Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07303/14
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:02/19/2015
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:FACTOS PROVADOS/FACTOS NÃO PROVADOS
NULIDADE
ERRO DE JULGAMENTO
GESTÃO DE FACTO
Sumário:I - A nulidade da sentença, consubstanciada na contradição entre os fundamentos da decisão e esta, prevista no artigo 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, só existe quando os fundamentos invocados na decisão conduzem, num processo lógico, a solução oposta à adoptada e não quando esta se mostra sustentada numa interpretação de facto e de direito distinta da defendida pela Recorrente.
II – O facto de o Tribunal dar como provado que uma determinada declaração foi emitida, enviada e recebida pela Administração Fiscal, não significa que os factos descritos ou alegados naquela declaração se mostrem provados, conclusão que, estando impugnado o teor da referida declaração, terá de ser extraída da prova que sobre esses concretos factos tenha sido realizada.
III - Por outro lado, se a circunstância de se dar como provado um facto significa que não há dúvidas que ele se verificou, dar um facto como não provado apenas significa que tal facto ficou por apurar e não que o seu contrário se provou.
IV - É gerente de facto quem, actuando em nome de uma sociedade, negoceia e celebra contratos tendo em vista a concretização do objecto social daquela, produção de filmes, e assume, ainda, nessa produção, a qualidade de responsável máximo.
V – Não resultando do probatório que a prática de tais actos típicos de gerência subsistiam à data de constituição do tributo ou terminus do prazo legal do seu pagamento, deve o Oponente ser declarado parte ilegítima e determinada, quanto à sua pessoa, a extinção da execução fiscal.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

1. Relatório

José ................................................ deduziu Oposição Judicial ao despacho de reversão contra si proferido no âmbito da execução fiscal nº .................................e apensos, que corre termos no Serviço de Finanças de Lisboa 4, originariamente instaurada contra “...................... - ..................., Lda”., por dívidas de Imposto Sobre o Valor Acrescentado dos anos de 2003 a 2005, Imposto de Rendimento Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas do exercício de 2005 e coimas.

Por sentença do Tribunal Tributário de Lisboa foi a referida Oposição Judicial julgada procedente quanto aos processos de execução fiscal fiscal n.°s ...................................., .................................., ................................; ................................; ............................, na parte relativa à certidão de dívida n.º....................., referente ao não pagamento da coima devida pela falta de apresentação da declaração anual de informação contabilística e fiscal, e processo de execução fiscal n°................................, na parte relativa à certidão de dívida n°................., referente à falta de entrega da Modelo 22 do exercício de 2005”, cuja extinção foi determinada e, no mais, julgada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.

Inconformada com o decidido, na parte em que se julgou procedente a Oposição, a Fazenda Pública recorreu, aduzindo, em conclusão, os seguintes fundamentos:

«1. Por mais deficientes que por vezes as leis se apresentem, quase tudo nelas pode ser corrigido pela sua adequada interpretação, o que no caso em apreço, com o devido respeito, que é muito, não foi alcançado pelo Tribunal a quo. Pelo que, bastaria que fosse dada uma maior acuidade ao escopo do vertido nos art.º64°;art 191°, n°1; artº252°; artº253°; artº260° e 261° n°1, todos do CSComerciais; arts. 248° a 250° do CComercial; art. 487°, n°2 do CCivil; art.342°, n°1 do CCivil; art.24° e 74°, n°1 da LGT; art. 11° n°1 do CRComercial e art. 13° do CPPTributário.

2. conjugadamente com a mais recente jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, para além de todo o acervo probatório documental e testemunhal junto ao processo sub judice para que, perfunctoriamente, se pudesse aquilatar pela improcedência da OPOSIÇÃO aduzida pelo Oponente/Recorrido, maxime, para que melhor se pudesse aferir pela improcedência de qualquer vício, erro ou falta de pressupostos do despacho de reversão que in casu operou e imputou a responsabilidade subsidiária do aqui oponente/recorrido.

3. O respeitoso Tribunal a quo, que julgou num determinado sentido que perante a matéria de facto dada como assente, devidamente conjugada com o acervo factual dado como não provado e com os elementos constantes dos autos,

4. mormente da prova documental e testemunhal que foi apurada, não tem a devida correspondência com o modo como as normas que constituem o fundamento jurídico da decisão a quo deveriam ter sido interpretadas e aplicadas.

5. No âmbito do processo de Oposição supra melhor identificado, foi proferida a decisão a quo, a qual, na parte que aqui se recorre, decidiu julgar parcialmente procedente a Oposição apresentada pelo Recorrido e consequentemente, extinguir a execução quanto ao mesmo, porquanto, considerou o areópago a quo que "cabendo à Fazenda Pública o ónus da prova de gerência de facto e nada se tendo provado sobre se o oponente era, ou não, gerente de facto, a ausência de prova tem que ser valorada contra a Fazenda Pública."

6. Na verdade, consta do aresto recorrido que «Entende o órgão de execução fiscal que a responsabilidade do oponente no referido período se funda no art. 253°, nº1 do CSC, o qual dispõe que «Se faltarem definitivamente todos os gerentes, todos os sócios assumem por força da lei os poderes de gerência até que sejam designados os gerentes.»

7. Também constando plasmado na fundamentação da douta decisão a quo, que "...o entendimento da Fazenda pública mostra-se em contradição com os pressupostos legais de que depende a reversão e com as regras de repartição do ónus da prova quanto ao exercício de facto da gerência consagradas no art.13° do CPT e no art. 24° da LGT, conjugados com os art. 342°, n.° 1 do CCivil e art. 74°, n.° 1 da LGT."

8. Mais sendo cimentado no douto aresto a quo, no sentido de que, as normas supra elencadas, "...nunca permitem presumir a gerência de facto partindo da gerência de direito, quer a qualidade de gerente de direito decorra do contrato quer decorra de deliberação social quer decorra de uma norma legal."

9. Considera o Tribunal a quo que o ónus daquela prova recai-a sobre a Fazenda Pública. E que, não obstante, a Fazenda pública nada prova ou sequer alega quanto ao sobredito, e na medida em que não o faz, logo falecem os pressupostos em que se consubstanciou o despacho de reversão em apreço

10. Identificando-se nas premissas que subjazem à fundamentação acima explanada, o Tribunal a quo, decidiu que, quanto a esta temática, "...decorre que o despacho de reversão padece de erro quanto aos pressupostos, o que implica a sua anulação.".

11. O Tribunal a quo não valorizou a prova documental junta aos autos, mormente de documentos constantes de fIs. 185, 188 e 189 do Processo de Execução Fiscal apenso aos autos sub judice, os quais, por economia processual, se dão aqui por integralmente vertidos para os devidos efeitos legais.

12. Assim vai dito, porquanto, é inegável que o Oponente/recorrido exerceu a gerência de facto, efectivamente agindo na qualidade de representante legal/gerente da devedora originária, designadamente, atento o teor e a realidade material que subjazem àqueles documentos!

13. E não tendo o areópago a quo devidamente valorizado a prova documental supra referida, ficou erroneamente prejudicado o conhecimento da efectiva gerência de facto exercida pelo Recorrido na devedora originária.

