Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2311/12.3BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:03/25/2021
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:DERRAMA.
LUCRO CONSOLIDADO.
Sumário:A derrama é um imposto acessório do IRC. Nesta medida, havendo tributação pelo lucro consolidado, a derrama incide sobre o lucro do grupo fiscal.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão


I- Relatório

H..........., Lda. intentou impugnação judicial contra o acto de liquidação de IRC n.º ........... respeitante ao exercício de 2011, no valor de € 2.315,65. O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença proferida a fls. 129 e ss. (numeração do SITAF), datada de 31 de Maio de 2017, julgou a acção procedente e determinou anular parcialmente o acto de liquidação oficiosa de IRC, relativa ao exercício de 2011, na parte referente ao cálculo da derrama, condenar a Administração Tributária a restituir à Impugnante o montante pago a título de derrama e condenar a Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios sobre o valor da derrama. A Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional contra a sentença, conforme requerimento de fls. 154 e ss. (numeração do SITAF). Alega nos termos seguintes:

«A. In casu, está em causa o acto de liquidação de IRC n.º ..........., respeitante ao exercício de 2011, no valor de € 2.315,65 euros, correspondente à derrama.

B. Sendo que a vexata quaestio em apreço, tem que ver com o facto de a Recorrida ter impugnado aquele acto de liquidação, por discordar do entendimento asseverado pela AT e veiculado no Oficio-circulado n.º 20132, de 14.04.2008 quanto ao modo de apuramento da derrama.

C. Pelo que, deveria ter sido dada uma maior acuidade ao escopo do vertido na Informação elaborada pela Divisão de Justiça Contenciosa (cfr. fls. 93 a 98 do PA junto aos autos);

D. Assim como do teor do Parecer de fls. 99 do PA junto aos autos;

E. Tudo devidamente condimentado e com arrimo no respeito pelo princípio da legalidade (art. 103.º da nossa mater legis).

F. Em face do exposto, não foi devidamente relevado pelo respeitoso Tribunal a quo, o acervo documental acima elencado, pois que, a tê-lo sido, o itinerário decisório a implementar pelo respectivo areópago, de certo, que teria sido outro.

G. Decidindo como decidiu, o respeitoso Tribunal a quo não apreciou e/ou valorou, como deveria, o teor do acervo documental existente nos autos, mormente, não considerou como deveria o teor da Informação elaborada pela Divisão de Justiça Contenciosa (cfr. fls. 93 a fls. 99 do PA junto aos autos);

H. Assim como do teor do Parecer de fls. 99 do PA junto aos autos;

I. E, não o tendo feito correctamente, retirou ilações jurídicas daquele acervo documental que conduziu a uma errada interpretação e aplicação do direito aos factos, mormente das normas legais supra vazadas ao caso concreto.

J. Aliás, tudo assim, conforme melhor é explanado e vertido, no sentido propagado pela aqui Recorrente, nos itens 17.º ao 30.º das Alegações de Recurso (motivação stricto sensu) que supra se aduziram e das quais as presentes Conclusões são parte integrante.

K. Por conseguinte, salvo o devido respeito, que é muito, o Tribunal a quo lavrou em erro de julgamento.


X

A recorrida H..........., Lda, apresentou contra-alegações ao recurso interposto, expondo conclusivamente o seguinte:

«A) Atento o teor das alegações de Recurso da IRFP dever-se-á absolver da instância a IMPUGNANTE ora RECORRIDA, por verificada a incompetência absoluta do Tribunal, dado que o presente recurso, ao discutir exclusivamente matéria de direito, deveria ter sido apresentado junto da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, conforme previsto no artigo 280 º, n º 1 do CPPT;

B) Nesse âmbito, verifique-se que a IRFP não aprecia ou solicita o aditamento ou a exclusão de qualquer Facto ao ‘elenco dos factos dados como provados’ na Douta Sentença recorrida, limitando-se exclusivamente a discordar da interpretação jurídica dada às normas em discussão nos autos e, mais em concreto, à interpretação dada ao artigo 14.º, n. º 1 da Lei n º 2/2007;

C) Já especificamente quanto ao teor das alegações de Recurso apresentadas pela IRFP, liminarmente se refira que a interpretação jurídica constante da Douta Sentença Recorrida é unanime e pacificamente sufragada pela Jurisprudência - incluindo pelo próprio STA -, no sentido de que a derrama devida ao abrigo do RETGS deve ser calculada com base no lucro tributável apurado pela sociedade dominante (incluindo lucros e prejuízos das sociedades que compõem o Grupo), e não com base no lucro tributável individual de cada uma das sociedades. 


