Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05310/12
Secção:CT
Data do Acordão:12/15/2016
Relator:ANA PINHOL
Descritores:IRS
DESPESAS DE CONSERVAÇÃO E MANUTENÇÃO
Sumário:I. Nos termos do artigo 40º, n.º1 do Código do IRS (na redacção originária) «Aos rendimentos brutos referidos no art. 9º deduzir-se-ão, nos termos dos números seguintes, as despesas de manutenção e conservação que incumbam ao sujeito passivo e por ele sejam suportadas.».
II. Não definindo o CIRS os conceitos de “ despesas de conversação” e “despesa de manutenção” deve valer aqui as noções civilísticas constante no Regime do Arrendamento Urbano-RAU - (aprovado pelo Decreto – Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro) relativas à definição das mesmas e à determinação de quais são as que incumbem ao senhorio.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I.RELATÓRIO
A REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, inconformada com a sentença do TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE SINTRA, datada de 9 de Setembro de 2011 que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por P... [na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de J... e de D...] da decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa apresentada contra o acto de liquidação adicional de IRS e respectivos juros compensatórios do ano de 1991, no montante de € 38.726,78 dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«I. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença declaratória de procedência da impugnação deduzida relativamente à liquidação adicional de IRS n° ..., referente a imposto e juros compensatórios do exercício de 1991, no montante de 7.764.023$00 (€ 38.726,78)
II. A douta sentença recorrida julgou procedente a impugnação em referência, relativamente à correcção efectuada pelos serviços de inspecção relativa a deduções específicas da categoria F declaradas no montante de 12.286.338$00, fazendo errada aplicação das leis.
III. A douta sentença ora recorrida considerou a liquidação ilegal por falta de fundamentação, entendendo que:
"...a AF, ao corrigir os valores declarados pelos sujeitos passivos quanto às despesas com obras de conservação limitou-se a referir que não era crível que as obras tivessem sido efectuadas."
"Se bem atentarmos na fundamentação supra descrita, não só não se demonstra com base em que fundamentos se concluiu não terem sido realizadas as obras, sendo certo que as mesmas se encontravam regularmente documentadas (factura e recibo), como também não concretiza quais os documentos que seriam necessários para a prova da realização das obras, e por que razão não podem aqueles serem considerados idóneos"
IV. Com o devido respeito e salvo melhor opinião não concordamos com tal decisão, pelo que contra a sentença recorrida convocamos a seguinte argumentação:
V. A questão que se coloca nos presentes autos é a de saber se as despesas de conservação e manutenção dos prédios arrendados se enquadram no art.40° n°2 do CIRS (redacção à data dos factos) e se as correcções efectuadas pela AF estão ou não devidamente fundamentadas.
VI. Em cumprimento das Ordem de Serviço n°11067 11068 e 11069 datadas de 15-02-1996 foi efectuada fiscalização ao IRS do exercício de 1991, do sujeito passivo já falecido, J..., de cuja herança o impugnante é cabeça de casal, nomeadamente aos rendimentos prediais.
VII. Os rendimentos prediais são provenientes do arrendamento dos armazéns 12 e 14 descritos no anexo 1 do Relatório da Inspecção e que se encontram de fl.61 a 100 do Processo Administrativo Tributário, bem como na cópia da caderneta predial (fl.60 e 61).
VIII. A construção dos armazéns indicados (Pavilhões 12 e 14) foi concluída em 22 de Outubro de 1990 e no ano de 1991 geraram rendas no montante de 4.050.000$00, sendo 3.672.000$00 relativas ao pavilhão 12 e 378.000$00 do pavilhão 14 (relativas a um mês).
IX. As despesas de conservação declaradas no Anexo 3 da declaração de IRS do ano de 1991 encontram-se suportadas pela factura e recibo, de 31-10-1991 da sociedade "C..., Lda.", em nome de J..., sócio gerente desta sociedade.
X. A factura da sociedade C... refere "recuperação dos armazéns n°12 e 14º e descrimina:
- Recuperação do telhado ................ 2.800.000$00
- Fornecimento e colocação do chão ... 4.950.000$00
- Reparação de paredes e pinturas ..... 1.850.000$00
- Construção de salas e sanitários . ..... 2.685.000$00
TOTAL ........................................ 12.285.000$00
XI. Os armazéns foram concluídos em 22-10-1990. Nesta data as obras de que os armazéns precisavam tinham sido efectuadas, caso contrário, não teriam sido emitidas as respectivas licenças de utilização camarária, elemento essencial para que pudessem ser arrendados.
XII. Os serviços camarários não emitiriam a licença de utilização sem que o imóvel reunisse as condições necessárias para o fim que visava, o arrendamento.
XIII. O sujeito passivo apresenta despesas de conservação com os referidos armazéns, de avultada quantia, antes de ter decorrido um ano sobre a conclusão da sua construção.
XIV. A questão a dirimir é: saber se as despesas constantes da factura (recuperação do telhado, fornecimento e colocação do chão, reparação e pintura das paredes e construção de salas e sanitários) são susceptíveis de enquadramento no conceito de despesas de manutenção e conservação a que se refere o art.40° do CIRS, com a redacção à data dos factos.
XV. Em relação à noção de despesas de manutenção e de conservação, afigura-se-nos importante reter o disposto no art.16° da Lei n° 46/85, de 20 de Setembro, que estabelece o regime da renda livre e condicionada:
"São obras de conservação, a cargo dos senhorios, as obras de reparação e limpeza geral do prédio e suas dependências e todas as intervenções que se destinem a manter ou a repor o prédio com um nível de habitabilidade idêntico ao existente à data da celebração do contrato e as impostas pela Administração, face aos regulamentos gerais ou locais aplicáveis, para lhes conferir as características habitacionais existentes ao tempo da concessão da licença de utilização, sem prejuízo do estabelecido nos artigos 1043° e 1092° do Código Civil"
XVI. Na falta de uma definição do conceito de "despesas de conservação" no Código de IRS, haverá que procurar no Regime de Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei n°321-B/90, de 15/10, a definição de obras de conservação e a determinação de quais são as que incumbem ao senhorio.
XVII. Não existe exacta correspondência terminológica entre "despesas de manutenção e conservação" previstas no art.40° do CIRS e o Regime de Arrendamento Urbano, que distingue entre "obras de conservação ordinária", "obras de conservação extraordinária" e "obras de beneficiação".
XVIII. As obras de "conservação ordinária" correspondem às definidas no art.16° da Lei 46/85 de 20 de Setembro, acima mencionadas.
XIX. As "obras de conservação extraordinárias", previstas no n°3 do nº11° do RAU, são as ocasionadas por defeito de construção do prédio ou por caso fortuito ou de força maior, bem como as que, não sendo imputáveis a acções ou omissões ilícitas perpetradas pelo senhorio, ultrapassem, no ano em que se tornem necessárias, dois terços do rendimento liquido desse mesmo ano.
XX. Quer as despesas de conservação ordinária, como as de conservação extraordinária são susceptíveis de ser consideradas como despesas de manutenção e despesas de conservação para efeitos de dedução ao rendimento bruto da categoria "F", mas apenas se as mesmas forem da responsabilidade do senhorio.
XXI. De entre as obras descritas na factura de 31-10-1991, emitida pela C..., não poderão considerar-se como obras de conservação a "construção de salas e sanitários", no montante de 2.685.000$00, atendendo a que se destinam à ampliação ou melhoramento do prédio, pelo que a sua qualificação só poderá ser a de "obras de beneficiação".
XXII. Poder-se-ia aceitar como obras de conservação a "recuperação do telhado", "fornecimento e colocação do chão" e reparação de paredes e pinturas" no valor de 9.600.000$00.
XXIII. No entanto o CIRS impõe que as despesas a aceitar para efeitos do n°2 do art.40° do e por via da previsão contida na parte final do n°1 do mesmo artigo (com redacção à data dos factos) terão que "incumbir ao sujeito passivo" e ser por ele suportadas, além de terem que se mostrar documentalmente comprovadas.
XXIV. Importa aqui saber se tais despesas se encontravam ou não a cargo do impugnante.
XXV. Tais despesas a serem consideradas, quer pela sua natureza, quer pelo período de tempo que medeia entre a conclusão da construção dos armazéns, menos de um ano, teriam que se considerar como de "conservação extraordinária".
XXVI. Ora este tipo de obras só se encontra a cargo do senhorio em duas situações: quando haja acordo escrito ou por imposição camarária.
