Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05603/12
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:04/16/2013
Relator:EEUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. IRS. RECLAMAÇÃO GRACIOSA. OBJECTO. LIQUIDAÇÕES SUCESSIVAS.
Sumário:Doutrina que dimana da decisão:
1. Tanto a reclamação graciosa como a impugnação judicial visam a anulação total ou parcial dos actos tributários por iniciativa do contribuinte e por vícios idênticos;
2. Indeferida a reclamação graciosa de acto de liquidação por vício formal ou substancial, de tal despacho cabe também impugnação judicial, a qual tem por objecto imediato tal despacho e, mediato, o citado acto tributário, pelo que anulando-se tal despacho, há que conhecer, nessa impugnação, dos vícios imputados ao mesmo e não acobertados pelo despacho proferido nessa reclamação e que foi anulado;
3. Existindo sucessivas liquidações do mesmo imposto relativas ao mesmo período temporal, urge instruir os autos como elementos sobre a relação entre elas, de molde a aquilatar a sua dependência, anulação ou substituição.


O Relator
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. A Exma Representante da Fazenda Pública (RFP), dizendo-se inconformada com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa - 1.ª Unidade Orgânica - que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A... e mulher B..., veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


1. O regime legal de exclusão de tributação de mais-valias impõe que sejam observados os requisitos legais, nomeadamente prazos de reinvestimento e demais formalidades previstas na lei.
II. Daí que seja irrelevante, para efeitos de determinar a exclusão de tributação a mera intenção de reinvestir.
III. Em nosso entender o impugnante não preenche as condições que permitem a exclusão de tributação das mais-valias, pelos motivos acima expostos.
IV. A douta sentença recorrida faz uma errada apreciação dos factos e do seu fundamento legal, pois a liquidação impugnada e que serviu de base à reclamação graciosa é feita com base nos valores declarados pelo impugnante na sua declaração entregue em 2004.
V. A reclamação graciosa apenas indeferiu o pedido do reclamante no sentido de confirmar os pagamentos pretendidos como valor efectivamente reinvestido, pelo que não foi além do legalmente permitido.
VI. É certo que essa liquidação foi posteriormente substituída por uma outra, a liquidação oficiosa que, não aceita os valores a reinvestir ou reinvestidos e, que se encontra vigente - a liquidação 5330000141. Esta última apenas considera os montantes de compra e venda declarados face ao não preenchimento dos requisitos legais que permitiriam o reinvestimento, (prazo, etc.).
VII. Com efeito, se o impugnante viu indeferido o seu pedido, a situação fática subjacente ao mesmo foi devidamente analisada pelos serviços. E, a administração fiscal não foi além desse pedido porque não se debruçou sobre quaisquer outros factos senão sobre os rendimentos da categoria G - mais-valias.
VIII. Caso diferente seria se a AT se pronunciasse sobre os rendimentos da categoria F ou quaisquer outros benefícios ou deduções à colecta.
IX. Desse modo, foi através da informação disponibilizada em contraditório, que se concluiu que o impugnante não tinha procedido nos termos legais ao reinvestimento.
X. Motivo pelo qual foi o reinvestimento desconsiderado de acordo com o princípio da verdade material. Ora de acordo com o artigo 58.º da LGT a AT deve, no procedimento realizar todas as diligências necessárias com vista à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando condicionada à iniciativa do autor do pedido.
XI. Estão sujeitos ao princípio da legalidade tributária os actos praticados pela AT, o que não obsta à realização das diligências complementares que o órgão instrutor ordenar, o que está em sintonia com o princípio do inquisitório que vigora na generalidade dos procedimentos tributários, e que obriga, como acabámos de referir à realização de todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, sem subordinação à iniciativa do requerente.
XII. A sentença recorrida pronuncia-se sobre o indeferimento da reclamação graciosa. Essa reclamação visa uma liquidação feita de acordo com os dados declarados pelo contribuinte.
XIII. Contudo considera que a AT deveria ter arredado da ordem jurídica a liquidação em causa, substituindo-a por uma que confirmasse os valores a reinvestir.
XIV. Ou seja, para a substituir por outra que atendesse a todos os valores entregues, a título de pagamento de preço pelo imóvel adquirido em 2002, com destino à habitação própria e permanente dos sujeitos passivos. Ora tal entendimento não pode ser atendido face ao reinvestimento não obedecer aos requisitos legais.
XV. Em consonância, a reclamação deve ter um objecto e ao analisar esse objecto devem ser atendidos todos os fundamentos quer de facto, quer de direito.
XVI. Se o impugnante fez uma declaração que não pode ser aceite pela ordem jurídica porque não obedece aos requisitos legais, deve a mesma ser corrigida pela AT, não estando a mesma subjugada aos dados apresentados pelos contribuintes mas sim ao princípio da verdade material e ao princípio da legalidade.
XVII. Deste modo não podem os pagamentos feitos ser considerados na liquidação impugnada porque não se verificam os pressupostos de reinvestimento. Sendo objecto da impugnação a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, deve ser esse objecto ampliado de forma a incluir a análise dos vícios imputados ao novo acto tributário de liquidação então surgido. Este acto deve ainda ser apreciado no processo de impugnação, por força da ampliação do pedido formulado na impugnação judicial nos termos do n.º 2 do artigo 273.º do CPC, aplicável ao processo judicial tributário - ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT.
XVIII. Verifica-se que a sentença recorrida julga em erro quando considera que "vimos já também que no momento da liquidação já tinham sido declarados os montantes do reinvestimento (reinvestidos e a reinvestir, parêntesis nosso), assim no conjunto de factos que a AT reunia, e tendo em conta que considerou para a liquidação como fundamento de direito, o preenchimento dos pressupostos do art.º 10.º n.º 5 do CIRS, a AT devia, no momento da liquidação ter atendido a todos os factos de que tinha ou devia ter conhecimento, e bem assim, também às entregas dos montantes a título de preço, efectuadas no ano de 2001 e 2002...)
XIX. Refere ainda "...conforme declarado e em cumprimento com o estipulado no contrato de promessa de compra e venda, para compra de imóvel, onde os impugnantes vieram a estabelecer a sua habitação própria e permanente, . . . de acordo com o estabelecido no artigo 10.º, n.º 5 e 6.º do CIRS."
XX. Ora a decisão de reclamação graciosa apenas indeferiu o pedido do reclamante, mantendo a liquidação reclamada tal como declarada pelo contribuinte. O que se verifica é que não foi atendido o pedido de confirmação de reinvestimento no que se refere aos pagamentos em causa.
XXI. Ora o que está subjacente aos autos é o cálculo da mais-valia obtida com a venda de um outro imóvel e portanto, esses pagamentos foram analisados apenas em sede de reinvestimento, pelo que a sentença recorrida cai em erro sobre os pressupostos de direito fazendo quanto à prática do acto uma errada interpretação ou aplicação das normas legais.
XXII. Ora a sentença refere ainda no seu dispositivo "julgo procedente a presente impugnação judicial contra a reclamação graciosa n.º 400041.2/5, com a consequente anulação da liquidação de IRS 20045004347825. Ora esta liquidação não se encontra já vigente porque foi substituída pela liquidação oficiosa n.º 5330000141.
XXIII. A concluir, com o devido respeito e, salvo melhor entendimento, a douta sentença proferida pelo tribunal a quo, a manter-se na ordem jurídica, revela uma inadequada interpretação e aplicação do disposto no regime sub-judice.

Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente anulando-se a douta decisão em apreço, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


Também os recorridos vieram a apresentar as suas alegações e nestas as respectivas conclusões, as quais igualmente na íntegra se reproduzem:


A) A questão material controvertida consiste em determinar se o acto tributário ora sindicado, referente a IRS do ano de 2000, padece de vício de ilegalidade por violação da legislação aplicável, nomeadamente por incumprimento dos requisitos previstos no artigo 10.º, n.º 5 e nº 6 do CIRS.
B) Conforme se depreende das alegações de recurso, a Recorrente sustenta que (i) os Recorridos não utilizavam o imóvel alienado como sendo a sua habitação própria e permanente; e (ii) o reinvestimento foi extemporâneo, uma vez que foi concretizado passados mais de 24 meses após a data de realização da mais-valias;
C) Conforme resulta, aliás, da factualidade assente nos presentes autos, e que a Recorrente não impugnou, os Recorridos cumpriam, à data dos factos relevantes, todos os requisitos estabelecidos no artigo 10.º n.º5 e n.º6 do CIRS para benefício do regime de exclusão de tributação das mais-valias, tal como expressamente reconhecido pelo Tribunal a quo na sua Douta sentença;
D) A Recorrente parece confundir os conceitos de "residência fiscal" e "habitação permanente", os quais conforme se passa a evidenciar, apesar de interligados, constituem figuras autónomas para efeitos tributários;
E) Em termos legais nada impede que uma pessoa seja residente fiscal num Estado, mas mantenha uma residência habitual/permanente noutro Estado diferente;
F) Em abono da tese propugnada pelos ora Recorridos, sempre se diga que os Acordos sobre Dupla Tributação (ADT) celebrados por Portugal prevêem, expressamente, a possibilidade de um determinado sujeito passivo ter habitação permanente em dois Estados Contratantes, ficando, assim, irremediavelmente comprometida a tese postulada pela Recorrente no presente recurso;
G) Da factualidade assente e não contestada pela Recorrente, ressalta claro que (I) os Recorrentes sempre mantiveram o imóvel habitável; (II) passaram o Natal de 1999 no referido imóvel; (III) a mulher e os filhos do Primeiro Recorrente viveram no imóvel antes de se mudarem para Espanha;
H) Para a ferir a residência importa analisar onde é que o sujeito passivo dispõe de residência, a inversa não é verdadeira, pois para aferir onde se situa a habitação permanente num dado Estado, importa aferir o destino e utilização dada ao imóvel;
I) O que acima ficou dito é tanto mais evidente, quanto os próprios serviços da Administração Tributária Já admitiram a possibilidade de um emigrante - e logo um não residente fiscal - dispor de habitação permanente em Portugal- cfr. Ofício-Circulado n.º 10782, de 26 de Maio de 1998;
J) No caso em apreço, parece inequívoco que os Recorridos satisfizeram os objectivos do legislador fiscal, estando cumpridos todos os pressupostos previstos no CIRS, uma vez que (I) o imóvel alienado em Março de 2000 era a habitação permanente dos Recorridos em Portugal até à data da sua alienação; (II} o produto da alienação foi integralmente reinvestido na aquisição de outro imóvel sito em território nacional; (III) da prova produzida, vide ponto M) do probatório, resulta que o imóvel adquirido em Outubro de 2002 se destinava à habitação; (IV) o produto da alienação foi reinvestido na C...mediante diversos pagamentos parcelares ocorridos entre 1999 e o ano de 2002 (ver alínea C) do probatário); (V) a tradição do imóvel ocorreu em Julho de 2002, em data anterior à celebração da escritura definitiva de compra e venda (ver alínea K do probatório);
K) Os Recorridos dispunham até Março de 2002 para proceder ao reinvestimento do valor de realização na aquisição de outro imóvel, o que veio a suceder conforme amplamente demonstrado nas instâncias;
L) No mesmo sentido, dispõe também o Acórdão 03734/10 de 02 de Março de 2010 deste Venerando Tribunal, que nos indica claramente que: "O contrato de promessa de compra e venda validamente celebrado constitui título jurídico suficiente para que qualquer importância entregue em seu cumprimento, ainda que a título de sinal, possa ser levada à conta de reinvestimento (...} Assim, a celebração da escritura pública pode ocorrer para além do prazo de 24 meses contados a partir da data de aquisição e terá o efeito de validar o direito à exclusão tributária";
M) A celebração da escritura pública pode ocorrer para além do prazo de 24 meses, desde que o reinvestimento tenha ocorrido nesse prazo;
N) Sobre a questão dos montantes e prazos de reinvestimento, a Recorrente não só não impugnou a matéria de facto assente em primeira instância, como nunca questionou no procedimento administrativo que os montantes reinvestidos ocorreram nos seguintes prazos e montantes (ver alíneas O, P e Q do probatório): (I) Valor reinvestido em 1999 - ­2.493,99 EUR; (II) Valor reinvestido em 2000- 54.368,97 EUR; (III) Valor reinvestido em 2001 - 75.817,28 EUR; (IV) Valor reinvestido em 2002 dentro do prazo de reinvestimento - EUR 18.954,32; Valor total reinvestido até Março 2002- EUR 151.634,56;
O) Tendo em conta que o valor de realização ascendeu a EUR 149.639,37, nenhuma dúvida restará que os Recorridos procederam ao reinvestimento do valor de realização pela totalidade e dentro do prazo de 24 meses previsto no artigo 10º do CIRS;
P) Todos os montantes reinvestidos - bem como o valor de realização e cálculo da mais-valia - resultam das declarações fiscais entregues pelos ora Recorridos, as quais recorde-se gozam de presunção legal de veracidade;
Q) Concretizando: resultando do probatório não impugnado pela Recorrente que (I) as liquidações foram efectuadas tendo por base os montantes declarados pelos Recorridos e (II) que os Recorridos efectuaram reinvestimentos no montante global de EUR 151.634,56 dentro do prazo de 24 meses, nenhuma dúvida restará que o reinvestimento da totalidade do valor de realização foi efectuado dentro do prazo legal, bem como a afectação do imóvel para habitação permanente, pois a família do Recorrido começou a habitar a C...em Julho de 2002, data em que ocorreu a tradição do imóvel;
R) A afectação do imóvel da C...à habitação permanente dos Recorridos ocorreu em data anterior ao prazo de seis meses previsto na alínea a) do n.º 6 do artigo 10.º do CIRS, o qual expiraria apenas em Setembro de 2002 (seis meses após o termo do prazo para o reinvestimento que ocorreu em Março de 2002);
S) A Recorrente vem juntar aos autos a documentação de suporte ilustrativa dos cálculos e valores subjacentes às duas liquidações oficiosas de IRS de 2000 efectuadas pelos serviços nos anos de 2004 e 2006;
T) Trata-se de uma situação claramente não abrangida pelo disposto no artigo 524.º do CPC, nem aliás, diga-se, a Fazenda Pública logrou apresentar qualquer base legal para fundamentar a admissão da junção de tal documentação aos autos na presente data, o que se invoca para os devidos efeitos legais, mormente para efeitos de desentranhamento da referida documentação;
U) Os Recorridos não podem deixar de manifestar a sua perplexidade face ao teor das alegações da Recorrente, uma vez que em 1.ª instância, e conforme aliás resulta da sentença ora recorrida, a Fazenda Pública negou que o acto tributário objecto dos presentes autos tivesse sido revogado pela Administração Tributária em virtude da emissão de uma segunda liquidação de imposto;
V) Trata-se de matéria nova e que contraria de forma expressa o que resulta das instâncias, pois o Tribunal assentou a sua decisão e convicção no facto transcrito na sentença e não Impugnado pela Recorrente em conforme "questionado o Exmo. Representante da Fazenda Pública se aquela nova liquidação tinha revogado a liquidação objecto dos presentes autos, aquele vem responder em sentido negativo”;
W) Estando pendente um processo judicial para apreciação da segunda liquidação, parece claro que o objecto dos presentes autos se resume à liquidação n.º 20045004347825, sendo de negar provimento às alegações de recurso da Recorrente nos pontos XX, XXI e XXII das respectivas alegações;
X) Tendo o Tribunal a quo dado provimento aos vícios de violação de lei, o que obstou nos termos do artigo 124° do CPPT ao conhecimento dos vícios formais assacados ao acto recorrido, sendo o objecto do presente recurso delimitado pelo pedido formulado em primeira instância e pelas alegações e conclusões do recurso deduzido pela Recorrente, requer-se a este Venerando Tribunal expressa pronúncia sobre os referidos vícios, só assim se assegurando a plena tutela dos interesses legalmente protegidos dos ora Recorridos;
Y) Tudo resumido, deve o presente recurso ser julgado manifestamente improcedente, confirmando-­se a sentença proferida em 1.ª instância e ordenando-se a anulação da liquidação de IRS do ano de 2000 ora sindicada, tudo com as devidas consequências legais.

Nestes termos, e nos melhores de Direito que os mui Ilustres Juizes DESEMBARGADORES deste Venerando Tribunal assim o julgarem no seu MUI douto juízo, deve o recurso interposto pela Recorrente ser julgado totalmente improcedente, requerendo-se a este Venerando Tribunal que confirme a sentença recorrida, determinando a consequente anulação do acto tributário ora sindicado, melhor identificado nos presentes autos, referente a IRS do ano de 2000 por vício de violação de lei.
Assim fazendo, VOSSAS EXCELÊNCIAS, a costumada Justiça!


