Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1019/20.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/11/2021
Relator:VITAL LOPES
Descritores:RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO;
REVERSÃO;
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO;
RECLAMAÇÃO;
CONTENCIOSO DE MERA ANULAÇÃO.
Sumário:1. De acordo com o disposto no art.º 23/3 da LGT, «Caso, no momento da reversão, não seja possível determinar a suficiência dos bens penhorados por não estar definido com precisão o montante a pagar pelo responsável subsidiário, o processo de execução fiscal fica suspenso desde o termo do prazo de oposição até à completa excussão do património do executado, sem prejuízo da possibilidade de adopção das medidas cautelares adequadas nos termos da lei».
2. Cabe ao responsável subsidiário fazer prova dos pressupostos de que depende a suspensão da execução contra si, nomeadamente, que à data do pedido a SDO tem património susceptível de excussão.
3. Porém, se sobre pedido dirigido pelo revertido à execução para suspensão do processo contra si com fundamento na pendência de insolvência para liquidação da SDO, a AT se limita a comunicar que ele, revertido, só logra a suspensão da execução na pendência de oposição ou impugnação nos termos do art.º 169.º do CPPT, a alegação da Fazenda Pública na reclamação judicial de que a prova que acompanhou o pedido do revertido é insuficiente ao deferimento da pretensão, não pode ser tomada em consideração pelo tribunal na decisão sobre a reclamação posto que não integra os pressupostos do acto reclamado.
4. Tal é um corolário do contencioso de mera anulação em que se inserem as reclamações judiciais interpostas ao abrigo do disposto no art.º 276.º e ss. do CPPT.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I. RELATÓRIO

A Exma. Representante da Fazenda Pública, recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a reclamação apresentada por L........ contra o despacho do órgão da execução fiscal que lhe indeferiu o pedido de suspensão da cobrança e de não aplicação de medidas cautelares até que se ache excutido o património da sociedade devedora originária no âmbito do PEF n.º…………., revertido contra ele, reclamante.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes e doutas conclusões:
«
A - Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença proferida nos autos à margem melhor identificados, que julgou procedente a reclamação apresentada por L........., anulando o despacho reclamado, com a consequente suspensão dos efeitos da reversão enquanto não estiverem executados todos os bens da sociedade devedora originária.

B - Discorda a Fazenda Publica, com o devido respeito, do entendimento sufragado na douta sentença, e com o mesmo não se conforma, porquanto padece, a douta sentença, de erro de julgamento de facto [por ter errado na seleção e valoração da prova] e de direito [por não ter feito uma correta interpretação e aplicação das normas estabelecidas mormente aos artigos 36º nº3; 52º e 74º nº 1 todos da LGT e artigos 85º nº 3; 169º e 170º todos do CPPT e ainda artigo 342º do CC.].

C – Entende a Fazenda Pública que o Douto Tribunal levou ao Probatório, factos / documentos, que, salvo devido respeito, não os poderia ter levado, revelando-se estes fundamentadores estruturantes para o raciocínio da M. Juiz, inquinando a D. sentença que se recorre de ilegalidade plena, uma vez que influíram para a boa decisão da causa e a descoberta da verdade material.

D - Pelo que, de molde a subsumir a situação real respigada dos autos à boa decisão da causa, o Probatório deverá ser corrigido de acordo com a verdade factual, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 662.º do CPC.

E - O Tribunal não deveria ter dado como provado o facto L da forma como foi, lavrando no erro de valoração e seleção da prova.

F - O reclamante juntou aos autos certidão emitida pelo Serviço de Finanças de Lisboa 3, donde constam prints retirados do google, aquando das pesquisas efetuadas para instruir o processo em termos administrativos, e não qualquer informação oficial acerca da alegada insolvência da devedora originária, ou os bens de que é detentora.

G - Foi o reclamante que veio alegar a existência de uma insolvência e a existência de bens, logo é ao mesmo que compete fazer a respetiva prova, ao abrigo do plasmado no art.º 342 do Código Civil e art.º 74º da LGT.

