Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1556/18.7BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:06/06/2019
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:INFORMAÇÃO ADMINISTRATIVA
CLASSIFICAÇÃO COMO CONFIDENCIAL
Sumário:I - Não se podem discutir no incidente previsto no art. 108º-2 do CPTA as questões já discutidas e resolvidas na sentença prevista nos arts. 107º-2 e 108º-1 do CPTA.
II - Se a sentença a cumprir disse expressamente que o acesso à informação administrativa solicitada deveria ser concedido, a não ser, i.a., que a documentação em causa fosse classificada como confidencial, e tendo, entretanto, esta classificação de segurança sido feita e não posta em crise, logo se tem de concluir que não existe motivo para compelir a dar a informação confidencial.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:.

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

M………., jornalista melhor identificada nos autos, requereu no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa contra o MINISTRO DAS FINANÇAS a fixação de sanção pecuniária compulsória nos termos do art. 108º-2 do CPTA, com relação ao dever de o requerido cumprir a sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa de 25-09-2018 emitida neste processo (que intimou o requerido a facultar à requerente, no prazo de quinze dias, o acesso ao processo de auditoria ao colapso do CITIUS), e mantida por ac. deste TCA Sul.

Discutido o incidente, por despacho de 13-03-2019 o TAC decidiu:

“Vai indeferido, pois que a entidade requerida invoca como causa justificativa da recusa de acesso, a decisão de classificação da auditoria como confidencial, o que não belisca a decisão judicial (cf. fls 52 e segts do processo virtual confirmada pelo TCA-Sul (cf. fls 125 do processo virtual), na medida em que aí se admitia, como não poderia deixar de ser, face ao princípio da separação de poderes, que a Administração viesse a classificar os documentos cujo acesso negara.

Transcreve-se o seguinte excerto da decisão para maior clarificação e comodidade:

«Em síntese, atento o disposto no artigo 6.° da LADA, não tendo sido invocada a classificação do procedimento ou de qualquer dos documentos que o compõem, ao abrigo do regime do segredo de Estado, ou outros regimes legais relativos à informação classificada, não tendo sido invocado pela ED a necessidade de diferir o acesso, nos termos do artigo 6.°, n.° 4, da LADA, pois que não alegou nem comprovou ter proferida tal decisão de diferimento, deve a ED facultar à Requerente o acesso ao procedimento de auditoria - excluídos os dados pessoais, ou outros segredos que devem ser identificados pela ED, caso existam, devendo os referidos documentos, se sujeitos a restrições de acesso, ser objeto de comunicação parcial, nos termos conjugados dos artigos 1.°, n.° 1, alínea b) e 6.°, n.° 5, alínea a) e n.° 8, da LADA ou vir a ser submetidos a classificação nos termos legais». (bold inserido agora).

Não se verifica, assim, incumprimento da decisão judicial transitada em julgado.”

*

Inconformada com este despacho, a requerente interpôs o presente recurso de apelação contra aquela decisão, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:

I - Vem o presente recurso interposto do despacho proferido em 13 de março de 2019 pelo Tribunal Administrativo do Sul que indeferiu o requerimento da Recorrente no sentido de, sem prejuízo do apuramento das eventuais responsabilidades, fosse fixada uma sanção pecuniária compulsória, até ao integral cumprimento do decidido, em valor não inferior a € 100,00 (cem euros) diários, por entender não existir incumprimento da decisão judicial transitada em julgado”.

II - A Recorrente instaurou no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa intimação para a prestação de informações e passagem de certidões contra o Ministro das Finanças, juntando aos autos o Parecer 274/2018 da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, tendo o TAC de Lisboa, Por sentença de 25.09.2018, julgado a “presente intimação procedente, por provada e consequentemente, intimo(u) a ED a facultar à requerente, no prazo de 15 dias , o acesso ao processo de auditoria ao colapso do CITIUS”.

III - Por acórdão proferido em 19.12.2018, o TCAS negou provimento ao recurso apresentado pela ED e confirmou a decisão recorrida.

IV - Em 29.01.2019, a ED enviou uma carta registada dirigida pessoalmente à Juíza titular do processo comunicando-lhe que na sequência da notificação do acórdão do TCAS, confirmando a sentença da 1ª instância, havia sido remetido um ofício ao mandatário da Recorrente, em que a ED informava que o procedimento de auditoria ao CITUS, os documentos que o compunham e os respetivos resultados tinham sido objeto de classificação de confidencial.

