Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11589/14
Secção:CA - 2º. JUÍZO
Data do Acordão:11/06/2014
Relator:CATARINA JARMELA
Descritores:OPOSIÇÃO À AQUISIÇÃO DA NACIONALIDADE PORTUGUESA – CONDENAÇÃO PENAL – ART. 9º, AL. B), DA LEI DA NACIONALIDADE
Sumário:I - Nos termos do art. 9º, al. b), da Lei da Nacionalidade, constitui fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa a condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo legal igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa.
II - O crime de dano qualificado, previsto no art. 213º n.º 1, al. c), do Cód. Penal, é punível, em alternativa, “(…) com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias”.
III - Tendo o requerente sido condenado, com trânsito em julgado, por um crime de dano qualificado punível com pena de multa nos termos do citado art. 213º n.º 1, al. c), do Cód. Penal, e a medida concreta dessa pena sido fixada em 150 dias de multa, não se verifica o fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa previsto no referido art. 9º, al. b), da Lei da Nacionalidade.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:O Ministério Público intentou no TAC de Lisboa, nos termos do art. 9º, al. b), e ss., da Lei 37/81, de 3 de Outubro (Lei da Nacionalidade), na redacção da Lei 2/2006, de 17/4, e do art. 56º n.º 2, al. b), do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo DL 237-A/2006, de 14/12, acção, com processo especial, de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa contra J……, casado, de nacionalidade cabo-verdiana, no qual peticionou que se ordenasse o arquivamento do processo conducente ao registo de aquisição da nacionalidade portuguesa pelo réu, pendente na Conservatória dos Registos Centrais, por o mesmo ter sido condenado por crime punível com pena de prisão de máximo superior a três anos de prisão pela lei portuguesa.

Por decisão de 13 de Maio de 2014 do referido tribunal foi julgada procedente a presente oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa e, em consequência, ordenado o arquivamento do processo conducente ao registo, pendente na Conservatória dos Registos Centrais.

Inconformado, o réu interpôs recurso jurisdicional para este TCA Sul, tendo na alegação apresentada formulado as seguintes conclusões:

”.

O recorrido contra-alegou pugnando pela manutenção do decidido, nos termos constantes de fls. 157 a 178, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão recorrida enferma de erro ao ter julgado procedente a presente acção (cfr. alegações de recurso e respectivas conclusões, supra transcritas).



II - FUNDAMENTAÇÃO
Na sentença recorrida foram dados como assentes os seguintes factos:
1 – O requerido J….., de nacionalidade cabo-verdiana, nasceu a 23.02.1982, na Praia, República de Cabo Verde, é filho de progenitores de nacionalidade cabo-verdiana (cfr. docº. de fls. 11 e 11-verso dos autos).
2 – O requerido contraiu casamento, em 14.08.2009, com a cidadã portuguesa M…… (cfr. docº. de fls. 12 dos autos).
3 – O requerido em 09.11.2012, na Conservatória dos Registos Centrais, prestou declaração para aquisição da nacionalidade portuguesa, ao abrigo do artº. 3º/Lei 37/81, com fundamento no celebrado casamento, na sequência do que foi instaurado processo na Conservatória dos Registos Centrais (cfr. docºs. de fls. 7 e segs. dos autos).
4 - Mediante sentença proferida pelo 4º Juízo Criminal da Comarca de Lisboa, o requerido foi condenado pela prática de um crime de dano qualificado, p. e p. no artº. 213º/1/c)/Código Penal (cfr. docº. de fls. 85 a 88 dos autos, e admissão por acordo).