H - Ora, salvo o devido respeito, tal facto / documento [leia-se certidão], não deveria ter sido levad
a ao probatório, por não consistir num documento oficial que ateste a situação patrimonial da devedora originária.

I - O tribunal a quo assenta a sua convicção na ideia de que existe um processo de insolvência e que este ainda está em curso, com base numa certidão que o reclamante, ora recorrido, juntou, mas que apenas se trata de um aglomerado de papeis (ditos prints) retirados do google.

J - Perante esta inexistência de bens e na ausência da indicação por parte do recorrido de outros bens (ele melhor que ninguém estaria na condição de obter quaisquer documentos que atestassem que a devedora originária era detentora de quaisquer outros bens), a suspensão da execução só poderia operar-se pela apresentação de garantia ou na sua dispensa, conforme despacho reclamado.

K - Ao que acresce o facto de nos termos do disposto no artigo 36.º, n.º 3 da LGT, a administração tributária não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, nem suspender o processo de execução fiscal, salvo nos casos expressamente previstos na lei.

L - O Reclamante requereu, junto do órgão de execução fiscal, a suspensão do processo de execução fiscal com fundamento na falta de excussão prévia do património da sociedade devedora originaria, requereu ainda a indicação do valor da garantia a prestar e sem prejuízo do exposto, requereu, antecipadamente, a dispensa da prestação de garantia, por o valor da dívida exequenda ser muitíssimo elevado, conforme facto provado H.

M - E que, nesta sequência, o órgão de execução fiscal notificou o Reclamante do ato reclamado, o ofício em que lhe comunica que o processo de execução fiscal só pode ser suspenso com a prestação de garantia idónea, fixando, para o efeito, o valor de 1.319.281,23€, cfr. facto provado I.

N - Acrescente-se que, importa referir que o benefício da excussão prévia dos bens penhoráveis do património da sociedade devedora originária não obsta à concretização da reversão, impondo apenas que a execução dos bens da titularidade do revertido, na qualidade de responsável subsidiário, só possa prosseguir depois de terem sido penhorados e vendidos

O - Pois que o objetivo imediato da reversão não é cobrança coerciva da dívida tributária através do património deste, mas, outrossim, o de o chamar à execução e de ver assim garantida a possibilidade de posteriormente executar o respetivo património, com a finalidade de solver a dívida tributária.

P - Motivo pelo qual não é fundamento suscetível de providenciar pela suspensão do processo de execução fiscal, podendo o mesmo ser aventado em sede de oposição à execução fiscal.

Q - Ora, perante a não indicação de bens da devedora originária, não tendo apresentado garantia conforme acima exaustivamente descrito, ou não requerendo a sua dispensa, não pode, salvo o devido respeito, o processo de execução fiscal ser suspenso.

R - Perante o discorrido, concluímos que não sofre o despacho reclamado de qualquer censura, violando a D. Sentença o disposto nos artigos 36º nº3; 52º e 74º nº 1 todos da LGT e artigos 85º nº 3; 169º e 170º todos do CPPT e ainda artigo 342º do CC.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a oposição improcedente, quanto à matéria aqui discutida.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO
A COSTUMADA JUSTIÇA!».


O Recorrido apresentou contra-alegações, que culmina com as seguintes e doutas conclusões:
«
«imagens no original»

Termos em que,
Deve o Recurso da Fazenda Pública ser julgado totalmente improcedente mantendo-se em consequência, a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, que anulou o despacho do órgão da execução fiscal reclamado pelo recorrido».

Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo, foi dada vista ao Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto que emitiu mui douto parecer no sentido da improcedência do recurso, devendo manter-se o julgado por não padecer de quaisquer vícios, nomeadamente, os que lhe vêm imputados.

