Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:959/11.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:09/30/2021
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:SISA,
TRADIÇÃO
Sumário:I. Nos termos do disposto n.º 2, do § 1 do art. 2.º do CIMSISSD consideram-se transmissões de propriedade as promessas de compra e venda, logo que verificada a tradição para o promitente-comprador (incidência real);

II. À data da verificação do facto tributário, se o Impugnante ainda não havia cedido a sua posição contratual no contrato promessa, mantém a sua qualidade de promitente-comprador, pelo que é o sujeito passivo do imposto, pois a sisa é devida por aqueles para quem se transmitem os bens (incidência pessoal – art. 7.º do CIMSISSD).

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por F..., contra o indeferimento de anulação da liquidação de Imposto Municipal de Sisa, inserta no conhecimento n° 165/2000, do Serviço de Finanças de Lisboa 9, no valor de 830.297$00/€4.141,50, elaborada para a aquisição de uma loja situada na Avenida J..., em Lisboa, indeferimento esse proferido em recurso hierárquico, depois de suscitada reclamação graciosa, onde tal anulação fora pedida inicialmente.

A Recorrente apresentou as suas alegações e formulou as seguintes conclusões:
«
1.ª Nos termos do n. º2 do §1 do art. 2.º do CIMSISSD o contrato-promessa de compra e venda é havido como transmissão para efeitos de Sisa desde que se verifique a tradição para o promitente comprador.
2.ª Foi celebrado um contrato-promessa de compra e venda entre o Impugnante e a cooperativa de habitação "I... - C... CRL", tendo havido entrega das chaves.
3.ª Ocorrida a entrega das chaves como o próprio Impugnante declarou presume-se a tradição do bem imóvel para efeitos de tributação em sede de Imposto Municipal de Sisa.
4.ª O impugnante cedeu a sua posição contratual, tendo para o efeito comunicado a cedência à promitente vendedora.
5.ª O contrato definitivo de compra e venda subjacente ao referenciado contrato-promessa veio a ser celebrado entre a referida cooperativa e a sociedade comercial "L...".
6.ª. O imposto liquidado é devido pelo impugnante e, porque não pago, nunca poderia ser anulado nos termos do art. 152.º do CIMSISSD.
7.ª Ainda que tivesse sido pago, não haveria lugar à anulação da liquidação de Sisa, uma vez que entendemos ter havido tradição do bem imóvel para o Impugnante.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a improcedente a condenação da Administração Tributária DECIDINDO V. EX.AS FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.»

A recorrida apresentou as suas contra-alegações, tendo formulado as conclusões seguintes:
«27º O recorrente não critica a sentença recorrida, no que concerne à prova produzida e factos provados e não provados, não apontando qualquer vicio ou erro na interpretação de normas, limitando-se apenas a discordar da douta sentença, invocando os mesmos fundamentos utilizados na contestação, devidamente apreciados, refutados e fundamentados na sentença em análise.
28º O Tribunal "a quo” considerou e bem como facto provado que não houve tradição do imóvel, uma vez que o recorrido efectuou um contrato de promessa de compra e venda com o promitente vendedor e posteriormente cedeu a sua posição contratual a título gratuito.
29º O recorrido acedeu ao imóvel para verificar as obras (nos 3 dias em que teve as chaves), mas já tinha cedido a sua posição contratual a título gratuito á L..., por isso, fê-lo na qualidade de sócio da empresa, não se podendo considerar que houve tradição do imóvel para si enquanto pessoa singular.
30º O recorrido e a empresa L... são pessoas jurídicas completamente diferentes e tal corno considerou e bem o Meritíssimo juíz “a quo'' é legalmente vedada a incidência do tributo em pessoa diversa, por analogia, nos termos do art.8º, n.º1, 11.º, n.º4 da LGT.
31º O recorrido não obteve nenhuma vantagem patrimonial, com a cedência de posição contratual e consequentemente também não houve tradição do imóvel.
32º Conforme Acordão do Tribunal Central Administrativo do Sul, processo 03593/09, de 18/05/2010. (...) “VII) - Para efeitos de fundar a presunção ínsita no n-º 2° do artº 2° do Csisa tem a AT de provar que entre o promitente comprador e o terceiro que adquiriu em definitivo a fracção prometida vender, foi acordada uma revenda segundo um determinado figurino jurídico, isto é, a celebração de um negócio que para aquele traga vantagens económicas. Impõe-se, pois, que a AT prove a existência de tal negócio produzindo efeitos que recaiam enquanto tais na previsão da norma tributária, caso em que, por força do n.º 2.º se pode presumir a tradição jurídica dos bens. VIII) - E não basta para preencher o requisito - acordo de revenda - a mera diferenciação de sujeitos entre o que se compromete a comprar e o que efectivamente compra.
33º Também é entendimento do tribunal Central Administrativo do Sul, que para existir presunção de tradição jurídica, em consequência da cessão da posição contratual, tem que existir prova em como o impugnante obteve lucro para si com a cedência, conforme Acórdão de 22/11/2005, proferido no processo n°698/95:
"Não se aceita que a mera realização do contrato de cessão da posição contratual constitua só por si uma manifestação reveladora da capacidade negocial do cedente "
34º Cabia á AT fazer prova da existência da tradição ou da vantagem patrimonial, o que não sucedeu, pois um acto tributário não pode incidir em meros juízos de valor por parte da AT!
35º Não há lugar a tributação, porque não se encontra verificado/ preenchido o facto que lhe daria causa (que seria ou a tradição ou o beneficio do recorrido retirado pela cedência da posição contratual), nos termos do n.º 2 do Código Imposto Municipal Sisa, nada obstando a que seja anulada a liquidação do imposto municipal de Sisa, com fundamento na não celebração do negócio pretendido.
36º Pois tal anulação é possível quando o acto para cuja realização se procedeu á liquidação do tributo não chega a verificar-se, não dá lugar a uma situação fática de posse ou fruição do bem cuja transmissão se pretendia pela contrato que não se realizou.
37º Além de que se assim não fosse seria uma violação do princípio de acesso á justiça e aos tribunais, consagrado constitucionalmente, pois o recorrido reagiu á ilegalidade da liquidação de acordo com os meios legais que tinha ao seu alcance, pois nem poderia ser de outra forma!
Pelo exposto,
Nestes termos e nos melhores de direito não deve ser dado provimento ao recurso e consequentemente, deverá manter-se a sentença recorrida fazendo-se a acostumada justiça.»
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O Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

