Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:7538/14.0BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:09/16/2021
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:NULIDADE DA SENTENÇA
AVALIAÇÃO INDIRETA;
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO DO CRITÉRIO DE QUANTIFICAÇÃO
Sumário:I. Só a falta absoluta de fundamentação e não a sua insuficiência gera a nulidade da decisão judicial;

II. Tendo a matéria tributável sido apurada por métodos indiretos compete à Autoridade Tributária na fundamentação da avaliação a indicação dos critérios utilizados e sobre o contribuinte recai o ónus de demonstrar que houve erro ou manifesto excesso na quantificação.

III. Recaindo embora sobre as partes o ónus da prova dos factos alegados, a atividade instrutória pertinente para apurar a veracidade de tais factos compete também ao Tribunal, nos termos do disposto nos artigos 13° do CPPT e 99° da LGT, realizar ou ordenar todas as diligências que considerar úteis ao apuramento da verdade e de que oficiosamente pode conhecer.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I - Relatório

A Autoridade Tributária e Aduaneira não se conformando com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco que julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida por C..., contra a liquidação de IVA de 1996, no montante de PTE 1 896 504$00 e dos juros compensatórios liquidados, efetuada na sequência da aplicação de métodos indiretos de determinação da matéria coletável, dela veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul.

Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente formula as seguintes conclusões:

1) A sentença impugnada decidiu pela procedência parcial da impugnação, anulando a parte da liquidação impugnada que resultou de métodos indirectos, por considerar ter sido incumprido o dever legal de fundamentação, quer quanto à verificação dos pressupostos de recurso a métodos indirectos, quer quanto à sua quantificação, e mantendo a parte da liquidação resultante de correcções aritméticas.

2) A Fazenda Pública discorda dessa decisão, entendendo que a inspecção tributária detectou e canalizou para o procedimento factos suficientes para legitimar o recurso a métodos indirectos, o qual, se encontra assim suficientemente fundamento no respectivo relatório, tal como de resto acontece com a quantificação da matéria colectável apurada com recurso a essa metodologia;

3) Entendendo ainda que a douta sentença recorrida se encontra ferida de nulidade por falta de especificação dos fundamentos de factos e que, decidindo no sentido em que decidiu, fez uma errada apreciação dos factos e do direito aplicável, do que resultou um errado julgamento da situação em apreciação.

4) Quanto aos pressupostos para a decisão de recurso a métodos indirectos, entendemos, contrariamente àquilo que foi conclusão da douta sentença, que pelo menos um dos fundamentos apontados pela Inspecção Tributária no seu relatório se encontra claramente verificado, cabalmente demonstrado em meios de prova adequados, e suficientemente fundamentado nesse mesmo relatório. Concretamente, a inexistência na escrita da impugnante de documentos de suporte dos registos de compras do primeiro trimestre de 1996.

5) Efectivamente, o relatório de inspecção dá conta de que o inspector tributário responsável pela acção de inspecção em causa, verificou pessoalmente que “Nos livros de registo de compras efectuadas estão contabilizadas as suas aquisições de Janeiro a Setembro de 1996…” (data da cessação da sua actividade)

6) Mas que verificou também que “Tais registos não têm, como seu suporte, a totalidade das respectivas facturas e/ou documentos equivalentes, uma vez que, por parte do sujeito passivo, apenas foram disponibilizados os respeitantes ao período de 01.04.96 a 30.09.96 e desconhecendo o mesmo, conforme Termos de Declarações de fls. 34 e de fls 35 a 37, onde poderão encontrar-se as facturas e/ou outros documentos, ou seja, os respeitantes às compras efectuadas durante o período de 01.01.96 a 31.03.96 (1.º trimestre / 96).”

7) Aliás, a inexistência destes documentos de suporte foi dada como facto provado pela douta sentença, fundamentalmente com base na verificação directa por parte do inspector tributário, e ainda pela sua confirmação por parte da impugnante.

8) No entanto, a douta sentença conclui também que “ Porém assim não entendeu de forma coerente a AT, e isto porque a AT no que respeita ao mês de Fevereiro efectuou uma correcção aos custos declarados com base nos livros, conforme se encontra vertido no relatório, pelo que, não obstante não ter acesso aos documentos com base nos quais foram efectuados os registos, não deixou de considerar aquela escrituração como verdadeira, sendo que é com base na mesma, e aplicando-lhe as margens indicadas pelo sujeito passivo em relação a cada negócio que pretende efectuar a avaliação indirecta.”

9) Ora, tal conclusão (a de que a AT considerou fidedignos os valores escriturados pela impugnante e como tal não poderia lançar mão de métodos indirectos) consubstancia uma causa de nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto que a justificam. Na realidade entendemos mesmo, mais uma vez, salvo o devido respeito, que não existem factos provados em que ela possa ser suportada.

10) É certo que a douta sentença refere que tal se encontra vertido no relatório, mas sem no entanto especificar ou identificar qual a parte do relatório em que isso acontece. Sem o que não é possível confirmar a fundamentação de facto em dúvida. Ou seja, em que capítulo e em que contexto tal correcção aos custos de Fevereiro se encontra vertida no relatório? Quais os custos em causa?

11) Em qualquer caso entendemos ainda que nesta parte a douta sentença encerra em si mesmo um erro de julgamento decorrente de uma errada apreciação e decisão sobre a matéria de facto e sobre o direito aplicável. Circunstância suficiente para que, em nosso entendimento, e salvo o devido respeito, deva ser revogada.

12) Efectivamente, a douta sentença recorrida conclui, com base nos factos dados como provados a partir do relatório inspectivo que foram feitas correcções aos custos declarados pela recorrida.

13) Acontece que, sem prejuízo de melhor opinião e salvo o devido respeito, aquilo que resulta do dito relatório não é que foram feitas correcções aos custos (aliás, nem os métodos indirectos são uma metodologia de encontrar valores de custos, são sim uma metodologia de determinar a matéria colectável), mas sim que foi calculado o custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas em qualquer dos sectores de actividade desenvolvidas pela recorrida, de maneira a aplicar-lha margem de comercialização respectiva, e assim, completar a tarefa de determinação da sua matéria tributável por métodos indirectos.

14) Houve por isso um erro na apreciação da matéria de facto pois que efectuar correcções aos custos de uma determinada actividade económica não é o mesmo do que determinar o custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas.

15) Ao que acresce que, houve também uma errada apreciação e aplicação do direito aplicável. Efectivamente, a douta sentença conclui também que, “… embora a AT indique o facto de não lhe terem sido apresentados os documentos relativos ao primeiro trimestre do exercício de 1996 não põe em causa os valores escriturados, pelo que, afinal temos de concluir, os mesmos foram considerados fidedignos, pelo que a AT não pode com base nesse facto decidir pela utilização de métodos indirectos.”

16) Esta conclusão surge na sequência de uma outra, segundo a qual a AT teria feito correcções aos custos declarados com base nos livros e relativamente ao mês de Fevereiro. Vimos já que, em nosso entendimento, a correcta apreciação da matéria de facto dada como provada e de resto, os factos efectivamente ocorridos, não permitem tal conclusão.

17) Mas, mesmo que assim fosse, tal circunstância só por si não poderia ter como consequência tornar credível toda a escrita da impugnante, e obstar à determinação da matéria colectável com recurso a métodos indirectos, como parece defender a douta sentença.

18) Tal conclusão assenta numa errada aplicação do direito aplicável, uma vez que o recurso a métodos indirectos não obsta a que na determinação da respectiva matéria colectável sejam utilizados, sempre que possível elementos concretos da escrita contribuinte.

19) Pelo que, salvo o devido respeito, entendemos que a conclusão tirada na douta sentença de que “… a fundamentação vertida no relatório de inspecção, acaba por ser insuficiente para a determinação da AT no sentido do recurso aos métodos indirectos, mostra-se incoerente, por a AT por um lado afirmar ter reunido os pressupostos para tal decisão, não agindo porém e como já se disse de forma coerente com aquela tomada de decisão, tomando em consideração os elementos da contabilidade, que acaba por defender serem incorrectos e não credíveis ”resulta de um erro de julgamento por errada apreciação da matéria de facto e da matéria de direito.

20) Mas, a douta sentença conclui também que a quantificação da matéria tributável feita pela AT com recurso a métodos indirectos não foi objecto da devida fundamentação.

21) Salvo o devido respeito, entendemos que também este segmento a douta sentença recorrida padece de nulidade, e assenta num erro de julgamento.