XXVII. Não consta nos autos quaisquer elementos que permitam aferir da existência de acordo escrito entre o impugnante na qualidade de senhorio e os arrendatários dos armazéns/pavilhões n°s 12 e 14, nem de qualquer imposição camarária para a realização das mesmas.
XXVIII. Assim, salvo melhor opinião, entendemos que as despesas contidas na factura emitida pela C..., não reúnem as condições impostas pelo n°1 e 2 do art.40° do CIRS.
XXIX. O juiz "a quo" considerou a impugnação procedente por entender que as correcções efectuadas pela AF que levaram à liquidação do acto impugnado não se encontravam devidamente fundamentadas.
XXX. Quanto à falta de fundamentação é entendimento aceite pela jurisprudência que um acto se encontra suficientemente fundamentado quando dele é possível extrair qual o percurso cognoscitivo seguido pelo agente para a sua prática.
XXXI. Com o devido respeito é nosso entendimento que as correcções efectuadas às deduções das despesas de conservação e manutenção dos prédios arrendados estão devidamente fundamentadas, já que o ora impugnante entendeu perfeitamente o acto tributário.
XXXII. E tanto assim é que usou os meios de defesa que a lei lhe concede, nomeadamente apresentou reclamação graciosa contra a liquidação de IRS e como não tivesse alcançado o seu desiderato veio posteriormente apresentar a presente impugnação.
XXXIII. Assim, a actuação da AT foi conforme à lei, não se verificando o vício que é imputado aos actos tributários, sendo que estes por serem legais, deverão manter-se.
Nestes termos e com o douto suprimento de Vas Exas, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por douto acórdão que julgue improcedente na totalidade a presente Impugnação, assim se fazendo a habitual JUSTIÇA»
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O Recorrido contra-alegou, concluindo assim:
«i. A douta decisão a quo deu procedência à presente impugnação por falta de fundamentação do ato tributário por parte da AF, ordenando a respectiva anulação.
ii. Na verdade a fundamentação do ato administrativo deve ser clara de modo a indi­car ou revelar os factos e o direito que está em causa, o que implica a rejeição de expressões vagas, genéricas, pois as mesmas não estão aptas a fornecer ao interessado o processo lógico de decisão relativo ao ato concreto de não-aceitação daqueles custos.
iii. A decisão que serve de base à tributação não pode ser apoiada em simples indí­cios que, no caso concreto, são contraditórios com a documentação idónea que os suporta sem que a mesma tenha sido posta em crise ou provando-se o contrário dos factos que lhe subjazem.
iv. Nessa sequência, só pode ter-se como insuficiente a fundamentação que é meramente conclusiva ou vagamente qualificativa dos factos expressamente em causa, como tem sido dito pela jurisprudência pacífica dos Tribunais superiores, e que no caso dos autos consistiu, em afirmar-se que "...não é crível que corresponda a obras feitas de facto nos armazéns indicados dadas as datas descritas, e o facto de serem efetuadas antes de ter decorrido um ano sobre a conclusão das obras de construção dos armazéns".
v. Por outro lado, a AF não impugnou nem os documentos que servem de suporte às despe­sas realizadas nem se elas mesmas existiram, pelo que sempre seria necessário dizer, como se afirma na douta sentença recorrida "quais os documentos que seriam tam­bém necessários para a prova da realização das obras, e por que razão não podem ser aqueles considerados".
vi. Logo, na esteira da jurisprudência, a fundamentação não pode ter só uma perspectiva formal que diga respeito ao entendimento ou ao conhecimento do interessa­do do ato que possa levar à reclamação ou impugnação judicial do mesmo. A fun­damentação implica também dar a conhecer-lhe quais as razões de direito que motivaram a decisão de não aceitar os documentos apresentados e quais os que deveriam ter sido utilizados para poderem ser aceites.
vii. Deve, portanto, manter-se a douta decisão e ser confirmada a evidente falta ou insuficiência de fundamentação do ato tributário impugnado o que constitui vício susceptível de provocar a sua anulação.
viii. Caso lograsse obter vencimento a tese da recorrente, o que só por mera lógica de patro­cínio se coloca, ainda assim, permanecia a ilegalidade da liquidação impugnada o que levaria à sua anulação porque os custos estão documentalmente provados.
ix. Os autos contêm documentos suficientes, (e a douta sentença considerou essa matéria entre os factos provados) para atestar a realização das despesas invocadas e também da sua necessidade, dadas as contingências decorrentes das exi­gências específicas do arrendatário em concreto.
x. A Administração Fiscal não apresentou fundamento para a respectiva rejeição enquanto documentos demonstrativos da existência real de um custo elegível porque não deduziu qualquer impugnação desses mesmos documentos e factos dados como provados nem, como reconhece a douta sentença recorrida, indicou quais os documentos que poderiam ser aceites naquelas circunstâncias.
xi. Foi dado como provado que os documentos estão contabilizados e demonstram uma realidade fáctica que não foi posta em causa, nem por razões ligadas aos próprios documentos nem por razões ligadas às obras em si.
xii. A recorrente refere e cita passagens do relatório de Inspecção onde se admite que as obras poderão ter sido realizadas mas não foram efectuadas quaisquer diligên­cias para a sua verificação (pág. 8 do relatório) por parte dos Serviços a fim de determinar a efectiva realização.
xiii. Ao contrário do que diz a recorrente, o contrato de arrendamento foi celebrado e esteve em vigor sem a existência de licença de utilização, que ainda hoje não existe porque se trata de um imóvel situado em zona de construção clandestina que, e isso é do domínio público, não tem ainda regularizada a sua legalização em termos urbanísticos junto da Câmara Municipal de ....
xiv. Nesta conformidade, a matéria dada como provada é suficiente para demonstrar a veracidade dos documentos bem como a sua elegibilidade para efeitos fiscais, contrariando a tese sufragada no relatório que justificou a realização da liquidação impugnada.
xv. Não provando a AF a não realização das obras e face aos documentos legalmente emitidos e contabilizados por todas as partes intervenientes, a liquidação impug­nada enferma do vício de falta de fundamentação e também do vício de violação de lei por desrespeitar o que dispõe o Código do IRC, subsidiariamente aplicável (art.º32º do CIRS), sobre a legalidade e dedutibilidade dos custos para efeitos fis­cais, nomeadamente o artº17º, 23° e seguintes do CIRC, no apuramento da maté­ria colectável da actividade profissional do sujeito passivo.
xvi. Por outro lado, independentemente da liquidação indevida do IRS, pelas razões aduzidas, haveria sempre, ainda assim, que anular a liquidação de juros compensatórios por falta de fundamentação.
xvii. Com efeito, a título de exemplo, como diz o Acórdão do TCA-Sul tirado no Proces­so nº3898/10, de 15/06/2011, a liquidação de juros compensatórios tem que ser minimamente fundamentada para que o interessado possa "aquilatar da respetiva legalidade e com ela se conformar ou impugná-la, como seja o período sobre que os mesmos incidiram, sobre que montante e qual a respetiva taxa aplicada".
xviii. Complementarmente, essa mesma fundamentação tem que acompanhar e ser contemporânea da prática e notificação do ato, como refere o mesmo Acórdão, o que também não aconteceu como se observa da documentação junta aos autos, aparecendo uma justificação a esse respeito apenas após a reclamação graciosa.
xix. Assim, independentemente de tudo o resto, a liquidação de juros compensatórios sempre seria ela mesma anulável por falta de fundamentação.
xx. Nesta conformidade quer a liquidação adicional de IRS de 1991 impugnada quer a liquidação de juros compensatórios que lhe está associada sofrem do vício de falta de fundamentação, em violação do disposto nos artº123º e seguintes do CPA e nº1 do artº 77ºda LGT.
xxi. Do mesmo modo, a liquidação adicional de IRS de 1991 não poderá manter-se já que foi efetuada com violação de lei em face do que dispõe o artº17 e 23º do Código do IRC, subsidiariamente aplicável por força do art.º32º do Código do IRS, ao não se aceitar a dedução de custos elegíveis segundo aquelas normas.
Termos em que a douta decisão deve ser mantida por verificação do vício de falta de fundamentação do ato tributário de liquidação, ou, se fosse decidido não a manter, a mesma teria que ser substituída por outra que decrete a anulação do ato tributário por vício de violação de lei, quer do ato de liquidação de imposto propriamente dito quer do ato de liquidação de juros compensatórios, neste caso por falta de fundamentação.»
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Foi dada vista ao MINISTÉRIO PÚBLICO e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer a fls. 145 dos autos, no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

