Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:10733/13
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:04/02/2014
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:APOIO JUDICIÁRIO
PRAZO PARA A APRESENTAÇÃO DA ACÇÃO
PEDIDO DE ASILO
Sumário:Quando o A. seja beneficiário de apoio judiciário na modalidade de nomeação e pagamento da compensação de patrono, por aplicação do artigo 33º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, de 29.06, a acção considera-se proposta na data em que foi apresentado o requerimento pedindo a nomeação de patrono.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Recorrente: Mamadou ……………..
Recorrido: Ministério da Administração Interna
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul
Vem interposto recurso da decisão do TAC de Lisboa que julgou extemporânea a apresentação da PI por estar caducado o direito de acção do A.
Em alegações são formuladas pelo Recorrente as seguintes conclusões: «I. Vem o presente recurso interposto da sentença que indeferiu liminarmente a petição inicial apresentada em 06 de Setembro de 2013, por o Recorrente não concordar com a interpretação do direito que subjaz a essa mesma decisão. Para tanto, o Tribunal a quo considerou que “em virtude de a IMA ter sido notificada da sua nomeação e da data de início do prazo de propositura de acção, no dia 26.08.2013, cf. doc. junto a fls 7 dos autos em suporte de papel, sendo que a p.i. só veio a ser apresentada em juízo no dia 6.9.2013, cf fls 1 dos autos. Mostra-se, pois, ultrapassado o prazo de propositura da acção que é de 8 dias, cf. N.º 1 do art.º 22.º da Lei n.º 27/08, de 30.6, contados da referida notificação, ocorrida e, 26.08.2013, cf. N.º 1 do art.º 33.º da LAJ. E tal como constava da mesma notificação, o prazo corria em férias. Em face do que antecede, absolvo o R. da instância e condeno o A. nas custas do incidente, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.”.
II. Não concordando com o fundamento da sentença ora colocada em crise, o Recorrente sempre dirá que a interpretação da Lei do Apoio Judiciário terá de falecer pois não poderá apenas ser levada em linha de conta a circunstância de a patrona ter sido notificada da sua nomeação, por e-mail, no dia 26 de Agosto de 2013. O próprio requerente do apoio judiciário recebe notificação idêntica, desta feita através de correio, o que notoriamente seria impossível de ter ocorrido no mesmo dia. Na verdade, a notificação do requerente foi enviada para a morada do Conselho Português para os Refugiados (por ter sido essa entidade que no interesse do aqui Recorrente despoletou o processo de apoio judiciário), e só depois dado conhecimento ao interessado, que à data se encontrava nas instalações do aeroporto de Lisboa – CAT, o que veio a suceder apenas e só em 04 de Setembro de 2013.
III. A interpretação do direito patente na sentença recorrida é redutora dos direito de defesa do Recorrente, o qual apenas no dia 04 de Setembro de 2013 é que teve conhecimento de quem tinha sido nomeado para representar os seus interesses e defender os seus direitos. Só nesse dia é que o aqui Recorrente teve oportunidade de estabelecer com a sua patrona e expor a sua pretensão. Só nessa data é que o Conselho Português para os Refugiados teve conhecimento da identificação da patrona do requerente de apoio judiciário, e aí sim encetar os contactos necessários para procederem à entrega de toda a documentação recebida, incluindo a decisão proferida pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.
De resto, a notificação expedida por e-mail para a patrona é bem claro ao informar que foi nomeada para patrocinar o interessado e propor acção. Ora, se estamos perante a necessidade de propor uma acção, não entende o Recorrente (e em abono da verdade diga-se que a sua patrona não entende igualmente) como poderia a sua patrona antever o tipo de acção que se pretendia propor, qual o assunto, ou sequer, se estaríamos ou não perante um tipo de processo considerado urgente com prazos tão curtos.
