Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03896/10
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:10/30/2012
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:SISA.
NULIDADE DA SENTENÇA.
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO.
MÉTODOS INDIRECTOS.
NOTIFICAÇÃO.
ÓNUS DA PROVA.
Sumário:I) A sentença é nula quando ocorra “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer” e, embora o julgador não tenha que analisar todas as razões ou argumentos que cada parte invoca para sustentar o seu ponto de vista, incumbe-lhe a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, todos os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. E questão, para este efeito (contencioso tributário), é tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do acto tributário impugnado.

II) A exigência legal e constitucional de fundamentação visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa, de modo que, considerando os elementos presentes nos autos, tem de entender-se que a fundamentação externada pela AT satisfaz o requisito de fundamentação exigível, do ponto de vista formal, sendo suficiente porque permite a reconstituição do iter cognoscitivo que determinou a decisão da Administração, sendo clara porque é inteligível e sem ambiguidades ou obscuridades e é congruente porque exprime concordância entre os pressupostos normativos do acto e os motivos do mesmo, encontrando-se em suma, suficientemente fundamentado tal acto de liquidação adicional de sisa.

III) Estabelecendo o ordenamento jurídico duas metodologias alternativas ao método declarativo - correcções técnicas e presunções -, o recurso a qualquer delas não depende de um critério discricionário da AT, sendo que a AT encontra-se vinculada ao recurso às correcções técnicas, quando, apesar da violação dos deveres de cooperação do contribuinte, se encontre, sem embargo, em condições de apurar com efectividade os rendimentos tributar e, ao invés, se e na medida em que tal apuramento se venha a revelar inviável, então não pode, nessa mesma exacta medida, deixar de lançar mão dos métodos presuntivos , mau grado o maior grau de incerteza que caracteriza estes últimos.

IV) A notificação é um acto exterior e posterior ao acto tributário notificado e que os vícios que afectem a notificação em si, podendo embora determinar a ineficácia do acto notificado, são insusceptíveis de gerar a invalidade do acto tributário e de determinar a anulação visada com a presente impugnação.

V) Incide sobre a AT incide o ónus de provar a existência de todos os pressupostos (de facto e de direito) que a determinaram a efectuar correcções ao declarado pelo contribuinte, incumbindo-lhe, por isso, indagar sobre a verificação do facto tributário que afirma ter existido, através da realização de todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material, só podendo efectuar a liquidação adicional quando os elementos que tiver apurado permitam formar a séria convicção sobre a existência do facto tributário não declarado (total ou parcialmente) pelo contribuinte (princípio da verdade material - arts. 50º do CPPT e 58º nº 1 da LGT).

VI) No entanto, entende-se que tal prova não tem - desde logo por que na esmagadora maioria das vezes não pode - de ser directa e dogmática, no sentido de evidente e intocável, antes pode resultar de circunstâncias colaterais e indirectas que, atentas a idoneidade dos respectivos meios de suporte e as regras da experiência comum, indiciem, segundo padrões de avaliação e aferição pautados por critérios de razoabilidade e normalidade, um determinado resultado como o mais legitimamente atendível.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário ( 2ª Secção ) do Tribunal Central Administrativo Sul:
1. RELATÓRIO
Nomelino ………………, identificado nos autos, inconformado veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, datada de 14-12-2009, que julgou improcedente a pretensão pela mesma deduzida na presente instância de IMPUGNAÇÃO relacionada com a liquidação adicional de Sisa, no montante de € 6.640,28.