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Foram colhidos os vistos aos Exmos Juízes Adjuntos, pelo que vem o processo submetido à Secção do Contencioso Tributário para julgamento do recurso já que nada a tal obsta.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Com este pano de fundo, a questão a decidir consiste em saber, se ocorreu ou não erro de julgamento quando se julgou procedente o invocado vício de forma por falta de fundamentação, assacado ao acto de liquidação sindicado.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
A. DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:
«a) Na sequência de exame à escrita efectuado pelos serviços de inspecção tributária ao exercício de 1991, do sujeito passivo, já falecido, J..., de cuja herança o ora Impugnante, P..., detém a qualidade de cabeça de casal, foi, em 26 de Fevereiro de 1996, elaborado Relatório de Inspecção do qual se destaca o seguinte: "(...) 3.- PRÉDIOS GERADORES DOS RENDIMENTOS PREDIAIS
Os rendimentos prediais são provenientes de alguns dos armazéns (pavilhões), constantes do Anexo l, cuja construção foi concluída em 22.10.90.
3.1. REND. PREDIAIS/DEDUÇÕES ESPECÍFICAS/RETENÇÕES/CORRECÇÕES
Nas correcções às deduções específicas declaradas, no que respeita a despesas de conservação e manutenção nos exercícios de 1991 e 1992, são aceites para efeitos fiscais 35% dos rendimentos, conforme o disposto no Art°40° n°2 do CIRS.
Todavia a nossa análise incide sobre os encargos declarados, sendo corrigidos os que não se enquadram no n°1 daquela disposição legal.
3.1.1. EXERCÍCIO DE 1991
(…)
B) DEDUÇÕES ESPECIFICAS
As despesas de conservação declaradas, anexo 3, estão suportadas pela Factura e recibo da C..., não é crível que corresponda a obras feitas de facto nos armazéns indicados dadas as datas descritas, e o facto de serem efectuadas antes de ter decorrido um ano sobre a conclusão das obras de construção dos armazéns (21.10.90). A emitente da factura era gerida ao tempo pelo contribuinte.
Por estes factos, corrigem-se aquelas despesas declaradas. 12.286.338$00
(...) declarou despesas apoiadas em documentos que não têm qualquer relação com este tipo de despesas nos armazéns, e despesas que não respeitam à sua conservação. (...) "
- Cfr. documento a fls. 50 a 59 do PAT, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
b) Consta do PAT cópia do Anexo F da declaração de rendimentos de IRS modelo 2, respeitante ao ano de 1991, entregue por J... e D..., no qual foi declarado o rendimento de rendas recebidas no valor de Esc. 15.672.000$00 e o valor de despesas de conservação de Esc. 14.373.450$00 - Cfr. documento a fls. 27 do PAT, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
c) Em 17 de Dezembro de 1996 foi emitida a liquidação oficiosa de IRS n° ..., do ano de 1991, da qual resultou o valor a pagar de Esc. 7.764.023$00 - Cfr. documento a fls. 43 do PAT, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
d) Consta do PAT cópia de factura emitida por C..., Lda, com o seguinte teor:
(…) Factura n°001
Data 31/10/91
Local entrega/obra:
Serra ... Exm°s Senhores
J...
Cont. Nº …
(…)
Discriminação Total
Recuperação dos Armazéns N° 12 e 14
Recuperação do telhado 2.800.000$00
Fornecimento e colocação do chão 4.950.000$00
Reparação de parede e pinturas 1.850.000$00
Construção de salas e sanitários 2.685.000$00
(…)
Total factura 14.373.450$00(...) " -
Cfr. documento a fls. 74 do PAT, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
e) Consta do PAT cópia de recibo emitido por C..., Lda, com o n° 001, no valor total, incluindo IVA, de Esc. 14.373.450$00, referente à factura n°001, pago por J... - Cfr. documento a fls. 75, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
f) Consta do PAT cópia de caderneta predial respeitante aos armazéns sitos na Serra de ..., onde vem referido o dia 22 de Outubro de 1990 como data de conclusão das obras - Cfr. documento a fls. 61 e 62 do PAT, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
g) Em 30 de Abril de 1997 foi deduzida Reclamação Graciosa, contra a liquidação de IRS de 1991 a que se refere a alínea c) - Cfr. fls. 1 do PAT;
h) Em 22 de Junho de 2004 foi proferido despacho, pelo Chefe de Divisão de Justiça Administrativa, por subdelegação do Director de Finanças Adjunto de Lisboa, deferindo parcialmente a Reclamação Graciosa mencionada em g) - Cfr. documento a fls. 8, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido»