IV. Não obstante o que se vem deixando escrito, quer nas alegações, quer nas conclusões, o Recorrente ainda sustenta o presente recurso na concreta interpretação da Lei do Apoio Judiciário que vem sido feita através da nossa jurisprudência. Nesse sentido, foram carreados para a presente lide dois Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, os quais correram os seus termos sob os números 01654/03 e 0136/04, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
Os mencionados Acórdãos têm por objecto a análise do mesmo tipo de questão que a agora suscitada nos presentes autos. Embora ambas as decisões incidam sobre a Lei de Apoio Judiciário que à data estava em vigor, os mesmos continuam plenamente actuais porquanto, a actual Lei do Apoio Judiciário contempla exactamente os mesmos artigos, embora com numerações diferentes (o actual artigo 33.º corresponde ao anterior artigo 34.º).
V. Quanto ao primeiro dos Acórdãos, com o número de processo 01654/03, destaca o Recorrente que “A notificação a que alude o n.º 1, do artigo 34, da Lei n.º 30-E/2000, releva apenas para o início da contagem do prazo em que o patrono nomeado deve intentar a acção ou interpor o recurso para os quais o seu patrocínio foi requerido, sendo tal prazo de 30 dias meramente disciplinador, gerando o seu incumprimento injustificado apenas responsabilidade disciplinar do faltoso, nunca funcionando em prejuízo do assistido que, oportuna e tempestivamente requereu, o apoio judiciário - cfr. n.ºs 2 e 3, do artigo 34. A interpretação sufragada pela decisão recorrida – de que o prazo de oito dias fixado no artigo 16, n.º 2, da Lei n.º 15/98, se conta a partir da notificação à patrona da sua nomeação – que conduziu à rejeição do recurso por extemporaneidade, nos termos do artigo 57, § 4º, do RSTA, é, assim, incorrecta e violadora do disposto no n.º 3, do artigo 34, da Lei n.º 30-E/2000, pelo que não pode manter-se.”
VI. Ou seja, o facto de a notificação da nomeação efectuada à patrona ter antecedido a notificação ao requerente de apoio judiciário não deverá ser considerada para efeitos de contagem do prazo para a propositura da acção, não devendo essa interpretação funcionar em prejuízo do interessado, ou seja, do Recorrente. A interpretação de que o prazo de oito dias iniciou a sua contagem a partir da nomeação da patrona é, pelos motivos explanados no douto Acórdão, incorrecta e violadora do actual artigo 33.º, n.º 4, da actual Lei do Apoio Judiciário.
VII. Na mesma senda surge o Acórdão do STA com o processo n.º 0136/04, o qual destaca duas conclusões relativamente ao regime que resulta dos preceitos normativos da Lei do Apoio Judiciário ora em análise: “Primeira: que o advogado oficioso tem um prazo de 30 dias para propor a acção e se o não fizer terá de o justificar, nos termos referidos no n.º 2, sujeitando-se, se for caso disso, a procedimento disciplinar. Portanto, o referido prazo de 30 dias tem apenas natureza disciplinar, em nada influindo no prazo de propositura da acção.
Segunda: a acção considera-se proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono, conforme se estipula no n.º 3 e, portanto, independentemente de o advogado nomeado ter ou não cumprido o prazo previsto no n.º 1. - cfr. acórdão deste STA de 22/10/2 003, recurso n.º 1 592/02 e Salvador da Costa, O Apoio Judiciário, 4.ª edição, pág. 164). De assinalar, ex abundantti, tendo em conta a fundamentação da sentença recorrida, que o disposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 25.º da LAJ se aplica apenas aos pedidos formulados na pendência da acção, o que se não verificou no caso sub judice, pelo que, quanto a este, regula exclusivamente o n.º 3 do artigo 34.º.”
VIII. Atento o teor da douta decisão acima transcrita, a interpretação plasmada na sentença recorrida, coadunar-se-ia a uma situação em que a nomeação efectuada à patrona tivesse corrido na pendência de uma processo já existente, e ainda assim, ter-se-ia de aferir da data em que o apoio judiciário foi requerido, para efeitos e de interrupção da contagem dos prazos. Mas essa não é, claramente, a questão delimitada no presente recurso.