Nos termos do art. 662º n.º 1, do CPC de 2013, ex vi art. 140º, do CPTA, procede-se à alteração da factualidade dada como provada nos seguintes termos:
- O facto 1 é substituído pelo seguinte facto:
1 - O requerido J……, de nacionalidade cabo-verdiana, nasceu a 23.12.1982, em Nossa Senhora da Graça, Praia, República de Cabo Verde, e é filho de M…… e de A…… (cfr. fls. 11).
- O facto 2 é substituído pelo seguinte facto:
2 - O requerido contraiu casamento, em 14.8.2009, na Conservatória do Registo Civil da Amadora, com a cidadã portuguesa M……, tendo o nubente adoptado o apelido D…. e a nubente o apelido do R……, passando o nome do nubente, após o casamento, a J…… e o da nubente a M……. (cfr. fls. 12, 34 e 35).
- O facto 4 é substituído pelo seguinte facto:
4 - O requerido foi condenado pela prática, como autor material, de um crime de dano qualificado, previsto e punido pelo art. 213º n.º 1, al. c), do Cód. Penal, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de € 6 (seis euros), num total de € 900 (novecentos euros), nos termos e pelos fundamentos exarados na sentença de 8 de Janeiro de 2009, do 4º Juízo Criminal da Comarca de Lisboa – proferida no proc. n.º 250/06.6 PBAMD -, transitada em julgado em 26 de Junho de 2009, a qual consta de fls. 85 a 87, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, onde se escreveu nomeadamente o seguinte:

I. RELATÓRIO
Sob a forma de processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, procedeu-se ao julgamento de
J……., casado, estudante,
nascido a 23.12.1982 em Cabo Verde, filho de A…… e de M……, com última morada
conhecida na
R. ……, n.º .., .., C…..,
(…)
Pelos factos constantes da acusação pública deduziu a C……. contra o arguido pedido de indemnização civil, peticionando a condenação deste no pagamento, a seu favor, de uma indemnização no valor de €545, acrescida de juros legais contados desde a notificação e até efectivo e integral pagamento (cfr. fls. 82ss).
(…)
II. DA "DESISTÊNCIA DO PEDIDO"
Como se referiu, a fls. 119 veio o demandante cível desistir do pedido por já ter sido extrajudicialmente indemnizado pelo demandado.
(…)
Assim, ao abrigo do disposto no art. 287.º/al. e) CPC, julgo extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.
(…)
III. FUNDAMENTAÇÃO
1. De Facto
1.1. Factos provados
a) No dia 19.02.2006, pelas 0H30, na gare de comboios da Estação ….., o arguido dirigiu­ se a um expositor informativo dos horários dos comboios e atirou-o ao chão, destruindo-o, causando um prejuízo de €525;
b) O arguido, ao atirar voluntariamente ao chão o referido expositor, pretendeu causar-lhe estragos, apesar
de saber que tal bem lhe não pertencia e que o fazia sem a autorização e contra a vontade da sua
legítima dona, ciente de que com o seu acto danificava património alheio;

c) O arguido agiu voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei;
d) O arguido foi julgado e condenado, por factos praticados em 30.09.2002, por sentença datada de 30.09.2002 e transitada em julgado em 15.10.2002, como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292.º/1 CP, e de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3.º DL 2/98, de 03/01, na pena única de 190 dias de multa à taxa diária de €5, num total de € 950 (Proc. Sumário n.º 498/02.2PGAMD a correr termos pela 3.ª secção do 2.º juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa).
(…)
1.3. Motivação
(…)
A….. era o vigilante que se encontrava de serviço na estação da ….. no dia em causa, e de modo objectivo e imparcial, e como tal tido pelo tribunal como merecedor de credibilidade, declarou recordar-se ver um africano a subir os degraus da estação da .., alcoolizado, e a empurrar uma palmeira de vidro, contendo os horários dos comboios e outras informações da .., partindo-a. (…)

2. Do Direito
2.1. Enquadramento jurídico-penal: do crime de dano qualificado p. e p. pelo art. 213.º/1/al. c) CP
À data da prática dos factos, prescrevia o art. 213.º/1/al. c) CP que "Quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa destinada ao uso e utilidade públicos, é punido com prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias."
(…)
Ora, ficou provado que no dia, 19.02.2006, pelas 0H30, na gare de comboios da Estação da …….,
o arguido dirigiu-se a um expositor informativo dos horários dos comboios e atirou-o ao chão, destruindo-o,
causando um prejuízo de €525, e que ao agir da forma descrita pretendeu causar estragos no referido expositor,
apesar de saber que tal bem lhe não pertencia e que o fazia sem a autorização e contra a vontade da sua legítima dona, ciente de que com o seu acto danificava património alheio, de utilidade do público em geral.