Consta ainda da decisão, a título de factos não provados, que «Nada mais se provou com interesse para a decisão da causa.».

E, em sede fundamentação da decisão de facto, que: «A convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados resultou do exame dos documentos, não impugnados, e das informações oficiais constantes dos autos, conforme referido no probatório.»
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Alteração oficiosa, por ampliação, da decisão sobre a matéria de facto
Por se entender relevante à decisão de mérito a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada, adita-se, ao probatório a coberto do estatuído no artigo 662º, nº1, do CPC ex vi artigo 281º do CPPT, a seguinte factualidade:
i) Em 19.08.1992, foi apresentada a Declaração Modelo 2 de IRS do ano de 1991. (doc. fls. 131 a 138 do p.a.t.)
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B.DE DIREITO
P... [na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de J... e de D...] veio deduzir Impugnação Judicial, da decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa apresentada contra o acto de liquidação de IRS e juros compensatórios, relativa ao ano de 1991, no montante de € 38.726.78. Invoca, em síntese, em sede de petição, o vício de falta de fundamentação das liquidações impugnadas (imposto e juros compensatórios) e vício de violação de lei por ofensa do artigo 40º, n.ºs 1 e 2 do CIRS.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra julgou procedente a Impugnação deduzida. Fundou-se, para assim decidir, que a liquidação impugnada sofre do vício de forma por falta de fundamentação, na medida em que: «[a] fundamentação do acto impugnado, tal como consta da alínea a) do probatório, verificamos que a mesma não é suficiente, razão para que conclua pela procedência da presente impugnação, anulando-se o acto impugnado.».