22) Efectivamente, nela se conclui “ … que também a quantificação não resulta totalmente clara, sendo que o conteúdo do dever de fundamentação incide também sobre esta decisão da AT, e não resulta clara porque no que respeita ao sector das mercadorias (supomos que aqui se estará a referir ao sector da mercearia, pois a actividade da impugnante dividia-se em mercearia e em restauração e mercadorias são apenas uma componente da generalidade das actividades), o valor da margem de lucro que a AT considerou, tendo por base as declarações da impugnante, é aplicado sobre o custo das mercadorias e matérias consumidas, sendo que porém como custo, a AT não levou em consideração aquele mesmo valor, mas apenas o valor das compras efectuadas naquele ano, o que resultou num valor de proveitos superior ao que resultaria da consideração daquele valor, sem que a AT venha fundamentar a razão da desconsideração do já referido valor de existências iniciais, quando, como se disse já, o leva em consideração para chegar às vendas presumidas no sector da mercearia.”

23) Entendemos que se verifica uma causa de nulidade da sentença desde logo por que a mesma, concluindo como acima de transcreveu, não especifica minimamente quais os fundamentos de facto em que suporta tal conclusão. Sendo certo que de entre a matéria de facto dada como provada não se detectam factos que permitam aquela conclusão.

24) Na realidade, contrariamente ao que conclui a douta sentença recorrida, e salvo o devido respeito, entendemos que a quantificação da matéria colectável, nomeadamente no sector da mercearia, se encontra devidamente fundamentada. E, na determinação dessa matéria colectável foi efectivamente considerado o valor das existências iniciais do exercício, por via da determinação do custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas, contrariamente ao que é conclusão tirada pela douta sentença recorrida.

25) Efectivamente, se atentarmos no capítulo V do relatório de inspecção, dedicado aos critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos, constataremos que, a AT procedeu à determinação do custo das mercadorias vendidas, para o que considerou o valor das existências iniciais, correspondente ao valor das existências finais do exercício anterior, ao qual aplicou a margem de comercialização utilizada.

26) Simplesmente, deixou de fora da aplicação dessa margem de comercialização o valor das mercadorias em existência no estabelecimento à data da cessação de actividade, uma vez que foram transmitidas ao valor de custo.

27) Salvo o devido respeito, era esta a conclusão a que a matéria de facto dada como provada deveria conduzir.

28) Do que decorre, em consequência, que a quantificação da matéria colectável com recurso a métodos indirectos se encontra fundamentada. Do que decorre assim também que a sentença recorrida, decidindo como decidiu, com base uma errada apreciação dos factos e do direito, teve como consequência um julgamento errado da situação em apreciação.

29) Razão pela qual, não sendo declarada a sua nulidade com o fundamento acima invocado, se impõe a sua revogação que, desde já, se requer.

Por tudo quanto deverá o presente recurso merecer total provimento. Pelo que, revogando a douta sentença recorrida, farão VOSSAS EXCELÊNCIAS, EXECELENTÍSSIMOS SENHORES JUÍZES DESEMBARGADORES, JUSTIÇA.


A Recorrida, devidamente notificada para o efeito, não apresentou contra-alegações.

O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da procedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, sendo as de saber: se a sentença recorrida sofre de nulidade por não especificar os fundamentos de facto que justificam a decisão e, em caso de resposta negativa, se padece de erro de julgamento na interpretação dos factos e aplicação do direito o que implica responder à questão sobre se se verificam, no caso, os pressupostos para o apuramento da matéria tributável por métodos indiciários.

Por fim, e em caso de resposta afirmativa, saber se os autos fornecem os necessários elementos para, em substituição, este Tribunal conhecer dos demais fundamentos da impugnação, relativos, nomeadamente, ao excesso de quantificação da matéria coletável e à caducidade do direito à liquidação.


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:

a) A 07/11/2000 foi emitido o ofício nº 3682 com o assunto “Notificação dos actos resultantes do relatório de Inspecção Tributária (art.º 77 da Lei Geral Tributária e art.º 61 do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária)” indicando a fixação, por métodos indirectos, nos termos do artigo 87.º a 90.º da LGT e art.º 84 do CIVA, relativamente a 1996, de 1.896.504$00 de imposto em falta (cfr. cópia de ofício a fls. 20 e ss. dos autos);

b) Do mesmo documento lê-se: “A decisão (…) referida no ponto anterior tem por base os factos, motivos e fundamentos e, bem assim, os critérios e cálculos que originaram os valores acima referidos, expressamente desenvolvidos no relatório de inspecção tributária, que faz parte integrante da presente notificação (cfr. cópia de ofício a fls. 20 e ss. dos autos);

c) O ofício é assinado por nome ilegível com a indicação “Chefe de Finanças” (cfr. cópia de ofício a fls. 20 e ss. dos autos);

d) A impugnante foi inspeccionada em sede de IVA e IRS, em relação aos exercícios de 1996 e 1997 (cfr. relatório de inspecção tributária de fls. 23 a 44 dos autos);

e) Do procedimento de inspecção concluiu-se serem de efectuar as seguintes correcções (cfr. relatório de inspecção tributária de fls. 23 a 44 dos autos, mais concretamente a fls. 23):
Ano de 1996 – Correcções Meramente Aritméticas:
IRS – 1.609.171$00
IVA – 41.374$00
Ano de 1996 – Correcções pelo recurso à aplicação de métodos indirectos:
IRS – 11.641.391$00
IVA – 1.896.504$00

f) Lê-se, além do mais, do relatório de inspecção, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido “III. Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável” (relatório de inspecção tributária de fls. 23 a 44 dos autos, concretamente fls. 26):
“3.2. Em custos:
Declarou a menos, no Anexo B1 e em compras de mercadorias ou, como seria o caso, em compras de matérias primas subsidiárias e de consumo, a verba de 279 816$, uma vez que devido a erro de soma cometido no Livro Modelo 2 de Compras para o “sector” da restauração e respeitante ao mês de Fevereiro de 1996, deveria ter sido considerado como total do valor liquido das compras o valor de 360 527$ (conforme verificação e comprovação directa (…)).”

g) Lê-se, além do mais, do relatório de inspecção, “IV. Motivos e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos” (relatório de inspecção tributária de fls. 23 a 44 dos autos, concretamente fls. 26 a 30):
“1. A presente acção inspectiva é dirigida ao IRS e ao IVA e respeita ao exercício da actividade de "Café - Casa de Pasto - Mercearia", actividade que durante o ano de 1996 foi exercida de 01.01.96 ate 30.09.96 (data da cessação por parte do presente SP).
2. Quadro resume dos seus elementos declarativos para o IRS, recolhidos do Anexo B 1 (rendimentos comerciais/industriais - categoria C e em nome de C...s), apresentado com referência ao exercício objecto da presente acção inspectiva:


3. O SP possui como elementos de escrituração os livros de registo a que se refere o art.º 50.º do CIVA.
4. De acordo com o averiguado e tendo em consideração os seus livros de registo, documentação de suporte e a forma como a actividade terá sido desenvolvida durante o ano de 1996, constatámos e verificámos os seguintes tipos de situações:
4.1 - Durante a visita e enquanto decorreu a análise e recolha dos elementos considerados necessários para a execução da acção inspectiva superiormente determinada, para além da presença do SP, tivemos o apoio e acompanhamento, mais ou menos permanente, de seu filho senhor V..., pessoa que actualmente exerce, em seu nome, a actividade do "Café / Restaurante" que constituía um dos dois sectores da actividade exercida por sua mãe e presente SP e que, conjuntamente com a sua esposa, com ela colaborava a tempo inteiro no estabelecimento (com o estatuto de empregado, embora os dois tivessem uma responsabilidade directa e assumida de quem, na pratica, geria este sector da actividade, pelo que constitui, na nossa opinião, pessoa tão ou mais abalizada que aquela para prestar as informações e esclarecimentos quanta ao exercício e pratica da mesma).
4.2 - Tal acompanhamento e prestação de esclarecimentos / informações, por parte do sr. V... tem perfeita acuidade, uma vez que, tal como o já havíamos referido no ponto 1.2 do item III, este mesmo SP foi recentemente objecto de uma outra acção inspectiva também dirigida ao IRS e ao IVA e ao mesmo estabelecimento (embora este apenas tenha ficado com parte/sector da "restauração") e cuja extensão, em termos de temporalidade, foi direccionada aos anos de 1997 e 1998.
4.3 - É importante aqui referirmos que essa mesma acção justificou correcções pelo recurso a aplicação de métodos indirectos, correcções à matéria tributável para o IRS e em imposto em falta para efeitos do IVA e cujos factos e fundamentos correspondem, na sua quase generalidade, a factos e/ou situações também verificados no presente exercício e em nome de sua mãe (SP - C...).
4.4 - Constituindo, eventualmente, os aspectos mais relevantes das averiguações efectuadas, verifiquemos os seguintes aspectos e dados conclusivos relativamente as compras e/ou outros tipos de aquisições de mercadorias (para o sector da "mercearia") e de matérias-primas, subsidiárias e de consumo para o sector da "restauração" ("café / casa de pasto / taberna"):
4.4.1 - Nos livros de registo das compras efectuadas (um livro de registo Mod. 2 para cada um dos sectores) estão contabilizadas as suas aquisições de Janeiro a Setembro de 1996 e, embora com alguns erros, os valores encontram-se discriminados por valor líquido, imposto (IVA) dedutível e das taxas reduzidas e normal e outras.
4.4.2 - Tais registos não têm, como seu suporte, a totalidade das respectivas facturas e/ou documentos equivalentes, uma vez que, por parte do SP, apenas foram disponibilizados os respeitantes ao período de 01.04.96 a 30.09.96 e desconhecendo o mesmo, conforme Termos de Declarações de fls. 34 e de fls. 35 a 37, onde poderão encontrar-se as facturas e/ou outros documentos, ou seja, os respeitantes as compras efectuadas durante o período de 01.01.96 a 31.03.96 (1.º trimestre /96).
4.4.3 - De acordo ainda com o declarado pelo SP nos Termos de Declarações a que nos referimos anteriormente, o próprio confirma a omissão de compras efectuadas para consumo no estabelecimento e necessárias para a prática e exercício da actividade (sector da "restauração").
4.4.4 - Conforme se constata do Relatorio de Inspecção Tributária elaborado para os anos de 1997 e de 1998, também nesses dois anos se verificou a omissão de compras (actividade já a ser exercida em nome de V...).
4.4.5 - De fls. 24 a fls. 28 apresentamos o resultado do trabalho efectuado em conjunto com o SP (representada por seu filho) e em que foi considerado o valor anual em falta para cada um dos produtos ali descritos, produtos e/ou grupos em que foram praticadas omissões de compras, constituindo o documento de fls. 37, rubricado pelo próprio e a quem foi entregue uma cópia, um resumo geral dessas omissões.
4.5 - Relativamente ao sector da "mercearia", actividade que a partir de 01.10.96 (cessação em nome do SP ocorrida em 30.09.96) passou a ser exercida por sua filha C..., verificámos o seguinte:
4.5.1 - As compras para este sector da actividade encontram-se registadas, como já o havíamos referido em 4.4.1, num outro livro de registo Modelo 2 (não estão, pois, em conjunto com as efectuadas para o sector da "restauração").
4.5.2 - A exemplo do ocorrido relativamente à não disponibilização das facturas das aquisições efectuadas durante o 1° trimestre do ano de 1996 para o sector da "restauração", também desconhece onde possam estar as facturas correspondentes às compras efectuadas durante o 1.° trimestre de 1 996 e respeitantes ao sector da "mercearia".
4.5.3 - No entanto, no livro de registo das compras estão contabilizados valores para os meses de Janeiro, Fevereiro e Março e cujos montantes fazem parte do total acumulado contabilizado e declarado para o ano de 1996.
4.5.4 - O SP cometeu alguns erros nos seus registos das compras e na transposição dos respectivos valores para o Anexo B1-Declaração Mod. 2 - IRS (correcções aritméticas do valor de 279 816$ + 172 730$ = 452 546$), erros que só afectam o sector da "restauração", pelo que, analisando os elementos declarados pelo SP, não se justifica que declare, para este sector da actividade ("mercearia"), uma rentabilidade / margens de comercialização / lucro bruto negativas, como procuraremos demonstrar de seguida:
4.5.4.1 - Custo bruto das vendas "mercearia" (declarado):


4.5.5 - Justifica-se deixarmos aqui esclarecido que no campo 09 do quadro 5 do Anexo B I, quando o SP indica, como valor anual das suas vendas, o valor de 16 532 850$, este valor inclui, para além do montante supra referido de vendas para o sector da "mercearia" de 15 132 850$ (a que se devera acrescer o montante de 22 000$ que por lapso o SP não havia incluído e que correspondem as vendas efectuadas em 30.09.96 a sua filha C... das mercadorias da taxa de 12% do IVA), também a verba de 1 400 000$ que o SP indevidamente considerou como vendas de mercadorias e que se refere ao valor de realização pela transmissão de duas viaturas que se encontravam no activo imobilizado da empresa, também alienadas em 30.09.96, data da sua cessação.
5. Assim e face ao exposto, somos da opinião que se justifica o recurso a aplicação de métodos indirectos, tal como esta determinado e a que se referem os art.º 38.º do CIRS e art.º s 51.º e 52.º do CIRC (ao caso aplicáveis), uma vez que existem indícios seguros de que a sua contabilidade / livros de escrituração e registo não reflectem a exacta situação patrimonial e o(s) resultado(s) efectivamente obtido(s) e por não ser possível a comprovação e a quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação do lucro tributável, indícios a que nos referimos anteriormente e que sintetizamos nos seguintes pontos :
5.1 - Prejuízo fiscal declarado para o IRS - Categoria C (rendimentos comerciais e industriais) e para o ano de 1996, sem que tenham sido apresentadas e / ou fundamentadas razões consistentes para tal (relativamente aos dois exercícios imediatamente anteriores, ou seja, para os anos de 1995 e 1994, declarou, respectivamente, os lucros tributáveis / resultados de 1 58681$ e 1 452601$).
5.2 - Reconhecimento, por parte do SP, de terem sido praticadas omissões de compras, não só por inexistência das facturas / documentos equivalentes, como igualmente por falta dos respectivos registos no livro de escrituração (e aqui foram não só omitidas compras como também não foram registados outros tipos de "entradas" de produtos e/ou matérias-primas para consumo no estabelecimento e na actividade e que possam, eventualmente, ter sido "adquiridas sem encargos" - "peixe do rio", "caça", "hortaliças e legumes", etc.).
5.3 - A situação específica do sector da "mercearia", em que o próprio afirma ser de cerca de 15% a margem de comercialização normalmente praticada 1 % sobre o custo, margem média eventualmente considerada por defeito, mas que nos próprios admitimos e aceitamos e que nada tem a ver com o declarado e expresso no resultado negativo apurado pelo SP (situação referida em 4.5, ou, mais propriamente, no ponto 4.5.4).
5.4 - Inclusivamente no sector de "tabacos" há indícios de ter sido "trabalhado" o valor declarado como vendas - 2 547 731$, já que, tendo sido adquirido, durante o ano, um montante de 2 414 911$, como se explicam os registos diários/mensais e que conduzem a um valor total contabilizado de 2 035 386$ e a que, embora não contabilizado, se poderá / deverá acrescer o valor de 85 661$ correspondente à venda efectuada a seu filho V..., que a partir de 01.10.96 passou a exercer a actividade em seu nome, totalizando, pois, o valor de 2 121 047$ ? - (Esclarece-se que para um custo como o contabilizado e declarado e a % comercialização - expressa em desconto - mais ou menos fixa para os tabacos da ordem dos 5,5 %, o valor "normal" das vendas "devera ser" semelhante ao declarado).

h) Lê-se do relatório de inspecção “V. Critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos” (relatório de inspecção tributária de fls. 23 a 43 dos autos, concretamente fls. 30 a 38):
“Face ao demonstrado no item IV e em que procuramos justificar os motivos e factos que, na nossa perspectiva, implicam o recurso à utilização de métodos indirectos, iremos proceder ao cálculo dos valores que justificam as competentes correcções em sede do IRS e do IVA, respectivamente à matéria tributável e ao imposto, bem como definiremos, para cada um dos dois sectores da actividade que o SP exerceu de 01.01.96 a 30.09.96 ("Mercearia" e "Restauração"), os respectivos critérios.
1. CÁLCULO DO CUSTO DAS MERCADORIAS VENDIDAS E DAS MATÉRIAS CONSUMIDAS - ANO DE 1996
1.1 - Consideramos como Existências Iniciais (EF'95 / EI'96), o valor declarado pelo SP no Anexo B I e que, de acordo com o contabilizado (possui em arquivos documentos de apoio) no competente livro de registo, se sub-divide, relativamente aos dois sectores da actividade, da seguinte forma:



1.2 - Não foram declaradas e, como tal, não consideramos Existências Finais, uma vez que o SP transmitiu toda a mercadoria que possuía no estabelecimento a data de 30.09.96 (data da cessação, em seu nome, do exercício de toda a actividade), transmissão efectuada (a preço de custo) a seus dois filhos que, entretanto, se registaram para início, em 01.10.96, da actividade de "Mercearia (sua filha C...) e de "Café Restaurante" (seu filho V...).
1.3 - Relativamente as compras efectuadas e tal como já o havíamos referido anteriormente, as mesmas encontram-se registadas em separado e foram utilizados dois livros de registo de compras Modelo 2 (um para cada um dos sectores e constando as compras de "tabacos" no livro de registo das aquisições para o sector da "restauração"), justificando-se, no entanto e para além da respectiva sectorização, que para o cálculo do CMVMC sejam consideradas, não só as "compras e/ou entradas de produtos" em falta (para o sector da "restauração", conforme discriminação constante do Anexo A e que constitui fls. 24 a fls. 28), mas igualmente as correcções meramente aritméticas a que nos referimos no ponto 3. do item III (estas também apenas com incidência no sector da "restauração") e o "auto-consumo" (relativamente ao analisado, apenas com reflexos e incidência também neste mesmo sector - "restauração") .
1.3.1 - Compras para o sector da "mercearia":

1.3.2 - Compras para o sector da "restauração":


1.4 - Valor a considerar para o "auto-consumo" e respeitante ao sector da "restauração"
1.4.1 - Durante o ano de 1996 e a trabalhar no estabelecimento e neste sector da actividade, poderemos considerar três pessoas a tempo inteiro (o SP e seu filho e nora, estes dois com o estatuto de empregados) e que ali tomavam as suas refeições.
1.4.2 - Iremos considerar, para o ano de 1996, o valor do subsídio de (…)
1.5 - De acordo, pois, com tais critérios, será o seguinte o custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas, sector a sector:


2. CÁLCULO DAS VENDAS - SECTOR DA "MERCEARIA"
2.1 - Conforme demonstração efectuada em 1.5.1, o custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas foi de 18 853 824$.
2.2 - Porque em 30.09.96, data da cessação do exercício da actividade, transmitiu a sua filha C..., conforme factura n.º 2433, dessa data (fotocopia de fls. 41), as mercadorias que se encontravam em existência no estabelecimento e do valor total de ..... 2.540 .250$ (vendas efectuadas a preço de custo), iremos abater esse valor ao CMVMC e, com o novo valor para o custo, vamos encontrar, depois da aplicação da margem de comercialização (% sobre o custo), o montante das vendas para o exterior I público consumidor em geral.
2.3 - Assim, será o seguinte o CMVMC para as vendas ao público:
18 853 824$ - 2540250$ = 16 313 574$.
2.4 - Relativamente à margem de comercialização 1 % sobre o custo com que iremos trabalhar, consideramos o seguinte:
2.4.1 - O SP cessou o exercício da actividade em seu nome no dia 30 de Setembro de 1996.
2.4.2 - A partir de 01 de Outubro desse mesmo ano de 1996 e situação que ainda se verifica neste momento, a actividade passou a ser exercida em nome de outra pessoa - sua filha C....
2.4.3 - Por falta de elementos, nomeadamente os preços de venda ao público dos vários produtos que transaccionava no estabelecimento e em vigor à data e porque actualmente é outra pessoa que o explora e aí exerce a actividade, estará prejudicada a amostragem que nos permitiria encontrar, com alguma credibilidade, as suas margens de comercialização.
2.4.4 - Claro que a existência de "rácios" e a possibilidade de pesquisa na zona e em estabelecimentos congéneres (inclusivamente o próprio), nos poderiam conduzir a indicadores médios eventualmente aceitáveis e porventura aplicáveis neste sector da actividade ("mercearia").
2.4.5 - No entanto e porque tal procedimento conteria sempre algo de aleatório, pensamos ser razoável aceitar e, como tal, será com ela que iremos trabalhar, a margem de comercialização que o próprio SP nos indicou como aquela que em média aplicaria, ou seja, 15% sobre o custo, tal como consta do documento que ambos rubricámos e que constitui fls. 37 (aceite igualmente, para além das raz5es antes expostas, tendo ainda em consideração, para além do tipo de actividade e produtos comercializados, parte deles com margens normalmente baixas, a zona em que se situa o estabelecimento e a nossa própria experiência adquirida noutros tipos de trabalhos que já efectuamos nesta área).
2.4.6 – Face ao referido, encontramos, para as vendas efectuadas ao público consumidor em geral, o seguinte valor:

7.1 - De acordo com os cálculos efectuados e os critérios utilizados para o IRS, constatamos haver Imposto Sobre o Valor Acrescentado em falta.
7.2 - Face as demonstrações efectuadas e aos diversos valores encontrados em vendas e em prestações de serviços, iremos encontrar a BT / VN e o IVA correspondente e que, tendo em consideração o declarado e constante das diversas Declarações Periódicas enviadas ao SIVA (três DP's para os períodos 96 03 T, 96 06 T e 96 09 T), nos permitirá encontrar e sugerir o respectivo montante de imposto em falta.
7.3 - Os valores em falta foram repartidos pelos três períodos de tributação e de forma proporcional (consideramos e aceitamos a repartição efectuada pelo SP, tanto para os valores período a período, como e sobretudo, no que respeita ao sector da "mercearia", a sua repartição pelas diversas taxas do IVA).
7.4 - Para a execução e conclusão do nosso trabalho, foi tido em consideração que, a partir de 01.07.96, não só a taxa do IVA para o sector da "restauração" foi alterada, tendo passado de 17% para 12%, como e no que respeita ao sector da "mercearia", diversos produtos também viram as respectivas taxas do IVA serem alteradas.
- Conforme mapa resumo e discriminativo (Anexo D - fls. 31), foi apurado o seguinte montante de imposto em falta - métodos indirectos:

(…)”

i) A 17/10/2000 foi proferido despacho de concordância com o relatório de inspecção, onde se lê (cfr. despacho a fls. 22 dos autos): “(…) Assim, e porque se verificam os pressupostos consignados no art.º 38.º do CIRS, art.º 87.º e 88.º da Lei Geral Tributária determino, nos termos do art.º 77.º da LGT, o apuramento do rendimento da categoria C de IRS e da base tributável em IVA, com recurso a métodos indirectos, utilizando os critérios propostos na informação”.

j) O despacho foi assinado por José das Neves Raimundo, “Chefe de Divisão” com a indicação “Por delegação do Director de Finanças de Portalegre conforme despacho de 1/04/1999” (cfr. despacho a fls. 22 dos autos);

k) A 29/03/2000 foi lavrado termo de declarações de V..., na qualidade de proprietário de estabelecimento sito na Rua P..., com o seguinte teor (cfr. cópia de termo de declarações, a fls. 41 do PAT):
“Inquirido sobre: (…)
2.º Sobre diversas omissões de compras de matérias primas verificadas nos seus elementos de escrita, especificando os produtos, quantidades e respectivos valores, relativamente aos anos de 1997 e 1998.
3.º Sobre a margem de lucro bruta praticada relativamente à sua actividade, naqueles mesmos exercícios, no conjunto da sua actividade de café/ restaurante declarou o seguinte:
(…)
2.º Que admite a existência de omissões de compras de matérias primas relativamente àqueles exercícios, não lhe sendo no entanto já possível quantificá-los.
3.º Que não sabe qual a margem de lucro praticada relativamente à sua actividade.”

l) A 08/06/2000 foi lavrado termo de declarações de C...s, na qualidade de proprietário de estabelecimento sito na Rua P...(…), com o seguinte teor (cfr. cópia de termo de declarações, a fls. 42 verso e 42 do PAT):

“1.º Já há muito tempo solicitados e por não aparecerem, qual o paradeiro dos documentos de compras do seu estabelecimento, relativamente ao 1.º trimestre de 1996.
2.º Quais os produtos, nomeadamente compras de matérias primas que omitiu na sua escrita, relativamente ao sector café/ restaurante (casa de pasto), durante os 1.º, 2.º e 3.º trimestre de 1996, respetivas espécies e montantes.
Declarou o seguinte: 1º Que desconhece onde se encontram os documentos referidos. 2.º Que efectivamente omitiu compras efectuadas para o seu estabelecimento, desconhecendo porém as respectivas espécies e montantes”.