A conduta do arguido subsume-se, pois, à p. e p. pelo tipo constante do art. 213.º/1/al. c) CP.
(…)
Não se verificando neste caso qualquer causa de justificação ou de exculpação - antes se tendo provado que
o arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por
lei - conclui-se que a conduta do arguido é típica, ilícita e culposa, pelo que dúvidas não restam de que praticou o crime de dano de que vem acusado.


2.2. Da medida da pena
Estabelecida a responsabilidade criminal do arguido, há que cuidar da resposta punitiva adequada.
Dispõe o art. 40.º/1 e 2 CP que a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente, não podendo a pena, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa - a culpa é pois o pressuposto e limite da pena, mas não a sua medida.
No que respeita à escolha da pena rege o artigo 70.º CP, que confere prevalência às penas não privativas de liberdade quando em alternativa com penas privativas, se aquelas realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (essencialmente, a prevenção dos comportamentos danosos dos bens jurídicos).
O crime de dano p. pelo art. 213.º/1/al. c) CP é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.
No caso concreto, e pese embora ao arguido sejam conhecidos antecedentes criminais, o certo é que os mesmos se inserem no âmbito de uma criminalidade que tutela bens jurídicos distintos daqueles que são protegidos pela incriminação em análise, pelo que se afigura ao tribunal que as exigências de prevenção que in casu se fazem sentir ficarão salvaguardadas pela aplicação de uma pena não detentiva da liberdade.

(…)” (cfr. fls. 78 e 84, no que respeita à data em que a sentença em causa transitou em julgado).
- São aditados os seguintes factos:
5 - A pena de multa, aplicada pela sentença de 8.1.2009, descrita em 4), e por despacho de 18.2.2010 – transitado em julgado em 17.3.2010 –, foi substituída por 150 horas de trabalho, a prestar na associação D…… (cfr. fls. 79).
6 – Por despacho de 14.6.2010, e face à prestação das horas de trabalho, foi declarada extinta a pena aplicada ao requerido no proc. n.º 250/06.6 PBAMD (cfr. fls. 80 e 88).
7 - De acordo com o certificado do registo criminal português o requerido, e para além da condenação crime descrita em 4), foi condenado, por sentença de 30.9.2002 – transitada em julgado em 15.10.2002 -, pela prática, por factos ocorridos em 30.9.2002, dos crimes de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292º, do Cód. Penal, e de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, do DL 2/98, de 3/1, na pena única de 190 dias de multa, à taxa diária de € 5, num total de € 950 (cfr. fls. 76 a 80).
8 - O requerido não tem antecedentes criminais em Cabo Verde (cfr. fls. 13).
9 - Em 3 de Julho de 2011, na freguesia de S……, concelho de L……, nasceu M….., filha do requerido e de M……, à qual foi atribuída a nacionalidade portuguesa, conforme registo lavrado em 4.7.2011 (cfr. fls. 36).
10 – O requerido encontra-se a residir em Portugal pelo menos desde 2002 [cfr. fls. 9 – frente e verso -, 12 a 30, 32/44/92, 36, 39, 77 (condenação crime em 2002 por factos ocorridos em 2002, tendo nessa altura residência em S…..) e 85 a 87 (condenação crime descrita em 4), a qual respeita a factos ocorridos em 2006 na A…..)].
11 – Em 14.7.2012 o requerido celebrou o contrato de trabalho temporário a termo certo constante de fls. 16-17, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
12 – O requerido entregou em 18.5.2011 a declaração de IRS relativa ao ano de 2010 e em 10.9.2012 a declaração de IRS relativa ao ano de 2011 (cfr. fls. 18 a 21 e 24 a 26).
*
Presente a factualidade antecedente, cumpre entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.

O TAC de Lisboa, por decisão de 13 de Maio de 2014, julgou procedente a presente acção, por considerar que se mostrava verificado o fundamento de oposição previsto no art. 9º, al. b), da Lei da Nacionalidade, já que, por um lado, o recorrente foi condenado por um crime de dano qualificado, previsto e punido pelo art. 213º n.º 1, al. c), do Cód. Penal, cuja moldura penal é superior a três anos de prisão, e, por outro lado, é irrelevante se a condenação em concreto foi de pena de prisão ou de multa.