14. Na sua fundamentação, o Tribunal a quo, asseverou que quanto à temática alegada pelo Oponente (atinente ao facto de se considerar parte ilegítima na execução sub judice, porque as funções que exerceu na sociedade devedora originária não consubstanciam o exercício efectivo de funções de gerência), assiste razão ao Oponente e consequentemente, sentenciou como padecendo o despacho de reversão de erro quanto aos pressupostos.

15. Mais vai asseverado no aresto a quo no sentido de que "De acordo com as regras de repartição do ónus da prova, vertidas nos arts. 342°, nº1 do CCivil e art.74°, nº1 da LGT, a prova da gerência de facto incumbe à administração tributária não se podendo a, mesma prevalecer da presunção consagrada no art.11º do CRCom. Efectivamente desta norma apenas resulta uma presunção de que aquele que consta do registo comercial como gerente é gerente de direito e o que interessa para efeitos da responsabilidade subsidiária é a gerência de direito...)" (Negrito e sublinhado nossos).

16. E que, "...o órgão de execução fiscal não pode deduzir automaticamente o exercício de facto a partir da gerência de direito, tem, pelo contrário, que empreender um esforço instrutório capaz de trazer aos autos factos concretos que permitam concluir que as decisões sobre a força motriz por detrás da sociedade eram efectivamente o oponente, isto é, que as decisões sobre o rumo da sociedade eram tomadas por ele." (Negrito e sublinhado nossos).

17. Todavia, e em bom rigor, existe contradição entre a fundamentação do aresto a QUO e vertido nos ponto 6 e 25 dos factos assentes e a matéria considerada como não provada e vazada nos itens A), B), C).

18. Do douto aresto a quo, consta como factualidade dada como assente (vide fls. 4 a 17 da sentença recorrida, mormente o constante no item 6° da matéria dada como provada, reproduzindo o teor de um requerimento apresentado pelo Oponente, por intermédio do seu advogado, cujo teor integral foi dado como reproduzido pelo aresto a quo no seu item 6.° da matéria dada como provada.

19. Não obstante o supra aduzido, a verdade é que contrariando a matéria dada como provada e acima elencada, o respeitoso areópago a quo elencou como FACTUALIDADE dada como NÃO PROVADA, entre outra matéria, a que infra se seque:

20.- "A) O Oponente acordou com os outros gerentes da ".................. - ....................Limitada" que lhe caberiam as funções de criativo.

21. - "B) O Oponente desempenhava exclusivamente as funções descritas em 25)." (Negrito e sublinhado nossos).

22. Ora, as funções descritas no item 25) eram as atinentes à elaboração, negociação de contratos e a produção de filmes (vide fls. 17 do douto aresto). Consequentemente, o areópago a quo ao considerar como não provada a factualidade vertida na al. A) e B), enalteceu e a todas as luzes clarificou que o Oponente/recorrido, não exercia apenas aquelas função na sociedade devedora originária, ao invés, cumulava aquelas funções com as outras (relativas a pagamentos, recebimentos, afectação de recursos financeiros, etc.).

23. O respeitoso Tribunal a quo, também considerou como NÃO PROVADO que:

- “C) O Oponente não tomava decisões relativas a pagamentos, recebimentos, afectação de recursos financeiros". (Negrito e sublinhado nossos).

24. Consequentemente, o supra referido, inculca de forma inexorável que, uma vez que não ficou provada a factualidade mencionada na al. c), significa, tão-somente, que o Oponente/recorrido (então) tomava decisões relativas a pagamentos, recebimentos e afectação de recurso financeiros!

25.Resultam assim, efectivamente preconizados pelo Oponente/recorrido, típicos actos de gerência facto, com o são os supra mencionados, os quais se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros e aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objecto social.

26. Contrariamente ao (erroneamente) asseverado pelo respeitoso Tribunal a quo, o órgão de execução fiscal no caso sub judice empreendeu um esforço instrutório necessário e suficiente,

27. o qual habilitou os autos com acervo probatório consubstanciador e demonstrativo de factos concretos que têm a virtualidade de permitir concluir que haviam decisões (tipicamente de gerência de facto) preconizadas pelo oponente, isto é, que haviam decisões sobre o rumo da sociedade que (também) eram tomadas por ele!

28. Se não for por mais, é premente desde já conjugar o que supra se explanou com o que consta do aresto a quo relativamente à prova testemunhal, mormente, quanto ao depoimento prestado pela testemunha Cristina........................................., cuja credibilidade não foi posta em causa e cuja razão de ciência nos deu a conhecer que por vezes os outros sócios da devedora originária pediam que a aqui testemunha se retirasse para que melhor pudessem discutir questões relativas ao rumo da sociedade! (cfr. fls. 18 do aresto a quo, in fine).

ACRESCE AINDA QUE,

29. A devedora originária do caso vertente, não tinha gerentes nomeados desde 21.01.2003 (cfr. item 10° da matéria dada como assente), outrossim, as dívidas em apreço são posteriores à referida data (2003 e anos seguintes).

30. Pelo que, no que tange a esta matéria, determina o art.191°, n°1 do CSComerciais, assentando que:

- "Não havendo estipulação em contrário e salvo o disposto no nº3, são gerentes todos os sócios, que tenham constituído a sociedade, quer tenham adquirido essa qualidade posteriormente."

31. Ao supra vertido, é premente também desde já chamar à colação o vazado no art.253°, n°1 do mesmo diploma legal, mormente, atendendo a que:

- "Se faltarem definitivamente todos os gerentes, todos os sócios assumem por força da lei os poderes de gerência, até que sejam designados gerentes."

32. Consequentemente, resulta à evidência que não havendo gerentes nomeados, o efeito e a disciplina jurídica que emerge op legis é a de que não havendo gerentes nomeados, todos os sócios (o que, in casu inclui o Oponente/recorrido) assumem automaticamente o cargo de gerentes, com todas as qualidades, poderes e funções que lhes estão inerentes..3.

33. Igualmente, "O art.253° n°1 do CSC não diz que faltando definitivamente todos os gerentes, todos os sócios passam a ser gerentes; diz que todos os sócios assumem os poderes de gerência e que o fazem por força da lei. Esta última mostra ser desnecessária qualquer designação; a própria lei automaticamente faz os sócios assumirem os poderes. E assim não é necessária a aceitação, nem é lícita a renúncia, tudo se passa por força da lei..."- Raul Ventura, in Código das Sociedades Comerciais Anotado.

34. Diz ainda o citado autor que "Os poderes assumidos pelos sócios são todos os que pertencem aos gerentes que os sócios substituem. Se todos esses poderes dos gerentes são necessários, segundo a lei, para a vida da sociedade, todos eles continuam a sê-lo se a sociedade for gerida pelos sócios, portanto, a administração strictu sensu e a representação activa e passiva".

35. Ainda nas palavras do Ilustre Professor ” Importante é verificar que para a hipótese de falta permanente de todos os gerentes, o CSC não prevê a nomeação judicial; a assunção de poderes de gerência por todo os sócios torna desnecessária essa nomeação (...)»