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser concedido provimento ao recurso, ainda que, certamente por lapso, parece ter entendido que o recurso era dos impugnantes, quando o mesmo é da Fazenda Pública, com o fundamento em que os ora recorridos, em 2000, não tinham residência permanente em Portugal, mas sim Madrid, não podendo por isso beneficiar do direito à exclusão da tributação em IRS, no ano de 2000.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se não deve ser admitida a junção aos autos dos documentos apresentados pela recorrente com as suas alegações recursivas; E se os presentes autos, em ordem a dirimir o objecto mediato desta impugnação, padecem de défice instrutório, causa de anulação da sentença recorrida, mesmo oficiosamente, não sendo de conhecer de quaisquer outras questões por prejudicadas, ao responder-se afirmativamente.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
a) No ano 1999 o primeiro impugnante passou a desempenhar funções em Madrid, e a segunda impugnante mudou-se para aquela cidade com os filhos de ambos em Agosto/Setembro daquele ano (cfr. depoimento da 1. e 3. testemunha);
b) A 05/08/1999 os impugnantes e a sociedade D..., Lda., consignaram por escrito as seguintes declarações negociais (cfr. cópia de documento de fls. 18 a 25, mais concretamente a fls. 19 do PAT): os segundos declararam prometer vender aos primeiros, e os primeiros declararam prometer comprar aos segundos “fracção autónoma que vier a corresponder à habitação tipo T4 A, apartamento n.º 140, correspondente ao 3° andar esquerdo do Edifício O, com 3 lugares de estacionamento, com os números 250, 251 e 252 na Cave -1 (...)”;
c) No documento melhor identificado na alínea anterior, declararam os signatários, no artigo terceiro (cfr. cópia de documento de fls. 18 a 25, mais concretamente a fls. 19 do PAT): "O preço da prometida compra e venda é de PTE: 64.600.000$00 (sessenta e quatro milhões e seiscentos mil escudos) e será pago de forma seguinte:
a) PTE: 500.000$00 (quinhentos mil escudos), como sinal e princípio de pagamento, na data da assinatura do presente contrato promessa, quantia que a promitente vendedora já recebeu e de que dá quitação;
b) PTE: 7.100.000$00 (sete milhões e cem mil escudos), como primeiro reforço do sinal e do pagamento, no prazo de 30 (trinta) dias a contar da emissão da Licença de Construção, a qual se prevê venha a ser emitida dentro de um prazo de seis a nove meses a contar da data de emissão da licença de escavação;
c) PTE: 3.800.000$00 (três milhões e oitocentos mil escudos), como segundo reforço do sinal e do pagamento, 90 (noventa) dias após o termo do prazo de pagamento referido na alínea anterior;
d) PTE: 3.800.000$00 (três milhões e oitocentos mil escudos), como terceiro reforço do sinal e do pagamento, 90 (noventa) dias após o termo do prazo de pagamento referido na alínea anterior;
e) PTE: 3.800.000$00 (três milhões e oitocentos mil escudos), como quarto reforço do sinal e do pagamento, 90 (noventa) dias após o termo do prazo de pagamento referido na alínea anterior;
f) PTE: 3.800.000$00 (três milhões e oitocentos mil escudos), como quinto reforço do sinal e do pagamento, 90 (noventa) dias após o termo do prazo de pagamento referido na alínea anterior;
g) PTE: 3.800.000$00 (três milhões e oitocentos mil escudos), como sexto reforço do sinal e do pagamento, 90 (noventa) dias após o termo do prazo de pagamento referido na alínea anterior.
h) PTE: 3.800.000$00 (três milhões e oitocentos mil escudos), como sétimo reforço do sinal e do pagamento, 90 (noventa) dias após o termo do prazo de pagamento referido na alínea anterior;
h) O remanescente do preço, no montante de PTE: 34.200.000 (trinta e quatro milhões e duzentos mil escudos), na data da outorga da escritura pública de compra e venda da fracçao autónoma objecto do presente contrato, sendo que apenas com este último pagamento se verificará e operará a tradição de pleno direito, para o promitente comprador, da fracção autónoma prometida comprar e vender."
d) Declararam ainda as partes melhor identificadas na alínea b), no documento também melhor identificado nessa alínea, no artigo sétimo (cfr. cópia de documento de fls. 18 a 25, mais concretamente a fls. 22 do PAT):
"1. A fracção objecto do presente contrato poderá ser entregue ao promitente comprador, após acordo expresso da promitente vendedora, por escrito, antes da outorga da escritura referida na cláusula anterior e desde que se mostre pago pelo promitente comprador pelo menos 95% (noventa e cinco por cento) do preço global referido no artigo Terceiro.
(...)
e) No ano 1999 os impugnantes vieram passar o Natal a Portugal, ficando instalados no imóvel sito na Rua Professor ..., n° 12 (conforme resulta do depoimento da primeira testemunha);
f) O impugnante A... entre 26/04/2000 e 06/05/2003 teve representante fiscal em Portugal (cfr. cópia de fls 39 do PAT);