m) A 28/06/2000 foi lavrado termo de declarações de C...s, na qualidade de proprietário de estabelecimento sito na Rua P... (…), cujo teor se dá por integralmente reproduzido (cfr. cópia de termo de declarações, a fls. 43 verso, 43 e seguintes do PAT);

n) Com data de 30/09/1996 foi emitida pela ora impugnante a V..., a factura nº 2432, onde se lê (cfr. cópia de fatura a fls. 48 do PAT): “Venda de mercadorias conforme relação anexa – 838 195$00
IVA – 12% - 100 583$00
Tabaco – 85 664$00”

o) Com data de 30/09/1996 foi emitida pela ora impugnante a C..., a factura nº 2433, onde se lê (cfr. cópia de fatura a fls. 49 do PAT):
“Venda de mercadorias conforme relação anexa:

p) A 15/01/2001 realizou-se a reunião dos peritos da FP e da impugnante para apreciar o pedido de revisão da matéria colectável apurado em sede de IVA e IRS, para o exercício de 1996 (cfr. cópia autenticada de acta da reunião, a fls. 56 e seguintes dos autos);

q) Na reunião a que se refere a alínea anterior não houve acordo dos peritos (cfr. cópia autenticada de acta da reunião, a fls. 56 e seguintes dos autos);

r) A 22/01/2001 foi proferida decisão de indeferimento da reclamação da matéria colectável alcançada por métodos indirectos, mantendo-se os valores fixados (cfr. documento de fls. 58 dos autos);

s) A decisão a que se refere a alínea anterior foi proferida por J..., que assinou como “O Director de Finanças, em substituição” (cfr. documento de fls. 58 dos autos);

t) A 31/03/2001 foi emitida liquidação de IVA nº 01054031, com a indicação do período “96”, no valor de 1.896.504$00 (cfr. liquidação a fls. 45 dos autos);

u) A 31/03/2001 foi emitida liquidação de IVA n.º 01054028, com a indicação do período “9603T”, no valor de 379.893$00, indicando como imposto em falta o valor de 615.950$00 (cfr. liquidação a fls. 46 dos autos);

v) A 31/03/2001 foi emitida liquidação de IVA n.º 01054029, com a indicação do período “9606T”, no valor de 431.258$00, indicando como imposto em falta o valor de 739.722$00 (cfr. liquidação a fls. 47 dos autos);

w) A 31/03/2001 foi emitida liquidação de IVA nº 01054030, com a indicação do período “9609T”, no valor de 540.832$00, indicando como imposto em falta o valor de 640.832 (cfr. liquidação a fls. 48 dos autos);

x) A petição inicial relativa à presente impugnação deu entrada na Repartição de Finanças de Ponte de Sor a 28/08/2001 (cfr. carimbo aposto a fls. 2 dos autos);


Quanto a factos não provados, na sentença exarou-se o seguinte:

Nada mais se provou com interesse para a decisão da causa.


E quanto à Motivação da Decisão de Facto, consignou-se:

Os factos provados assentam na análise crítica dos documentos juntos aos autos.


II.2 Do Direito

A) Da nulidade da sentença

Alega a Recorrente que a sentença é nula por falta de especificação dos fundamentos de facto que a justificam [cf. conclusões 3) e 9)].

Nos termos do artigo 615/1.b) do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 281º CPPT, é nula a sentença quando: (…) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

Tradicionalmente, para que a sentença padeça deste vício considera-se necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a motivação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente.

Segundo os ensinamentos de Alberto dos Reis: há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade (…) (1).

No processo judicial tributário este vício da não especificação dos fundamentos de facto e de direito como causa de nulidade da sentença, está contemplado no artigo 125/1 CPPT.

Ora, a Recorrente imputa à sentença recorrida vício de nulidade por falta de especificação dos fundamentos de factos e que, decidindo no sentido em que decidiu, fez uma errada apreciação dos factos e do direito aplicável, do que resultou um errado julgamento da situação em apreciação (cf. conclusão 3).

E, ao ter concluído não estarem reunidos os pressupostos para a tributação por métodos indiretos e que não existem factos provados em que ela possa ser suportada. Acrescentando de seguida: é certo que a douta sentença refere que tal se encontra vertido no relatório, mas sem, no entanto, especificar ou identificar qual a parte do relatório em que isso acontece (cf. conclusões 9 e 10).

Entende, pois, a Recorrentes que na fundamentação da decisão da matéria de facto não foram especificados os meios de prova que foram decisivos para a formação da convicção do juiz.

Com efeito, nos artigos 123/2 CPPT e no artigo 607/3 CPC exige-se tão só que o juiz discrimine os factos que considera provados, indicando os meios probatórios – no caso documentais - em que fundou a sua convicção. E isso foi feito.

Todavia, a nulidade arguida pela Recorrente não respeita a que os meios de prova não tenham sido indicados, mas à falta de indicação do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo julgador ao decidir como decidiu.

A fundamentação exigível nas sentenças e outras decisões dos Tribunais é a que visa possibilitar às partes o recurso da decisão com perfeito conhecimento da situação, colocar o Tribunal de recurso em posição de exprimir um juízo concordante ou divergente, concretizando um controlo geral e externo sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica da decisão (apud Ac. T. Constitucional nº 55/85, de 25.3, in Ac.TC, 5.º-pág.467).

No caso dos autos, porém, é injusta a crítica que é feita à sentença porquanto são indicados os elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz.

Com efeito, para concluir pela não verificação dos pressupostos para a tributação do sujeito passivo por métodos indiretos, após chamar à colação as principais normas jurídicas que regulavam a matéria, é feita referência aos pontos concretos do relatório elaborado pelos serviços de inspeção tributária e transcritas as partes consideradas relevantes do mesmo, como se vê do excerto que se transcreve:

Ora da leitura do relatório de inspeção resulta que foram os seguintes os fundamentos para tal decisão:
- Omissão de registo de compras;
- Falta de apresentação de documentos de suporte aos registos relativos ao 1º trimestre de 1996;
- Existência de dois livros de registos Mod. 2;
- Declaração de valores de margens inferiores aos indicados em auto de declarações, nomeadamente quanto ao sector de mercearia, em que foram apresentados no anexo B1 da declaração de IRS uma margem de lucro negativa;
- Erros nos registos de compras relativamente ao sector restauração, que originaram correções aritméticas;
- Declaração do valor relativo à venda de duas viaturas no campo 9 do quadro 5 do Anexo B1, isto é, no campo relativo à venda de mercadorias.

Estes factos levaram à conclusão por parte da AT não ser possível a comprovação e a quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação do lucro tributável, sintetizando os fundamentos na seguinte forma (ponto 5 da parte IV do relatório):

- Prejuízo fiscal declarado para o IRS – categoria C (…) para o ano de 1996, sem que tenham sido apresentadas razões consistentes para tal (relativamente aos dois exercícios imediatamente anteriores, ou seja para os anos de 1995 e 1994 declarou, respectivamente os lucros tributáveis/ resultados de …..1.858.681$ e 1.452.601$);
- Reconhecimento por parte do SP de terem sido praticadas omissões de compras, não só por inexistência das facturas / documentos equivalentes, como por falta dos respectivos registos no livro de escrituração (e aqui foram não só omitidas compras como também não foram registadas outro tipo de “entradas” de produtos e /ou matérias-primas para consumo no estabelecimento e na actividade e que possam, eventualmente, ter sido adquiridas sem encargos – “peixe do rio”, “caça”, “hortaliças e legumes”, etc).
- A situação específica do sector da “mercearia” em que o próprio afirma ser de cerca de 15% a margem de comercialização normalmente praticada 1 % sobre o custo, margem média eventualmente considerada por defeito (…) e que nada tem a ver com o declarado e expresso no resultado negativo apurado pelo SP (…);
- [N]o sector “tabacos” há indícios de ter sido “trabalhado” o valor declarado como vendas (…) o valor das vendas deverá ser semelhante ao declarado”

Da leitura deste excerto da sentença que transcrevemos dúvidas não há que é percetível qual o itinerário seguido pelo decisor que levou a que o caso fosse decidido dessa maneira e não de outra, visto que o vício que consubstancia esta nulidade, conforme mencionado acima, consiste na falta de fundamentação absoluta, não bastando que a justificação da decisão (tanto na vertente factual como no aspeto do enquadramento jurídico) se mostre deficiente, incompleta ou não convincente.