X

O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal, foi regularmente notificado e pronunciou-se pela incompetência absoluta, do tribunal de recurso, em razão da hierarquia.

X

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

X

II- Fundamentação.

A sentença recorrida assentou na seguinte fundamentação jurídica:
«A) No exercício de 2011, a Impugnante era a sociedade dominante de um grupo de sociedades, que optaram pela aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades - cfr. fls. 28 dos autos;
B)    A Impugnante, na qualidade de sociedade dominante, apresentou em 31 de Maio de 2012, através da plataforma informática disponibilizada pela Administração Tributária, declaração de rendimentos, modelo 22, de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas do ano de 2011, do grupo de sociedades, a que foi atribuído o código de declaração n.º 3107- C5614-14, na qual não foi apurada derrama - cf. fls. 28 a 35;
C)    Na mesma data e qualidade, a Impugnante, apresentou através da plataforma informática disponibilizada pela Administração Tributária, declaração de rendimentos, modelo 22, de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas do ano de 2011, do grupo de sociedades, na qual foi apurado derrama no valor de € 2.325,65 - cf. fls. 37 a 42;
D)   O valor da derrama indicado na alínea C) foi calculado pelo somatório das derramas calculadas e indicadas individualmente por cada uma das sociedades pertencentes ao grupo, de acordo com as orientações genéricas da Administração Tributária, emitidas através do ofício circulado nº 20132, de 14 de Abril de 2008, da Direcção de Serviços do IRC - cfr. documento de fls. 37;
E)    Em 3/7/2012 foi emitida a liquidação oficiosa n.º de IRC n.º ...........8, respeitante ao exercício de 2012, apurando o valor da derrama no valor de € 2.325,65 e valor total a reembolsar de € 13.361,13 - cf. fls. 26;
F)    A Impugnante foi reembolsada o valor resultante da liquidação referida em E) por transferência efectuada em 31/7/2012 - cf. fsl. 26;
G)   Em 24/8/2012 a Impugnante deduziu a presente impugnação - cfr. selo postal aposto a fls. 76 dos presentes autos.

Com interesse para a decisão da causa, inexistem factos alegados e não provados.

A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame crítico das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.»


X

Ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC adita-se a seguinte matéria de facto:

H) Através do Ofício Circulado n.º 20132, de 14.04.2008, relativo a “IRC – Liquidação de Derrama – Regimes Especiais de Tributação, a AT veiculou o entendimento seguinte:
«No âmbito do regime especial de tributação de grupos de sociedades, a determinação do lucro tributável do grupo é feita pela forma referida no artigo 64.º do Código do IRC, correspondendo à soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais. // Se é verdade que nas declarações periódicas individuais não há um verdadeiro apuramento de colecta, o mesmo já não se pode dizer relativamente ao lucro tributável. // Com efeito, cada sociedade apura um lucro tributável na sua declaração individual. Assim, para as sociedades que integram o perímetro do grupo abrangido pelo regime especial de tributação de grupos de sociedades, a derrama deverá ser calculada e indicada individualmente por cada uma sociedades na sua declaração, sendo preenchido, também individualmente, o Anexo A, se for caso disso. // O somatório das derramas assim calculadas será indicado no campo 364 do Quadro 10 da correspondente declaração do grupo, competindo o respectivo pagamento à sociedade dominante, em consonância com o entendimento sancionado por despacho de 2008-03-13, do substituto legal do Director-Geral».


X

2.2. Direito

2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre o alegado erro de julgamento quanto ao direito aplicável, em que terá incorrido a sentença recorrida, no que respeita ao modo de liquidação da derrama de 2011.

2.2.2. A sentença julgou procedente a impugnação, considerando que o entendimento da AT, segundo o qual, «para as sociedades que integram o perímetro do grupo abrangido pelo regime especial de tributação dos grupos de sociedades, a derrama deverá ser calculada e indicada individualmente por cada uma das sociedades na sua declaração, sendo preenchido, também individualmente, o anexo A, se for caso disso», é contrário à lei, porquanto «poderia um grupo de sociedades, tendo optado pela tributação pelo RETGS, ser tributado, em sede de IRC, pelo lucro consolidado, sendo tratada como uma única entidade fiscal, recebendo, porém, tratamento diverso em sede de derrama».