g) A 30/03/2000, compareceram perante a ajudante principal do vigésimo cartório Notarial de Lisboa, em substituição da notária, E..., em representação e na qualidade de procurador dos impugnantes, e, F..., em representação e na qualidade de procuradora de G..., e, H..., tendo outorgado escritura pública, na qual pelo primeiro outorgante em nome dos seus representados foi dito: "que pela presente escritura vende ao representado da segunda outorgante I..., pelo preço total de trinta milhões de escudos, os seguintes bens imóveis:
a) Pelo preço de vinte e nove milhões de escudos, a fracção autónoma designada pelas letras “EP" que constitui o quinto andar A, para habitação;
b) Pelo preço de duzentos mil escudos, a fracção autónoma designada pelas letras “DD”, que constitui a arrecadação número vinte e três, na segunda cave;
c) Pelo preço de oitocentos mil escudos, a fracção autónoma designada pelas letras “AT", que constitui o estacionamento número quarenta e dois na segunda cave.
Todas estas fracções fazem parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua Professor ..., número doze e catorze e Avenida ..., números vinte e dois a vinte e dois E e vinte e quatro a vinte e quatro E, freguesia do Lumiar, concelho de Lisboa, descrito na Sétima Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número oitocentos e oitenta e oito, da indicada freguesia" ( . . .)
Pela segunda outorgante em nome do seu representado foi dito:
Que aceita as presentes vendas nos termos exarados, destinando ele a fracção "EP”, a habitação própria permanente. (cfr. cópia de escritura pública, a fls. 12 do PAT);
h) A 05/04/2001 foi entregue no Serviço de Finanças Lisboa 2, declaração modelo 3 de IRS, referentes aos rendimentos auferidos pelos impugnantes no ano 2000, na qual declararam os impugnantes, através do preenchimento do campo 6, quadrícula 4, serem residentes no estrangeiro, no ano a que respeitam os rendimentos declarados através dessa declaração (cfr. cópia certificada de declaração modelo 3, de fls. 10 a 11 verso, do PAT);
i) A declaração melhor identificada na alínea anterior, foi acompanhada dos seguintes anexos: anexo F (cfr. cópia certificada de declaração modelo 3, a fls. 10 a 11 verso, concretamente pela inscrição do número 1 na linha 7 do campo 9);
j) No ano de 2001, a segunda impugnante regressa a viver em Portugal, com os filhos do casal, instalando-se numa casa arrendada (cfr. depoimento da primeira testemunha);
k) Em Julho de 2002 a segunda impugnante, e os filhos do casal, mudam-se para o imóvel sito na C...(conforme documentos de fls. 53, 62, 66, 69 e 70, 123 dos autos, que mostram os consumos de água, electricidade, gás e telefone consumidos naquela morada, a partir do mês de Julho);
I) A 14/10/2002, no oitavo cartório notarial de Lisboa, perante o respectivo notário compareceram como outorgantes, a procuradora da sociedade D..., S.A., como primeiro outorgante, e os ora impugnantes, como segundos outorgantes, tendo declarado o primeiro outorgante que "vende à segunda outorgante a fracção autónoma designada pelas letras "FA", que corresponde ao terceiro andar esquerdo, apartamento cento e quarenta, bloco O, destinado a
habitação" (cfr. cópia da escritura pública a fls. 123 a 127 do PAT);
m) A 19/11/2004 deu entrada no Serviço de Finanças Lisboa 2, declaração de substituição, Modelo 3 de IRS relativa ao ano 2000, sendo entregues junto com a declaração os anexos F e G (conforme fls. 26 do PAT, aposição do carimbo de entrada, e preenchimento da linha 7 e 8 do campo 9);
n) No anexo G constam no campo "alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (...)" o bem identificado com o número 1783/110618, sendo declarada a data de realização o dia 30/03/2000, pelo valor de €149.639,37, e a aquisição a 20/01/1995, pelo valor de €9.807,66. No campo "reinvestimento do valor de realização de imóvel destinado à habitação", na linha referente a "valor reinvestido no ano a que respeita a declaração", encontra-se inscrito o valor €54.368,97". O campo "valor de realização que pretende reinvestir" linhas 18 e 23, não se encontra preenchido (cfr. cópia de anexo G, de fls. 27 do PAT)
o) A 19/11/2004 deu entrada no serviço de Finanças Lisboa 2, declaração de substituição, Modelo 3 de IRS relativa ao ano 2001, sendo entregues junto com a declaração os anexos F e G (conforme fls. 28, aposição do carimbo de entrada, e preenchimento da linha 7 e 8 do campo 9);
p) No anexo G consta no campo “Reinvestimento do valor de realização de imóvel destinado a habitação própria e permanente” o seguinte (cfr. cópia de declaração de fls.29 do PAT):
Ano de alienação: 2000
Valor reinvestido nos 12 meses anteriores: 2.493,99 Valor reinvestido no ano de alienação: 54.368.97
Valor reinvestido no primeiro ano seguinte: 75.817,28”;
q) A 19/1112004 deu entrada no Serviço de Finanças Lisboa 2, declaração de substituição Modelo 3 de IRS relativa ao ano 2002, sendo entregues junto com a declaração os anexos A, E, F, G,,H e J. No anexo G consta:
Ano de alienação: 2000
Valor reinvestido nos 12 meses anteriores: 2.493,99
Valor reinvestido no ano de alienação: 54.368,97