O recorrente defende que a decisão ora sindicada violou o art. 9º, al. b), da Lei 37/81, na redacção da Lei 2/2006, de 17/4, e o art. 56º n.º 2, al. b), do DL 237-A/2006, de 14/12, já que foi condenado numa pena de multa – e não de prisão -, a qual já se encontra extinta, salientando que outro entendimento viola o art. 30º, da CRP, o art. 15º, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, e o art. 67º, da CRP.

Passemos, então, à análise do acerto (ou não) da decisão judicial recorrida.

De acordo com o disposto no art. 3º n.º 1, da Lei da Nacionalidade (Lei 37/81, de 3 de Outubro, na redacção da Lei Orgânica 2/2006, de 17/4), “O estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração feita na constância do matrimónio.” (cfr., em sentido idêntico, o art. 14º n.º 1, do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo DL 237-A/2006, de 14/12), declaração que o recorrente prestou em 9.11.2012 (cfr. n.º 3), dos factos provados).

Esta solução legal inspira-se na protecção do interesse da unidade da nacionalidade familiar.

O legislador não impõe este princípio da unidade, mas é uma realidade em que se encontra interessado e que por isso promove ou facilita sempre que ela seja igualmente querida pelos interessados.

Com efeito, o facto relevante para a aquisição da nacionalidade não é o casamento – o estabelecimento de uma relação familiar -, mas a declaração de vontade do estrangeiro que case com um nacional português – cfr., os citados arts. 3º, da Lei da Nacionalidade, e 14º n.º 1, do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa. Como adverte Rui Manuel Moura Ramos, Do Direito Português da Nacionalidade, 1992, pág. 151, “o casamento não é mais do que um pressuposto de facto necessário dessa declaração mas não é ele o elemento determinante da aquisição”.

Assim, no regime da nossa lei, a aquisição da nacionalidade portuguesa pode ter lugar desde que o estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português declare, na constância do casamento, que pretende adquirir esta nacionalidade.

Mas o efeito da aquisição da nacionalidade não se produz inelutavelmente pela simples verificação do facto constitutivo que a lei refere – a manifestação de vontade do interessado.

De facto, importa também que ocorra uma condição negativa, ou seja, que não haja sido deduzida pelo Ministério Público oposição à aquisição da nacionalidade ou que, tendo-a sido, ela seja considerada judicialmente improcedente.

A intencionalidade deste instituto é clara: visa evitar a penetração indesejada de elementos que não reúnam os requisitos considerados, por lei, necessários para aquisição da nacionalidade por efeito da vontade, ou seja, que o casamento não seja designadamente um simples meio para a aquisição da nacionalidade portuguesa.

Estipula o art. 9º, da Lei da Nacionalidade (cfr. em sentido idêntico o art. 56º n.º 2, do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo DL 237-A/2006), na redacção da Lei Orgânica 2/2006, de 17/4, que:
Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa:
a) A inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional;
b) A condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo legal igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa;
c) O exercício de funções públicas sem carácter predominantemente técnico ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro.” (sublinhado nosso).

O ora recorrido (Ministério Público) instaurou a presente acção de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa pelo ora recorrente por considerar que se verificava o fundamento inscrito na alínea b) deste art. 9º (e na al. b) do n.º 2 do art. 56º, do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa), já que este foi condenado pela prática de um crime de dano qualificado, punível com pena de prisão até 5 anos. A decisão recorrida julgou procedente esta acção. O recorrente defende que a mesma viola precisamente tal normativo legal (e a al. b) do n.º 2 do art. 56º, do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa), por entender que a condenação que sofreu pelo crime de dano qualificado não integra este fundamento de oposição.

Vejamos, então, se existe tal violação.

Conforme decorre do n.º 8), dos factos provados, o recorrente não tem antecedentes criminais em Cabo Verde – país da sua nacionalidade e naturalidade.

Em Portugal, no entanto, o recorrente foi condenado, por sentença de 8 de Janeiro de 2009, do 4º Juízo Criminal da Comarca de Lisboa – proferida no proc. n.º 250/06.6 PBAMD -, transitada em julgado em 26 de Junho de 2009, relativamente a factos ocorridos em Fevereiro de 2006, pela prática de um crime de dano qualificado, previsto e punido pelo art. 213º n.º 1, al. c), do Cód. Penal, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de € 6, num total de € 900.