V - Tendo em conta o trânsito em julgado do acórdão do TCAS e a recusa da ED a permitir acesso à documentação em causa, conforme havia disso decidido judicialmente com trânsito em julgado, a Recorrente apresentou no TAC de Lisboa um requerimento no sentido de, sem prejuízo do apuramento das eventuais responsabilidades, fosse fixada uma sanção pecuniária compulsória, até ao integral cumprimento do decidido, em valor não inferior a € 100,00 (cem euros) diários.

VI - No dia 28.02.19, a Srª Juíza titular do processo proferiu um despacho em que pedia à ED a apresentação da decisão administrativa de classificação e que fosse comprovado que o Senhor Ministro, ora R. tinha tomado conhecimento da decisão transitada em julgado e do pedido da sua condenação nos termos requeridos pela Recorrente.

VII - A ED limitou-se a reafirmar a classificação de confidencial que, entretanto, efetuara, alegadamente em 21 e 22 de novembro de 2018, não comprovando o que judicialmente lhe fora ordenado.

VIII - De imediato, o tribunal a quo, no despacho de que se recorre, decidiu indeferir o requerimento da Recorrente, considerando não haver incumprimento da decisão judicial transitada em julgado.

IX - O despacho em sob recurso revogou, objetivamente, o acórdão do TCAS e viola um direito fundamental dos cidadãos – o da tutela jurisdicional efetiva - já que o acórdão transitado em julgado, ao não poder ser executado, em nada aproveita à Recorrente que vira reconhecida a razão que lhe assiste quanto ao direito de acesso à documentação em causa.

X - O despacho sob recurso viola não só princípio da tutela jurisdicional efetiva, consagrado nos artigos 20º e 268º, nº 4 da CRP e no artigo 2º do CPTA como o igualmente elementar e básico princípio de direito adjetivo, consagrado no nº 1 do artº 613º do CPC: proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.

XI - Tendo em conta a qualidade de jornalista da Recorrente e o teor da informação a que pretende ter acesso para divulgação junto dos cidadãos leitores, a decisão sob recurso viola também o direito à informação e a liberdade de imprensa, consagrados nos artº 37º e 38º da CRP.

XII - Tendo em conta o efetivo incumprimento da decisão judicial transitada em julgado, deverá ser revogado o despacho sob recurso e fixada uma sanção pecuniária compulsória, até ao integral cumprimento do decidido, em valor não inferior a € 100,00 (cem euros) diários, por incumprimento da decisão judicial, assim se fazendo JUSTIÇA!

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O recorrido contra-alegou, concluindo assim:

1. O objeto do presente recurso, tal como é configurado pela Recorrente e se bem entendido, prende-se com a violação do esgotamento do poder jurisdicional quanto ao mérito, materializado com a prolação, pelo Tribunal a quo, do Despacho de 13.03.2019.

2. O referido Despacho indefere o requerimento peticionado pela Autora – de aplicação de uma sanção pecuniária compulsória –, com base no cumprimento da decisão judicial (a Sentença do Tribunal a quo, de 25.09.2018), dado a posterior classificação de “confidencial” dos documentos relativos ao procedimento de auditoria.

3. De facto, o mesmo Despacho remete para a decisão de mérito e considera que não existe “incumprimento da decisão judicial transitado em julgado”, uma vez que a própria Sentença refere que “(...) deve a ED facultar à Requerente o acesso ao procedimento de auditoria – excluídos os dados pessoais, ou outros segredos que devem ser identificados pela ED, caso existam, devendo os referidos documentos, se sujeitos a restrições de acesso, ser objeto de comunicação parcial, nos termos conjugados dos artigos 1.°, n.° 1, alínea b) e 6.°, n.°5, alínea a) e n.° 8 da LADA ou vir a ser submetidos a classificação nos termos legais. (bold inserido agora)”

4. Entende o Recorrido que não há qualquer manifestação de contrariedade ao esgotamento do poder jurisdicional quanto ao mérito da decisão judicial pretérita, muito antes pelo contrário – o referido Despacho limita-se a comunicar e a confirmar o cumprimento daquela Sentença.

5. Pois bem, atento o caso julgado operado com o trânsito da referida Sentença, andou muito bem o Tribunal a quo ao apreciar o Requerimento apresentado pela Autora, tendo precisamente em conta os limites do caso julgado já formado e que não podia ignorar.