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As questões invocadas pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito, uma vez que a Fazenda Pública entende o seguinte:
i) nos termos do disposto no n.º 2, do § 1 do art. 2.º do CIMSISSD, o contrato-promessa de compra e venda é havido como transmissão para efeitos de SISA desde que se verifique a tradição para o promitente comprador, o que sucedeu no caso dos autos em que foi entregue as chaves ao Impugnante, pelo que se presume a tradição do imóvel;
ii) o imposto é devido pelo Impugnante, e porque não pago nunca poderia ser anulado nos termos do disposto no art. 152.º do CIMSISSD, e ainda que pago não haveria anulação por causa da tradição.

II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:



1. O Impugnante, F..., celebrou em 18 de novembro de 2006, com I...- C..., C. R. L., com base num direito de superfície constituído até 29 de dezembro de 1997 e numa licença de construção emitida pela Câmara Municipal de Lisboa, com o n°!26, de 14 de outubro de 1996, um contrato pelo qual ele prometeu comprar àquela, e esta vender-lhe, pelo preço de 6.615.000$00/€32.995,48, um espaço destinado a loja comercial, com 88,20m2, correspondente a uma fração autónoma na cave de um prédio a construir em propriedade horizontal, no "lote 4", na Avenida J..., em Lisboa e à data ainda, portanto, sem inscrição matricial, ou descrição registral.

2. Além do mais convencionaram que a quantia correspondente a metade do preço seria paga em duas frações iguais: uma aquando da conclusão da obra (25% do preço total), a outra aquando da outorga da escritura de compra e venda (25% do preço total), bem como que o espaço seria entregue ao Impugnante com a conclusão da obra em todos os seus acabamentos e remates, à exceção do que se refere ao piso, que seria em tosco, e das paredes interiores, que seriam em simples reboco.

3. Ainda, acordaram então em que o Impugnante poderia indicar outra pessoa como compradora da loja.

4. Nesse contexto, em 3 de mato de 2000 o Impugnante pediria à Administração Tributária lhe fosse liquidado Imposto Municipal de Sisa, em vista da celebração do contrato de compra e venda da loja em regime superficiário, agora já a fração autônoma designada pela letra "B", segunda cave loja "n°10" do prédio erguido como "bloco D" no mencionado "lote 4", constituído em propriedade horizontal, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Marvila sob o art....°, descrito na 8ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob a ficha n°..., mas da freguesia de Santa Maria dos Olivais -, tendo-o a si como adquirente, pelo preço de 8.302.971$00/€41.415,04, o que lhe foi efetuado pelo conhecimento n°165/2000 dessa data, importando a dívida de imposto em 830.297$00/ €4.141,50.