IX. Na defluência do circunstancialismo descrito, é o Recorrente de opinião que mal andou a Mm.ª Juíza a quo ao decidir como decidiu, fundamentando a sua decisão numa interpretação redutora e claramente violadora dos direitos e interesses do mesmo, o que cumina num grave acesso à justiça, violando os princípios das garantias de defesa e de um processo equitativo, conforme previsto nos artigos 20.º, n.º 4 e 32.º, n.º 1, ambos da Constituição da República Portuguesa ».
O Recorrido não contra alegou.
Os Factos
Na 1º instância não foram fixados factos.
Nos termos dos artigos 662º, n.º1 e 665º, n.ºs 1 e 2, do (novo) CPC, dá-se por assente, por provada, a seguinte factualidade:
1. Em 22.07.2013, o Director Nacional Adjunto do SEF recusou o pedido de asilo formulado pelo ora Recorrente no posto de fronteira (cf. doc. de fls. 23 do PA).
2. Consta do PA um mail datado de 23.07.2013, oriundo do SEF, indicando para ser dada ao ora Recorrente cópia da decisão de recusa de asilo (cf. doc. de fls. 31 do PA)
3. Consta de fls. 40 do PA a notificação feita em 23.07.2013, assinada pelo ora Recorrente. do indeferimento do pedido de asilo, conforme doc. de fls. 40 do PA.
4. Consta do PA um mail datado de 24.07.2013, oriundo do SEF, indicando que o ora Recorrente apresentou um pedido de apoio judiciário junto do ISS (cf. doc. de fls. 41 do PA).
5. Por despacho de 26.08.2013, o ISS deferiu o pedido de apoio judiciário formulado pelo ora Recorrente (cf. doc. de fls. 9)
6. Por mail datado de 26.08.2013, foi enviado pela Ordem dos Advogados (O.A) à Mandatária do ora Recorrente a informação de que tinha sido nomeada para o patrocinar, conforme doc. de fls. 7.
7. Por ofício datado de 26.08.2013, foi enviado pela Ordem dos Advogados (O.A) e endereçada ao ora Recorrente, a informação do nome e morada da sua patrona nomeada, conforme doc. de fls. 8.
8. Em 06.09.2013 foi apresentado no SITAF a PI de fls. 2 a 6 (cf. doc. de fls. 1).
O Direito
Alega o Recorrente que a decisão recorrida errou, primeiro porque se considera que a patrona do Recorrente foi notificada por e-mail no dia 26.08.2013 e o Recorrente por correio também nesse mesmo dia, quando era notório que não poderia este receber a carta no dia em que foi enviada. Depois, porque a carta foi enviada para a morada do Conselho Português dos Refugiados e o Recorrente estava nas instalações do aeroporto de Lisboa – CAT e só a recebeu em 04.09.2013.
Mais invoca o Recorrente, um erro na decisão sindicada pois na PI, no seu intróito, explicou a situação do apoio judiciário como devendo considerar-se interposto o recurso na data em que foi pedido o apoio judiciário, conforme determina o artigo 33º, n.º 4, da Lei de Apoio Judiciário.
Diga-se, desde já, que a decisão recorrida terá de ser revogada, por estar errada.
Face à matéria factual apurada após a notificação que terá sido feita em 23.07.2013 ao ora Recorrente do indeferimento do seu pedido, este terá formulado de imediato um pedido de apoio judiciário, conforme é reportado pelo mail datado de 24.07.2013, oriundo do SEF. Tal pedido foi deferido e foi enviado em 26.08.2013 um mail pela O.A à Mandatária do ora Recorrente, com a informação de que tinha sido nomeada para o patrocinar.
Na mesma data terá sido enviada uma carta ao Recorrente, mas este alega que só a recebeu em 04.09.2013.