Discordando do decidido, a recorrente Fazenda Pública sustenta, no essencial, que «[a]s correcções efectuadas às deduções das despesas de conservação e manutenção dos prédios arrendados estão devidamente fundamentadas, já que o ora impugnante entendeu perfeitamente o acto tributário.» (conclusão XXXI, e «[t]anto assim é que usou os meios de defesa que a lei lhe concede, nomeadamente apresentou reclamação graciosa contra a liquidação de IRS e como não tivesse alcançado o seu desiderato veio posteriormente apresentar a presente impugnação.» (conclusão XXXII).

Vejamos então se procede o alegado nas ditas conclusões.

Como é, sabido, o direito à fundamentação dos actos administrativos e tributários que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos é princípio constitucional com assento no artigo 268º, n.º3 da Constituição da República Portuguesa e era também imposto pelos artigos 19º, alínea b), 21º, n.º 1, e 82º do CPT, em vigor à data.

E tal como a jurisprudência vem repetindo, a fundamentação é um conceito relativo, que varia em função do tipo legal de acto administrativo e visa responder às necessidades de esclarecimento do administrado, procurando-se através dela informá-lo do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto e permitir-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática e os motivos por que se decidiu num sentido e não noutro.

Daí que um acto só possa considerar-se fundamentado quando tanto o Tribunal como o administrado (colocado na posição de um destinatário normal) podem ficar esclarecidos acerca das razões que estiveram na base desse acto e que o motivaram. (Neste sentido, entre muitos outros, os Acórdãos do STA de 30.01.2002, proferido no processo nº 44.288, de 7.03.2002, proferido no processo nº 48.369 e de 21.01.2003, proferido no processo nº 48.447, disponíveis no endereço www.dgsi.pt).

No caso vertente, a fundamentação do acto de liquidação, deve ser o esteio, o suporte, por que foi efetuada aquela concreta liquidação e não qualquer uma outra, de molde a permitir ao contribuinte apreender os concretos factos donde ela emerge e poder determinar-se pela sua aceitação ou impugná-la, se entender que a mesma se encontra eivada de um qualquer vício que a inquine de ilegal, variando assim, a densidade fundamentadora, consoante o tipo de ato em causa e a participação ou não do mesmo no procedimento da sua formação.

No caso a fundamentação externada da liquidação quanto ao segmento colocado em crise, afigura-se-nos que a mesma permite ao seu destinatário atingir das razões de facto e de direito que justificaram a correcção dos elementos declarados, e no caso, esta percepção ou apreensão pelo Recorrente da decisão e sua motivação está patenteada nos termos em que deduziu a petição inicial, como resulta de modo em especial dos artigos 58º, 7º a 16º da douta petição inicial.