5. Contudo, a mulher do Impugnante opor-se-ia a que a loja fosse exclusivamente adquirida por ele, pois que casados um com o outro sob o regime de separação de bens, pelo que este comunicaria à I..., em 6 de maio de 2000, que a loja seria comprada pela sociedade L... - Indústria e Comércio Alimentar, Lda., detida e gerida pelo casal, a qual acedia desse modo à posição do Impugnante, no contrato referido no ponto 1.

6. E, de facto, na sequência desses acontecimentos, a compra e venda em vista da qual fora pedida e elaborada a liquidação referida no ponto 4. não se realizou, tendo a L... passado a utilizar a loja como armazém; simultaneamente, o Impugnante protagonizara comportamento análogo àquele descrito no ponto 4., relativamente, pelo menos, a uma loja próxima daquela, com o n°9, fração "C", no mesmo edifício.

7. O Impugnante recebeu, em 5 de janeiro de 2000, as chaves da loja em causa, bem como as das lojas n.º 6, 8 e 9, situadas no mesmo edifício.

8. Na sequência de um orçamento que fora pedido pela L..., de 18 de abril de 2000, foram instaladas em data desconhecida, mas até 5 de janeiro de 2001, grades de proteção nas aberturas da loja, àquela sociedade tendo sido dirigidos os orçamento e faturação, emitidos pela firma que procedeu a esses trabalhos.

9. Pelo menos até 22 de outubro de 2001, o preço acordado entre a cooperativa e o Impugnante, para aquisição da loja referida no ponto 1., foi integralmente pago por este.

10. Quando a cooperativa obteve a competente licença de utilização para poder, enfim, alienar a loja referida no ponto 1. esta seria comprada, a 27 de janeiro de 2006, por uma instituição financeira, em beneficio da L..., como locatária financeira desta instituição.

11. Uma vez que aquando da liquidação de Imposto Municipal de Sisa referida no ponto 4. a fração que a loja constituía ainda não tinha um valor patrimonial atribuído, a Administração Tributária instaurou nessa sequência o procedimento adequado à sua determinação.

12. Dado o valor que fixou à fração correspondente à loja, a Administração Tributária teve de elaborar uma liquidação adicional de Imposto Municipal de Sisa, tendo o Impugnante como seu adquirente, da qual emergiu dívida a esse título no valor de 609.703$00/€3.041,19 [incluindo juros compensatórios, bem como, a título de Imposto de Selo, a divida de 4.878$00/€24,33], sob o conhecimento n°15/2003.

13. De tanto notificou a Administração Tributária o Impugnante, em 25 de janeiro de 2001, e para pagar a dívida em 30 dias, o que ele não fez, tal como não fizera em relação à liquidação originária.

14. Na verdade, já em 28 de setembro de 2001 o Impugnante requerera a anulação da liquidação referida no ponto 4., sob a invocação de que não chegara a celebrar o negócio de aquisição da loja, bem como a 17 de dezembro de 2003 o reiterou, ora extensivo à liquidação adicional, pedindo ainda que o bem fosse na matriz retirado da sua titularidade - sob a qual a fração fora inscrita, na sequência do supra-mencionado pedido de liquidação de Imposto Municipal de Sisa.

15. Este pedido do Impugnante relativo à liquidação de Imposto Municipal de sisa foi convolado pela Administração Tributária em reclamação graciosa [com o nº 3328200704000234, do Serviço de Finanças de Lisboa 9], cuja decisão, de 7 de maio de 2007, lho indeferiu e, notificado, dela recorreu hierarquicamente [recurso hierárquico nº 3/2007 - ou [MTIRH-60/2008] em 7 d agosto de 2007, vindo nesse recurso a ser proferida decisão de novo indeferido do pedido, por despacho de 7 de março de 2011, sob a consideração de que, independentemente da data de realização da escritura, o Impugnante recebera as chaves da fração em causa nos autos (e as da outra já referida e de outras ainda), embora estas na qualidade de representante da L..., sendo que em 18 de abril de 2000 ele já geria a loja, altura em que pediu um orçamento de duas grades de proteção, que depois instalou, donde se concluía ter havido tradição, para o Impugnante, da fração em causa nos autos, o que nos termos do art.2° §1 nº2 do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações é equiparado a transmissão, para efeitos de tributação em sede de Imposto Municipal de Sisa, donde que não ocorra motivo de anulação das liquidações referidas.