Formulou as respectivas alegações (cfr. fls. 219-225 ) nas quais enuncia as seguintes conclusões:
“(…)
I. Conforme alegou o Recorrente nos artigos anteriores, considerou o Tribunal de primeira instância que as notas de liquidação em causa nos presentes autos estão devidamente fundamentadas, uma vez que o Recorrente foi notificado do relatório de inspecção, tendo seguidamente sido notificado das mesmas liquidações, as quais se encontrariam fundamentadas por remissão.
II. Ora, não consegue o Recorrente compreender os argumentos expostos pelo Tribunal, uma vez que, em parte alguma da sentença se considera como provado que conste das notas de liquidação referidas a menção expressa de remissão para qualquer informação ou parecer que conste do relatório de inspecção tributária.
III. Aliás, foi considerado como provado que a própria notificação da liquidação foi efectuada com deficiências, não constando da mesma os prazos ou os meios de defesa disponíveis para o Recorrente exercer o seu direito à tutela jurisdicional efectiva previsto no artigo 20.º da Constituição!
IV. Neste sentido, uma vez que os actos de liquidação não contêm qualquer remissão expressa para o conteúdo de qualquer informação, parecer ou proposta que conste do relatório de inspecção tributária, o Tribunal incorreu em erro de julgamento quando considerou que as liquidações se encontravam devidamente fundamentadas!
V. Efectivamente, nos termos do n.º 1 do artigo 77.º da LGT a fundamentação do acto pode consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório de inspecção tributária.
VI. Não obstante, a fundamentação para “anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório de inspecção tributária”, deve ser expressa, identificando de forma clara o parecer, informação ou proposta para o qual a DGCI remete, nomeadamente remetendo expressamente para a informação, parecer ou proposta, que conste do relatório de inspecção tributária, caso seja esse o caso, não sendo legítima a remissão para o próprio relatório de inspecção!
VII. Note-se que é o próprio Tribunal de primeira instância que assume que a fundamentação por remissão tem de ser expressa.
VIII. Sem que o Tribunal considere como provado que das liquidações consta expressamente a remissão para a informação ou parecer que contenha expressamente a fundamentação do acto, como pode o Tribunal considerar que o mesmo está devidamente fundamentado?
IX. É hoje um dado adquirido, quer na Doutrina, quer na Jurisprudência, que todos os actos praticados pela Administração Fiscal, susceptíveis de afectarem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes, devem ser devidamente fundamentados, nos termos previstos nos supra mencionados preceitos.
X. Este dever de fundamentação por parte da Administração Fiscal justifica-se por três motivos essenciais: (i) para permitir o controlo judicial do acto; (ii) para possibilitar o controlo pelos órgãos hierarquicamente superiores e, consequentemente, (iii) porque constituiu “a única garantia do contribuinte contra a “vontade de poder” da Administração.”(1)
XI. Considerando que o acto de liquidação de Imposto sobre as sucessões e doações não preenchem os mencionados pressupostos legais, o acto de liquidação não deve ser considerado como estando regularmente fundamentado.
XII. Nestes termos, o acto de liquidação de Imposto do sobre as sucessões e doações deve ser anulado nos termos do artigo 135.º do CPA, aplicável ao procedimento tributário por aplicação do artigo 2.º alínea d) do CPPT, por violação do art. 268.º, n.º 3, da C.R.P.
XIII. Alega a DGCI que a Administração Fiscal procedeu à aplicação de meras correcções técnicas, e não à aplicação de métodos indirectos de tributação, porque “Ao contrário do invocado, a Administração Fiscal procedeu à correcção da matéria tributável do Impugnante directamente a partir do contrato-promessa e não com base na correcção que fez em sede de IRC à vendedora do imóvel.”
XIV. Ora, os argumentos expostos pelo Tribunal revelam que o mesmo não fez uma análise de fundo relativamente ao que nos termos da LGT se deverá entender por “métodos indirectos de tributação”.
XV. Ora, nos termos do artigo 87.º e seguintes da LGT, só se justifica a aplicação de métodos indirectos de tributação nas situações de impossibilidade de apuramento da matéria colectável com recurso às regras de avaliação directa (vide alínea b) do n° 1 da norma).
XVI. A característica distintiva das regras de avaliação indirecta em relação às regras de avaliação directa reside precisamente no facto de a primeira ser efectuada com base nas presunções previstas no artigo 90.º da LGT.
XVII. Tal foi o que aconteceu nos presentes autos, uma vez que, a DGCI baseou-se nos valores alegadamente constantes nos contratos promessa de compra e venda, para liquidar adicionalmente o Imposto sobre as sucessões e doações!
XVIII. Do exposto, resulta que o acto de liquidação emitido é manifestamente ilegal, não só porque aplica métodos presuntivos sem ter base legal para tal, e ainda porque nos termos do artigo 36.º nº 2 do CPPT o Recorrente deveria ter sido notificado para exercer o direito de apresentação do pedido de revisão da matéria colectável, formalidade que deve ser reportada como essencial.
XIX. Do exposto resulta que nos termos do artigo 135.º do CPA aplicável por remissão do artigo 2.º al. e) do CPPT o acto de liquidação deverá ser anulado por ser o mesmo manifestamente ilegal.