Não tem, pois, razão a Recorrente, não se verificando no caso em apreço a nulidade arguida: não há omissão da indicação dos meios de prova que fundamentam a decisão.

Mas vem também invocado o erro de julgamento, tema que passaremos a analisar de seguida:


B) Do erro de julgamento

Como vimos, em causa no presente recurso está a sentença que julgou procedente a impugnação deduzida contra a liquidação adicional de IVA respeitante aos primeiros três trimestres de 1996, matéria coletável apurada por métodos indiciários.

Entende a Recorrente que, contrariamente ao decidido na sentença recorrida, no caso em apreço estavam reunidos os pressupostos para o apuramento do imposto por métodos indiretos.

No ano fiscal em análise, a Impugnante, ora Recorrida, explorava um café, casa de pasto e mercearia.

A questão dos autos respeita, assim, à liquidação adicional de IVA resultante da inspeção efetuada à escrita da Impugnante, que concluiu pela impossibilidade de quantificação do lucro tributável para efeitos de IRS e IVA através dos elementos da contabilidade, e que por isso procedeu ao seu apuramento através da aplicação de métodos indiciários.

O Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado previa a fiscalização e determinação oficiosa do imposto no Capítulo VI (artigos 76º a 89º):
Artigo 82º

1- O chefe da repartição de finanças competente procederá à retificação das declarações dos sujeitos passivos quando fundadamente considere que nelas figura um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, liquidando adicionalmente a diferença.
2- As inexatidões ou omissões praticadas poderão resultar diretamente do seu conteúdo, do confronto com declarações respeitantes a períodos de imposto anteriores ou com outros elementos de que se disponha, designadamente os relativos ao IRS ou IRC.
3- As inexatidões ou omissões poderão igualmente ser constatadas em visita de fiscalização efetuada nas instalações do sujeito passivo, através de exame dos seus elementos de escrita, bem como da verificação das existências físicas do estabelecimento.
4- Se for demonstrado, sem margem para dúvidas, que foram praticadas omissões ou inexatidões no registo e na declaração a que se referem, respetivamente, a alínea a) do nº 2 do artigo 65º e a alínea c) do nº 1 do artigo 67º, proceder-se-á à tributação do ano em causa com base nas operações que o sujeito passivo presumivelmente efetuou, sem ter em conta o disposto no nº 1 do artigo 60º.

Vejamos então se se encontram reunidos os pressupostos para que a Autoridade Tributária e Aduaneira procedesse ao apuramento da matéria tributável através do recurso a métodos indiciários, como defende.

Anote-se, desde já, que sobre esta matéria pronunciou-se o recente acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul no processo nº 7498/14.8BCLSB, da mesma Contribuinte, mas relativo a IRS do mesmo ano de 1996, com base no mesmo relatório de inspeção, que seguiremos de perto por não vermos razão para divergir do entendimento nele sufragado, com as necessárias adaptações.

Tal como no aresto citado, nas conclusões 2), 4) a 8) e 11) a 19) das alegações de recurso, a Recorrente defende que sentença recorrida padece de erro de julgamento de facto e de direito porquanto se verificavam no caso os pressupostos de avaliação indireta da matéria tributável, apurada por métodos indiciários.

A Recorrente alega, pois, que, pelo menos um dos fundamentos apontados se encontra claramente verificado, suportado em meios de prova adequados e suficientemente fundamentados – a inexistência na escrita da Impugnante, ora Recorrida, dos documentos de suporte dos registos de compras relativos ao primeiro trimestre de 1996.

Mais alega que basta a verificação de um desses fundamentos, a ponto de tornar impossível a comprovação e a quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação do lucro tributável, para legitimar o recurso a métodos indiretos.

Com efeito, no excerto do relatório de inspeção transcrito na alínea f) da matéria de facto, nos pontos 4.4.1 e 4.4.2, consta que as aquisições registadas e relativas ao primeiro trimestre de 1996, não se encontravam devidamente suportadas em documentos.

Ora, os motivos que levaram a Autoridade Tributária e Aduaneira a lançar mão da avaliação indiciária não foram apenas a inexistência de documentos de suporte dos registos contabilísticos. Foi também a verificação da existência da omissão do registo e declaração das aquisições que se repercutiram na omissão de registo e declaração de proveitos.

São ainda assinalados alguns erros nos registos de compras no sector de restauração que foram objeto de correções técnicas. No sector de mercearia conclui-se que não se justificava a declaração de uma rentabilidade/margens de comercialização/lucro bruto negativas com base na análise do custo bruto das vendas e das vendas declaradas.

Após analisar a principal legislação aplicável ao caso e de sintetizar os motivos constantes do relatório de inspeção justificativos do recurso à determinação da matéria coletável por métodos indiciários, para julgar procedente a impugnação diz a sentença recorrida:

Vejamos então se os pressupostos para a decisão de tributar utilizando métodos indirectos para a determinação dos rendimentos se encontram reunidos, sendo que os mesmos estão na base das liquidações ora impugnadas.
Analisemos então cada fundamento apresentado pela AT, para, após essa análise, fazer uma análise combinada de todos os fundamentos, por forma a concluir se se encontram verificados os pressupostos para a utilização de métodos indirectos, em concreto o pressuposto eleito pela AT – a impossibilidade de determinação directa e exata de material tributável.
Cumpre antes de mais referir que no que ao fundamento apontado relativo à existência de prejuízo fiscal para aquele ano de 1996 – 5.1 do relatório - não se apreende o que pretende a AT extrair deste facto, uma vez que em nada o facto de um contribuinte apresentar prejuízo num ano, ao contrário de nos anos anteriores em que tinha apresentado lucro, conduz à existência de um indício de não ser credível a sua contabilidade, nem tampouco os resultados por si apresentados.
No que ao sector tabaco diz respeito, defende a AT ter existido omissão de registo, uma vez que, e tendo em conta o valor de compras e da taxa de comercialização, que ronda os 5,5%, o valor declarado se apresenta correcto, sem que porém o valor registado seja idêntico a este.
Ora, a existência de um valor declarado desconforme com os valores registados aponta para a existência de uma escrituração deficiente, onde, não foram ainda reflectidos todos os movimentos de compras, nomeadamente, quanto ao tabaco.
Porém este indício não é apto à tomada de decisão de fazer uso dos métodos indirectos uma vez que, da análise da AT se verifica que o valor declarado, é afinal o valor a que a própria AT chegaria, se lançasse, quanto ao sector tabacos uso de tais métodos de avaliação. Sendo o valor da declaração muito próximo daquele a que a AT chegaria aplicando o valor da margem conhecida para o sector tabacos, nada há a corrigir, sendo que essa foi precisamente a decisão para o sector “tabacos”, conforme se indica no ponto V. 4 do relatório.
Pelo que, só por si, este indicador em nada contribui para a decisão de lançar mão de métodos indirectos.
Aponta ainda a AT a existência de omissão de registo de compras e de outras entradas de produtos e matérias primas, a título gratuito, e que terão sido consumidas na estabelecimento.
A AT chega a tal conclusão com base nas declarações proferidas pela aqui impugnante e pelo seu filho, pessoa que sucedeu à aqui impugnante na exploração do estabelecimento, no que ao ramo de restauração respeita.
Ora, conforme resulta do probatório, foram ouvidos em declarações a aqui impugnante e o seu filho. Importa antes de mais dizer que este Tribunal desconhece em que ocasião, de que forma, e como foram produzidas as declarações dos declarantes, quais as suas capacidades de entendimento e de expressão, nomeadamente quanto a temas como margens de lucro, pelo que a sua valoração como prova é muito diminuta, sendo que este Tribunal apenas valora tais declarações na medida em que sejam a confirmação de outros elementos juntos aos autos. Ora, não há, quanto à omissão de contabilização e escrituração de compras outros elementos juntos ao relatório.
Ademais importa verificar que no termo de declarações se refere que a impugnante foi inquirida sobre: “2.º Quais os produtos, nomeadamente compras de matérias primas que omitiu na sua escrita relativamente ao sector de café/restaurante (casa de pasto) durante os 1.º, 2.º e 3.º trimestres de 1996, respectivas espécies e montantes”, ficando consignado no termo de declarações “que efectivamente omitiu compras efectuadas para o seu estabelecimento, desconhecendo as respectivas espécies e montantes”.
Assim e para além do desvalor que estas declarações têm pelos motivos apontados, para a convicção sobre a matéria de facto dada como provada, resulta do próprio termo de declarações que a impugnante foi já colocada na posição de responder sobre que produtos tinham sido omitidos, uma vez que foi inquirida sobre “quais os produtos [omitidos]”, o que revela que a AT em momento anterior à inquirição se convencera já da existência daquela omissão. Assim as declarações proferidas desacompanhadas de outros elementos de prova, nomeadamente dos que levaram a AT a esta convicção, nunca podiam ser prova desse facto.
E o mesmo se passa com o termo de declarações colhido do filho da impugnante, a quem se consignou naquele termo, ter-se inquirido “2.º sobre diversas omissões de compras de matérias primas verificadas nos seus elementos de escrita, especificando os produtos, quantidades e respectivos valores, relativamente aos anos de 1997 e 1998”, e consignando como resposta “que admite a existência de omissões de compras de matérias primas relativamente àqueles exercícios, não lhe sendo já possível quantificá-los”. Ora, quanto a este termo de declarações, sempre se dirá que o mesmo é relativo a exercícios diferentes do que está em causa nos autos.
Assim e sem maiores necessidades de fundamentação, se conclui não resultar provado o indício de existência de omissão de compras, quanto ao exercício de 1996, pelo que o mesmo não pode fundamentar a decisão de recurso a métodos indirectos.
Já no que à falta de registo do valor das entradas de matérias primas como caça ou pescado, adquiridos a título gratuito, a impugnante acaba por confessar tal facto na sua PI, pelo que este facto apontado pela AT no seu relatório tem-se por provados nos presentes autos.
Acontece que a relevância deste facto para a consideração de existência de escrituração deficiente ou errada não foi exteriorizada pela AT, que não referiu de que forma a não consideração daquelas entradas influenciava ou permitia distorcer os resultados contabilizados, e sem maiores esforço de fundamentação pela AT não é possível apreender, por exemplo, qual a expressão dessa omissão para a dificuldade da AT alcançar a verdade tributária da impugnante.
Do que dissemos passos atrás sobre os termos de declarações, resulta que também não pode proceder o indício apontado pela AT quanto à Declaração de valores de margens inferiores aos declarados nos termos de declarações para cada “ramo” de actividade como legitimador para o recurso aos métodos indirectos, sendo que, no que às margens diz respeito, é de referir que a especificidade da matéria, a necessidade de recorrer a cálculos aritméticos para se responder à questão relativa a margens, e a existência de diferentes tidos de margens, torna ainda mais frágeis as declarações da impugnante. Pelo que se dá por reproduzida os fundamentos já elencados, e aqui aplicáveis, quanto aos termos de declarações, concluindo-se pela falta de prova deste indício.
Refere-se no relatório de inspecção que a impugnante tinha dois livros de registos, cada um para registo de cada uma das duas actividades por si exercida – mercearia e restauração.
Este facto não permite concluir pela existência de impossibilidade de avaliação directa dos rendimentos da impugnante, pois, ainda que em dois livros, e visto que a existência dos dois livros foi justificada pela existência de duas actividades, em nada permite concluir pela omissão de registos de vendas ou compras, ou pela impossibilidade de se alcançar a verdade tributária da impugnante, nem no sentido de existir o propósito de simulação da realidade perante a administração tributária, e diga-se que tal não é também ventilado pela AT.
Quanto aos erros nos registos de compras relativamente ao sector restauração, em causa estão dois erros na declaração de compras, um no valor de 279 816$ outro de 1.720 730$, valores estes omitidos nos custos da actividade e que originaram correcções a favor do sujeito passivo.
De qualquer forma, parece querer a AT valorar estes erros no sentido de levarem também à conclusão de não ser credível a escrituração efectuada.
Não tem, porém, razão a AT, uma vez que em causa não estão vícios na escrituração, pelo menos não é essa a forma como tais erros são transmitidos através do relatório, mas erros na declaração.
Em relação a esta realidade a contabilidade foi reputada de credível e por tanto gerou uma correcção meramente aritmética, pelo que, não pode levar à conclusão de existir impossibilidade de se efectuar em relação ao rendimento da impugnante, a avaliação directa.
Relativamente à declaração do valor relativo à venda de duas viaturas no campo 9 do quadro 5 do Anexo B1, isto é, no campo relativo à venda de mercadorias, importa dizer que diferentemente do ponto anterior, no que à contabilização da venda das viaturas como vendas de mercadorias, está em causa para além de um erro de declaração também um erro de contabilização.
Na verdade a correcção deste erro leva a que o valor da margem de venda das mercadorias seja ainda mais negativa, atendendo aos valores declarados, uma vez o valor total das vendas de mercadorias declarado contava também com este valor de 1.400.000$, pelo que este erro embora não muito relevante, pode, se acompanhado de outros indícios ser apto à decisão tomada pela AT.
Por último há que analisar a falta de apresentação de documentos em que se baseiam os registos do 1.º trimestre de 1996.
Aqui, a AT afirma não lhe ter sido facultados os documentos de suporte dos registos contabilísticos, e aqui, há que referir, ao contrário do caso de omissão de registos, o inspector tributário pode por si mesmo verificar aquela falta a atestá-la, sendo que, a impugnante não contraria este facto, pelo que o mesmo se tem por provado.
Ora, se dúvidas houvesse quanto à possibilidade da AT recorrer aos métodos indirectos no caso em apreço, entende este Tribunal que a falta de apresentação de documentos de suporte aos registos contabilísticos, relativos a um trimestre, ferem de morte a credibilidade da escrituração da impugnante. Porém assim não entendeu de forma coerente a AT, e isto porque a AT no que respeita ao mês de Fevereiro efectuou uma correcção aos custos declarados com base nos livros, conforme se encontra vertido no relatório, pelo que, não obstante não ter acesso aos documentos com base nos quais foram efectuados os registos, não deixou de considerar aquela escrituração como verdadeira, sendo que é com base na mesma, e aplicando-lhe as margens indicadas pelo sujeito passivo em relação a cada negócio que pretende efectuar a avaliação indirecta.
Assim sendo e embora a AT indique o facto de não lhe terem sido apresentados os documentos relativos ao primeiro trimestre do exercício de 1996 não põe em causa os valores escriturados, pelo que, afinal temos de concluir, os mesmos foram considerado fidedignos, pelo que a AT não pode com base nesse facto decidir pela utilização de métodos indicrectos.
De tudo o que vai dito conclui-se que a fundamentação vertida no relatório de inspecção, acaba por ser insuficiente para a determinação da AT no sentido do recurso aos métodos indirectos, e mostra-se incoerente, por a AT por um lado afirmar ter reunido os pressupostos para tal decisão, não agindo porém e como já se disse de forma coerente com aquela tomada de decisão, tomando em consideração os elementos da contabilidade, que acaba por defender serem incorrectos e não credíveis.
Em conclusão o acto impugnado não cumpre com o dever de fundamentação substancial, uma vez que aderiu e teve por base o relatório de inspecção acabado de analisar, isto porque analisada a motivação exteriorizada pela AT para a tomada de decisão, a mesma não sustenta a decisão que foi tomada, desde logo por não resultarem provados todos os factos em que a AT se baseou, mas também por a AT ter retirado conclusões de certos factos, que este Tribunal não acompanha, tudo nos termos já indicados e que demonstram que os verificados erros de escrituração e inexactidões não foram tais que permitam a este Tribunal considerar não ser possível a quantificação directa dos rendimentos da impugnante, sendo que, e como já se descreveu, no caso da não apresentação de documentos, a AT acaba por desconsiderar esse facto, uma vez que aceita os valores dos registos efectuados.
Em suma, não é possível concluir pela verificação dos pressupostos de determinação indirecta da matéria colectável, e sendo que aquela avaliação é que está na base das liquidações impugnadas, não se verificando os pressupostos para que aquela se mantenha, não podem manter-se as liquidações que nela se basearam.
Importa dizer, que também a quantificação não resulta totalmente clara, sendo que o conteúdo do dever de fundamentação incide também sobre esta concreta decisão da AT, e não resulta clara porque no que respeita ao sector mercadorias, o valor da margem de lucro que a AT considerou, tendo por base as declarações da impugnante, é aplicado sobre o custo das mercadorias e matérias consumidas, sendo que porém como custo, a AT não levou em consideração aquele mesmo valor, mas apenas o valor das compras efectuadas naquele ano, o que resultou num valor de proveitos superior ao que resultaria da consideração daquele valor, sem que a AT venha fundamentar a razão da desconsideração do já referido valor de existências inicias, quando, como se disse já, o leva em consideração para chegar às vendas presumidas no sector da mercearia.
Ora, quanto a este aspecto, há uma total falta de fundamentação, pois que, não resulta de qualquer elemento junto ao relatório de inspecção o motivo que levou a esta tomada de decisão.
Por tudo o que vai dito, tem-se a decisão de recorrer a métodos indirectos como ilegal, não se verificando os respectivos pressupostos, pelo que e impõe proceder a presente impugnação e anularem-se totalmente as liquidações de IVA nº 01054028 e n.º 01054030 e parcialmente as liquidações n.º01054029 e 01054031, na parte calculada com base nos métodos indiretos, ficando prejudicado o conhecimento dos restantes vícios invocados. (…) para o Tribunal é claro que a AT se motivou pela conclusão de se verificar in casu a impossibilidade de determinação directa e exacta de matéria tributável, defendendo existirem indícios seguros de que a contabilidade da impugnante, assim como os livros de escrituração e registos não reflectiram a exacta situação patrimonial e os resultados obtidos e por não ser possível a comprovação e a quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação do lucro tributável\ como se deixou escrito no seu relatório.