16. Tal decisão desconsiderou documento emitido pela cooperativa, porque embora sendo emitido como coetâneo ou pouco posterior à data dos acontecimentos nele referidos - 2000 e 200 I - contudo continha menções pré-impressas, nos suportes em papel com o seu timbre (como seja: o capital social estar expresso em euros em vez de o estar em escudos, o código postal ser o atual e não o de então, bem como indicativo telefónico), que demonstravam ser bem ulterior a esses factos.

17. O Impugnante apresentou a petição na origem dos presentes autos em 11 de abril de 2011.

18. Na sequência dos factos referidos nos pontos 12-13., foi instaurado, no Serviço de Finanças de Lisboa 9, a 11 de setembro de 200 I, a execução fiscal visando a cobrança coerciva da dívida de imposto determinada pela liquidação referida no ponto 12., sendo que lhe foram sendo depois apensadas outras execuções, respeitantes a outros tributos relacionados com a mesma loja e outras, em seu nome liquidadas e, pelo seu apenso n°3328200501001132, instaurado a 25 de janeiro de 2005, visa-se a cobrança coerciva da liquidação mencionada no ponto 4.., em todos os casos incluindo os demais acréscimos e as custas dos próprios processos.

Não há outros factos provados, com relevo para a decisão, sendo não provados os que, com essa relevância, se mostram incompatíveis com a matéria de facto provada. Com essa mesma pertinência, não resultou provado, dentre o alegado, que:

1. O Impugnante haja devolvido as chaves da loja referida no ponto 4. da matéria de facto provada, que recebera da cooperativa na data referida no ponto 7. dessa secção.

2. O Impugnante, na sequência da receção das chaves da loja referida no ponto 4. da matéria de facto provada e até ser celebrado o negócio mencionado no ponto 7. dessa secção, se tenha beneficiado pessoalmente de algum poder ou faculdade, de direito ou de facto, conferidos pela disponibilidade fática sobre a fração e/ou pelo facto de ser ele quem figurava no contrato referido no ponto 1. da matéria de facto provada como promitente comprador, que não tivesse sido em beneficio direto da própria sociedade L..., de que era sócio e gerente.

Não há outros factos não provados com a relevância temática que supra foi assinalada ao tema dos autos.