6. Desta forma, é evidente que o conteúdo do Despacho proferido pelo Tribunal a quo não podia ser outro que não aquele, uma vez que a própria decisão de mérito que a Recorrente reputa como afetada pelo Despacho, alvo do presente Recurso, previu a possibilidade de classificação posterior dos documentos como “confidenciais”, nos termos legais.

7. O desígnio da Recorrente, através da interposição do presente recurso, não pode ser senão qualificado como contrária à própria decisão de mérito proferida, uma vez que balizados por esta o alcance e os limites do caso julgado, apenas com uma nova decisão de mérito, ou tendo a Sentença a configuração que a Recorrente lhe quer dar e não aquela que verdadeiramente tem, poderia aquele Despacho ter um conteúdo diferente.

8. Com efeito, dar provimento ao recurso interposto pela Recorrente seria afetar o caso julgado da Sentença, de 25.09.2018, bem como do Acórdão proferido neste Venerando Tribunal Central Administrativo, em 20.12.2018 e que confirmou a decisão recorrida.

9. O recurso interposto não poderá ser legalmente admitido, pois não poderá ser proferida, no presente, uma nova decisão de mérito, atentas as disposições dos artigos 619.º, n.º 1, 621.º, 628.º e ss. do CPC, aplicável “ex vi” artigo 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA e a existência de caso julgado. Ou seja, e em boa verdade, a ora Recorrente apenas poderia ter uma pretensão de alterar o conteúdo decisório da Sentença proferida em 25.09.2018, se e só se tivesse interposto recurso da mesma, ou, se fosse caso disso, tivesse interposto recurso subordinado da mesma, quanto ao segmento decisório que permitia a classificação da documentação pretendida a posteriori.

10. Neste sentido, o Tribunal ad quem deverá considerar o recurso interposto inadmissível, porque contrário à decisão já transitada em julgado, e em consequência negar provimento ao presente recurso interposto pela Recorrente.

11. Em consequência, deverá ser confirmado por esse Douto Tribunal, o Despacho ora recorrido, devendo ser mantida a decisão de indeferimento do Tribunal a quo em aplicar ao Recorrido qualquer sanção pecuniária compulsória, uma vez que não há incumprimento da decisão de mérito proferida pelo Tribunal a quo e confirmada por esse Douto Tribunal, através de Acórdão, datado de 20.12.2018.

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Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.

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II – FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – FACTOS PROVADOS (cf. SITAF)

1 – O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa emitiu, por sentença de 25-09-2018, a seguinte decisão:

“julgo a presente intimação procedente, por provada e consequentemente, íntimo a ED a facultar à requerente, no prazo de 15 dias, o acesso ao processo de auditoria ao colapso do CITIUS.”

2 – Fundamentou assim tal decisão:

“…deve a ED facultar à Requerente o acesso ao procedimento de auditoria - excluídos os dados pessoais, ou outros segredos que devem ser identificados pela ED, caso existam, devendo os referidos documentos, se sujeitos a restrições de acesso, ser objeto de comunicação parcial, nos termos conjugados dos artigos 1.º, n.º 1, alínea b) e 6.º, n.º 5, alínea a) e n.º 8, da LADA, ou vir a ser submetidos a classificação nos termos legais.”

3 – Tal decisão foi mantida pelo Ac. deste TCA Sul de 19-12-2018.

4 – O Ministro das Finanças não facultou o cit. acesso no cit. prazo à ora requerente-recorrente (admitido pelo M.F.).

5 – Entretanto, a IGF do MF classificou a documentação em causa como confidencial, invocando a Resolução do Conselho de Ministros n.º 50/88 sobre as instruções sobre a segurança de matérias classificadas (SEGNAC), bem como a Lei de Segurança Interna (Lei nº 53/2008).

6 - Tendo a requerente solicitado ao Tribunal Administrativo de Círculo a fixação de sanção pecuniária compulsória ao M.J. enquanto este não cumprir a sentença de 25-09-2018, o Tribunal Administrativo de Círculo emitiu o seguinte despacho, ora recorrido:

“Vai indeferido, pois que a entidade requerida invoca como causa justificativa da recusa de acesso, a decisão de classificação da auditoria como confidencial, o que não belisca a decisão judicial (cf. fls 52 e segts do processo virtual confirmada pelo TCA-Sul (cf. fls 125 do processo virtual), na medida em que aí se admitia, como não poderia deixar de ser, face ao princípio da separação de poderes, que a Administração viesse a classificar os documentos cujo acesso negara.