36. In casu, decorrendo aquela qualidade de gerentes op legis, são estes que exteriorizam a vontade da devedora originária, que agem em seu nome e a vinculam, e no caso de pluralidade de gerentes, estes têm poderes iguais para a administrar e a representar, talqualmente se infere do preceituado nos arts.248° a 250° do CComercial e arts. 191° a 192°, 252°, 260° e 261 do CSComerciais.

37. Sobremaneira relevante para a douta tarefa de sopesar e devidamente sindicar a temática em apreço é a disciplina societária que se encontra sufragada no art.64°, n°1 do CSComerciais, ao determinar que os gerentes e os administradores, na condução e gestão dos destinos e da dívida da sociedade, devem observar famigerados deveres de cuidado, "...empregando nesse âmbito a diligência de gestor criterioso e ordenado", bem como deveres de lealdade.

38. A primeira parte do art.° 64.°, do CSC dita que:

- "Os gerentes, administradores ou directores de uma sociedade devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado...".

39. O critério padrão de avaliação da diligência, de avaliação do comportamento devido pelo gestor, constante do art.°64°, do CSC, é o do "gestor criterioso e ordenado".

40. À semelhança do que sucedeu em outros ordenamentos jurídicos (v.g., o espanhol), o nosso 'legislador recorreu, nesta sede, a um conceito indeterminado, exigindo-se uma diligência abstracta, do homem-tipo.

41. O legislador português, ao contrário, por exemplo, do italiano, optou por um critério específico e mais rigoroso em termos de exigência de actuação, não recorrendo, pois, ao critério geral do bonus pater familiae, consagrado no art.°487°, n°2, do Cód. Civil.

42. Posto que, aquelas vicissitudes supra elencadas, estão comprovadas, referenciadas e dadas como assentes nos presentes autos, não tendo sido devidamente relevadas pelo Tribunal a quo, pois que, a tê-lo sido, o itinerário decisório a implementar pelo respectivo areópago de certo que teria sido outro.

43. Outrossim, decidindo como decidiu, o Tribunal a quo não apreciou correctamente a prova produzida nos autos, fazendo, por isso, errada aplicação das normas legais supra vazadas.

44. Por conseguinte, salvo o devido respeito, que é muito, o Tribunal a quo lavrou em erro de interpretação e aplicação do direito aos factos, nos termos supra explanados, assim como não considerou nem valorizou como se impunha a prova documental e testemunhal que faz parte dos autos em apreço, o que consubstancia erro de julgamento quanto à matéria de facto.

45. Tudo assim, para além da existente contradição entre a fundamentação do aresto a quo e vertido nos ponto 6 e 25 dos factos assentes e a matéria considerada como não provada e vazada nos itens A), B). C), com o dispositivo da decisão recorrida».

Admitido o recurso (a processar como apelação em matéria cível com subida imediata e efeito suspensivo) e notificado o Recorrido, por este não foram apresentadas contra-alegações.

Neste Tribunal Central, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da confirmação da sentença recorrida por, em síntese, o Recorrido ter alegado o não exercício da gerência de facto e o Tribunal a quo ter dado como não provada essa gerência.

2. Objecto do recurso

Como é sabido, sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remate a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639°, n°1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.

Assim, e pese embora na falta de especificação no requerimento de interposição se deva entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635°, n°2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n°3 do mesmo art. 635°), razão pela qual todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.

Acresce que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos por seguro que, no caso dos autos, o objecto daquele impõe que se dêem resposta às seguintes questões:

- É nula a sentença sob recurso por existir contradição entre a fundamentação de facto vertida nos pontos 6 e 25 dos factos assentes, a matéria considerada como não provada e vazada nos itens A), B) e C) e a decisão?

- Errou o Tribunal a quo na valoração que realizou dos factos provados e não provados e, consequentemente, andou mal ao julgar o Oponente parte ilegítima e ao determinar a extinção da execução fiscal?

3. Fundamentação de facto

Na sentença sob recurso, o julgamento de facto realizado pelo Tribunal Tributário de Lisboa encontra-se sedimentado nos termos que infra integralmente se reproduzem:

«III.1. De facto

Com relevância para a decisão da causa, atenta a causa de pedir consideram-se provados os seguintes factos:

1. Em 15/9/2005, o serviço de finanças de Lisboa - 4, com base na certidão de dívida n°................, instaurou contra a sociedade ..................... - ................, Lda, o processo de execução fiscal n°.............................., para cobrança do IVA relativo ao exercício de 2003, no valor de EUR 1.496,40 (cf. autuação do processo executivo a fls. 1 do volume l do PEF e certidão de dívida junta a fls. 2 do volume 1 do PEF).

2. Ao processo de execução fiscal descrito no ponto anterior foram apensos os seguintes processos de execução fiscal (cf. informação do SF junta a fls. 97 a 98, dos autos em suporte de papel, conjugada com a fls. 100 a 107 e 109 a 114, dos autos em suporte de papel):

N°do processoCertidãoPeríodo do Tributo / Data do auto de noticiaNatureza

Valor

Fls. dos autos
.......................................2004IVA1.496,40105
.........................................2005IVA1.496,40106
..........................................2005IRC48.252,26107
.........................................2/5/2006Coima (Falta de entrega da Modelo 22 - 2000)247,50100
...........2/5/2006Coima (Falta de entrega da Modelo 22 - 2002)247,50101
..........2/5/2006Coima (Falta de entrega da Modelo 22 - 2002)247,50102
..........2/5/2006Coima (Falta de entrega da Modelo 22 - 2003)247,50103
......................................4/6/2006Coima (Falta de entrega da Modelo 22 - 2004)247,50104
.....................................2007Coima (Falta de apresentação da declaração do IVA do período 2006/12T)252,30111
......................................2007Coima (Falta de apresentação da declaração do IVA do período 2006/09T)252,00109
...........2007Coima (Falta de apresentação da declaração anual de informação contabilística e fiscal)252,40110
....................................2008Coima (Falta de apresentação da declaração do IVA do período 2006/07T)253,00112
..........2008Coima (Falta de entrega da Modelo 22 - 2005)254,50113
..........2008Coima (Falta de apresentação da declaração do IVA do período 2006/09T)253,00114

3. Em 2/10/2008 o escrivão do serviço de finanças de Lisboa - 4 elaborou a seguinte informação:

«1. Não são conhecidos bens penhoráveis em nome da executada susceptíveis de garantir a quantia exequenda e o acrescido;

2. Consultados os elementos disponíveis neste Serviço de Finanças, nomeadamente certidão da Conservatória do Registo Comercial e a aplicação Visão do Contribuinte, era seu responsável subsidiário, face ao disposto no artigo 24° da Lei Geral Tributária José....................................., NIF ....................

3. Nos termos do n°8 do Regime Geral das Infracções Tributárias, é responsável subsidiário Joaquim......................, NIF ........................» (cf. fls. 29 do volume l do PEF).

4. Em 2/10/2008, o adjunto do chefe de finanças do serviço de finanças de Lisboa - 4, invocando agir no uso de competências delegadas pelo chefe de finanças, proferiu o seguinte despacho:

«Vistos os autos e a informação que antecede, dá-se por provada a insuficiência de bens penhoráveis da executada, bem como a qualidade de gerentes dos contribuintes identificados na informação que antecede e de acordo com a certidão da Conservatória do Registo Comercial junto aos autos.