XX. Conforme exposto na sentença recorrida, considerou como assente o Tribunal que a notificação das liquidações recebidas pelo Recorrente, não contém a indicação dos meios de defesa à disposição do Recorrente, nem o prazo para exercício dos mesmos, bem como não contêm igualmente a fundamentação do acto.
XXI. Dispõe o artigo 36.º n.º 1 e 2 do CPPT que os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes, só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados.
XXII. Para que os actos tributários se considerem validamente notificados, é essencial que nos termos do nº 2 do artigo 36.º do CPPT os mesmos contenham (i) a decisão; (ii) os meios de defesa; (iii) o prazo para reagir contra o acto notificado (iv) a indicação da entidade que o praticou, bem como (v) se o fez no uso de delegação ou subdelegação de competência.
XXIII. Ora, uma vez que a sentença recorrida considera como provado que a notificação das liquidações de Imposto sobre as sucessões e doações não preencheram os pressupostos legais previstos no artigo 36.º do CPPT, o Tribunal terá de concluir que as notificações são ineficazes em relação ao ora Recorrente, não sendo as mesmas oponíveis ao mesmo.
XXIV. Mais acresce, que ao contrário do que alega o Tribunal, as invalidades do acto de notificação das liquidações não se podem considerar sanadas em consequência do não exercício do direito previsto no artigo 37.º do CPPT, uma vez que, a norma referida não prevê qualquer obrigação legal, mas simplesmente uma faculdade que o Contribuinte poderá ou não exercer.
XXV. Tal entendimento resulta da doutrina e da jurisprudência, “IV - O artigo 37.º, n.º 1 do CPPT prevê a sanação das comunicações ou notificações insuficientes a requerimento do notificado, concedendo-lhe para tanto um prazo e isentando-o de qualquer pagamento V - Todavia como decorre do n.º 2 do mesmo preceito tal possibilidade é uma mera faculdade que o notificado usará se bem o entender. VI - Decorre do exposto que se o notificado não fizer uso desta faculdade não ocorre sanação das irregularidades podendo o notificado alegar sempre a ineficácia do acto. VII - No caso dos autos o M.mo Juiz considerou que as preterições legais de que padeceria a citação, por que o citado não usou da faculdade do artigo 37.º, n.º 1 do CPPT se encontravam por tal facto sanadas, não curando sequer de conhecer da sua eventual existência e relevância para a defesa do executado. VIII - Embora não repugne que caso o Executado tivesse usado da faculdade do artigo 37.º se pudessem considerar sanadas as preterições de que diz padecer a citação o certo é que não tendo o executado usado dessa faculdade a interpretação analógica do M.mo Juiz partiu do princípio de que o artigo 37.º do CPPT é norma injuntiva. IX - E como vimos não o é pois apenas cria uma mera faculdade. Assim não podia o M.mo Juiz por via analógica tornar imperativa e injuntiva uma norma que embora adjectiva contém uma mera faculdade. X - A interpretação do M.mo Juiz deve ter-se por errada e inconstitucional por violadora dos direitos e garantias de defesa que assistem ao Executado.” (2)
XXVI. Por maioria de razão, o mesmo entendimento deverá ser adoptado no que respeita aos demais elementos que devem constar da notificação do acto de liquidação, nomeadamente o prazo para exercício do direito defesa, que constitui uma manifestação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, prevista no artigo 268.º n.º 4 da Constituição.
XXVII. Note-se que se do acto tributário não constar o prazo legal e os limites com base nos quais deve ser exercido o direito de defesa pelo contribuinte, o mesmo poderá involuntariamente deixar decorrer o prazo legal de defesa, devido a mera negligência da DGCI!
XXVIII. E note-se que uma vez que não é obrigatório que o Sujeito Passivo seja notificado do disposto no artigo 37.º do CPPT, não é exigível ao Contribuinte que tenha conhecimento da referida faculdade, e que caso não a utilize as suas garantias constitucionais fiquem afectadas.
XXIX. Neste sentido, considerar que as irregularidades do acto de notificação ficam sanadas pelo não exercício do direito de requerer os mesmos elementos nos termos do artigo 37.º do CPPT, colide com as mais elementares garantias fundamentais do contribuinte, sendo susceptível de gerar elevados danos patrimoniais e não patrimoniais aos mesmos.
XXX. Pelo exposto, considerando que nos termos do artigo 36.º n.º 2 e do artigo 77.º n.º 6 da LGT as notas de liquidação de Imposto do Selo bem como as liquidações de juros compensatórios não foram regularmente notificadas à Recorrente, as mesmas devem considerar-se ineficazes em relação à mesma.
XXXI. Ainda que aceitemos que a DGCI não se fundamenta numa avaliação efectuada nos termos doa artigo 57.º do CIMSISSD e que é possível efectuar correcções ao rendimento obtido com a venda do imóvel ainda que não seja declarada a nulidade do contrato simulado judicialmente, cumpre ao Recorrente alegar que o Tribunal não analisou os elementos de prova apresentados pelo Recorrente nos autos, nem apreciou os factos essenciais expostos na petição inicial.
XXXII. Em sede de petição inicial alegou o Recorrente:
- O valor real da transacção do imóvel é o constante da escritura de compra e venda.