Valor reinvestido no primeiro ano seguinte: 75.817,28
Valor reinvestido no segundo ano seguinte, dentro dos 24 meses: 18.954,32”;
(conforme fls. 30 e 31, aposição do carimbo de entrada, e preenchimento da linha 7 e 8 do campo 9, fls. 30, e preenchimento do quadro 5 a fls 31, do PAT);
r) Em 15/12/2004 foi liquidado o IRS referente ao ano de 2000, através da liquidação nº. 20045004347351, considerando um rendimento global de €3.638,37, originando um valor de reembolso de 342,70 cêntimos (cfr. cópia da demonstração da
liquidação a fls. 34 do PAT);
s) A 18/12/2004 foi liquidado o IRS referente ao ano 2000, através da liquidação n° 20045004347825, considerando um rendimento global de €23.073,53, originado um valor a pagar de €4.253,65, correspondendo a um valor de imposto apurado de €3697,26, acrescido de €556,39, o qual deu origem a demonstração de liquidação, identificada com o número da compensação 200400013210799 (cfr. cópia de fls. 34 a 36 do PAT).
t) A 01/04/2005 deu entrada no Serviço de Finanças Lisboa 7, Reclamação Graciosa dos ora impugnantes, contra a nota de liquidação de IRS 20045004347825, referente ao ano de 2000 com os seguintes fundamentos: Falta de fundamentação, preterição do princípio da igualdade tributária (cfr. carimbo aposto na reclamação graciosa, constante do PAT, a fls. 2);
u) A 16/09/2005 foi proferida informação/proposta de decisão pelos serviços de Finanças Lisboa 7, propondo o indeferimento da reclamação graciosa dos impugnantes, com os seguintes fundamentos (cfr. informação a fls. 49 a 50 do PAT):
Concluindo: "Nesta conformidade, sou de parecer que deverá ser proferida decisão de indeferir o pedido, visto que o imóvel alienado não constituía a habitação do ora reclamante, para além de não ter afecto à sua habitação própria no prazo de 6 meses o imóvel adquirido, não estando pois reunidas as condições para ser considerada a exclusão de tributação em sede de IRS; bem como deverá ser anulado o valor de reinvestimento considerado na liquidação do exercício de 2000 (€54.368,97)".
v) A 19/09/2005 foi proferido parecer no sentido da ser indeferida a Reclamação Graciosa, concluindo (cfr. parecer de fls. 48 do PAT): “Ora, não sendo o contribuinte, à data, residente no território nacional, como refere na petição, sou de parecer que a mesma não merece deferimento"
w) A 20/09/2005 foi proferido despacho pelo Chefe do Serviço de Finanças Lisboa 7, corroborando os fundamentos expressos na informação a que se refere a alínea u) do probatório, e no parecer constante do probatório na alínea anterior, lendo-se “com base nos mesmos é de indeferir o pedido. Notifique-se para efeitos de audição prévia, o presente projecto de indeferimento", o que foi feito através do envio do ofício n° 8180 de 23/09/2005 enviado por carta registada com A/R, que se mostra assinado no dia 27/09/2005 (cfr. despacho de fls. 48 do PAT, ofício n° 8180 de fls. 51 do PAT, e, talão de aceitação dos CTT e A/R, a fls. 52 e 53 do PAT);
x) A 06/10/2005, os impugnantes exerceram o seu direito de audição prévia, tendo igualmente juntando documentos (cfr. documento de fls. 54 a 86 do PAT);
y) Através do ofício n.º 8619 de 12/10/2005 foram os impugnantes notificados para apresentarem no serviço de Finanças Lisboa 7 os contratos de instalação de electricidade e gás, bem como escritura de compra de imóvel adquirido em 2002, o que os impugnantes fizeram (cfr. ofício de fls. 87, e, resposta ao requerido a fls. 89 a 127 do PAT);
z) Em 27/12/2005 foi proferida informação sucinta, através da qual se conclui pelo indeferimento da reclamação graciosa (cfr. informação sucinta a fls. 129 do PAT);
aa) A 27/12/2005 foi proferido despacho pelo chefe de serviço de finanças Lisboa 7, onde se lê: “Pelos fundamentos expressos na presente informação, os quais confirmo, converto em definitivo o projecto de indeferimento de 20/09/2005, a fls. 48”, (cfr. despacho de fls. 128 do PAT);
bb) Em 10de Maio de 2005, foi prestada garantia, nos termos do artigo 199º do CPPT, e para os efeitos do artigo 169° do mesmo diploma, para suster o processo executivo decorrente da dívida a que se referem os presentes autos, pelo prazo de um ano, com validade até 10/05/2006 (cfr. documento a fls. 390 e 391 do PAT).
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Os factos provados assentam na análise crítica dos documentos insertos no presente processo de impugnação, e no PAT, que não foram impugnados, bem como nos depoimentos das testemunhas, que se mostraram credíveis.
Foi nomeadamente relevante o depoimento da 1ª testemunha, em virtude do conhecimento directo e próximo que demonstrou ter dos factos, em face da relação familiar entre
si e os impugnantes. A sua credibilidade não ficou abalada em virtude desta relação familiar, uma vez que a testemunha recusou responder, quando considerou não poder afirmar determinados factos.
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Inexistem factos não provados com interesse para a boa decisão da causa.