Na decisão recorrida entendeu-se que tal condenação – por crime de dano qualificado – integra o fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa previsto no art. 9º, al. b), da Lei da Nacionalidade, e no art. 56º n.º 2, al. b), do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, já que na moldura penal desse crime se prevê que o mesmo é punível com pena de prisão até cinco anos.

O crime de dano qualificado, previsto e punido pelo art. 213º n.º 1, al. c), do Cód. Penal, é punível, em alternativa, com pena de 1 mês a 5 anos de prisão ou com multa de 10 a 600 dias (cfr. arts. 41º n.º 1, 47º n.º 1 e 213º n.º 1, todos do Cód. Penal).

Na condenação crime sofrida pelo ora recorrente o tribunal optou pela pena de multa, razão pela qual tal condenação não integra o fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa previsto no art. 9º, al. b), da Lei da Nacionalidade, e no art. 56º n.º 2, al. b), do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, já que o mesmo exige a condenação por crime punível com pena de prisão, como se passa a demonstrar.

Sobre idêntica questão – pois o mesmo foi emitido a propósito do art. 6º n.º 1, al. d), da Lei da Nacionalidade, o qual tem uma redacção semelhante ao art. 9º, al. b), desse diploma legal, razão pela qual a posição aí perfilhada é inteiramente aplicável in casu - foi proferido o Ac. do STA de 5.2.2013, proc. n.º 076/12, o qual se passa, em parte, a transcrever, por se aderir ao que aí foi escrito:
(…) 3. Na presente revista excepcional, a recorrente vem defender que o teor do julgado viola frontalmente o disposto na alínea d) do nº 1 do artº 6º da LN, com a qual o legislador quis estabelecer, como pressuposto da naturalização, a não condenação pela prática de crime punível com pena de prisão igual ou superior a três anos, desinteressando-se, em absoluto, de quaisquer outras circunstâncias.
Refere que o próprio TCA Sul, em acórdão de 27.05.2010, concluiu que o requisito previsto na alínea d) do nº1 do artº 6º da LN é de natureza objectiva, ou seja, “basta o seu não preenchimento para que o efeito jurídico visado na norma – a concessão da nacionalidade portuguesa – não se produza”, sendo, no caso de aquisição da nacionalidade por naturalização a conduta da Administração vinculada, diferentemente do que acontece com a aquisição da nacionalidade portuguesa por efeito da vontade ou de adopção, que é aquela a que respeitam os acórdãos citados no acórdão recorrido.
E conclui que o acórdão recorrido não atentou na claríssima diferença que existe entre a previsão do artº 6º, nº 1, face à alínea b) do artº 9º da LN, já que embora a redacção seja igual, o primeiro configura a não condenação como uma condição necessária para a naturalização, enquanto o segundo se limita a enunciar factos que podem constituir fundamento de oposição em acção a propor pelo MP, no prazo de um ano a contar do facto de que dependa a aquisição. Acrescentando que, na tese defendida pelo acórdão recorrido, sempre caberia perguntar qual o critério a seguir pela Administração para poder avaliar se a prática do crime constituía ou não impedimento para aquisição da nacionalidade, por naturalização, sendo certo que actua no exercício de um poder vinculado e não discricionário.
Vejamos:
4. A Lei da Nacionalidade (LN) foi aprovada pela Lei nº37/81, de 03.10, com as alterações introduzidas pela Lei Orgânica nº 2/2006, de 17.04 e, actualmente, é regulamentada pelo Decreto-Lei nº 237-A/2006, de 14.12, aplicável à situação sub judicio.
Nos termos do artº 1º, nº 1 do citado Dec. Lei, «A nacionalidade portuguesa pode ter como fundamento a atribuição, por efeito da lei ou da vontade, ou a aquisição, por efeito da vontade, da adopção plena ou da naturalização.». (negritos nossos)
A atribuição da nacionalidade por efeito da lei ou da vontade, ou seja, a nacionalidade originária, está prevista no artº 1º da LN e regulamentada nos artº 2º a 11º do citado DL.