A convicção do Tribunal para julgar provados os factos que mereceram esse juízo probatório assentou na análise crítica e conjugada de toda a prova documental junta aos autos, tanto pelo Impugnante, como constante, designadamente, de ambos procedimentos, a reclamação graciosa e o recurso hierárquico apensos (na verdade este inserto na continuação da autuação da reclamação graciosa, como ela de difícil leitura, dada a autuação truncada, desconexa e irracional desses autos) e resultou, ainda, do teor dos atos nesses procedimentos tomados, bem como do teor ancilar do processo executivo, também apenso.
Assim, no que conceme ao teor dos pontos 1., 2. e 3. da matéria provada, o neles consignado resultou da cópia do teor do contrato de fls.41-44 dos autos e também do teor do Registo Predial sobre o edifício, cuja certidão consta do processo executivo apenso. O teor do consignado sob o ponto 4. assentou no teor do conhecimento originário da liquidação de Imposto Municipal de Sisa constante, nomeadamente, de fls. 11 da reclamação graciosa/recurso hierárquico. Já para o que consignado ficou sob os pontos 5.-6. o Tribunal socorreu-se da invocação desses factos pelo Impugnante, em conjugação com o teor da certidão do Registo Predial, acerca do regime de bens do seu casamento com sua mulher, a propósito de um outro bem, e igualmente, da cópia extraída de outra certidão, mas do Registo Comercial, a propósito da sociedade L..., constante aquela do processo executivo apenso, a suas fls.70-75 e esta última a fls.34-38 da reclamação graciosa/recurso hierárquico, que corroboram o que fora alegado, convencendo-se da emergência de problemas na negociação da fração entre os membros do casal, por estar de acordo quer com os acontecimentos que sobrevieram e resultam também provados, máxime a não celebração imediata da aquisição quando era já possível, nomeadamente na constância do pagamento do seu preço, na data que ficou provada, rectius: até àquela em que ficou provado que o preço já estava pago, em conjugação ainda com a temporalidade do pedido de liquidação do tributo, bem como, ainda, perante a identidade da beneficiária final da alienação, quando esta por fim tem lugar, em regime de locação financeira; o emprego da loja como armazém resulta, porém, já da sua invocação pelo Impugnante em conjugação com as fotos com que documentou o seu pedido à Administração Tributária, de fls.41ss. da reclamação graciosa/recurso hierárquico e o mais em conjugação com o conhecimento do mesmo tributo liquidado, mas destinado à tributação de outra fração do mesmo edifício, de fls.18 da execução apensa. O consignado sob o ponto 7. é suportado pelo Tribunal com base no teor da declaração de fls.17 da reclamação graciosa/recurso hierárquico, constituindo declaração do próprio Impugnante, de que não há quaisquer motivos para duvidar, tanto mais que dele resulta que foi exarado para documentar a entrega, coeva, das ditas chaves das lojas, num contexto não conflituoso, a que se seguiria, poucos meses volvidos, tanto o seu pedido de orçamento e instalação de grades, a que se referem o orçamento e fatura de fls.39-40 da reclamação graciosa/recurso hierárquico, como localização temporal consentânea, como sobretudo aquele pedido consequente, descrito no ponto 4., em conjugação ainda com a emissão da declaração, relacionada, da cooperativa, constante de fs.l6 da reclamação graciosa e recurso hierárquico, acerca do pagamento do preço como tendo ocorrido já antes de (, ou até,) 22 de outubro do ano seguinte. Quanto ao que consignado ficou sob o ponto 8. o Tribunal baseou-se no teor dos já referidos orçamento e fatura de fls.39-40 da reclamação graciosa/recurso hierárquico, cuja localização temporal é coerente com os demais comportamentos havidos em relação à loja em causa nos autos. Do mesmo modo, o que ficou exarado no ponto 9. é suportado pelo Tribunal no teor da declaração de fls.I6 da reclamação graciosa/recurso hierárquico, da cooperativa, e de que também não há quaisquer motivos para duvidar, tanto mais que resulta do seu teor, outrossim, que à data da sua expressão, ela foi pedida pelo próprio Impugnante, ou por alguém agindo no seu interesse e, como dito, conjugando-se temporal com o pedido de liquidação do tributo e do referido orçamento e instalação de grades. O consignado sob o ponto 10. assentou-o o Tribunal no teor da escritura constante, nomeadamente, de fls.48-52 dos autos. Já por sua vez o consignado sob os pontos 11-12. assentou-se com base no descrito no título executivo que faz, designadamente, fls.2-5 dos autos executivos e no conhecimento que faz suas fls.16. O teor do consignado no ponto 13.-14.-15.-16. resulta dos requerimentos do Impugnante, o de fls.l3 dos autos executivos apensos, quanto ao não pagamento da liquidação do ponto 4., em conjugação com o título executivo a tanto respeitante, os mais que subscreveu e foram referidos, resultam tanto desses autos como dos procedimentos percorridos que eles mesmos suscitaram, bem da tramitação que despoletaram e das decisões proferidas nos procedimentos de reclamação graciosas e de recurso hierárquico, apensos a estes autos, com essa origem. Por fim, o consignado sob o ponto 17. resulta da petição de fls.9ss. destes autos e, finalmente, o consignado sob o ponto 18., resulta dos próprios autos executivos citados.

Tal documentação serve de suporte demonstrativo dos factos nela contidos, na medida em que a sua fidedignidade não foi posta em causa, nem se mostra controvertida, sendo que sobre a sua correspondência com os originais não se suscitou dúvida alguma, muito menos foi posta em causa, art34°n°2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, mostrando-se assim tais suportes documentais meios idôneos para prova dos factos neles consignados. A documentação com origem em documentos públicos, não sendo a sua conformidade com os respectivos originais posta em causa, nem oferecendo eles dúvidas sobre tanto, cabe-lhe a força probatória da sua fonte, nos termos dos arts.369°n°1, 370°n°1 e 371°n°1 do Código Civil, em conjugação com o seu art.383°n°1 o caso das certidões; e os demais documentos mencionados, em face da sua não impugnação, constituem-se em meio ídóneo para a prova dos factos e declarações nelas consignados, sendo certo que no confronto da petição com a contestação também se não configuram como repositório de um conteúdo controverso quanto à sua ocorrência histórica, como se extrai do cotejo da petição com a contestação, sendo que sempre lhes aproveitaria o disposto no art.34°n"2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Com efeito, onde as partes discordam entre si é no limite temporal da subsistência desses e no conteúdo ou na imputação real e efetiva dos factos neles descritos, além já, portanto, além do que neles consignado ou atestado está.