Antes de mais, cumpre referir que por despacho de 08.01.2021, do Senhor Juiz-Conselheiro, foi declarada a incompetência em razão da hierarquia do STA para conhecer do recurso e determinada a competência deste TCAS para o efeito.

2.2.3. A recorrente censura o veredicto que fez vencimento na instância. Assaca ao mesmo erro quanto ao direito aplicável.

Apreciação. O preceito do artigo 14.º, n.º 1 da Lei n.º 2/2007, de 15/01 (Lei das Finanças Locais)[1], determinava que «[o]s municípios podem deliberar lançar anualmente uma derrama, até ao limite máximo de 1,5% sobre o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), que corresponda à proporção do rendimento gerado na sua área geográfica por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e não residentes com estabelecimento estável nesse território».

Por via da alteração imposta pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (com início de vigência em 1 de Janeiro de 2012), o preceito do artigo 14.º/8, da Lei n.º 2/2007, de 15/01, passou a determinar o seguinte: «Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, a derrama incide sobre o lucro tributável individual de cada uma das sociedades do grupo, sem prejuízo do disposto no artigo 115.º do Código do IRC».

A este propósito, constitui jurisprudência fiscal assente a de que, «[d]e acordo com o actual regime da derrama que resulta da Lei das Finanças Locais, aprovada pela Lei 2/2007, de 15 de Janeiro, a derrama passou a incidir sobre o lucro tributável sujeito e não isento de IRC. // Sendo aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, face à redacção do art.º 14.º da Lei das Finanças Locais anterior à Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, a derrama devia incidir sobre o lucro tributável do grupo e não sobre o lucro individual de cada uma das sociedades. // O art.º 14.º, n.º 8, da Lei das Finanças Locais, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 57º da Lei do Orçamento do Estado para 2012 (Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro) é uma norma inovadora e não interpretativa»[2]..

Por outras palavras, a derrama, até ao exercício de 2011, inclusive, no caso de haver opção pela tributação do lucro consolidado, deve ser calculada com base no lucro tributável do grupo e não de forma individualizada, atendendo ao lucro de cada sociedade que integra o perímetro de consolidação. Orientação que ora se reitera, por ser a que resulta dos normativos legais em vigor, no que respeita à tributação pelo lucro consolidado (artigos 69.º a 71.º do CIRC). Do exposto se infere que o Ofício Circulado n.º 20132, de 14.04.2008, bem como a presente liquidação adicional que no mesmo se baseou, enfermam do vício de violação de lei, o que determina a anulação da segunda, como se decidiu na sentença sob escrutínio.

Mais se refere que a «existência da derrama está condicionada à existência do imposto principal (IRC). Trata-se assim de um imposto acessório que acresce ao imposto principal, de cuja existência prévia depende (…). // É da sua natureza de imposto acessório que decorre a forma de cálculo da derrama. // Assim os impostos acessórios ou são calculados sobre a colecta do imposto principal (os chamados adicionais) ou então calculam-se sobre a matéria colectável (…). // No caso do novo regime do art° 14° da Lei das Finanças Locais a derrama passou a incidir, até ao limite máximo de 1,5% sobre o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas deixando de incidir sobre a colecta, ou seja, deixou de ser um adicional ao IRC para passar a ser um adicionamento (…). // Mas não perdeu, por isso, a característica de imposto acessório, na medida em que carece de autonomia e depende do imposto principal (…). // Assim mantendo a derrama contornos de imposto acessório do IRC, e não resultando da Lei das Finanças Locais (na redacção então em vigor) regras específicas de apuramento da respectiva base de incidência nos casos de aplicação do RGTLC, haverá que seguir para o respectivo cálculo as regras do imposto principal (IRC)»[3].

Ao seguir o entendimento referido, a sentença recorrida não merece censura, pelo que deve ser confirmada na ordem jurídica.

Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.


DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Registe.

Notifique.

O Relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão as restantes Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Desembargadoras Lurdes Toscano e Maria Cardoso.


(Jorge Cortês - Relator)

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[1] Versão vigente.

[2] Acórdão do STA, de 02.05.2012, P. 0234/12. No mesmo sentido, V. Acórdão STA, de 09-01-2013, P. 01302/12 e Acórdão do STA, de 22-01-2014, P. 01714/13.
[3] Acórdão do STA, de 02.05.2012, P. 0234/12.