Pelo que ficou dito, considerando-se fundamentado (vertente formal) o acto de liquidação, a sentença recorrida não pode manter-se, procedendo o recurso.

DO CONHECIMENTO EM SUBSTITUIÇÃO

O conhecimento em substituição encontra legitimação no artigo 665 º do CPC, onde se estatui que os poderes de cognição do tribunal de recurso incluem todas as questões que ao tribunal recorrido era lícito conhecer, ainda que a decisão recorrida as não haja apreciado, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, cumprindo ao tribunal de recurso, assegurado que seja o contraditório e prevenindo o risco de decisões-surpresa, resolvê-las sempre que disponha dos elementos necessários.

Nos presentes autos foi dado prévio cumprimento ao dever de assegurar o contraditório (fls 155) a que alude o nº 3 do artigo 665º do CPC.

Neste contexto, nada obsta à apreciação do vício de violação de lei por ofensa do artigo 40º, n.ºs 1 e 2 do CIRS e vício de forma por falta de fundamentação quanto á liquidação de juros compensatórios, alegados na petição de impugnação, porque o conhecimento do vício de forma acima referido, prejudicou o conhecimento daqueles.

Está em causa nestes autos, o montante de 12.286.338$00 declarado a título de despesas de conservação e conservação inscritas no Anexo F da Declaração Modelo 2 de IRS apresentada para o ano de 1991.

Considerou a Administração Tributaria e Aduaneira que haveria de verificar se se encontravam preenchidas as condições para a sua aceitação para efeitos da parte final do n.º2 do artigo 40º do CIRS. E, neste particular veio a entender que as obras descritas na factura nº1, de 31.10.1991, emitida pela “C..., Lda" « não poderão considerar-se como obras de conservação a construção de salas e sanitários, na importância de Esc: 2.685.000$00, uma vez que se destinam à ampliação ou melhoramento do prédio, pelo que a sua qualificação só poderá ser a de “obras de beneficiação”, aceitando « que constituem obras de conservação a “ recuperação do telhado”, “ fornecimento e colocação do chão” e “ reparação de paredes e pinturas” no valor de Esc: 9.600.000$00». Relativamente á ultima situação, equacionado a aplicação do artigo 40º, n.º2 do CIRS, entendeu que o Impugnante não comprovou que tais despesas estavam a seu cargo, razão pela qual não estavam preenchidas as condições impostas pelos n.ºs 1 e 2 do artigo 40º do CIRS para a aceitação de despesas em montante superior ao que resulta da percentagem decorrente da presunção estabelecida no n.º2.

Na preceptiva do Impugnante a correcção mostra-se contrária à lei por duas ordens de razões: a primeira porque as obras consubstanciadas na factura emitida pela sociedade “C..., Lda." foram realizadas tendo em vista a necessidade de melhoramento das instalações, a segunda: não foi aplicado o preceituado no artigo 40º, n.º2 do CIRS.

Posto isto, vejamos.

Estabelece ao artigo 40º do CIRS (na redacção originária) que :

"1. Aos rendimentos brutos referidos no art.deduzir-se-ão, nos termos dos números seguintes, as despesas de manutenção e conservação que incumbam ao sujeito passivo e por ele sejam suportadas.

2. Tratando-se de prédios urbanos, presume-se que as despesas de manutenção e conservação correspondem, respectivamente a 15% e 20% do rendimento, excepto se, sendo superiores o sujeito passivo provar documentalmente:

a) O montante dos encargos suportados com a manutenção do prédio, nomeadamente, com a energia e manutenção de elevadores, escadas rolantes e monta-cargas. Porteiros, limpeza, energia para iluminação, aquecimento ou climatização central, administração da propriedade horizontal, prémios de seguro do prédio e taxas autárquicas;

b)O montante das despesas de conservação do prédio.».

Do preceito transcrito, decorre que existia, na redacção então vigente, uma presunção legal de existência de certa percentagem de despesas de conservação e de manutenção podendo, no entanto, ser aceites valores superiores desde que fossem respeitadas as condições cumulativas previstas nestes nºs 1 e 2 do artigo 40° do CIRS, a saber: tratar-se de despesas que incumbissem ao sujeito passivo; tratar-se de despesas efectivamente suportadas pelo sujeito passivo e encontrarem-se tais despesas documentalmente comprovadas.

Não definindo o CIRS o conceito de “ despesas de conversação”, deve valer aqui a noção civilística constante no Regime do Arrendamento Urbano-RAU - (aprovado pelo Decreto – Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro) relativa á definição de obras de conservação e a determinação de quais são as que incumbem ao senhorio.

Sob a epígrafe «Tipos de obras» prescreve o artigo 11º do RAU:

«1 - Nos prédios urbanos, e para efeitos do presente diploma, podem ter lugar obras de conservação ordinária, obras de conservação extraordinária e obras de beneficiação.