A matéria que resultou não provada ficou a dever esse juízo negativo sobre a sua ocorrência histórica devido à absoluta falta de prova sobre aquela consignada sob o ponto 1., num contexto de prova de comportamentos, de resto ativos, relativos à loja, que de todo inclusive contrariam - se é que em rigor não provam -a não devolução das chaves desse espaço comercial à cooperativa. E, relativamente ao consignado no ponto 2. desta secção, ele resultou não provado através da prova concludente dos factos que, embora protagonizados pelo Impugnante, o foram em nome e agindo no interesse da sociedade. Com efeito, os comportamentos relativos à fração, independentemente de quem fisicamente os haja protagonizado, maxime o Impugnante, surgem no âmbito e escopo de instalação da L... no edificado e, nomeadamente, no espaço comercial em causa. Assim, se resultam provados esses comportamentos ativos descritos na matéria de facto provada, eles não resultam enquanto atos imputáveis ao Impugnante, mas antes à sociedade que, de resto, acabaria por adquirir, ou melhor: tornar-se locatária financeira do espaço em causa. Ora, o que de tudo isso resulta é que o Impugnante atuou inicialmente em nome próprio, depois em nome da sociedade mas continuando a comportar-se como inicialmente, qual mandato sem representação, sem que estes comportamentos possam ter-se como seus, no sentido de a si mesmo referidos, antes apenas se podendo tê-los como da sociedade: este o sentido preciso do que consignado ficou neste ponto 2. da matéria de facto julgada não provada.»

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Conforme resulta dos autos, o Meritíssimo Juiz do TT de Lisboa julgou procedente a impugnação judicial, entendendo, em síntese, que é de anular a liquidação por não ter sido celebrado o negócio pretendido pelo Impugnante, ou seja, por não ter sido celebrada a escritura pública, e não ter havido tradição nos termos do n.º 2, do § 1 do art. 2.º do CIMSISSD para o Impugnante, mas para uma sociedade da qual este faz parte.

A Recorrente Fazenda Pública não se conforma com o decidido entendendo, em síntese, que a sentença enferma de erro de julgamento, porquanto, nos termos do disposto no n.º 2, do § 1 do art. 2.º do CIMSISSD, o contrato-promessa de compra e venda é havido como transmissão para efeitos de SISA desde que se verifique a tradição para o promitente comprador, o que sucedeu no caso dos autos em que foi entregue as chaves ao Impugnante, pelo que se presume a tradição do imóvel. Por outro lado, o imposto é devido pelo Impugnante, e porque não pago nunca poderia ser anulado nos termos do disposto no art. 152.º do CIMSISSD, e ainda que pago não haveria anulação por causa da tradição.

Vejamos.

Ao abrigo do art. 662.º, n.º 1, do CPC adita-se à matéria de facto o seguinte ponto:

19) Em 06/05/2000 o Impugnante remeteu uma carta à sociedade “I... – C..., CRL” na qual pede “autorização” para a cedência da sua posição contratual no contrato-promessa referido no ponto 1 da matéria de facto, para a sociedade “L...-Indústria e Comércio Alimentar, Lda” (cf. documento junto pelo Impugnante no procedimento de reclamação graciosa, a fls. 32 do apenso).

Prosseguindo.

Conforme resulta dos autos, o Impugnante, na qualidade de promitente-comprador, celebrou em 18/11/1996, um contrato-promessa de compra e venda com uma Cooperativa para a compra de um imóvel (cf. ponto 1 da matéria de facto assente). No contrato-promessa, as partes acordaram, para além do mais: i) 25% do preço do imóvel só seria pago com a outorga da escritura de compra e venda; ii) a loja seria entregue com a conclusão dos trabalhos previstos para a mesma; iii) a escritura poderia ser outorgada em nome do Impugnante ou de quem este indicasse (cf. ponto 2 e 3 da matéria de facto).

Em 5/01/2000 o Impugnante recebeu as chaves da loja em causa nos autos, bem como outras 3 chaves referentes a outras frações (cf. ponto 7 da matéria de facto assente).

Ora, posteriormente a esses factos, em 03/05/2000, o Impugnante declarou junto da AT que queria efetuar o pagamento da Sisa que seria devida pela compra da fração (cf. ponto 4 da matéria de facto assente), sendo instaurado o processo de avaliação do imóvel, nos termos do disposto no art. 109.º do CIMSISSD (cf. ponto 11 da matéria de facto assente), que vem originar a liquidação impugnada (cf. ponto 12 da matéria de facto assente).

Em 06/05/2000 o Impugnante dirigiu ao promitente-vendedor do imóvel em causa nos autos uma carta na qual solicitava “autorização” para a cedência da posição contratual do imóvel em causa, à sociedade “L...”.