- Uma vez que o contrato-promessa de compra e venda, e os valores dele constantes, apenas serviu para obter o financiamento junto da entidade bancária;
- Mas pretendendo o impugnante incluir nesse financiamento valores que lhe dessem para adquirir recheio para a fracção que comprou, fazer obras de alteração na mesma e adquirir outros bens de consumo.
- O que apenas conseguiria a uma taxa de juros muito superior se recorresse a tal crédito ao consumo.
- Foi, pois, uma perspectiva meramente económica que norteou a acção do impugnante.
XXXIII. Sobre os referidos factos o Tribunal não se pronunciou, tendo apenas considerado como provado o facto de “1) Entre o Impugnante e a esposa, na qualidade de promitentes compradores e a M………. - Engenheira …………, Lda., na qualidade de promitente-vendedora, foi celebrado, em 20/06/2000, o contrato promessa de compra e venda de fls. 76 e 77 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido, cfr. fls. 77 e 77 destes autos.”
XXXIV. Mais conclui que “J) - No contrato a que se refere a alínea anterior, embora pintados com tinta correctora de cor branca, são perfeitamente legíveis contraluz os valores indicados no relatório de inspecção.”
XXXV. Os factos que o Tribunal considerou como provados nada provam relativamente aos factos essenciais alegados pelo Recorrente em sede de petição inicial,
XXXVI. Uma vez que o que está em causa, é o facto de os contratos terem sido realizados pelo valor que consta das escrituras públicas de compra e venda, e não pelos valores que constam dos contratos promessa.
XXXVII. É de notar que o Tribunal não só nada diz relativamente aos factos alegados pelo Recorrente, como igualmente nada diz relativamente à prova produzida pelo mesmo nos presentes autos,
XXXVIII. Tendo-se limitado a conhecer as questões formais alegadas pelo Recorrente, bem como da questão da possibilidade de aplicação de correcções, sem prejuízo da inexistência de declaração de nulidade do negócio.
XXXIX. Note-se que sendo o processo judicial tributário regulado pelo princípio do inquisitório ou princípio da verdade material, cabe ao Tribunal conhecer de todas as questões e de todos os meios de prova apresentados pelos intervenientes no processo, não lhe sendo legítimo abster-se de o fazer.
XL. Não tendo o Tribunal atendido a todas as questões que lhe cabia conhecer, Acórdão recorrido é nulo por omissão de pronúncia, nos termos previstos no artigo 668.º al. d) do CPC aplicável por remissão do artigo 2.º al. e) do CPPT.
XLI. Termos em que, nos termos da norma referida, a sentença recorrida deverá ser declarada nula, nos termos do artigo 668.º al. d) do CPC aplicável por remissão do artigo 2.° al. e) do CPPT.
XLII. Na sentença recorrida, considera o Tribunal que não existe dúvida fundada sobre a quantificação do facto tributário.
XLIII. Ora, considerando que o Tribunal não apreciou a questão essencial da impugnação judicial apresentada pelo ora Recorrente, é natural que considere que não da prova produzida pelo Recorrente não resulta a fundada dúvida sobre a existência do facto tributário.
XLIV. E note-se que existe fundada dúvida não só porque em violação do artigo 74.º n.º 1 da LGT a DGCI não recolheu indícios suficientes para a prática do acto tributário,
XLV. Mas também porque da prova produzida pelo Recorrente resultou pelo menos a fundada dúvida da existência do facto tributário.
XLVI. Termos em que, pelas razões expostas, deverá o acto de liquidação de imposto sobre as sucessões e doações ser anulado, nos termos do princípio da legalidade, nos termos do artigo 135.º do CPA, aplicável ao processo tributário por remissão da alínea d) do artigo 2.º do CPPT.
XLVII. Ademais, em sede de alegações escritas, o Recorrente informou os autos que a situação que ocorreu nos presentes autos, ocorreu nos mesmos e exactos termos face ao seu filho Rui ……….,
XLVIII. Tendo este também reagido judicialmente contra a liquidação face a si efectuada pela DGCI.
XLIX. E a que veio a caber o número de processo 390/06.1BELLE da 2ª Unidade Orgânica desse mesmo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé.
L. Ora tal pleito encontra-se decidido, e decisão essa já transitada em julgado, no sentido da procedência da impugnação judicial daquele Rui ………...
LI. Pelo que não se vê como no presente caso a decisão tenha sido diferente.
LII. É óbvio que a decisão tomada naquele processo de impugnação nº 390/06.1BELLE não tem qualquer efeito externo ou, pelo menos, que permita a sua aplicação aos presentes autos.
LIII. No entanto não se pode olvidar a vigência do artigo 8º, nº 3 do Código Civil,
LIV. Nos termos do qual julgador nas decisões a proferir deverá levar em conta todos os casos que mereçam tratamento análogo para se obter uma interpretação e aplicação uniformes do Direito.
LV. Ora o presente caso é em tudo similar àquele outro que foi alvo de decisão no processo n° 390/06.1BELLE,
LVI. Termos em que, resulta expressamente dos presentes autos que a liquidação emitida é manifestamente ilegal, devendo a mesma ser anulada nos termos do artigo 135.º do CPA, aplicável por remissão do artigo 2.º al. d) do CPPT.
Termos em que, a sentença ora Recorrida declarada nula por omissão de pronúncia, ou caso assim não se entenda, deverá revogada por ser manifestamente ilegal, e substituída por uma outra, que conceda provimento à pretensão da ora Recorrente, fazendo V. Exas. a tão acostumada, JUSTIÇA!”

A recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido da improcedência do presente recurso.

Colhidos os vistos legais juntos dos Exmos. Juízes-Adjuntos vem o processo à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, em apreciar da invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia e bem assim conhecer da questão da fundamentação do acto em apreço, além da situação relativa à respectiva notificação e ainda indagar da aplicação de métodos presuntivos, da ilegalidade do acto de liquidação e da fundada dúvida sobre a existência do facto tributária, além da relevância do facto de existir um outro processo já decidido em tudo similar a este processo.

3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
A) - Em 11/12/2001, o impugnante solicitou a liquidação de Imposto Municipal de SISA, referente à aquisição que pretendia fazer a M……….. - Engenharia e …………, Lda., da fracção autónoma destinada a habitação, designada pela letra J, que constitui o 3° Andar A do Bloco A, do prédio urbano em regime de propriedade Horizontal, sito em ……….. ou Pinhal ………….. - ………. …………, na altura omisso na respectiva matriz, actualmente já inscrito sob o nº ………., da freguesia de ……………, cfr. processo administrativo apenso.
B) - Da liquidação resultou o conhecimento de SISA n° 2169/2001, sem qualquer imposto a pagar, uma vez que o Impugnante beneficiou do abatimento a que se refere o artigo 39° A do CIMSISSD, cfr. processo administrativo apenso.
C) - Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º 01200500346 de 22/02/2005, emitida pela Direcção de Finanças de Faro, os Serviços de Inspecção Tributária, em 02/12/2005, procederam a inspecção e elaboraram o relatório de fls. 46 a 49, que aqui se dá por integralmente reproduzido e donde resulta com interesse para a decisão:
«(..)
1.2 - Descrição sucinta das conclusões da acção de Inspecção
A correcção proposta, diz respeito a omissão parcial do valor da transmissão do direito de propriedade sobre bens imóveis, sujeito a Imposto Municipal de Sisa, no montante de € 5.536,60 e a imposto de selo no valor de € 438,94, conforme se explica detalhadamente no Cap. III. Assim encontra-se por liquidar SISA Adicional, referente à quantificada diferença, pelo que se propõe o envio do presente Relatório, ao Chefe do Serviço de Finanças de………….., por ser a entidade competente para essa liquidação, nos termos do artigo 111º do CJMSISSD. Nesta data foi elaborado DC Único referente ao imposto de selo, no valor de € 438,94.