Transcreve-se o seguinte excerto da decisão para maior clarificação e comodidade:

«Em síntese, atento o disposto no artigo 6.° da LADA, não tendo sido invocada a classificação do procedimento ou de qualquer dos documentos que o compõem, ao abrigo do regime do segredo de Estado, ou outros regimes legais relativos à informação classificada, não tendo sido invocado pela ED a necessidade de diferir o acesso, nos termos do artigo 6.°, n.° 4, da LADA, pois que não alegou nem comprovou ter proferida tal decisão de diferimento, deve a ED facultar à Requerente o acesso ao procedimento de auditoria - excluídos os dados pessoais, ou outros segredos que devem ser identificados pela ED, caso existam, devendo os referidos documentos, se sujeitos a restrições de acesso, ser objeto de comunicação parcial, nos termos conjugados dos artigos 1.°, n.° 1, alínea b) e 6.°, n.° 5, alínea a) e n.° 8, da LADA ou vir a ser submetidos a classificação nos termos legais». (bold inserido agora).

Não se verifica, assim, incumprimento da decisão judicial transitada em julgado.”

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II.2 – APRECIAÇÃO DO RECURSO

Os recursos, sendo dirigidos contra a decisão do tribunal recorrido, têm o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso - cf. artigos 144º-2 e 146º-4 do CPTA, artigos 5º, 608º-2, 635º-4-5 e 639º do CPC-2013, “ex vi” artigos 1º e 140º do CPTA -, alegação que apenas pode incidir sobre as questões de facto e ou de direito que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas; sem prejuízo das especificidades do contencioso administrativo - cf. artigos 73º-4, 141º-2-3, 143º e 146º-1-3 do CPTA[1].

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Temos presente (i) tudo o que já expusemos, (ii) bem como o seguinte: (1º) a ordem jurídica ou Direito objetivo refere-se a um conjunto estruturado e unitário de regras e de várias espécies de princípios jurídicos, ordenado em função de um ou mais pontos de vista (sistema), sendo o ordenamento jurídico um sistema da sociedade, funcionalmente diferenciado, autopoiético, coerente e racional, cuja função é manter estáveis as expectativas socio-normativas independentemente da sua eventual violação (N. Luhmann), sistema esse que é aberto e alterável, nomeadamente em consequência de novos objetivos político-sociais (H. Kelsen) e do acoplamento estrutural entre sistemas sociais (N. Luhmann); (2º) hoje, o Direito administrativo é mesmo Direito constitucional democrático concretizado; (3º) existe um correto, objetivo e racional modo jurídico (vulgo “metodologia”) para conhecer e descrever o Direito (cf. H. Kelsen e a “doutrina da construção do direito objetivo em níveis” ou teoria da “estrutura escalonada das normas jurídicas” encimada ou baseada na necessariamente pensada “norma-fundamento”) e ainda uma correta, objetiva e racional metodologia para decidir processos jurisdicionais (cf. os essenciais artigos 8º a 11º do CC português quanto à interpretação e aplicação dos enunciados normativos infraconstitucionais: o omnipresente elemento filológico ou gramatical da interpretação jurídica, o essencial elemento lógico-sistemático, o auxiliar e secundário elemento pragmático-teleológico-objetivo e o inerente elemento genético-histórico; cf. J. Lamego, Elementos…, 2016), no âmbito de um Estado Constitucional, democrático e social (cf. os artigos 1º a 3º, 9º, 110º-1, 112º, 202º-1-2, 203º e 204º da CRP e os artigos 1º a 11º, 335º, 342º e 343º do CC); (4º) para compreender objetivamente o direito objetivo a aplicar pela jurisprudência dos tribunais, é mister assumir que o direito objetivo vigente não é igual à opção político-jurídica ou valorativa que está a montante das fontes (como Kelsen bem explicou), que a metódica da “jurisprudência teorética” ou dogmática jurídica ou “opinio iuris” (“ciência” jurídica), a metódica interpretativa jurisdicional e a metódica filosófica são três realidades muito distintas; (5º) o direito objetivo tem na sua natureza constitutiva o princípio estrutural da Segurança Jurídica e que as máximas metódico-interpretativas - ou postulados aplicativos - da igualdade e da proporcionalidade jurídico-administrativas, fora das vinculações jurídicas estritas, implicam um específico dever de fundamentação expressa - cf. os artigos 1º e 2º da CRP e 7º do CPA.