Em 2001 o Impugnante apresentou junto da AT um pedido de anulação de tal liquidação com o fundamento de que a escritura de compra e venda do imóvel não se concretizou em seu nome (cf. ponto 14 e 15 da matéria de facto).

A AT após convolar o requerimento em reclamação graciosa entendeu indeferir o requerido, o qual foi objeto de recurso hierárquico, de igual modo indeferido com o fundamento de que a anulação da liquidação de SISA não poderia ser concedida, uma vez que teria havido tradição do imóvel para o promitente-comprador Impugnante, uma vez que o Impugnante recebeu as chaves do imóvel, o que comprova a tradição, e portanto, a SISA seria devida nos termos do disposto no n.º 2, do § 1 do art. 2.º do CIMSISSD.

Portanto, a questão que se coloca é saber, face à matéria de facto que foi dada como provada, se houve, ou não, tradição do imóvel em causa para efeitos da norma de tributação, nomeadamente, para efeitos do disposto no n.º 2, do § 1 do art. 2.º do CIMSISSD.
Ora, na sentença recorrida entendeu-se que a tradição do imóvel ocorreu para o Impugnante, mas na qualidade de sócio-gerente da sociedade “L...”, e nessa medida, a liquidação não se poderia manter.

Efetivamente, na sentença recorrida entendeu-se que as chaves do imóvel foram recebidas pelo Impugnante na qualidade de sócio-gerente da “L...”, e que aquele agiu em nome e no interesse desta sociedade, porque, por um lado, esta sociedade, em 18/04/2000, pediu um orçamento de grades destinado ao imóvel, que foram efetivamente instaladas (cf. ponto 8 da matéria de facto), e por outro lado, a escritura pública de compra e venda do imóvel em causa nos autos veio a realizar-se em 27/01/2006, sendo comprador um Banco que declarou que o imóvel se destina a ser dada em locação financeira à “L...” (cf. ponto 10 da matéria de facto).

Porém, não podemos concordar com a decisão da 1.ª instância que enferma de erro de julgamento de facto e de direito.

Vejamos.

Nos termos do disposto n.º 2, do § 1 do art. 2.º do CIMSISSD consideram-se transmissões de propriedade as promessas de compra e venda, logo que verificada a tradição para o promitente-comprador.

In casu, resulta provado que houve um contrato-promessa de compra e venda, no qual já se previa a escritura poderia ser feita em nome do promitente-comprador (Impugnante) ou de quem este indicasse. Por outro lado, no contrato promessa ficou também estipulado que a tradição da loja ocorreria em momento anterior à escritura de compra e venda, ou seja, ocorreria logo que fosse entregue a conclusão dos trabalhos previstos.

Ou seja, resulta inequívoco do contrato-promessa de compra e venda que as partes acordaram que a tradição do imóvel ocorreria em momento anterior ao da escritura pública, ou seja, na data da conclusão da obra. E na verdade, é também inequívoco que o imóvel saiu da posse do promitente-vendedor, pois as chaves foram entregues ao Impugnante, não sendo controvertido nos autos que a tradição do imóvel objeto do contrato-promessa existiu.

A questão é que o Impugnante tem defendido a tese, acolhida pela sentença recorrida, de que a tradição do imóvel objeto do contrato-promessa, operou para a “L...”, uma vez que o Impugnante é sócio-gerente dessa sociedade, sendo esta quem detinha a efetiva posse do imóvel, e assim se entendeu na sentença recorrida, e nessa medida, anulou-se a liquidação. Porém, entendemos que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito.

Efetivamente, como já referimos não há dúvidas que por força do contrato-promessa celebrado com o Impugnante se verificou a tradição do imóvel em momento anterior à celebração da escritura de compra e venda, pois não é controvertido que a loja saiu da posse do promitente-vendedor, e as chaves entregues ao Impugnante em 05/01/2000. Aliás, é por ter havido tradição que o Impugnante, em 03/05/2000, declarou junto da AT que queria efetuar o pagamento da Sisa que seria devida pela compra da fração.