De harmonia com o artigo 23.° da Lei Geral Tributária (LGT), a reversão fiscal contra os responsáveis subsidiários, depende da insuficiência de bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários.

São responsáveis subsidiários, nos termos do artigo 24°da LGT, os administradores, directores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados, pelas dívidas tributárias cujo o prazo de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste; e ainda pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhe foi imputável a falta de pagamento.

De referir que ainda que a qualidade de gerente da sociedade por quotas de adquire por deliberação por deliberação dos sócios, inserida no contrato social ou tomada em assembleia geral, formalizada em acta nos termos do n°2 do artigo 252º do Código das Sociedades Comerciais, sendo tais actos de registo obrigatório nos termos da alínea m) do artigo 3° de n°1 do artigo 15° do Código do Registo Comercial.

Assim, face ao disposto nos artigos 23°, n°4 e 60° da LGT, proceda-se à notificação de José..........................................., NIF......................... e ainda nos termos do n°3 do artigo 8° do Regime Geral das Infracções Tributárias, Joaquim.............., NIF....................., para exercerem o direito de audição prévia, por escrito, no prazo de 15 dias a contar da notificação, a fim de serem accionados os mecanismos inerentes à efectivação da responsabilidade subsidiária.» (cf. fls. 30 do volume l do PEF).

5. Em 10/10/2008, o serviço de finanças de Lisboa - 4 enviou ao oponente, através de carta registada, sob o n° de registo RR......................., o ofício junto a fls. 33, do volume l do PEF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, com o objectivo de lhe dar a conhecer o despacho descrito no ponto anterior (quanto à data em que o ofício de notificação foi expedido e quanto ao n.°de registo atendeu-se à fotocópia do talão de aceitação dos CTT junto no verso de fls. 45 do volume l do PEF).

6. Em 28/10/2008 deu entrada no serviço de finanças de Lisboa - 4 o requerimento junto a fls. 47 a 58, do volume l do PEF, subscrito por Nuno........................, invocando a qualidade de advogado do oponente, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, do qual consta o seguinte:

(…)

A legalidade da reversão da execução fiscal depende da verificação de três requisitos cumulativos:

(1) O exercício de funções de administração pelo responsável subsidiário;

(2) As contribuições e impostos pelos quais é demandado serem relativos ao período de exercício do cargo;

(3) Ter sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação dos créditos fiscais.

Na situação vertente, o Exponente foi designado gerente da sociedade executada em 25 de Agosto de 1986.

Porém, em 24 de Janeiro de 2003, o Exponente cessou formalmente a gerência, por renúncia, conforme se alcança da informação da Direcção-Geral de Impostos fls. 261 e 265, no âmbito do processo de oposição à execução fiscal n°................................... e apensos (...).

Não obstante não exercer, de, facto, quaisquer funções de gerência desde o ano de 1998.

(...)

10°

Ora, tal como já foi referido, as dívidas exequendas nos presentes autos tiveram origem em liquidações adicionais de IVA dos exercícios de 2003, 2004, 2005, de IRC do exercício de 2005 e em coimas referentes aos exercícios de 2006, 2007 e 2008.

11°

Por conseguinte, não se tendo o facto constitutivo destas dívidas verificado no período de exercício do seu cargo de gerência, não pode o Exponente ser responsabilizado pelo seu pagamento, ainda que a titulo subsidiário (alínea a), do nº1 do artigo 24º da LCT a contrário).

12°

No caso específico da liquidação adicional de IVA referente ao exercício de 2003, note-se que a certidão de dívida não identifica o período do ano a que respeita,

(...)

16°

Tal como se infere do artigo 103° do CPPT, a falta de identificação da natureza e proveniência da dívida retira a força executiva ao titulo,

17°

E gera, nos termos do disposto na alínea b), do artigo 165° do CPPT, nulidade, a qual será insanável se não puder ser suprida por prova documental.

18°

No nosso caso, não tendo a nulidade sido suprida por prova documental, deverá o processo de execução fiscal ser integralmente anulado, nos termos do artigo 165° do CPPT, com as devidas consequências legais.

19°

Ainda que assim não fosse o que só por mero dever de patrocínio se concebe, cumpre advertir que ainda que dívida seja referente ao mês de Janeiro de 2003, não pode o Exponente ser responsável pelo seu pagamento porquanto, também neste caso, não se encontram preenchidos os pressupostos de que depende o mecanismo da reversão da execução fiscal. Senão vejamos:

20º

Efectivamente, de acordo com o disposto na aliena a), do artigo 24.° da LGT, os gerentes podem ser subsidiariamente responsáveis pelas dividas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois do exercício da gerência, o que, em abstracto poderia ser o caso se a liquidação de IVA respeitasse ao mês de Janeiro de 2003.

21°

No entanto, para que tal suceda, é necessário ter existido culpa sua na insuficiência do património para a satisfação dos créditos fiscais.

22°

Culpa que o Exponente, manifestamente, não tem. Na verdade,

23°

O Exponente nunca exerceu funções de gestão financeira na sociedade.

24°

De facto, desde o início das suas funções como gerente que ficou acordado com os outros gerentes que ao Exponente, enquanto realizador de cinema, caberiam apenas as funções de "criativo".

25°

Isto significava que as suas funções na sociedade executada se circunscreviam, exclusivamente à elaboração e negociação de contratos, assim como, à produção de filmes.

26°

As decisões relativas a pagamentos, recebimentos, afectação de recursos financeiros, entre outras de carácter financeiro, eram tomadas por outros gerentes.

27°

O Exponente não decidia, nem tão-pouco participava, nas decisões sobre os pagamentos de dívidas aos fornecedores, aos trabalhadores ou ao Estado.

28°

Não se oculta que é possível que o Exponente tenha assinado algum documento de pagamento a pedido dos demais sócios, mas isto apenas sucedia porque, nos termos dos estatutos, eram necessárias duas assinaturas para vincular a sociedade

29°

Tanto assim era que os cheques utilizados em nome da sociedade eram por si pré-assinados, não tendo o ora Exponente sequer conhecimento da sua emissão.

30°

Em todo o caso, na realidade, não havia qualquer colaboração da sua parte na tomada de decisões dessa natureza.

31°

O Exponente desconhecia a existência de dívidas ao Estado, assim como desconhecia a situação descontrolada em que a sociedade se encontrava.

32°

Segundo o que o Exponente julgava saber, a sociedade, raras vezes, teve um resultado líquido positivo, tendo, pelo contrário, acumulado prejuízos em exercícios fiscais sucessivos.

33°

Este facto levou a própria sociedade a requerer ao Tribunal uma Acção Especial de Recuperação de Empresas, no âmbito da qual foi homologada, em 08/10/1997 a providência de reestruturação financeira.

(...)

36°

Só que, nos últimos anos da década de 90, a situação instável da sociedade tinha levado a litígios inconciliáveis entre os sócios, Que determinaram a cessação de actividade da sociedade executada. (...)

38°

Nos últimos anos de actividade da sociedade, só restava o Exponente como gerente, tendo os outros três, inicialmente nomeados, renunciado às suas funções.

(...)

41º

Assim, em 2003, a sociedade inactiva e bloqueada por total desentendimento dos respectivos sócios, sem capacidade de vinculação, e, por outro lado, sem fluxos financeiros, sem bens e sem activo.