A que, nos termos da alínea a) do n.º1 do art.º 712.º do Código de Processo Civil (CPC), se acrescentam ao probatório mais as seguintes alíneas, em ordem a dele constar a matéria relativa à liquidação posterior, do mesmo ano, conforme prova documental já constante dos autos, a fim de a poder relacionar com a liquidação reclamada:
cc) Pelo requerimento de fls 230 e segs dos autos, vieram os ora recorridos formular o pedido de “ampliação do pedido” da presente impugnação, invocando a existência, entretanto, de nova liquidação, de que foram notificados em 4-5-2006 – cfr. art.º 3.º desse requerimento - pedindo a final, “a ampliação do pedido formulado na presente impugnação judicial, por forma a que esta abranja igualmente a apreciação jurisdicional da validade da liquidação n.º 20054004474981...” (deve tratar-se de lapso de escrita este número de liquidação, já que os mesmos jamais o haviam invocado até então, bem como a liquidação que foi junta a fls 239 dos autos, antes refere como n.º de liquidação o 2006 5000000141, de 2006-01-06, que depois veio a ser a indicada na posterior impugnação judicial deduzida);
dd) Sobre o pedido formulado neste requerimento não foi proferida qualquer decisão – cfr. fls 242 e segs dos autos;
ff) Pelo requerimento de fls 279 e segs vieram os ora recorridos pedir a apensação a estes autos da impugnação judicial n.º 2221/06.3BELSB, que declaram haver deduzido em 1-9-2006, no mesmo Tribunal, relativa à liquidação de IRS do ano de 2000, com o n.º 20065000000141;
gg) Por despacho de 18-3-2009, a M. Juiz do Tribunal “a quo” proferiu o despacho de fls 292/293, em que decidiu indeferir a requerida apensação, não se mostrando nos autos que os ora recorridos tenham reagido contra tal despacho de indeferimento.