Ora, a verdade é que nessa data em que são entregues as chaves ao Impugnante (05/01/2000), este ainda era o promitente-comprador naquele contrato, não tendo havido qualquer alteração jurídica da sua posição contratual, ainda não tinha ocorrido a cedência da sua posição contratual para a “L...”, e nessa medida, não colhe a argumentação de que recebeu as chaves na qualidade de sócio-gerente daquela sociedade, até porque, por um lado, o que prevalece são as relações jurídicas contratuais existentes, in casu, na posição jurídica do Impugnante no contrato-promessa, e por outro lado, resulta das regras da experiência comum que o promitente-vendedor quando entregou às chaves ao Impugnante que ainda assumia a qualidade de promitente-comprador no contrato promessa, estava a cumprir o contrato celebrado com o Impugnante que previa a entrega do imóvel quando as obras estivessem terminadas.

A circunstância da tradição do imóvel ter ocorrido por força do contrato-promessa e para o promitente-comprador, conduz à verificação dos requisitos da incidência real do imposto previsto no n.º 2, do § 1 do art. 2.º do CIMSISSD, que dispõe no sentido de que se consideram transmissões de propriedade as promessas de compra e venda, logo que verificada a tradição para o promitente-comprador.

Ademais, esta conclusão de que a tradição ocorreu para o promitente- comprador (Impugnante) não é afastada pela restante prova produzida nos autos, designadamente, não é afastada pelo facto de a sociedade “L...” ter pedido um orçamento para instalação de grade para a loja, uma vez que esse orçamento data de 18/04/2000, ou seja, é anterior à data em que terá ocorrido a cedência de posição contratual do Impugnante para a “L...”, e portanto, nessa data é manifesto que o Impugnante ainda assumia a posição contratual de promitente-comprador no contrato-promessa em causa.

Na verdade, resulta dos autos que só em data posterior a estes factos, bem como em data posterior ao pedido do Impugnante junto da AT para a liquidação da SISA, ou seja, pelo menos depois de 06/05/2000, é que poderá ter havido uma cedência da posição contratual do Impugnante, para a sociedade “L...”. Efetivamente, é nessa data em que o Impugnante dirige ao promitente-vendedor do imóvel uma carta na qual solicitava “autorização” para a cedência da posição contratual do imóvel em causa, à sociedade “L...”. Ora, pese embora os autos não documentem em que data aquela cedência ocorreu, dúvidas não há que a mesma se verificou, uma vez que em 2006 foi celebrada a escritura pública de compra e venda do imóvel por um Banco em que a sociedade “L...” toma em leasing o imóvel.

Deste modo, ainda que a sociedade “L...” tenha tido a posse efetiva do imóvel, como alega o Impugnante, então é porque este, na qualidade de promitente-comprador a quem foi dada a tradição do imóvel pelo promitente-vendedor por força do contrato-promessa, entendeu, conceder a sua posse do imóvel para um terceiro, o que claramente não é oponível à AT.

Portanto, como vimos, nos termos do disposto n.º 2, do § 1 do art. 2.º do CIMSISSD consideram-se transmissões de propriedade as promessas de compra e venda, logo que verificada a tradição para o promitente-comprador (incidência real). À data da verificação do facto tributário consubstanciado na tradição do imóvel objeto do contrato-promessa para o promitente-comprador, quem assumia essa qualidade era o Impugnante, e nessa medida, este é o sujeito passivo do imposto, pois a sisa é devida por aqueles para quem se transmitem os bens (incidência pessoal – art. 7.º do CIMSISSD).

Pelo exposto, a sentença recorrida que assim não decidiu enferma de erro de julgamento de facto e de direito, devendo ser revogada, e consequentemente, julgada a impugnação judicial improcedente, concedendo-se provimento ao recurso.

Em matéria de custas o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual paga custas a parte que lhes deu causa. vencida na Recorrida, esta deu causa às custas do presente processo (n.º 2), e, portanto, deve ser condenada nas respetivas custas (n.º 1, 1.ª parte).


Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)

I. Nos termos do disposto n.º 2, do § 1 do art. 2.º do CIMSISSD consideram-se transmissões de propriedade as promessas de compra e venda, logo que verificada a tradição para o promitente-comprador (incidência real);
II. À data da verificação do facto tributário, se o Impugnante ainda não havia cedido a sua posição contratual no contrato promessa, mantém a sua qualidade de promitente-comprador, pelo que é o sujeito passivo do imposto, pois a sisa é devida por aqueles para quem se transmitem os bens (incidência pessoal – art. 7.º do CIMSISSD).

DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção, da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, revogar-se a sentença recorrida, julgando-se a impugnação judicial improcedente.
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Custas pela Recorrida.
D.n.
Lisboa, 30 de setembro de 2021.

A Juíza Desembargadora Relatora
Cristina Flora

A Juíza Desembargadora Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Juízes Desembargadores Tânia Meireles da Cunha e Susana Barreto