42°

O que conduziu a que o ora Exponente tivesse cessado funções no início desse ano, mais precisamente em 24 de Janeiro.

43°

Por todos estes motivos, é manifesto que a insuficiência patrimonial da sociedade para fazer face a esta dívida não procedeu de uma acção culposa do Exponente. (...)».

7. Em 3/11/2008 o chefe do serviço de finanças de Lisboa - 4 proferiu o seguinte despacho:

«(…)

Notificado, José...................................., NIF...................., exerceu o direito de Audição Prévia.

(...)

Relativamente ao alegado pelo Contribuinte cumpre-me referir que:

1. A negociação, elaboração e celebração contractos são actos de gerência;

2. A assinatura de cheques é um acto de gerência;

3. O dolo não é requisito essencial para a promoção da reversão em processo de execução fiscal;

4. As certidões de dívida não enfermam qualquer ilegalidade uma vez que cumprem na totalidade os requisitos do artigo 163° do CPPT.

5. Verifica-se a renúncia à gerência em 23/01/2003, conforme consta da certidão da Conservatória do Registo Comercial.

Verifica-se assim, e de acordo com a referida certidão que, desde 23/01/2003, a sociedade não qualquer gerente. Nos termos do artigo 191.º do Código das Sociedade Comerciais, não havendo estipulação em contrário, são gerentes todos os sócios, quer tenham constituído a sociedade, quer tenham adquirido essa qualidade posteriormente.

Constam como sócios da sociedade:

1. José .................................................... NIF..........................;

2. Raul ....................................................., NIF........................;

3. Francisco..................................................., NIF........................;

4. Mário ......................................... NIF..............................;

5. Irene ................................................, NIF .........................!

São responsáveis subsidiários nos termos do artigo 24º da LGT, os administradores, directores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados, pelas dividas tributarias cujo acto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo o prazo de legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício a seu cargo, quando não provem que não lhes foi Imputável a falta de pagamento.

Notifique-se José.............................................., NIF..........................., do teor do presente despacho, alertando-se também para a necessidade de o representante legal juntar procuração. (...)» (cf. fls. 94 e 95 do volume l do PEF).

8. Em 5/11/2008, o serviço de finanças de Lisboa - 4 enviou ao oponente o ofício n°13244, de 3/11/2008, através de carta registada com aviso de recepção, sob o n° de registo RR.........................., destinado a dar-lhe conhecimento do despacho descrito no ponto anterior (cf. fotocópia do ofício junto a fls. 172 e fotocópia do talão de aceitação dos CTT e do aviso de recepção, juntos a fls. 174 verso, do volume 1 do PEF).

9. O aviso de recepção descrito no ponto anterior foi assinado em 16/1 1/2008 (cf. fotocópia do aviso de recepção, juntos a fls. 174 verso, do volume 1 do PEF).

10. Em 2/12/2008, o chefe do serviço de finança de Lisboa - 4 proferiu o despacho junto a fls. 215 a 217, do volume 2 do PEF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, do qual consta o seguinte:

«(…)

De harmonia com o n°2 de artigo 23° da LGT, a reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência de bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários. Foram apenas detectadas duas contas bancárias da titularidade do executado, ambas sem saldo penhorável, conforme mandado de penhora de fls. 11 a 18, do processo executivo.

(…)

De acordo com a certidão da Conservatória do Registo Comercial junto aos autos verifica-se que a sociedade, desde 23/01/2003, não tem gerentes nomeados Ora, conforme prescreve o artigo 191° do Código das Sociedades Comerciais, não havendo estipulação em contrário, são gerentes todos os sócios, quer tenham constituído a sociedade, quer tenham adquirido essa qualidade posteriormente. E nos termos do artigo 253° do mesmo diploma, se faltarem definitivamente todos os gerentes, todos os sócios assumem por força da lei os poderes de gerência, até que sejam designados gerentes. Deste modo, não tendo sido provada a não imputabilidade da falta de pagamento pelos contribuintes em sede de audição prévia e suficientemente provada nos autos quer a insuficiência de bens penhoráveis da executada, quer a qualidade de gerentes de facto, conclui-se que são subsidiariamente responsáveis pelas dívidas a que se referem os autos.

Assim, converto em definitivo o projecto de decisão de reverter a execução contra José................................................ NIF........................., Raul................................., NIF..................., Irene..........................................., NIF................., Francisco...................................., NIF.............., e Mário..........................., NIF....................... Proceda-se à citação pessoal dos Revertidos de acordo com o artigo 160° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, com observância do disposto no n° 5 do artigo 23° da LGT.».

11. Em 5/12/2008, o serviço de Finanças de Lisboa - 4 enviou ao oponente, através de carta registada com aviso de recepção, sob o n° de registo RR........................., o ofício junto a fls. 365 do volume 2 do PEF, cujo teor se dá aqui integralmente reproduzido, com o objectivo de lhe dar a conhecer o despacho descrito no ponto anterior, comunicar-lhe que dispunha de um prazo de 30 (trinta) dias para pagar as quantias descritas nos pontos 1) e 2), requerer o pagamento em prestação, a dação em pagamento, deduzir oposição, apresentar reclamação graciosa ou impugnação judicial (quanto ao n° do registo cf. fls. 402 verso do volume 2 do PEF).

12. Em 28/1/2009 a escrivã do serviço de finanças de Lisboa - 4 elaborou a seguinte informação;

«(...) faço estes autos conclusos com documentos que antecede a fls.___,

cumprindo-me informar que o contribuinte cessou a actividade em sede de IVA em 2002/12/31 tem em execução os processos de contra-ordenação n.°............................,.................., ............................ e .............................. instaurados por falta de entrega de DP de IVA dos períodos de 2006/09T, 2006/12T 2007/06T e 2007/09T infracção punida nos termos do art. 116°, n° 1 e 26 n° 4 do RGIT.

Na medida em que as declarações periódicas, em análise, reportam-se a uma período em que o contribuinte teve a sua actividade cessada para efeitos de IVA e uma vez que o imposto foi anulado, julgo que é de alterar a fase de extinção por extracção de Certidão de Dívida substituindo-se a fase de extinção por Erro Administrativo, tudo isto tendo em vista a consequente extinção do processo administrativo.

À consideração superior.» (cfr. fls. 420 do volume 2 do PEF).

13. Em 28/1/2009 o chefe do serviço de finanças de Lisboa - 4 proferiu o seguinte despacho:

«(...) atendendo ao acima informado, proceda-se à mudança da forma de extinção do PCO (por erro administrativo), de forma a reflectir a anulação dos presentes autos.

Suspendam-se os autos a aguardar anulação.» (cf. fls. 420 do volume 2 do PEF).

14. Em 9/1/2009 foram anuladas as certidões de dívidas n.°.............., ..................(cf. fls. 405 e 404 do volume 2 do PEF).

15. Em 29/1/2009 foram anuladas as certidões de dívida n.°.................., ................, ......................, .......................... (cf. fls. 410, 415, 416 e 419 do volume 2 do PEF).