Com dispensa dos vistos legais dada a natureza urgente do processo, e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, analisadas as conclusões das alegações do recurso, a questão nuclear que importa decidir reconduz-se a saber se “in casu” estão reunidos os pressupostos de que depende a suspensão do processo de execução fiscal contra o responsável subsidiário, nos termos previstos no art.º 23/3 da Lei Geral Tributária.
***

III. FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS
Na sentença recorrida deixou-se factualmente consignado:
«
Com interesse para a decisão a proferir, consideram-se documentalmente provados, atendendo, ainda, à posição processual assumida pelas partes nos respectivos articulados, os factos referidos no ponto I supra e, bem assim, os seguintes factos:

A. Em 23 de Fevereiro de 2015, foi instaurado, contra a sociedade B........, o processo de execução fiscal (PEF) n.º ........ (que corre por apenso ao processo n.º ........), para cobrança coerciva de dívidas de IVA e juros compensatórios dos períodos de Março, Abril e Maio de 2010, no montante total de € 843.768,55 (cf. doc. n.º 1, junto com a p. i., informação prestada pelos serviços em 10 de Julho de 2020, artigo 3.º da contestação e PEF incorporado nos autos do processo n.º 1016/20.6BELRS, disponível para consulta no SITAF);

B. Por despacho de 5 de Novembro de 2018, foi determinada a notificação do Reclamante para efeitos do exercício do direito de audição prévia relativamente ao projecto de reversão, com os seguintes fundamentos (cf. PEF incorporado nos autos do processo n.º 1016/20.6BELRS, disponível para consulta no SITAF):
«imagem no original»































».
*

A Recorrente impugna a decisão de facto vertida no ponto L) do probatório. De facto, embora ali se refira certidão, trata-se de um documento em língua inglesa de 23 fls., desacompanhado de tradução, que a AT meramente certifica constar do processo executivo n.º ........ aps.

Por outro lado, da análise do documento não resulta evidente tratar-se de documento oficial com acesso disponibilizado por via electrónica, mas antes de documento particular, através do qual o liquidatário (“liquidator”) que o subscreve relata os progressos conseguidos, no período de 16/06/2017 a 15/06/2018, na liquidação de bens (“ED E........ (in Liquidation) – Liquidator´s Progress Report to Members and Creditors for the year ending 15 June 2018”).

Mais, não se alcança – nem a sentença o indica – em que passagem do documento se baseou para afirmar que dele resulta que o processo de insolvência para liquidação da sociedade devedora originária “se mantém activo até todos os processos de contencioso administrativo e fiscal se encontrarem resolvidos”.

Assim, na procedência da impugnação da decisão de facto, altera-se a redacção daquele ponto L) do probatório, que passa a ser a seguinte:

L) Consta dos autos um documento em língua inglesa designado “ED E........ (in Liquidation) – Liquidator´s Progress Report to Members and Creditors for the year ending 15 June 2018”, através do qual o liquidatário da insolvência que o subscreve (“liquidator”) relata os progressos conseguidos, no período de 16/06/2017 a 15/06/2018, na liquidação de bens daquela sociedade (doc. extraído do PEF apenso ao proc.º 1016/20.6BELRS e junto a estes autos mediante certidão executiva).

B.DE DIREITO

Estabilizado o probatório, é com ele que avançamos na apreciação das demais questões do recurso.

Como referimos já, a questão a dirimir apresenta-se relativamente simples e, essencialmente, reconduz-se a indagar se estão reunidos os pressupostos de que depende a suspensão do processo de execução fiscal contra o responsável subsidiário, nos termos previsto no art.º 23/3 da Lei Geral Tributária.

De acordo com o disposto nesse art.º 23/3, «Caso, no momento da reversão, não seja possível determinar a suficiência dos bens penhorados por não estar definido com precisão o montante a pagar pelo responsável subsidiário, o processo de execução fiscal fica suspenso desde o termo do prazo de oposição até à completa excussão do património do executado, sem prejuízo da possibilidade de adopção das medidas cautelares adequadas nos termos da lei».

Como escreve Jorge Lopes de Sousa, “CPPT – Anotado e Comentado”, vol. III, 6.ª ed., Áreas Ed., 2011, a pág.66, «efectuada a reversão, a execução fica suspensa desde o termo do prazo da oposição até à completa excussão do património, o que significa que a reversão não tem como objectivo imediato a cobrança coerciva da dívida tributária através do património do responsável subsidiário, mas apenas garantir a possibilidade de ulteriormente vir a efectuar, eventualmente, essa cobrança coerciva (…)».