II. OBJECTIVOS ÂMBITO E EXTENSÃO DA ACÇÃO ESPECTIVA
(…)
11.2 Motivo, âmbito e incidência temporal
Motivo: PNAIT código 311,16 - Cruzamento de elementos oriundos da prospecção ou que afluam à Inspecção Tributária e outras entidades com os elementos declarados relativos a outros impostos.
O âmbito da acção é parcial em sede de outros impostos - Sisa e Selo.
A incidência temporal diz respeito ao ano de 2002.

III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
No decurso de acções de inspecção efectuadas junto de entidades oficiais, foi recolhido o contrato promessa de compra e venda, celebrado entre a empresa M………Engenharia e ……., Lda. NIPC …………….. e Nomelino …………. NIF ………….., tendo-se apurado que o primeiro adquiriu, em 2002-01-22 a fracção “J” do prédio urbano inscrito sob a matriz n.º ………., sito em Várzeas ……… ou Pinhal do ……….., freguesia e concelho de …………….. O valor escriturado referente à aludida aquisição, foi de € 72.325,70 (escritura celebrada no Cartório Notarial de Moscavide), no entanto, no contrato promessa de compra e venda consta o valor de aquisição de € 127.193,46, havendo assim uma diferença de €54.867,76.
Valor Taxa Sisa Parcela Sisa Abatimento Sisa
€ a abater Art.º 39.ºA
Valor Escriturado 72.325,70 5% 3.000,77 615,51 1.747,54 0,00
Valor de Aquisição 127.193,46 18% 15.610,69 7.284,14 1.747,54 5.536,60
Diferença 54.867,76 Sisa a pagar 5.536,60
Imposto de Selo (0,8% x Diferença) 438,94

Assim encontra-se por liquidar sisa, no montante de € 5.536,60, nos termos dos artigos 2.º conjugado com os artigos 6º, 7.º e 8º, e alínea a) do § 2° do artigo 19° e artigo 33º todos do CIMSISSD, e imposto de selo no valor de €438,94, nos termos da verba 1 da Tabela Geral do Imposto de Selo e dos artigos 1º, 2º, alínea a) do nº 3 do artigo 3º do Código do Imposto do Selo.
(…)
VII INFRACÇÕES VERIFICADAS
A omissão de valores e a consequente falta de liquidação de Sisa, constitui, infracção aos artigos 6.º, 7.º e 8.º do CIMSISSD e alínea a) do § 2.º do artigo 19.º do mesmo Código, infracção prevista e punível pelo art. 1 19.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT).

A omissão em sede de imposto do selo, constitui infracção aos artigos 1.º, 2.º, alínea a) do n.º 3 do artigo 3º do Código de Imposto do Selo, sendo punível pelo art. 119° do RGIT

VIII. DIREITO DE AUDIÇÃO / FUNDAMENTA ÇÃO
Foi comunicado o projecto de relatório ao s.p. através do ofício n.º 18371 de 2005-12-02, para efeitos do exercício do direito de audição previsto no artigo 60.º da Lei Geral Tributária (LGT) e artigo 60º. do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT). A referida notificação foi devolvida com indicação de “não reclamado”, pelo que, nos termos do art.º 43.º do RCPIT o s.p. presume-se notificado.
À consideração superior,
Direcção de Finanças de Faro, em 27 de Dezembro de 2005»
D) Sobre o relatório a que se refere a alínea anterior recaiu o parecer de fls. 46:
«Concordo. Verificados os pressupostos para a liquidação adicional nos termos do art.º 111.º do CIMSJSSD, proponho o envio do presente relatório ao Chefe do Serviço de Finanças de Albufeira, por ser a entidade competente para tal e simultaneamente o encerramento da respectiva O. De Serviço.
Foi levantado Auto de Notícia pela contra-ordenação fiscal verificada nos termos do art.º 119.º do R.G.I.T..
À consideração superior.
Faro, 4 de Janeiro de 2006»
E) Sobre o relatório de inspecção e parecer a que se referem as antecedentes alíneas recaiu o seguinte despacho (fls. 46):
« Concordo.
2006/01/05»
F) Em 08/02/2006 o Impugnante foi notificado através do ofício nº 1156, de 2006.02.07, para, no prazo de trinta dias efectuar o pagamento de € 6.640,28, sendo 5.536,60 de SISA adicional e € 1.103,68 de juros compensatórios, cfr. resulta do processo administrativo apenso:
«De harmonia como estabelecido no artº 111º do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, conjugado com o disposto no artº 115º n.º 4 do mesmo diploma legal fica V. Exa. notificado para no prazo de trinta dias proceder ao pagamento da quantia (…)
A presente notificação é efectuada na sequência do relatório elaborado pelos Serviços de inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Faro, o qual foi processado no cumprimento Ordem de Serviço Interna nº 0I 200500346 de 2005/02/22, daqueles Serviços.
Mais fica notificado de que decorrido aquele prazo de 30 dias, sem que se mostre efectuado o pagamento das referidas quantias, começarão a contar-se juros de mora e será extraída certidão de dívida, com vista à cobrança coerciva da importância em falta, conforme estipula o art.º 117 do Código acima citado, e art.º 88.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário. »
G) - Em 09/03/2006, foi efectuado o pagamento do montante a que se refere a alínea anterior, através do Conhecimento de SISA n° 1007/603/2006, dessa mesma data, cfr. processo administrativo apenso.
H) - A petição inicial da presente impugnação foi apresentada em 05/06/2006, cfr. fls. 18 destes autos.
I) - Entre o Impugnante e a esposa, na qualidade de promitentes-compradores e a M………. - Engenharia ………………., Lda., na qualidade de promitente-vendedora, foi celebrado, em 20/06/2000, o contrato-promessa de compra e venda de fls. 76 e 77 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido, cfr. fls. 77 e 77 destes autos.
J) - No contrato a que se refere a alínea anterior, embora pintados com tinta conectora de cor branca, são perfeitamente legíveis contraluz os valores indicados no relatório de inspecção.
*
2.2 - Fundamentação do julgamento.
Todos os factos têm por base probatória, os documentos referidos em cada ponto.
*
2.3 Factos não provados:
Para a decisão da causa, sem prejuízo das conclusões ou alegações de matéria de direito produzidas, de relevante, nada mais se provou.”
Ao abrigo do disposto no art. 712º nº 1 al. a) do C. Proc. Civil, adita-se ao probatório o seguinte:
L) Com referência à fundamentação de facto da sentença proferida no Proc. nº 390/06.1BELLE, consta do ponto 3) o seguinte:
3) Do relatório da Inspecção Tributária e com interesse para a decisão da causa, reproduz-se (fls 46/47, dos autos):
“III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