16. Em 25/8/1986 foi inscrito no registo comercial que a "..................... -..........................., SCRL", se transformou e mudou a firma para "................. -........................, Limitada" (cf. certidão ao registo comercial junta a fls. 22 & 27 de volume 1 do PEF, maxime fls. 22).

17. A .......................... - ............................, Limitada" dedica-se à produção, distribuição e exibição de filmes (cf. certidão do registo comercial junta a fls. 22 a 27 do volume 1 do PEF, maxime a fls. 23).

18. Desde 2/5/1995, data em que foi inscrito no registo comercial que Maria......................................... cedeu a sua quota ao oponente, que a "........................ - ...................., Limitada" tem como sócios o oponente, Raul..............................., Francisco..................................., Irene ....................................... (cf. certidão do registo comercial junta a fls. 22 a 27 do volume 1 do PEF, maxime Av. 1 a 4, dos quais decorre que os sócios originais da sociedade são o oponente Raul .................................., Francisco ................................., Irene ......................................., Maria .................................................. e Maria ............................. tendo estas últimas deixado de ser sócias, respectivamente, em 17/6/1993 e 2/5/1995 - cf. Aps. 44, de 17/6/1993 e Ap. 04 de 2/5/1995).

19. A "...............- .................................., Limitada" obriga-se com a assinatura de dois gerentes (cf. certidão do registo comercial junta â fls. 22 a 27 do volume 1 do PEF).

20. Aquando da transformação da ................... - ..................................., SCRL" na "............... - .............................., Limitada”, descrita em 16), foi inscrito no registo comercial que a gerência a "................... – .........................., Limitada" pertencia ao oponente, Raul................................, Mana .................................... e Francisco............................................ (cf. certidão do registo comercial junta a fls. 22 a 27 do volume 1 do PE" maxime fls. 23, conjugado com o documento designado junto a fls. 88 a 90 dos autos em suporte de papel).

21. Francisco.......................................... renunciou à gerência da ".................. - ....................., Limitada" em 3/5/1993 (cf. certidão do registo comercial junta a fls. 22 a 27 do volume 1 do PEF, maxime Av.1 Ap.43).

22. Maria .................................... renunciou à gerência da "................. - ............................, Limitada" em 15/6/1993 (cf. certidão do registo comercial junta a fls. 22 a 27 do volume 1 do PEF, maxime Av.1 Ap.43).

23. Raul ............................................... renunciou à gerência da ".......................- ............................., Limitada" em 8/1/1998 (cf. certidão do registo comercial junta a fls. 22 a 27 do volume 1 do PEF, maxime Av.3 Ap.38).

24. O oponente renunciou à gerência da "....................... - ..............................., Limitada" em 23/1/2003 (cf. certidão do registo comercial junta a fls. 22 a 27 do volume 1 do PEF, maxime Av.4 Ap.49).

25. Na estrutura de organização da "............................ - ............................, Limitada" oponente era responsável pela elaboração, negociação de contratos e a produção de filmes (cf. depoimento de Cristina...............................................).

Com relevância para a decisão da causa, atenta a causa de pedir e as regras de repartição do ónus da prova nada mais resultou provado, designadamente, não resultou provado que:

A) O oponente acordou com os outros gerentes da "..........................-.........................., Limitada” que lhe caberiam as funções de criativo.

B) O oponente desempenhava exclusivamente as funções descritas em 25).

C) O oponente não tomava decisões relativas a pagamentos, recebimentos, afectação de recursos financeiros».

A convicção do tribunal, quanto à prova dos factos descritos nos pontos 1) a 24) assentou nos documentos juntos aos autos e informações oficiais, juntas aos autos e constantes do processo de execução fiscal apenso.

Quanto à prova testemunhal produzida no processo n°394/08.OBELRS, a qual foi, a requerimento do oponente, aproveitada para os presentes autos o tribunal considera que a testemunha Cristina.......................................... prestou depoimento de forma genérica, resultando do seu testemunho que não possuía conhecimento directo dos factos relativos a questões da sociedade.

Com efeito, a testemunha explicou que auxiliava o oponente na parte técnica, na montagem e realização de produções audiovisuais, sendo em relação a este aspecto da actividade do oponente que demonstrou possuir um conhecimento concreto e directos dos fartos que relatou.

Quanto à sociedade..................................................., Limitada, a testemunha declarou que não dominava a área de negócio, não tendo resultado do seu depoimento que tenha tido conhecimento directo de quem dirigia de facto os destinos da ............................ Lda., nem, em concreto, se o oponente desempenhava exclusivamente funções lhe criativo, cabendo-lhe a elaboração e negociações de contratos e a produção de filmes, não participando nas decisões relativas a pagamento, recebimentos, afectação de recursos.

Efectivamente, do depoimento da Cristina............................................... apenas restou que o oponente tinha responsabilidades ao nível da angariação do financiamento necessário para a realização dos projectos audiovisuais, montagem e realização dos mesmos, não tendo resultado provado que estas eram as únicas funções desempenhadas pelo oponente, tanto mais que a testemunha expressamente admitiu que mesmo estava no gabinete do oponente, por vezes os outros sócios da..................... - .........................., Limitada pediam que ela se retirassem para discutirem questões relativas ao rumo da sociedade.

Por estes motivos o tribunal apenas considerou provado que o oponente era responsável pela elaboração, negociação de contratos e a produção de filmes (cf. ponto 25) dos factos provados), mas não que estas fossem as únicas responsabilidades que detinha no seio da........................... - .............................., Limitada».

IV – Fundamentação de direito

Como vimos já, o dissentimento da Recorrente com a sentença proferida assenta, essencialmente, em dois pontos: na nulidade de que alegadamente aquela padece e no erro de valoração dos factos apurados (como provados e como não provados).

Justificando a pretensão de reconhecimento da primeira, convoca a Recorrente o preceituado no artigo 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e os factos apurados sob as alíneas 6 e 25 dos factos provados e os factos não provados constantes das alíneas A), B), C), alegadamente contraditórios entre si e, estes últimos, com a decisão tomada.

Adiante-se, desde já, que quanto à invocada nulidade não lhe assiste razão.

É certo que, nos termos do preceito jurídico pela Recorrente citado (artigo 125.º do CPPT), é nula a sentença quando os factos que suportam a decisão estão em contradição com esta.

Diz a Recorrente que é precisamente o que sucede nos autos uma vez que, tendo a Meritíssima Juiz a quo dado como assente o requerimento do Ilustre Mandatário do Recorrido (facto provado sob o n.º 6) e que este “Na estrutura de organização da "................. - ..........................., Limitada" (…) era responsável pela elaboração, negociação de contratos e a produção de filmes” (factualidade vertida no probatório sob o n.º 25), não podia ter dado como não provado que aquele “(…) acordou com os outros gerentes da "..................-......................., Limitada” que lhe caberiam as funções de criativo(alínea A dos factos não provados),desempenhava exclusivamente as funções descritas em 25)” e que “não tomava decisões relativas a pagamentos, recebimentos, afectação de recursos financeiros(respectivamente, alíneas b) e C) dos factos assentes como não provados).

E, assim, também a sua decisão não poderia ter sido no sentido que veio a assumir por contrariar aquela factualidade.