A aquisição da nacionalidade, por efeito da vontade, da adopção plena ou da naturalização, está prevista nos artº 2º a 7º da LN e regulamentada nos artº 12º a 28º do citado DL.
A questão que nos ocupa prende-se com os requisitos da aquisição da nacionalidade por naturalização, exigidos no artº 6º da LN, mais precisamente com o requisito exigido pela alínea d) desse preceito legal.
Dispõe o citado artº 6º da LN que:
«1- O Governo concede a nacionalidade portuguesa, por naturalização, aos estrangeiros que satisfaçam cumulativamente os seguintes requisitos:
(…)
d) Não terem sido condenados com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa. (negritos nossos).»
O artº 19º, nº 1 do citado DL 237-A/2006, sob a epígrafe «naturalização de estrangeiros residentes em território português» tem idêntica redacção.
Não restam, pois, dúvidas que verificados todos e cada um dos referidos requisitos, uma vez que são de verificação cumulativa, o Governo não pode deixar de deferir pedido de aquisição de nacionalidade portuguesa por naturalização, formulado por estrangeiro residente em território português.
Com efeito, estamos, neste campo, no âmbito da actividade vinculada da Administração (Cf. neste sentido, Rui Moura Ramos, A renovação do Direito Português da Nacionalidade pela Lei Orgânica nº 2/2006, de 17 de Abril, RLJ 136º, nº 3943, p. 206/208 e 229/230.), não havendo lugar a qualquer margem de discricionariedade, mas sim e apenas à verificação objectiva dos requisitos ali exigidos.
Ora, um desses requisitos é, como decorre da supra transcrita alínea d), que o requerente não tenha sido condenado com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo legal igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa.
Sendo esse o único requisito que está em discussão no presente recurso, já que a pretensão da Recorrida foi rejeitada com base na sua não verificação, passamos a apreciá-lo.
5. Nos termos do artº 150º, nº 3 do CPTA, «Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico julgado adequado.»
Ora, ficou assente nas instâncias que a Recorrida «…foi condenada pelo Tribunal Criminal de Lisboa no processo comum (Tribunal Singular) nº 947/99 5SXLSB – 1º Juízo, 2ª Secção pela prática do crime de ofensa à integridade física simples, prevista e punida pelo artº 143º do Código Penal, praticado em 31 de Julho de 1999, por decisão de 05 de Fevereiro de 2004, na pena de 120 dias de multa, à razão diária de um euro, o que perfaz a multa global de 120 euros, ou, em alternativa, 80 dias de prisão, decisão transitada em julgado em 20 de Fevereiro de 2004.» (cf alínea F) do probatório da sentença da 1ª Instância).
O crime por ofensa à integridade física simples é punível, nos termos do artº143º, nº1 do C.Penal, «… com pena de prisão até três anos ou com pena de multa
Portanto, a lei prevê para este crime, logo no tipo legal, a possibilidade de o mesmo ser punível com uma pena de prisão até três anos ou, em alternativa, com uma pena de multa, cabendo ao juiz optar, por uma ou por outra, nos termos previstos no artº 70º do C.Penal, que dispõe que «Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa de liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».
Ora, esta tarefa prévia de escolha da pena, a que se alude no artº70º do C. Penal, nos casos em que o tipo legal do crime a permite, como vimos acontece com o referido crime de ofensas à integridade física simples, não se confunde com a posterior tarefa de determinação da medida concreta da pena, a que se alude no artº71º do mesmo diploma legal, situando-se a montante desta (Cf. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, 1993, p. 234 a 237 e ainda artº 15º, nº 2 da Declaração Universal dos Direitos do Homem ).