Nas conclusões 8) e 19) das alegações de recurso, a Recorrente dirige a sua critica à sentença, imputando-lhe erro de julgamento de facto quando, apesar da verificação da falta de documentos de suporte da contabilidade, que constituiria fundamento para o recurso a métodos indiretos extrai a conclusão que a Recorrente acabou por considerar os elementos da escrita como verdadeiros para efeitos de determinação da margem de lucro.

Ora, como bem se decidiu no acórdão citado proferido no processo que correu termos neste TCAS sob o nº 7498/14.8BCLSB, com a qual concordamos:
(…) Para a recorrente, este silogismo encerra um erro na apreciação da matéria de facto e que consiste na consideração de que foram efetuadas correções aos custos, quando na realidade analisou os custos registados relativos às mercadorias vendidas e às matérias consumidas nos dois sectores de atividade desenvolvidas pela recorrida, corrigindo erros de cálculo, de forma a permitir-se a aplicação da margem de comercialização respetiva e assim completar a tarefa de determinação da matéria tributável por métodos indiretos, o que é diferente de efetuar correções aos custos.

E assim é. Constituindo a avaliação indiciária ou indireta de determinação da matéria coletável um desvio ao princípio da tributação pelo lucro real, a sua aplicação constitui um meio subsidiário, a ser utilizado como ultima ratio. Ora, sempre que se imponha a aplicação de métodos indiretos, deve ser privilegiada, concomitantemente, a aplicação de métodos diretos, ou o mais aproximada possível, nos aspetos em que tal se mostre possível.

No caso dos autos, foram efetuadas quatro correções aritméticas, uma favorável ao Estado e três favoráveis à recorrida, uma delas em fevereiro, resultantes de erros no somatório para menos, dos montantes registados nos livros de registo em custos de matéria primas, subsidiárias e de consumo. Ou seja, a soma dos custos registados naquele mês é superior ao resultado registado. Desta correção não se pode concluir que a AT tenha considerado fidedignos os registos contabilísticos para o efeito de proceder a correções aritméticas sem as considerar em sede de métodos indiretos, como se conclui na sentença recorrida. O que resulta da matéria de facto é que foi efetuada a correção aritmética dos custos registados, apesar de não existirem os documentos de suporte dos registos no livro da contabilidade referentes ao primeiro trimestre e, relativamente aos custos omitidos, foi determinada a aplicação de métodos indiciários. O apuramento desses custos com suporte no documento complementar ao segundo auto de declarações prestadas pela recorrida, determinou a aplicação da margem de comercialização indicadas pela recorrida como sendo a margem que praticava no exercício de cada uma das atividades (15% para a mercearia e 85% para a restauração) para obter o valor das vendas efetuadas bem como dos serviços prestados ao consumidor final (cf. ponto V - 2.4.5 a 3.6, alínea g) da matéria de facto).

Ora, uma coisa é corrigir, por via das correções aritméticas, o resultado da soma dos montantes constantes do livro de registos como custos da atividade, outra é aplicar métodos indiretos para determinara a matéria coletável. No caso dos autos, com base nos elementos fornecidos pela recorrente, na segunda diligência de recolha de declarações, a AT efetuou o cálculo do montante relativo a compras omitidas e aplicou a margem de comercialização (às compras objeto de registo e às compras omitidas) para alcançar o valor das vendas e das prestações de serviços. Ao assim não decidir, concluímos que se verifica o invocado erro de julgamento por errada apreciação da matéria de facto.

Assim se concluindo também aqui que, contrariamente ao decidido na sentença recorrida, se verificam nos presentes autos, os pressupostos do recurso à avaliação indireta da matéria coletável, ou seja, que o relatório dos Serviços de Fiscalização refere demonstrativamente os fatores de impossibilidade da comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável e os critérios utilizados na sua determinação, previstos nos artigos 38º do CIRS e 84º do CIVA.

Ora, além de se indicar e fundamentar os critérios utilizados na determinação da matéria coletável por métodos indiretos, do ato deve ainda constar a ponderação de fatores que influenciaram a determinação do seu resultado.

E, é sobre o Contribuinte que recai o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos se não verificam ou que, verificando-se, houve erro ou manifesto excesso na quantificação.

Em face da procedência do recurso, nesta parte, impunha-se a apreciação dos demais fundamentos alegados pelas partes e cujo conhecimento foi considerado prejudicado pela solução dada ao litígio.

Para o efeito, as partes foram notificadas para se pronunciarem, querendo.

Todavia, melhor compulsados os autos verifica-se que estes não contêm todos os elementos necessários à apreciação do alegado excesso de quantificação e da caducidade do direito à liquidação.

Começando a apreciação por este último e considerando que o tributo impugnado é relativo a IVA do período de 1 de janeiro a 30 de setembro de 1996, teremos de ir buscar a solução ao artigo 33º do CPT.

Com efeito, o facto tributário considerado remonta ao ano de 1996, pelo que devemos atender ao que nos dizia o artigo 33/1, do CPT: o direito à liquidação caduca, acaso a mesma não tenha sido notificada ao contribuinte, no prazo de cinco anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo daquele ano em que ocorreu o facto tributário e, no caso dos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu.

Ora, tendo a Impugnante, ora Recorrida, arguido a caducidade do direito à liquidação por a notificação não ter ocorrido em prazo, constata-se que não foi apurada a data em que ocorreu o evento.

Embora recaindo sobre as partes o ónus da prova dos factos alegados, a atividade instrutória pertinente para apurar a veracidade de tais factos compete também ao Tribunal, que, nos termos do disposto nos artigos 13° do CPPT e 99° da LGT, deve o Juiz realizar ou ordenar todas as diligências que considerar úteis ao apuramento da verdade e de que oficiosamente pode conhecer.

Nesta conformidade, a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito por défice instrutório impondo-se a devolução dos autos à 1.ª instância, a fim de aí ser apurada e fixada a matéria de facto pertinente e, após, ser proferida nova sentença, se a tal nada mais obstar.


Sumário/Conclusões:
I. I - Só a falta absoluta de fundamentação e não a sua insuficiência gera a nulidade da decisão judicial;
II. II - Tendo a matéria tributável sido apurada por métodos indiretos compete à Autoridade Tributária na fundamentação da avaliação a indicação dos critérios utilizados e sobre o contribuinte recai o ónus de demonstrar que houve erro ou manifesto excesso na quantificação.
III. Recaindo embora sobre as partes o ónus da prova dos factos alegados, a atividade instrutória pertinente para apurar a veracidade de tais factos compete também ao Tribunal, nos termos do disposto nos artigos 13° do CPPT e 99° da LGT, realizar ou ordenar todas as diligências que considerar úteis ao apuramento da verdade e de que oficiosamente pode conhecer.


III - Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença e ordenar a baixa dos autos ao tribunal recorrido para prolação de nova sentença em que conheça das questões prejudicadas com preliminar ampliação da base factual, nos termos acima preconizados.

Sem custas, por não serem devidas.

[Nos termos e para os efeitos do artigo 15º-A do DL nº10-A/2020, de 13 de março, o Relator atesta que os Juízes Adjuntos - Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores Vital Lopes e Luísa Soares - têm voto de conformidade.]

Lisboa, 16 de setembro de 2021
SUSANA BARRETO

------------------------------------------------------------------
(1) Aut Cit., CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: Anotado, volume V, página 140,