Ora, basta atentarmos com um mínimo de cuidado para o objecto de qualquer um dos factos em questão, para facilmente concluirrmos que as realidades aí apreendidas (julgadas), são distintas e, consequentemente, que nenhum dos factos dados como provados, contende com o julgamento (sentido e/ou objecto) dos que foram dados como não provados e, por sua vez, que nenhum contende com o sentido da decisão.

Sublinhe-se, aliás, que o raciocínio da Recorrente parte, desde logo, de dois graves erros.

Primeiro, porque entende que a circunstância de o Tribunal a quo dar como provado o teor de um requerimento, nos termos em que o fez no ponto 6 dos factos provados, equivale à prova do seu conteúdo, isto é, à prova dos factos narrados nesse mesmo documento.

Segundo, porque tem por liquido o pressuposto de que se o Tribunal dá como não provado um determinado facto, isso significa que o seu oposto se mostra apurado.

Ora, nem aquela equivalência existe, nem o pressuposto está correcto.

Não existe equivalência, porque é completamente distinto dar-se como provado que um requerimento com um determinado teor foi emitido, enviado e recebido pela Administração Fiscal e dar-se como provado que os factos (teor) aí descritos correspondem à verdade.

O que o Tribunal deu como provado no facto n.º 6 foi, pois, tão só, a existência de um requerimento com um concreto conteúdo.

Daí que, quanto a esses factos (conteúdo), e nos termos em que deles se fez, ou não, prova, se tenha igualmente o Tribunal pronunciado, considerando que se tinha provado que o Oponente de facto celebrava e negociava contratos tendo em vista a produção de filmes, que era o responsável por essa produção, mas que se não tinha provado que havia acordado com os demais sócios que a si caberiam apenas as funções de criativo (tudo, factos que haviam sido alegados no referido requerimento).

Por outro lado, se a circunstância de se dar como provado um facto significa que não há dúvidas que ele se verificou, dar um facto como não provado significa, somente, que ficou por apurar tal facto e não que o seu contrário se provou.

Aliás, sobre esta questão a jurisprudência sempre foi unânime, sendo no mesmo sentido que aponta a doutrina quando directamente sobre a questão se pronúncia.(1)

E, embora a doutrina tenda a rejeitar a possibilidade de o Tribunal dar como provado que o facto questionado se não verificou (2) (em vez de apenas o dar como não provado), entendemos, salvo o devido respeito, que nem sempre será assim, sobretudo quando, casuisticamente, o facto é essencial para a decisão da causa ou para a decisão de incidentes, designadamente para apreciação da questão de eventual condenação como litigante de má-fé, quando suscitada por qualquer uma das partes ou oficiosamente pelo Tribunal.

Também relativamente à questão de ser ou não possível existir contradição entre os factos dados como provados e os factos não provados (em que nuclearmente assenta a arguição de nulidade), a jurisprudência maioritária vem defendendo não ser possível a mesma se verificar uma vez que, ao darmos como não provado um facto “tudo se passa como se ele não existisse”. (3)

Nesta parte, todavia, voltámos a não acompanhar completamente a jurisprudência já que, ainda que seja certo que em regra será quase impossível essa contradição ocorrer, ainda julgamos possível a mesma se verificar, designadamente na situação em que a resposta negativa acolhe um facto que constituía o antecedente lógico necessário da resposta afirmativa. (4)

Assim, revertendo ao caso concreto e aqui aplicando o explanado, temos que, não se ter provado: (i) que o Oponente acordou com os outros gerentes da "................. - ............................, Limitada” que lhe caberiam as funções de criativo”, (ii) “desempenhava exclusivamente as funções descritas em 25)” e que (iii) “não tomava decisões relativas a pagamentos, recebimentos, afectação de recursos financeirossignifica apenas que não se sabe se acordou ou não que lhe caberiam somente as funções de criativo, não se sabe se desempenhava ou não outras funções para além das descritas em 25 e não se sabe se tomava ou não decisões relativas a pagamentos, recebimentos e afectação de recursos humanos.

E, sendo assim, fácil se torna concluir pela inexistência de qualquer contradição entre a matéria de facto provada e a não provada, uma vez que, o julgar-se provado que o Recorrente era responsável na devedora originária pela elaboração, negociação de contratos e a produção de filmes em nada contende com o dar-se como não provado (que não se sabe) se terá acordado que exerceria as funções de criativo e, muito menos, com o dar-se como não provado que desempenhava as funções de elaboração, negociação de contratos e a produção de filmes ou que “não tomava decisões relativas a pagamentos, recebimentos, afectação de recursos financeiros”. Até pode ser que tivesse acordado e o fizesse. Mas não se provou que se isso correspondia à realidade.

Tal como se revela evidente concluir pela inexistência de contradição entre os factos apurados e a decisão já que, tendo o Tribunal a quo entendido que o facto de o Oponente ser responsável pela negociação e celebração dos contratos e pela produção de filmes não era suficiente para dar como preenchido o conceito de “gerência de facto”, a conclusão lógica de direito a extrair era, necessariamente, a que extraiu: procedência da Oposição Judicial com esse concreto fundamento.

O que pode ser discutível é se ao assim concluir perante a factualidade apurada, o Meritíssimo Juiz andou bem ou mal, isto é, se acertou ou errou no julgamento que realizou. Mas essa não é questão que contenda com a nulidade invocada mas sim com o mérito da decisão, com eventual erro de julgamento que, na sede própria, porque também invocado, se apreciará.

Conclui-se, assim, pela improcedência, nesta parte, do recurso interposto.

Avançando, agora, para o erro de valoração dos factos apurados e subsequente erro de enquadramento jurídico, assentemos, desde já, que embora por razões de facto e direito distintas das que fundamentaram a decisão, julgamos ser de confirmar a mesma.

Do que vimos dizendo se intui o que explicitamente passamos a afirmar: o Tribunal errou efectivamente na valoração dos factos e, consequentemente, julgou mal quando suportou na concreta valoração dos factos que fez a declaração de ilegitimidade do Oponente para contra ele prosseguir parcialmente a execução fiscal.

Efectivamente, entendemos, e nesta parte acompanhamos o Tribunal a quo ( e a jurisprudência e doutrina que nesta matéria é, há anos, pacifica), que para ser responsabilizado subsidiariamente pelo pagamento de uma dívida através do instituto de reversão não basta ser gerente de direito exigindo-se, ainda, ou apenas, que o putativo revertido seja ou tenha sido gerente de facto.

Também entendemos, e voltámos a acompanhar o julgamento realizado, que pese embora o artigo 191.º do Código das Sociedades Comerciais determine que «Não havendo estipulação em contrário e salvo o disposto no nº3, são gerentes todos os sócios, que tenham constituído a sociedade, quer tenham adquirido essa qualidade posteriormente", e o artigo 253.º n.º 1 do mesmo diploma legal estabeleça que "Se faltarem definitivamente todos os gerentes, todos os sócios assumem por força da lei os poderes de gerência, até que sejam designados gerentes" tal não significa que, nessas circunstâncias de facto (inexistência de estipulação expressa e ausência de gerente nomeado) se deva automaticamente concluir que todos ou qualquer um dos sócios pode ser parte legítima para efeitos de reversão por o artigo 24.º do CPPT exigir, mais do que aquela mera capacidade ou legitimidade para representar a sociedade perante terceiros e a vincular (que é, precisamente, o que o legislador comercial determinou), que haja, por parte de qualquer um dos sócios ou de todos, uma efectiva prática de actos típicos de gerência.