No decurso de acções de inspecções efectuadas junto de entidades oficiais, foi recolhido o contrato promessa de compra e venda, celebrado entre a empresa M………… Engenharia ………, Lda. NIPC ……….. e Rui .…………….. NIF …………….., tendo-se apurado que o primeiro adquiriu, em 2002-01-22 a fracção “M” do prédio urbano inscrito sob a matriz n.º ………., sito em ………… ou Pinhal do ………., freguesia e concelho de ………. O valor escriturado referente à aludida aquisição, foi de € 72.325,70 (escritura celebrada no Cartório Notarial de Moscavide), no entanto, no contrato promessa de compra e venda consta o valor de aquisição de € 124.699,47, havendo assim uma diferença de € 52.373,77.
Valor Taxa Sisa Parcela Sisa Abatimento Sisa
€ a abater Art.º 39.ºA
Valor Escriturado 72.325,70 5% 3.000,77 615,51 1.711,87 0,00
Valor de Aquisição 124.699,47 18% 15.610,69 6.835,22 1.711,87 5.123,35
Diferença 52.373,77 Sisa a pagar 5.123,35
Imposto de Selo 418,99

Assim encontra-se por liquidar sisa, no montante de € 5.123,35, nos termos dos artigos 2.º conjugado com os artigos 6º, 7.º e 8º, e alínea a) do § 2° do artigo 19° e artigo 33º todos do CIMSISSD, e imposto de selo no valor de €418,99, nos termos da verba 1 da Tabela Geral do Imposto de Selo e dos artigos 1º, 2º, alínea a) do nº 3 do artigo 3º do Código do Imposto do Selo.
(…)
VIII. DIREITO DE AUDIÇÃO / FUNDAMENTA ÇÃO
Foi comunicado o projecto de relatório ao s.p. através do ofício n.º 18371 de 2005-12-02, para efeitos do exercício do direito de audição previsto no artigo 60.º da Lei Geral Tributária (LGT) e artigo 60º. do Regime Complementar de Inspecção Tributária. A referida notificação foi devolvida com indicação de “não reclamado”, pelo que, nos termos do art.º 43.º do RCPIT o s.p. presume-se notificado.”
«»
3.2. DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, então, antes de mais, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal, está cometida, desde logo, a tarefa de indagar da nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Com efeito, no âmbito das suas alegações, a Recorrente aponta que em sede de petição inicial alegou o Recorrente: - O valor real da transacção do imóvel é o constante da escritura de compra e venda; - Uma vez que o contrato-promessa de compra e venda, e os valores dele constantes, apenas serviu para obter o financiamento junto da entidade bancária; - Mas pretendendo o impugnante incluir nesse financiamento valores que lhe dessem para adquirir recheio para a fracção que comprou, fazer obras de alteração na mesma e adquirir outros bens de consumo; - O que apenas conseguiria a uma taxa de juros muito superior se recorresse a tal crédito ao consumo; - Foi, pois, uma perspectiva meramente económica que norteou a acção do impugnante, sendo que sobre os referidos factos o Tribunal não se pronunciou, tendo apenas considerado como provado o facto de “1) Entre o Impugnante e a esposa, na qualidade de promitentes compradores e a M……….. - Engenheira ……………, Lda., na qualidade de promitente-vendedora, foi celebrado, em 20/06/2000, o contrato promessa de compra e venda de fls. 76 e 77 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido, cfr. fls. 77 e 77 destes autos.” e ainda que “J) - No contrato a que se refere a alínea anterior, embora pintados com tinta correctora de cor branca, são perfeitamente legíveis contraluz os valores indicados no relatório de inspecção.”.
Ora, os factos que o Tribunal considerou como provados nada provam relativamente aos factos essenciais alegados pelo Recorrente em sede de petição inicial, uma vez que o que está em causa, é o facto de os contratos terem sido realizados pelo valor que consta das escrituras públicas de compra e venda, e não pelos valores que constam dos contratos promessa, sendo de notar que o Tribunal não só nada diz relativamente aos factos alegados pelo Recorrente, como igualmente nada diz relativamente à prova produzida pelo mesmo nos presentes autos, tendo-se limitado a conhecer as questões formais alegadas pelo Recorrente, bem como da questão da possibilidade de aplicação de correcções, sem prejuízo da inexistência de declaração de nulidade do negócio, verificando-se que sendo o processo judicial tributário regulado pelo princípio do inquisitório ou princípio da verdade material, cabe ao Tribunal conhecer de todas as questões e de todos os meios de prova apresentados pelos intervenientes no processo, não lhe sendo legítimo abster-se de o fazer, de modo que, não tendo o Tribunal atendido a todas as questões que lhe cabia conhecer, Acórdão recorrido é nulo por omissão de pronúncia, nos termos previstos no artigo 668.º al. d) do CPC aplicável por remissão do artigo 2.º al. e) do CPPT.
Segundo o disposto no artigo 125º nº 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, é nula a sentença quando ocorra “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”, sendo que esta nulidade está directamente relacionada com o dever que é imposto ao juiz, pelo artigo 660º nº 2 do Código de Processo Civil, de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e de não poder ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, determinando a violação dessa obrigação a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Assim, embora o julgador não tenha que analisar todas as razões ou argumentos que cada parte invoca para sustentar o seu ponto de vista, incumbe-lhe a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, todos os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. E questão, para este efeito (contencioso tributário), é tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do acto tributário impugnado.
Pois bem, o Tribunal recorrido enunciou e tratou como questões decidendas:
- a liquidação impugnada encontra-se devidamente fundamentada;
- foi preterida a formalidade essencial, decorrente de não ter sido dado ao Impugnante o direito de recorrer à Comissão de Revisão;
- a notificação continha a decisão, os seus fundamentos e meios de defesa e prazo para reagir contra o acto notificado;
- a fundamentação da liquidação se apoia em auto de notícia;
- a Administração Fiscal procedeu à avaliação dos bens transmitidos;
- a Administração Fiscal pode desconsiderar do valor constante da escritura;
- se verifica a fundada dúvida, quer sobre a existência, quer sobre a quantificação do facto tributário.
A partir daqui, é manifesto que o Recorrente não tem razão no que diz respeito à invocada nulidade da sentença, dado que, o tratamento da matéria em equação nos autos nos termos acima apontados esgotou a realidade discutida nos mesmos, sendo de sublinhar que relativamente aos elementos descritos pelo Recorrente, deve dizer-se que apenas o primeiro consta da petição inicial (art. 8º) e corresponde a matéria conclusiva, sendo que lida e relida a petição inicial, não se vislumbra rasto dos factos apontados, que suportariam tal conclusão, verificando-se ainda que em relação à prova apresentada pelo Recorrente, também não é perceptível o alcance da alegação neste domínio, pois que o contributo probatório do Recorrente traduziu-se na junção aos autos de cópia da liquidação impugnada e do comprovativo do pagamento da mesma (fls. 26-27 dos autos), o que significa que, em bom rigor, a tese do Recorrente neste âmbito não tem qualquer suporte, no sentido de evidenciar uma qualquer questão que a decisão recorrida não tenha apreciado.