2 - São obras de conservação ordinária:

a) A reparação e limpeza geral do prédio e suas dependências;

b) As obras impostas pela Administração Pública, nos termos da lei geral ou local aplicável, e que visem conferir ao prédio as características apresentadas aquando da concessão da licença de utilização;

c) Em geral, as obras destinadas a manter o prédio nas condições requeridas pelo fim do contrato e existentes à data da sua celebração.

3 - São obras de conservação extraordinária as ocasionadas por defeito de construção do prédio ou por caso fortuito ou de força maior, e, em geral, as que não sendo imputadas acções ou omissões ilícitas perpetradas pelo senhorio, ultrapassem, no ano em que se tornem necessárias, dois terços do rendimento líquido desse mesmo ano.

4 - São obras de beneficiação todas as que não estejam abrangidas nos dois números anteriores.»

Veja-se, a este propósito o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06.07.2016, proferido no processo nº088/16, onde, para além do mais, se pode ler: «As despesas de manutenção e de conservação serão despesas que sejam necessárias à conservação e manutenção dos imóveis que são geradores de rendimento. Poderão ser, como antes definidas no Regime do Arrendamento Urbano, art. 11.º, despesas efectuadas com obras de conservação ordinária - reparação e limpeza geral do prédio, obras impostas pela Administração Pública, e, em geral, as destinadas a manter o prédio nas condições requeridas pelo fim do contrato e existentes à data da sua celebração; obras de conservação extraordinária – de reparação de defeitos de construção do prédio ou supervenientes; ou até de beneficiação do imóvel, mas sempre com repercussão no imóvel e na susceptibilidade de ele gerar rendimentos.» ( disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Revertendo ao caso, não resta dúvida que apenas as despesas relativas à obra de recuperação dos Armazéns 12 e 14 ­(recuperação do telhado, fornecimento e colocação de chão, e reparação de paredes e pinturas) são, em abstracto susceptíveis de consubstanciar despesas de conservação.

Certo que, e nos termos do artigo 12.º do RAU as obras de conservação ordinária” estão a cargo do senhorio, sem prejuízo de o inquilino as realizar, nos termos e com as limitações dos artigos 4.º e 12.º desse diploma e 1043.º do Código Civil. Contrariamente as “obras de conservação extraordinária” e obras de beneficiação”, ficam a cargo do senhorio quando, nos termos das leis administrativas em vigor, a sua execução lhe seja ordenada pela câmara municipal competente ou quando haja acordo escrito das partes no sentido da sua realização, com discriminação das obras a efectuar.

Ora, nem dos autos, nem da alegação incorporada na petição inicial existe o mínimo rasto da existência de qualquer acordo escrito entre o impugnante na qualidade de senhorio e os arrendatários dos pavilhões n.ºs 12 e 14, nem qualquer imposição camarária para a realização das ditas obras.

Para além disso, como bem refere a Administração Tributária e Aduaneira «não é possível individualizar, perante a descrição contida na factura, quais as obras realizadas em cada um dos armazéns».

No que respeita às obras descritas na factura, referentes à "construção de salas e sanitários", no montante de 2.685.000$00, entendemos que não integram o conceito de obras de conservação no sentido que a lei lhe confere. Com efeito, tais obras traduzem-se num melhoramento do prédio, e não em obras destinadas a manter as suas características enquanto fonte produtora de rendimento.

Tudo ponderado, considera-se que não se encontram preenchidas as condições a que aludem os n.ºs 1 e 2 do artigo 40º do CIRS, é, aliás, de dizer que tal como afirma a Administração Tributária e Aduaneira «não é possível individualizar, perante a descrição contida na factura, quais as obras realizadas em cada um dos armazéns».

A questão que seguidamente se coloca é a de saber se ocorre o invocado vício de falta de fundamentação relativamente à liquidação dos juros compensatórios referentes a IRS de 1991.

Alega o impugnante que não se mostram devidos juros compensatórios porque a Administração Tributária e Aduaneira tinha na sua posse as declarações e as mesmas foram entregues dentro do prazo, para além de que, todas as notificações efectuadas e documentação entregue, constata-se que foram liquidados juros desconhecendo-se o período sobre o qual incidiram.

O artigo 83º do CIRS, estabelecia: «1 - São devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido, bem como quando for retardada a entrega do imposto retido ou do que o deveria ter sido no âmbito da substituição tributária ou do imposto que autonomamente deva ser liquidado e entregue nos cofres do Estado.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se também haver lugar a juros compensatórios quando, por facto imputável ao contribuinte, este aufira reembolso superior ao devido.

3 - Os juros compensatórios contam-se dia a dia desde o termo do prazo de apresentação da declaração ou o termo do prazo de entrega do imposto retido ou autonomamente liquidado ou do que o devia ter sido até ao suprimento ou correcção da falta que motivou o retardamento da liquidação.

4 - Entende-se haver sempre retardamento da liquidação do imposto quando as declarações de rendimentos a que se refere o artigo 57.º sejam apresentadas fora dos prazos estabelecidos.

5 - A taxa de juros compensatórios corresponde à taxa básica de desconto do Banco de Portugal em vigor na data em que se tiver iniciado o retardamento da liquidação, da entrega do imposto retido ou do que o deveria ter sido ou da entrega do imposto que autonomamente deva ser liquidado e entregue nos cofres do Estado, acrescida de cinco pontos percentuais.