Questões distintas são as de saber se, face aos factos apurados, é acertado concluir que o Recorrente foi ou não gerente de facto e, em caso afirmativo, se o era à data de constituição da dívida ou ao tempo em que legalmente era exigível que o tributo tivesse sido pago.

Quanto à primeira das questões postas em concurso não temos dúvidas: o Oponente foi gerente de direito e de facto da sociedade.

Foi gerente de direito entre 25 de Agosto de 1986 e 23 de Janeiro de 2003, como o comprova, conjugadamente, a factualidade vertida sob os n.ºs 16., 18.º e 20.º do ponto III supra.

E foi gerente de facto como o comprova, desde logo, o facto de se ter provado que era o Oponente que na estrutura da empresa era o responsável pela elaboração, negociação de contratos e a produção de filmes.

É certo, poder-se-á dizer que este facto, assim singelamente considerado, é pouco para lhe atribuir a gerência de facto da sociedade.

Todavia, esse facto já é sobremaneira relevante no juízo a realizar se atentarmos na demais factualidade com a qual deve ser conjugadamente interpretado, a saber:

- Aquela produção de filmes era o concreto objecto da sociedade, isto é, a sociedade dedicava-se precisamente a produzir filmes por cuja realização, como vimos, o Oponente era responsável;

- era também o Oponente que era responsável pela negociação dos contratos tendo em vista a realização desses filmes e

- era o Oponente que os celebrava, isto é, enquanto gerente de direito que também era, que vinculava a sociedade ao cumprimento desses contratos.

É certo que apenas se sabe que, além dessas funções, o Oponente exerceria outras, desconhecendo-se, em concreto, quais.

Mas esse é, diga-se sem receios, um dado (ignorado) irrelevante, já que não pode existir dúvidas quanto a ao Oponente caberem funções de gerente (de direito) e ter sido gerente de facto, isto é, praticado actos típicos de gerência, qualidade que não deixa de lhe poder ser atribuída apenas porque a outros sócios ou gerentes tenham sido cometidas outras funções, designadamente as estritamente financeiras ou contabilísticas (como em sede de audiência prévia o Oponente defendeu e a AF no despacho de reversão combateu), uma vez que nem a lei exige que a sociedade apenas tenha um gerente (podendo os sócios acordar o número de gerentes que bem entender), nem que determinadas funções podem ou devam caber a cada um dos gerentes nomeados, matéria que, igualmente, se integra na liberdade de conformação social dos sócios.

Em suma, sendo o Oponente gerente de direito e, nessa qualidade, negociado e celebrado contratos com terceiros que vinculavam a sociedade, em especial contratos de produção de filmes em cuja realização intervinha como máximo responsável e sendo este o principal objecto da empresa, não se vê como pode concluir-se que o exercício dessa função e a prática de tais actos não constituem actos típicos de gerência de facto desta sociedade concreta ou que através daquele exercício não estava o Oponente a exercer essa gerência de facto.

Tais actos são, naturalmente, actos de desenvolvimento do objecto social com vista à obtenção do lucro, constituindo a administração assim densificada, mais do que um poder ou direito, um verdadeira imposição, um dos vectores essenciais e genéticos da existência de gestores, qualidade que, inequivocamente, através da actuação descrita, o Oponente assumiu.

Porém, como dissemos, outra questão se coloca, ainda no plano desta gerência de facto e consequente responsabilização do Recorrido: saber se o Oponente era gerente de facto à data de constituição do tributo ou do terminus legal do seu pagamento.

Ora, quanto a esta questão, nada no probatório nos permite responder afirmativamente.

De facto, os autos, após a extinção parcial superveniente da lide, prosseguiram apenas quanto ao apuramento da responsabilidade do Oponente, enquanto revertido, pelo pagamento de dívidas emergentes dos processos de execução fiscal n.ºs ...................., ..........................., .................................; ..............................; ...................................., na parte relativa à certidão de dívida n.° ..............., referente ao não pagamento da coima devida pela falta de apresentação da declaração anual de informação contabilística e fiscal, e processo de execução fiscal n°......................., na parte relativa à certidão de dívida n°..............., referente à falta de entrega da Modelo 22 do exercício de 2005.

Ora, não obstante resultar da factualidade exposta no probatório sob o n.º 2, que parte dessas dívidas têm na sua génese factos tributários nascidos antes da renúncia expressa à gerência de direito por parte do Oponente e outros posteriormente, o certo é que nada no probatório nos permite concluir que entre 2000 e 2005 (datas em que se constituíram os tributos em causa) o Oponente ainda era gerente de facto.

Note-se que o Recorrido alegou que “Nos últimos anos da década de 90 a situação instável da sociedade tinha levado a litígios inconciliáveis entre os sócios que determinaram a cessação da actividade da ....................– ........................., Lda.», que no «exercício de 1999 a sociedade já não funcionava”, sendo mesmo física e em termos logísticos impossível desenvolver qualquer actividade porque todos os seus bens (secretárias, televisões, mesas, cadeiras, computadores, telefones, etc.) tinham sido penhorados (cfr. artigos 99.º a 101.º da petição de Oposição). Isto é, o Oponente alegou a inexistência de actividade de facto e, consequentemente, gerência de facto desde finais da década de 90.

E, relativamente a esta matéria, a Administração Fiscal nada alegou ou provou, limitando-se, quer no seu despacho de reversão, quer nos posteriores articulados dos autos, quer, por último, neste recurso, a insistir pela irrelevância dessa factualidade por, face ao disposto nos artigos 191.º e 253.º do CSC se ter de presumir como gerentes e responsáveis todos os sócios.

Não sendo assim, como já deixamos suficientemente explanado, e nada se tendo provado sobre essa efectiva gerência de facto do Oponente entre 2000 e 2005, a Oposição não pode deixar de ser julgada procedente e o Oponente parte legitima com a consequente extinção dos referidos processos de execução fiscal.

Decisão que, a final, será a nossa, confirmando-se, assim, com estes fundamentos, a decisão recorrida.

4. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em julgar improcedente o recurso jurisdicional interposto pela Fazenda Pública, confirmando, com os fundamentos expostos no ponto 4., a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 19-2-2015

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(Anabela Russo)

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(Catarina Almeida e Sousa)



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(Joaquim Condesso)

(1) Vide, nesse sentido, e a título meramente exemplificativo, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 8-2-1979 (processo 67545) e de 13-5-1993 (processo 84719) e da Relação do Porto, de 18-3-1997 (processo 9730856), todos disponíveis in www.dgsi.pt e Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. pág. 228.

(2) Cfr., nesse sentido, Lebre de Freitas, “CPC Anotado”, Volume 2º, pág. 629 e a demais doutrina e jurisprudência aí citadas.

(3) Acórdãos da Relação do Porto de 23.03.1998, no processo 9831099, e de 30.11.1999, no processo 0030644,

(4) Cfr., Acórdão da Relação de Coimbra de 10-12-1992, in BMJ 422, pág. 442.