«Com efeito, a prévia escolha, pelo julgador, entre penas alternativas previstas no tipo legal, é determinada apenas por considerações de natureza preventiva, já que visa exclusivamente as «finalidades da punição» (cf. citado artº 70º), enquanto que a determinação da medida concreta da pena é feita, dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo ainda o tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele (cf. no caso da pena de prisão o artº 41º, nos casos da pena de multa, o artº 47º do C. Penal e citado artº 71º).
Portanto, no primeiro caso, estamos ainda no âmbito da pena aplicável ao crime, enquanto no segundo caso, já estamos no âmbito da pena efectivamente aplicada.
Ora, nos casos em que a lei prevê a possibilidade de escolha, pelo juiz, entre dois tipos de pena aplicáveis, em alternativa, a um determinado tipo de crime, sendo uma, a pena de prisão até três anos e a outra, a pena de multa, como vimos acontece no crime de ofensas à integridade física simples, a verificação do requisito previsto no citado artº 6º, nº 1 d) da LN dependerá da escolha que o juiz que proferiu a condenação crime fez ao abrigo do artº 70º do C. Penal, ou seja, depende de o juiz ter considerado o crime cometido punível com pena de multa e não com pena de prisão até três anos. Com efeito, nem a letra, nem a ratio do preceito consente, a nosso ver, outra interpretação, sendo certo que a intenção do legislador subjacente às alterações introduzidas na LN, pela Lei Orgânica nº 2/2006, designadamente no citado artº 6º, foi claramente a de facilitar e não de restringir a integração de estrangeiros imigrados no nosso país, bem como acentuar o carácter de direito fundamental do direito à nacionalidade, reduzindo o poder do Estado na sua modelação (Cf. Rui Moura Ramos, obra citada, p. 225 e segs.).
E, assim sendo, uma vez que o crime cometido pela Recorrida era, nos termos do artº 143º do CP, punível com pena de prisão até três anos ou com pena de multa e cabendo a opção por uma ou por outra dessas penas ao julgador, haverá que verificar, na respectiva sentença condenatória, por qual delas o juiz optou, pois, como referimos, só se tivesse considerado o crime punível com pena de prisão até três anos não se verificaria o requisito exigido pelo citado artº 6º, nº 1 d) da LN.
6. Ora, no presente caso, o juiz do 1º juízo criminal de Lisboa considerou que o crime de ofensas corporais simples cometido pela Recorrida era punível com pena de multa e não com pena de prisão até três anos, tendo-lhe depois fixado a medida concreta da pena em 120 dias de multa.
Com efeito e como consta da respectiva sentença, requisitada pela própria Recorrente e cuja certidão se encontra a fls. 28/36 do processo instrutor, aí se refere que «…ponderando que as arguidas não têm condenações criminais anteriores por este tipo de crime, olhando a todos os elementos dos autos e atendendo a todos os factos provados, e sendo certo que as arguidas estão socialmente integradas, o Tribunal entende ser de optar, em relação a todas elas, pela pena de natureza pecuniária prevista no artº 143º, nº 1 do Código Penal, porquanto está apta a realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. disposto no artº 70º do mesmo Código Penal).
No entanto, vistas aquelas referidas circunstâncias, as penas de multa a aplicar devem constituir uma censura suficientemente forte para que as arguidas não voltem a agredir quem quer que seja. Assim, o Tribunal entende ser de fixar a medida concreta das penas de multa em 120 dias, à taxa de 1 euro.» (negritos nossos)
Portanto, tendo a Recorrida, ali arguida, sido condenada pela prática de crime punível com pena de multa, a situação da Recorrida é, objectivamente, enquadrável no citado artº6º, nº1 d) da LN, pelo que não podia a Recorrente ter indeferido a sua pretensão de adquirir a nacionalidade portuguesa, por naturalização, com fundamento em que se não verificava o requisito exigido naquele preceito legal.
Consequentemente, o acórdão recorrido é de manter, embora com diferente fundamentação.” (sublinhados nossos).