Nos autos não foi junta a prova desse recebimento em 04.09.2013. Mas igualmente não foi junta a prova do seu recebimento em 26.08.2013. Logo, não ficou provado nos autos a data do recebimento da tal carta pelo ora Recorrente, mas só do seu envio para uma morada que este diz ser diferente daquela onde se encontrava. Porém, tal facto não foi ponderado na decisão recorrida, que se bastou com a data do envio do mail à patrona do Recorrente. Logo, irreleva a alegação feita neste recurso que está errada a pressuposição de que o Recorrente recebeu a carta na data do seu envio, por objectivamente ser impossível e porque isso não aconteceu. Irreleva porque tal facto não foi considerado na sentença recorrida, que se bastou com a data do envio do mail à sua patrona.
Nos termos do artigo 33º, n.º 1, da Lei n.º 34/2004, de 29.06, o patrono nomeado para a propositura da acção deve intentá-la nos 30 dias seguintes à notificação da nomeação, apresentando justificação à O.A. se não instaurar a acção naquele prazo e a acção.
Conforme n.º 4 do mesmo artigo, a acção considera-se proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono (cf. também artigo 25º, n.º 2, da Lei n.º 27/08, de 30.06.)
No caso em apreço, o ora Recorrente apresentou o pedido de nomeação de patrono no máximo em 24.07.2013 (pois desconhece-se a data precisa, já que o Recorrente não juntou aos autos a cópia daquele requerimento e da data de entrada do mesmo nos serviços do ISS). Por conseguinte, é nesta data em que se deve considerar a acção proposta. Ora, em 24.07.2013 havia passado um dia após ser dado conhecimento ao ora Recorrente da decisão aqui impugnada (estando em prazo a presente acção face à indicação das 72 horas que é feita no artigo 25º, n.º 3, do da Lei n.º 27/08, de 30.06).
Ou seja, não se pode considerar, como se fez na decisão recorrida, que pelo facto de a O.A ter enviado o mail à patrona nomeada nos termos do artigo 31º da Lei n.º 34/2004, de 29.06, de imediato, a partir desse mesmo dia, começa a contar o prazo de 8 dias previsto no artigo 22º da Lei n.º 27/08, de 30.06.
Aliás, porque o Recorrente formulou o pedido ainda no posto de fronteira, aplicar-se-ia aqui o prazo das 72 horas indicado no artigo 25º, n.º 3, do da Lei n.º 27/08, de 30.06, e não o prazo de 8 dias referido na decisão sindicada (cf. artigo 22º da referida Lei).
Quanto ao prazo de 30 dias indicado no n.º 1 do artigo 33º da Lei n.º 34/2004, de 29.06, o STA no Ac. n.º 136/03, de 02.03.2004 (in www.dgsi.pt), já entendeu que tal prazo é meramente disciplinar, não influindo no prazo de propositura da acção (cf. a este propósito ainda os Acórdão do STA n.º 0136/04, de 02.03.2004, n.º 431/04, de 20.05.2004, n.º 135/04, de 04.03.2004, n.º 1654/03, de 04.12.2003, do TCAS n.º 9183/12 e do TCAN n.º 01231/09.3BEBRG, de 18.02.2011, todos in www.dgsi.pt).
Mas mesmo que assim não fosse, porque a acção foi apresentada em 04.09.2013, respeitou-se esse prazo de 30 dias.
Em suma, procede o presente recurso e ter-se-á que revogar a decisão sindicada quando considerou liminarmente indeferida a PI porque apresentada após o prazo de 8 dias do envio do mail à patrona do Recorrente pela O.A a indicar tal patrocínio.
Dispositivo:
Pelo exposto, acordam em:
a) conceder provimento ao recurso, revogando a decisão sindicada e determinar a baixa dos autos à 1º instância para que aí prossiga os seus termos, se nada mais a isso obstar.
b) Sem custas.
Lisboa, 2 de Abril de 2014
(Sofia David)

(Cristina Santos)

(Rui Pereira)