que, quanto à culpa a que se refere o artigo 13º do CPT, a Fazenda, beneficiando da presunção da lei, não carece de demonstrar essa culpa.

Mas idêntica regra não está consagrada relativamente à presunção judicial.

O que é compreensível, desde logo porque, ao contrário da presunção legal, que está plasmada na lei, resultando dela sem necessidade de intermediação, a presunção judicial não tem existência prévia, é um juízo casuístico que o julgador retira da prova produzida num concreto processo quando a aprecia e valora. Só nessa ocasião e por força do raciocínio do juiz é que o facto desconhecido (não presumido legalmente, nem provado por qualquer meio probatório) passa a ser, também, conhecido, inferido pelo julgador a partir do conjunto factual que a prova revelou.

Por isso, se faz sentido o regime contido no artigo 350º nº 2 do Código Civil, quando estabelece as condições em que podem ser ilididas as presunções legais, o mesmo regime nenhum sentido faria se aplicado às presunções judiciais. Quanto a estas, não se trata de as ilidir, produzindo contraprova ou prova em contrário, porque não há nenhum facto que, estando, em princípio, provado por força da lei, possa deixar de se dar por provado por obra dessa prova em contrário ou contraprova.

Pela mesma razão se não pode afirmar, como se faz no acórdão recorrido, que a Fazenda Pública beneficia da presunção judicial de gerência de facto e não tem que fazer prova desta para poder reverter a execução fiscal contra o gerente de direito.

Ninguém beneficia de uma presunção judicial, porque ela não está, à partida, estabelecida, resultando só do raciocínio do juiz, feito em cada caso que lhe é submetido.

As presunções influenciam o regime do ónus probatório.

Em regra, é a quem invoca um direito que cabe provar os factos seus constitutivos. Mas, se o onerado com a obrigação de prova beneficia de uma presunção legal, inverte-se o ónus. É o que decorre dos artigos 342º nº 1, 350º nº 1 e 344º nº 1 do Código Civil.

Também aqui o que vale para a presunção legal não serve para a judicial. E a razão é a que já se viu: o ónus da prova é atribuído pela lei, o que não acontece com a presunção judicial. Quem está onerado com a obrigação de fazer a prova fica desonerado se o facto se provar mediante presunção judicial; mas sem que caiba falar, aqui, de inversão do ónus.

3.3. Quando, em casos como os tratados pelos arestos aqui em apreciação, a Fazenda Pública pretende efectivar a responsabilidade subsidiária do gerente, exigindo o cumprimento coercivo da obrigação na execução fiscal inicialmente instaurada contra a originária devedora, deve, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, provar os factos que legitimam tal exigência.

Mas, no regime do artigo 13º do CPT, porque beneficia da presunção legal de que o gerente agiu culposamente, não tem que provar essa culpa. Ainda assim, nada a dispensa de provar os demais factos, designadamente, que o revertido geriu a sociedade principal devedora. Deste modo, provada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe provar que à designação correspondeu o efectivo exercício da função, posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização.

Este efectivo exercício pode o juiz inferi-lo do conjunto da prova, usando as regras da experiência, fazendo juízos de probabilidade, etc. Mas não pode retirá-lo, mecanicamente, do facto de o revertido ter sido designado gerente, na falta de presunção legal.

A regra do artigo 346º do Código Civil, segundo a qual «à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos», sendo então «a questão decidida contra a parte onerada com a prova», não tem o significado que parece atribuir-lhe o acórdão recorrido. Aplicada ao caso, tem este alcance: se a Fazenda Pública produzir prova sobre a gerência e o revertido lograr provar factos que suscitem dúvida sobre o facto, este deve dar-se por não provado. Mas a regra não se aplica se a Fazenda não produzir qualquer prova.

3.4. Do que até agora se disse já se vê que não secundamos o acórdão recorrido.

Mas convém, ainda, clarificar um ponto.

Se em causa estivesse o modo como o Tribunal recorrido, usando uma presunção judicial, chegara à convicção de que o revertido exercera, efectivamente, a gerência, este Supremo Tribunal Administrativo não poderia censurar o acórdão, nesse segmento, porque ao Supremo não cabe sindicar os juízos de livre apreciação da prova feitos pelas instâncias.

Porém, no caso, do que se trata não é de verificar se o Tribunal a quo acertou ou errou ao inferir a gerência de facto da gerência de direito.

Do que se trata é de censurar a aplicação que fez de um regime legal, afirmando a existência de uma presunção judicial e retirando, maquinalmente, de um facto conhecido, outro, desconhecido, como se houvesse uma presunção legal, que não há; e afirmando a inversão do ónus da prova, quando tal inversão não ocorre, no caso, na falta de presunção legal.».

Em suma, nem no regime que ora se aplica e já revogado (artigo 13.º do CPT), nem do actual regime (artigo 24.º da LGT) resulta que, provada a gerência ou administração de direito se deve presumir provada a gerência de facto, incumbindo à Exequente, que tais factos invoca como suporte da responsabilização do devedor subsidiário, alegar e provar que efectivamente o é (gerente o administrador).

Donde, não resultando essa alegação ou prova feita no caso sub iudice, impõe-se concluir, também nesta parte, pela falência do recurso e, com ela, pelo insucesso integral deste, o que, a final, se determinará.

V - Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, negando provimento ao recurso jurisdicional, em confirmar integralmente a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.


Lisboa, 14 de Fevereiro de 2019

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(Anabela Russo)

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(Lurdes Toscano)

_________________________

(Joaquim Condesso)




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(1) Neste sentido, vide, António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª Edição, 2018, pág. 168.
(2) Neste sentido, para além do autor e obra citados, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 29-10-2015 (processo n.º 233/09) e de 31-5-2016 (processo n.º 1572/12), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
(3) Neste sentido, entre muitos outros, os Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Outubro de 2008, proferido no processo n.º 7P4822, da Relação de Lisboa de 22 de Abril de 2009, proferido no processo n.º 2912/06.9TALRA.C1 e desse Tribunal Central Administrativo Sul, de 12 de Junho de 2014, proferido no processo n.º 6485/12. Todos integralmente disponíveis em www.dgsi.pt
(4) Cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 16 de Fevereiro de 2016, proferido no processo n.º 470/12.4TVLSB.L2, integralmente disponível em www.dgsi.pt
(5) Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Maio de 20 de Maio de 2005, proferido no processo n.º 05B1198, de 4 de Julho de 2013, proferido no processo n.º 1727/07.1TBSTS-L.P1.S1, todos integralmente disponíveis em www.dgsi.pt.