Destaca-se ainda, na Jurisdição do contencioso de Direito administrativo, o princípio jurídico geral da prossecução do Interesse Coletivo e Bem Comum por parte de todas as atividades de administração pública - cf. os importantes artigos 266º e 268º-3-4 da CRP.

E, por fim, como se sabe e resulta do artigo 8º-2-3 do CC: (i) o dever de obediência à lei – por todos, incluindo o tribunal - não pode ser afastado sob pretexto de ser injusto ou imoral o conteúdo do preceito legislativo[2]; (ii) nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito[3].

Passemos, assim, à análise do recurso de apelação, de modo a apurar se o Tribunal Administrativo de Círculo aplicou correta ou incorretamente o art. 108º do CPTA.

Desde já cumpre sublinhar que não se podem discutir no incidente previsto no art. 108º-2 do CPTA as questões já discutidas e resolvidas na sentença prevista nos arts. 107º-2 e 108º-1 do CPTA. Na verdade, estamos agora no âmbito de um incidente de execução ou incumprimento, próximo do que rodeia o processo de execução para prestação de facto.

Já vimos o caso julgado a respeitar e a cumprir: trata-se do cit. teor da decisão de 2018, enquadrado ou lido à luz da cit. fundamentação da mesma, fundamentação que não foi abalada em nada pelo ac. do TCA Sul.

Ora, como a sentença a cumprir disse expressamente que (vd. facto provado nº 2) o acesso à informação administrativa solicitada deveria ser concedido, a não ser, i.a., que a documentação em causa fosse classificada como confidencial pelo M.F. (cf. Lei Orgânica n.º 2/2014, de 6 de agosto - Regime do Segredo de Estado, a Lei de Segurança Interna de 2008 e a Resolução do Conselho de Ministros n.º 50/88[4]), e tendo, entretanto, esta classificação de segurança sido feita e não posta em crise, logo se tem de concluir que não existe motivo para compelir o sr. M.F. a dar a cit. informação confidencial.

É que, no contexto citado de classificação de segurança como confidencial, não permitir o acesso (a informação classificada como confidencial) é também cumprir a sentença. Pelo que não há fundamento para fixar sanção pecuniária compulsória ao abrigo do art. 108º-2 do CPTA.

Nestes termos, o singelo despacho recorrido ajuizou bem o caso, porque não desrespeitou a sua sentença anterior, nem o princípio fundamental da tutela jurisdicional efetiva, nem os arts. 37º e 38º da Constituição (a lei fundamental), nem o nº 1 do artº 613º do CPC.

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III - DECISÃO

Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com os poderes conferidos no artigo 202º da Constituição, os juizes da 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul acordam em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo da recorrente.

Lisboa, 06-06-2019


Paulo H. Pereira Gouveia (Relator)

Pedro Marchão Marques

Alda Nunes


[1] Por outro lado, nos termos do artigo 149º do CPTA, o tribunal “ad quem”, em sede de recurso de apelação, não se limita a cassar a decisão judicial recorrida, porquanto, ainda que a revogue ou a anule - isto no sentido muito amplo utilizado no CPC – deverá, desde que se mostrem reunidos nos autos os pressupostos e as condições legalmente exigidos para o efeito. decidir o objeto da causa apresentada ao tribunal “a quo”, conhecendo de facto e de Direito.
[2] Já Kant afirmava que “indagar se também os próprios decretos são justos é algo que os juristas têm de rejeitar como absurdo” (in O Conflito das Faculdades, trad., Lisboa, Ed. 70, 2017, p. 27).
[3] Esta regra de Direito substantivo, aliás integrável no escopo do art. 9º do CC de 1966, tem por objeto único o litígio a dirimir, dirigindo-se a cada juiz por causa da Segurança Jurídica e da máxima metódico-interpretativa da igualdade no caso concreto. Não significa o dever de seguimento de linhas jurisprudenciais mais ou menos repetidas ou de doutrinas apenas com base na habitualidade; e não se refere à jurisprudência uniformizante, tal como não se referia aos antigos assentos.
[4] 3.3.3 - Classificação de «Confidencial»

O grau de classificação de «Confidencial» pode ser atribuído por funcionários com responsabilidade equivalente às entidades referidas no n.º 3.3.2.1 e a delegação desta competência deverá limitar-se apenas a funcionários capazes de avaliar o conteúdo das matérias, à luz das definições das presentes instruções.