6 - Os juros compensatórios devidos serão liquidados conjuntamente com:

a) O imposto devido, sempre que a liquidação ou o apuramento deste devam ser efectuados pela Direcção-Geral das Contribuições e Impostos;

b) O imposto retido ou que o deveria ter sido, bem como o imposto que autonomamente deva ser liquidado e entregue nos cofres do Estado, sempre que as entidades devedoras cumpram as obrigações de entrega fora dos prazos legalmente estabelecidos.».

Por seu turno, o artigo 83.º do CPT, dispunha:

«1 - Em caso de atraso na liquidação por motivo imputável ao contribuinte, são devidos juros compensatórios.

2 - Os juros compensatórios contam-se dia a dia desde o termo do prazo de apresentação da declaração, da entrega do imposto retido ou do que o devia ter sido ou do cumprimento da obrigação, até ao suprimento ou correcção da falta que motivou o retardamento da liquidação.

3 - Os juros compensatórios não serão devidos, em caso de erro do contribuinte evidenciado na declaração, a partir dos 180 dias posteriores à apresentação desta ou, em caso de falta apurada em acção de fiscalização, a partir dos 90 dias posteriores à sua conclusão.

4 - A taxa de juros compensatórios corresponde à taxa básica de desconto do Banco de Portugal em vigor no momento do início do retardamento depois da liquidação do imposto, acrescida de cinco pontos percentuais».

No caso, resulta da al.i) do probatório que a Declaração Modelo 2 de IRS do ano de 1991, foi apresentada para além do prazo a que alude a al.b) do n.º1 do artigo 60º do CIRS, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 267/91, de 6 de Agosto, i.é., para além do final do mês de Abril de 1992.

Donde decorre, que não só a declaração de rendimentos não foi atempadamente apresentada, como foram declaradas despesas na categoria F para efeitos de dedução específica sem suporte legal.

Apreciemos, agora, a invocada falta de fundamentação da liquidação de juros compensatórios.

A liquidação de juros compensatórios, como liquidação autónoma, ainda que integrada na liquidação de imposto, tem que possuir um mínimo de fundamentação própria, tendo em vista permitir ao contribuinte aquilatar da respectiva legalidade e com ela se conformar ou impugná-la.

Neste sentido, e em termos que merecem a nossa concordância, refere-se no sumário do Acórdão do STA de 30.11.2011, proferido no processo n.º 619/11: «II-A fundamentação de uma liquidação de juros compensatórios deve dar a conhecer, no plano factual, o montante de imposto sobre o qual incidem os juros, a taxa ou taxas aplicáveis e o período da sua contagem. III-Se a declaração fundamentadora da liquidação de juros compensatórios não refere esses elementos, esse acto enferma do vício de forma por falta de fundamentação, a determinar a sua anulabilidade.» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt)

No caso vertente, analisada o acto de liquidação impugnado (cfr.al.c) do probatório) verifica-se que não contém qualquer indicação da forma como foram calculados os juros compensatórios, designadamente qual a taxa de juro utilizada, a que período se reporta, apenas contendo o seu montante.

É certo que, a fls. 148 do processo administrativo apenso está junto um print extraído do Sistema de Consultas da DGSI donde conta « JC: E D.Inic: 1992-05-16 D-DFim: 1996-02-26 Ag.». Afigura-se-nos, que se a fundamentação do acto tributário é contemporânea deste, também por esta razão as (parcas) explicitações constantes do acima referido print não poderá considerar-se como explicitação da fundamentação do acto de liquidação de juros compensatórios dado que são explicitações não externadas no acto sindicado.

E porque, o que relevava e importava era que a declaração fundamentadora da liquidação de juros compensatórios evidenciasse com clareza o seu cálculo e se não limitasse a apontar um montante global, sem se saber como este foi apurado não podemos ter a fundamentação como suficiente. E, assim sendo, a liquidação de juros compensatórios enferma do vício de forma por falta de fundamentação, a determinar a sua anulabilidade.

IV.CONCLUSÕES

I. Nos termos do artigo 40º, n.º1 do Código do IRS (na redacção originária) «Aos rendimentos brutos referidos no art. deduzir-se-ão, nos termos dos números seguintes, as despesas de manutenção e conservação que incumbam ao sujeito passivo e por ele sejam suportadas.».

II. Não definindo o CIRS os conceitos de “ despesas de conversação” e “despesa de manutenção” deve valer aqui as noções civilísticas constante no Regime do Arrendamento Urbano-RAU - (aprovado pelo Decreto – Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro) relativas à definição das mesmas e à determinação de quais são as que incumbem ao senhorio.

V.DECISÃO
Face ao exposto, acordam, em Conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em, conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, conhecendo em substituição:
a) julgar parcialmente procedente a impugnação judicial no tocante
aos juros compensatórios, cuja anulação se determina, e
b) no mais julgar improcedente a impugnação.

Custas nesta instância pelo recorrido, e por ambas as partes em 1ª instância na proporção do decaimento.

Registe e notifique.
Lisboa, 15 de Dezembro de 2016.





[Ana Pinhol]

[Jorge Cortês]

[Cristina Flora]