E no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12/07/2018, tirado no proc.º 0789/17, deixou-se consignado: «a execução fiscal não prosseguirá contra o revertido enquanto não findar o processo de insolvência e se tiver apurado se, e em que medida, os bens da sociedade originária devedora são insuficientes para o pagamento da dívida exequenda, assim se assegurando o benefício da excussão prévia».

Revertendo aos autos, o que se constata é que a Administração tributária alega não estarem reunidos os pressupostos de que depende a suspensão da execução na medida em que não há prova – que ao reclamante, ora recorrido, incumbia fazer – de que a sociedade devedora originária (sociedade de direito alemão B........, NIF……….), possui património susceptível de excussão.

Sucede, porém, salvo o devido respeito, que essa narrativa da Fazenda Pública não tem aderência à realidade que sobressai do probatório e dos autos.

Com efeito, o que se verifica é que invocando a pendência de um processo de insolvência para liquidação da sociedade ED E........ incorporante da sociedade devedora originária, o ora recorrido dirigiu à execução um pedido de suspensão do processo contra si, nos termos do disposto no art.º 23/3 da Lei Geral Tributária.

E a AT, silenciando qualquer pronúncia sobre esse particular fundamento do pedido de suspensão, nomeadamente, quanto à validade ou suficiência probatória do documento apresentado (a que se refere o ponto L) do probatório), respondeu unicamente no sentido de se impor como necessária a prestação de garantia nos termos do art.º 169.º do CPPT caso o revertido, aqui recorrido, pretendesse obter a suspensão da execução na pendencia dos processos de oposição ou impugnação judicial.

Portanto, a questão da validade probatória do documento oferecido pelo recorrido para fundar o pedido de suspensão da execução contra si nos termos do art.º 23/3 da LGT não chegou sequer a ser equacionada no acto notificado ao aqui recorrido por ofício de 13/11/2019, a que se refere o ponto I) do probatório.

Salienta-se que, muito embora não se alcance nos autos nem conste do probatório, o teor do acto notificado por aquele ofício, a verdade é que a recorrente, como seria do seu decisivo interesse processual, que há mais fundamentação relevante para além da vertida na notificação.

Assim, sem prejuízo das diligências complementares que entenda pertinentes empreender no sentido da obtenção de informação actualizada sobre o estado do processo de insolvência da SDO, nomeadamente em vista do alterado ponto L) do probatório, certo é que o acto reclamado, comunicado ao aqui recorrido por ofício n.º 12.799 de 13/11/2019 (cf. ponto I) do probatório), não pode manter-se na ordem jurídica na medida em que se limitou a demandar ao revertido a prestação de garantia ao abrigo do disposto no art.º 169.º do CPPT como se essa fosse a única possibilidade de suspensão da execução, sem ter ponderado a possibilidade da sua suspensão ao abrigo do disposto no art.º 23/3 da LGT, ainda que para concluir, (bem ou mal, não interessa agora), pelo indeferimento do pedido à luz do que, na óptica da AT deverá ser a exigência probatória relativamente aos pressupostos de facto enunciados naquele art.º 23/3 da Lei Geral Tributária para suspensão da execução contra o revertido após o termo do prazo de oposição.

A sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu é de confirmar inteiramente, sendo de negar provimento ao recurso.
*
A circunstância de o recurso não envolver especial complexidade na solução jurídica das questões colocadas, conjugada com o facto de o montante da taxa de justiça devida (nos termos da tabela I-B anexa ao Regulamento das Custas Processuais) ser manifestamente desproporcionado em face do concreto serviço prestado, quebrando a relação sinalagmática inculcada no pagamento da taxa, justifica a dispensa total do pagamento do remanescente da taxa de justiça (cf. artigo 6.º n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais), o que se determinará no dispositivo do acórdão.

IV. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente, sem prejuízo da dispensa total de pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Lisboa, 11 de Fevereiro de 2021

[O Relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Juízes–Desembargadores integrantes da formação de julgamento, Luísa Soares e Cristina flora].

Vital Lopes