4. Para julgar procedente a impugnação judicial deduzida considerou a M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que relevante na presente impugnação judicial era a decisão proferida na reclamação graciosa deduzida com a consequente manutenção ou anulação dessa liquidação reclamada, sendo irrelevante nesta a posterior liquidação que teve lugar em virtude da respectiva necessidade de a efectuar, mas de cujo procedimento estes autos não contém prova, sendo que a liquidação reclamada foi efectuada tendo por base a declaração de substituição entregue pelos ora recorridos, onde a título de valores reinvestidos nada declararam, sendo devida tal liquidação, mas que na reclamação graciosa deveria a AT ter atendido aos valores entretanto declarados pelos mesmos a título de pagamento do preço do novo imóvel e que deles teve conhecimento (reinvestimentos), não podendo a AT indeferir tal reclamação com base em fundamentos não alegados pelos mesmos e que não haviam sido tomados em conta no acto de liquidação, como sejam as respectivas entregas para aquisição da nova habitação, já declaradas nas posteriores declarações de substituição, pelo que a decisão proferida na reclamação não se podia manter, tendo como consequência, a anulação da correspondente liquidação.

Para a recorrente Fazenda Pública, de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, é contra parte desta fundamentação que vem a esgrimir argumentos tendentes a este Tribunal exercer um juízo de censura sobre o decidido em ordem à sua revogação (ainda que, a final, tenha pedido a respectiva anulação, contudo, nenhum fundamento invocou que a tal pudesse conduzir), que tal liquidação reclamada teve por base a declaração dos ora recorridos entregue em 2004, que a reclamação apenas indeferiu o pedido do reclamante quanto aos pagamentos pretendidos como valor reinvestido, não indo além do pedido, sendo que a mesma foi substituída por uma liquidação oficiosa (a n.º 5330000141), que a AT não poderia, na decisão proferida nessa reclamação, atender aos valores reinvestidos por os ora recorridos não preencherem os requisitos legais para o efeito, que a AT pode corrigir as declarações dos contribuintes se não estiverem de acordo com a realidade, podendo haver a ampliação do pedido nos termos do art.º 273.º, n.º2 do CPC e que da mais-valia apurada resultou a liquidação reclamada, mas sem a consideração dos reinvestimentos, mais tarde declarados.

4.1. A primeira questão a conhecer no presente recurso, consiste em saber da requerida junção aos autos nesta fase processual, dos documentos remetidos conjuntamente com as suas alegações do recurso da recorrente (doc. de fls 433 a 441 dos autos), constituídos pelas cópias dos prints informáticos extraídas dos ficheiros da AT, contendo, designadamente as datas das declarações de substituição entregues pelos ora recorridos, a demonstração da liquidação impugnada e da ora vigente e dos valores de reinvestimento considerados em cada uma delas, certamente também para permitir aquilatar que a liquidação reclamada com o n.º 2004 5004347825, já se não encontra erecta por ter sido substituída pela n.º 5330000141, como alega - cfr. matéria das suas conclusões VI e XXII - em ordem à prova dos factos atinentes, onde a M. Juiz do Tribunal “a quo”, relativamente a esta eventual liquidação, nenhuma instrução levou a efeito, nada tendo sobre ela se pronunciado.

Nos termos do disposto no art.º 706.º do Código de Processo Civil, as partes podem juntar documentos às alegações, nos casos excepcionais a que se refere o art.º 524.º ou no caso de a junção apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
2 - Os documentos supervenientes podem ser juntos até se iniciarem os vistos aos juízes; até esse momento podem ser também juntos os pareceres de advogados, professores ou técnicos.

Temos assim, que o momento processual próprio para as partes juntarem aos autos os documentos destinados a fazerem a prova dos fundamentos da acção ou da defesa, é aquele em que se aleguem os factos correspondentes, podendo contudo ainda sê-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância - n.ºs 1 e 2 do art.º 523.º do mesmo CPC.
E depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.

No caso, ainda que parte desses documentos pareçam ser de data anterior à da contestação da Fazenda Pública (21-3-2006, fls 196 destes autos), tendo podido ser juntos com tal contestação, contudo, atento o seu carácter explicativo e sobretudo tendo em conta os princípios vigentes no direito processual tributário, designadamente o do inquisitório – cfr. art.ºs 99.º da LGT e 13.º do CPPT – a sua junção revela-se necessária em ordem a melhor apreender a realidade das sucessivas entregas de declarações de substituição pelos ora recorridos e respectivas liquidações que ao longo do tempo se foram sucedendo, cuja junção poderia ter sido ordenada pela M. Juiz do tribunal “a quo”, e, de certa forma, foi com o entendimento restritivo adoptado na sentença recorrida que verdadeiramente se colocou a questão de saber, se tal liquidação reclamada se encontra ou não erecta, pelo que a sua junção também encontra algum arrimo ao abrigo do citado art.º 706.º n.º1 do mesmo CPC, a qual assim deve ser deferida.


É, assim, de deferir a junção aos autos dos documentos de fls 433 a 441, por se afigurarem como úteis para melhor apreender a real situação dos ora recorridos no âmbito da sua pretendida exclusão de tributação em IRS, quanto aos valores reinvestidos das mais-valias obtidas no ano de 2000, sendo contudo de condenar a recorrente em multa nos termos do n.º2 do art.º 523.º, face a tal junção tardia e não justificada, a qual se fixa em uma UC.