Do ora exposto decorre que, quando o tipo legal de crime prevê a possibilidade de o mesmo ser punível com pena de prisão ou, em alternativa, com pena de multa, a tarefa prévia de escolha por uma ou por outra, nos termos do art. 70º, do Cód. Penal, está ainda no âmbito da pena aplicável ao crime (e não no âmbito da pena efectivamente aplicada).

Nestes termos, uma vez que o crime cometido pelo ora recorrente era, nos termos do art. 213º n.º 1, do Cód. Penal, punível com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias e cabendo a opção por uma ou por outra dessas penas ao julgador, haverá que verificar por qual delas o juiz optou.

Da factualidade dada como assente decorre que o juiz do 4º Juízo Criminal da Comarca de Lisboa – no proc. n.º 250/06.6 PBMAD - considerou que o crime de dano qualificado cometido pelo recorrente era punível com pena de multa e não com pena de prisão até cinco anos, tendo-lhe depois fixado a medida concreta da pena em 150 dias de multa, à taxa diária de € 6, num total de € 900, com base na seguinte fundamentação:
(…) 2.2. Da medida da pena
Estabelecida a responsabilidade criminal do arguido, há que cuidar da resposta punitiva adequada.
Dispõe o art. 40.º/1 e 2 CP que a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente, não podendo a pena, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa - a culpa é pois o pressuposto e limite da pena, mas não a sua medida.
No que respeita à escolha da pena rege o artigo 70.º CP, que confere prevalência às penas não privativas de liberdade quando em alternativa com penas privativas, se aquelas realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (essencialmente, a prevenção dos comportamentos danosos dos bens jurídicos).
O crime de dano p. pelo art. 213.º/1/al. c) CP é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.
No caso concreto, e pese embora ao arguido sejam conhecidos antecedentes criminais, o certo é que os mesmos se inserem no âmbito de uma criminalidade que tutela bens jurídicos distintos daqueles que são protegidos pela incriminação em análise, pelo que se afigura ao tribunal que as exigências de prevenção que in casu se fazem sentir ficarão salvaguardadas pela aplicação de uma pena não detentiva da liberdade.”.

Assim, tendo o ora recorrente sido condenado pela prática de crime punível com pena de multa, a sua situação não é enquadrável no citado art. 9º, al. b), da Lei da Nacionalidade, ou seja, não se verifica o fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa previsto nessa norma legal, isto é, a decisão recorrida violou tal normativo legal (e o art. 56º n.º 2, al. b), do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa).

Alega o recorrido – nas respectivas contra-alegações - que a presente interpretação implica a violação do princípio da igualdade perante a lei, consagrado no art. 13º, da CRP, por conduzir a tratamento desigual de requerentes da nacionalidade que hajam sido condenados por tribunais portugueses em penas de diferente natureza pela prática de crime com a mesma moldura penal, bem como a tratamento desigual de requerentes condenados por decisões estrangeiras cuja pena não é passível de valoração segundo os critérios dos arts. 40º e 70º, do Cód. Penal, mas sem razão.

Efectivamente, o princípio constitucional da igualdade postula que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento desigual para as situações de facto desiguais (proibindo, inversamente, o trata­mento desigual de situações iguais e o tratamento igual das situações desiguais), não impedindo que, tendo em conta a liberdade de conformação do legislador, se possam estabelecer diferenciações de tratamento razoável, racional e objectivamente fundadas.

Ora, relativamente aos requerentes que sejam condenados, por tribunais portugueses ou estrangeiros, com pena de prisão - por ser necessária para satisfazer as finalidades da punição -, pela prática do crime de dano qualificado, verifica-se o fundamento de oposição previsto no art. 9º, al. b), da Lei da Nacionalidade. A sua situação não é, no entanto, igual à daqueles que, praticando esse mesmo crime, são condenados com pena de multa (relativamente aos quais não se verifica o fundamento de oposição previsto nesse art. 9º, al. b)), já que, quanto a estes, as necessidades de prevenção geral e especial são inferiores. Dito por outras palavras, a diversidade de regimes tem um fundamento material e, assim, não se apresenta como arbitrária.

Conclui-se, assim, que o entendimento acima perfilhado, quanto à interpretação do art. 9º, al. b), da Lei da Nacionalidade, não pode ser fulminado com um juízo de desconformidade com o princípio da igualdade consagrado no art. 13º, da CRP, justamente porque tal entendimento não conduz a discriminações arbitrárias e irrazoáveis, antes assentando em fundamento material bastante.

Pelo exposto, a decisão recorrida deverá ser revogada, e, em consequência, julgada improcedente a presente oposição deduzida à aquisição da nacionalidade portuguesa por parte do recorrente.


*
Não há lugar à condenação em custas, porquanto o responsável pelas mesmas – o Ministério Público (art. 527º n.ºs 1 e 2, do CPC de 2013, ex vi art. 1º, do CPTA) - delas está isento (art. 4º n.º 1, al. a), do Regulamento das Custas Processuais).
III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam, em conferência, as Juízas Desembargadoras da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em:

I – Conceder provimento ao presente recurso jurisdicional, revogando a sentença recorrida e, em consequência, julgar improcedente a presente oposição deduzida à aquisição da nacionalidade portuguesa por parte do recorrente.

II – Sem custas, em ambas as instâncias.
III – Registe e notifique.

*
Lisboa, 6 de Novembro de 2014

_________________________________________
(Catarina Jarmela)

_________________________________________
(Conceição Silvestre)

_________________________________________
(Cristina Santos)