4.2. Nos presentes autos, os ora recorridos reclamaram graciosamente da liquidação de IRS, relativa a 2000 (liquidação n.º 2004 5004347825), cuja anulação peticionaram, como do respectivo pedido, a final formulado, se pode colher, tendo a mesma sido indeferida pelo despacho de 20-9-2005, do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 7 – cfr. alínea w) do probatório fixado na sentença recorrida – e de cujo despacho de indeferimento deduziram a presente impugnação judicial.

O procedimento de reclamação graciosa, tal como o processo judicial de impugnação, têm idêntico objecto e podem ser deduzidos por iguais fundamentos – cfr. art.ºs 68.º, 70.º, 99.º e segs do CPPT – cabendo, do indeferimento daquele, além do recurso hierárquico facultativo, também a impugnação judicial – cfr. art.ºs 67.º, 76.º, 97.º, n.º1, alínea c) e 102.º, n.º2, todos do CPPT – sendo que nos casos em que a impugnação judicial tem por objecto imediato tal despacho de indeferimento, a liquidação reclamada, constitui o seu objecto mediato, desta forma, ambos constituem o objecto de tal impugnação, pelo que do despacho de indeferimento da reclamação graciosa que apenas tenha conhecido de uma excepção e que a julgue procedente ou de um único vício, mas que o tribunal anule tal decisão em sede de impugnação judicial, não se segue, sem mais ou de forma automática, que também tal liquidação seja de anular, antes cabendo ao tribunal conhecer dos restantes vícios directamente imputados a tal acto de liquidação, como constitui jurisprudência e doutrina correntes(1).

Por outro lado, se a liquidação reclamada for anulada, deixando de existir erecta na ordem jurídica, o objecto pretendido atingir pela mesma já se satisfez, tendo os reclamantes já atingido aquilo que pela mesma visavam atingir, levando como que a uma extinção dessa instância procedimental e bem assim da subsequente impugnação judicial contra a mesma também dirigida. Mas se tal liquidação reclamada apenas foi absorvida, integrando-se numa outra posterior, constituindo com o seu rendimento colectável uma nova liquidação com os mesmos fundamentos, então poderá existir uma situação de litispendência parcial entre as impugnações deduzidas contra ambas as liquidações, ou eventualmente, caso julgado – cfr. art.ºs 497.º e 498.º do CPC – devendo limitar-se a impugnação deduzida contra a primeira liquidação a conhecer dos vícios ou erros assacados a essa 1.ª liquidação e que a 2.ª impugnação deve respeitar, por força do caso julgado, depois de ocorrer, desta forma se evitando que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior, que é o que as citadas excepções visam evitar.

Volvendo ao caso dos autos, tendo em conta a restrição que a M. Juiz do Tribunal “a quo” entendeu dever fazer na apreciação da presente impugnação judicial, que nos termos supra não é de sufragar, e ao objecto possível desta nos termos acima delineados, do probatório da sentença recorrida nenhuma factualidade vimos relativamente à relação entre as duas liquidações, pelo menos (já que os recorridos ainda referem uma diferente numeração de liquidação, que teria ocorrido, podendo ou não ser lapso tal identificação – cfr. art.º 3.º do requerimento de fls 230 dos autos – bem como a recorrente invoca um número de liquidação que também não coincide com nenhum daqueles dois outros, o n.º 5330000141, para além de reclamação graciosa haver também sido junto um invólucro-mensagem relativa a uma liquidação n.º 2004 5004347351, de 2004-12-15, relativa, igualmente, ao ano de 20000 – cfr. fls 34 da mesma reclamação), e nem da prova documental constante dos autos, nem mesmo a ora junta, com as alegações da recorrente, cabalmente dilucidam tal questão, nem constam dos autos informação sobre o atendimento ou não pela AT, das sucessivas declarações de substituição entregues, pelo que os autos padecem de défice instrutório, causa da sua anulação, mesmo oficiosa, nos termos do n.º4 do art.º 712.º do CPC, levando à anulação da sentença recorrida e à baixa dos autos ao Tribunal “a quo”, para serem instruídos nos termos supra, de molde a conseguir-se apreender da anulação ou não da liquidação reclamada, da sua absorção ou não na outra ou outras liquidações posteriores, ou se as posteriores têm a natureza de liquidações adicionais, em que todas elas concorrem para a dimensão quantitativa total do imposto devido, bem como os respectivos fundamentos, tendo em vista alcançar-se a solução do pleito na presente impugnação judicial.

É que também, estes autos de impugnação judicial, não se mostram instruídos pelo órgão periférico local com as informações pertinentes quanto à liquidação impugnada e demais elementos em ordem à respectiva apreciação judicial, nos termos do art.º 111.º do CPPT (redacção da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho) e nem a reclamação graciosa tem elementos que permitam suprir tal falta, havendo por isso carência de elementos fácticos essenciais em ordem à aplicação do direito devido, segundo as soluções plausíveis da questão de direito em causa.


É assim, de anular oficiosamente a sentença recorrida por défice instrutório e de ordenar a baixa dos autos ao Tribunal “a quo” para a sua instrução e posterior decisão em conformidade.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em anular oficiosamente a sentença recorrida e em ordenar a baixa dos autos ao Tribunal “a quo” para instrução e prolação de nova decisão em conformidade.


Recurso sem custas, apenas sendo devida pela recorrente a multa de uma UC, pela junção tardia e injustificada dos documentos.


Lisboa,16/04/2013

EUGÉNIO SEQUEIRA
ANÍBAL FERRAZ
PEDRO VERGUEIRO


1- Cfr. neste sentido, entre muitos outros, os acórdãos do STA de 12-10-2011 e de 16-11-2011, recursos n.ºs 463/11 e 723/11, respectivamente.