Avançando, no que diz respeito às questões efectivamente suscitadas nos autos e tratadas pela decisão recorrida, o Recorrente continua a questionar a matéria da falta de fundamentação da liquidação impugnada.
Neste ponto, é sabido que o direito à fundamentação do acto tributário, ou em matéria tributária, constitui uma garantia específica dos contribuintes e, como tal, visa responder às necessidades do seu esclarecimento, procurando-se informá-lo do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto por forma a permitir-lhe conhecer as razões de facto e de direito que determinaram a sua prática e porque motivo se decidiu num sentido e não noutro.
Diga-se ainda que a questão da fundamentação corresponde ao cumprimento duma directiva constitucional decorrente do actual art. 268º, n.º 3 da C.R.P. no qual se consagra o dever de fundamentação e correspondente direito subjectivo do administrado à fundamentação, sendo que com a consagração de tal dever se visa harmonizar o direito fundamental dos cidadãos a conhecerem os fundamentos factuais e as razões legais que permitem a uma autoridade administrativa conformar-lhes negativamente a esfera jurídica com as exigências que a lei impõe à administração de actuar, na realização do interesse público, com presteza, eficácia e racionalidade ( Acs. do S.T.A. de 17-01-1989, B.M.J. n.º 383, pag. 322 e ss. e de 04-06-1997 - Proc. n.º 30.137). ---
Do cotejo dos normativos citados temos que fundamentar é enunciar explicitamente as razões ou motivos que conduziram o órgão administrativo à prática de determinado acto, acto este que deverá conter expressamente os fundamentos de facto e de direito em que assenta a decisão sem que a exposição dos fundamentos de facto tenha de ser prolixa já que o que importa é que, de forma sucinta, se conheçam as premissas do acto e que se refiram todos os motivos determinantes do conteúdo resolutório, sendo que na menção ou citação das regras jurídicas aplicáveis não devem aceitar-se como válidas as referências de tal modo genéricas que não habilitem o particular a entender e aperceber-se das razões de direito que terão motivado o acto em questão, pelo que importa e se impõe que a decisão contenha os preceitos legais aplicados e que conduziram a tal decisão.
A fundamentação consiste, portanto, em deduzir de forma expressa a decisão administrativa com as premissas fácticas e jurídicas em que assenta, visando impor à Administração que pondere antes de decidir, contribuindo para uma mais esclarecida formação de vontade por parte de quem tem a responsabilidade da decisão além de permitir ao administrado seguir o processo mental que a ela conduziu ( Prof. Freitas do Amaral, "Direito Administrativo", vol. III, pag. 244 ).
Conforme é jurisprudência uniforme e constante a fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo concreto de cada acto e das circunstâncias concretas em que é praticado, cabendo ao tribunal em face do caso concreto ajuizar da sua suficiência, mediante a adopção de um critério prático que consiste na indagação sobre se um destinatário normal face ao itinerário cognoscitivo e valorativo constante dos actos em causa, fica em condições de saber o motivo porque se decidiu num sentido e não noutro.
Com tal dever de fundamentação visa-se "captar com transparência a actividade administrativa", sendo que tal dever, nos casos em que é exigido, é um importante sustentáculo da legalidade administrativa e constitui um instrumento fundamental da respectiva garantia contenciosa, para além de um elemento fulcral na interpretação do acto administrativo.
Para se atingir aquele objectivo basta uma fundamentação sucinta, mas que seja clara, concreta, congruente e que se mostre contextual.
Note-se que a fundamentação do acto administrativo é suficiente se, no contexto em que foi praticado, e atentas as razões de facto e de direito nele expressamente enunciadas, forem capazes ou aptas e bastantes para permitir que um destinatário normal apreenda o itinerário cognoscitivo e valorativo da decisão. ---
É contextual a fundamentação quando se integra no próprio acto e dela é contemporânea.
A fundamentação é clara quando tais razões permitem compreender sem incertezas ou perplexidades qual foi iter cognoscitivo-valorativo da decisão, sendo congruente quando a decisão surge como conclusão lógica e necessária de tais razões.
Quanto à fundamentação de direito, tem sido entendimento do S.T.A. que na fundamentação de direito dos actos administrativos não se exige a referência expressa aos preceitos legais, bastando a referência aos princípios jurídicos pertinentes, ao regime legal aplicável ou a um quadro normativo determinado ( neste sentido, os Acs. do S.T.A. de 28-02-02, Rec. nº 48071, de 28-10-99, Rec. nº 44051, de 08-06-98, Rec. nº 42212, de 07-05-98, Rec. nº 32694, e do Pleno de 27-11-96, Rec. nº 30218 ).

Mais do que isto, tem sido dito que em sede de fundamentação de direito, dada a funcionalidade do instituto da fundamentação dos actos administrativos, ou seja, o fim meramente instrumental que o mesmo prossegue, se aceita um conteúdo mínimo traduzido na adução de fundamentos que, mau grado a inexistência de referência expressa a qualquer preceito legal ou princípio jurídico, possibilitem a referência da decisão a um quadro legal perfeitamente determinado - Ac. do S.T.A. ( Pleno ) de 25-05-93, Rec. nº 27387, de 27-02-97, Rec. nº 36197.

Esta jurisprudência passa, assim, da suficiência de uma referência aos princípios jurídicos pertinentes, ao regime legal aplicável ou a um quadro normativo determinado, para a suficiência de uma completa ausência explícita de referência normativa, se se puder concluir que o destinatário do acto pôde ou pode perceber o concreto regime legal tido em conta.

Note-se que é efectivamente diversa a situação de inexistência da indicação numerada e específica das normas tidas por aplicáveis, inexistência compensada pela referência expressa aos princípios jurídicos pertinentes, ao regime legal aplicável ou a um quadro normativo determinado, de uma outra em que se verifica uma completa ausência de referência normativa.

Ainda que se considere ajustada esta linha jurisprudencial, a apreciação, em cada caso, de um acto como fundamentado de direito, apesar de nenhuma referência legal directa, supõe, em regra, o preenchimento de duas condições:

- A primeira é a de que se possa afirmar, inequivocamente, perante os dados objectivos do procedimento, qual foi o quadro jurídico tido em conta pelo acto;

- A segunda é a de que se possa concluir que esse quadro jurídico era perfeitamente conhecido ou cognoscível pelo destinatário, hipotizando-se que o seria por um destinatário normal na posição em concreto em que aquele se encontra.

A segunda condição não funciona sem a primeira, pois esta integra-a.

Se não se sabe qual o quadro jurídico efectivamente tido em conta pelo acto, jamais pode ser realizada; e, por isso, é irrelevante que o destinatário possa saber, e até saiba, qual o quadro jurídico que deveria ter sido considerado, sendo que o destinatário não se pode substituir nem ao acto nem ao autor do acto e a fundamentação é requisito do acto.

O destinatário tem o direito de saber qual o quadro jurídico que foi levado em consideração, ao abrigo de que regime legal entendeu o autor do acto praticá-lo.

Diga-se ainda que a fundamentação dos actos serve fins de inteligibilidade e de esclarecimento, devendo mostrar o «iter» cognoscitivo e valorativo que conduziu à estatuição, sendo que, na perspectiva do visado, o que lhe interessa é conhecer os antecedentes da consequência decisória - mesmo que mal extraída - para, assim esclarecido, seguidamente optar entre acatá-la ou impugná-la.

Na sentença recorrida, foi entendido que não se verificava o vício em apreço, apontando-se que “… No caso dos autos, os Serviços de Inspecção Tributária elaboraram o relatório de inspecção acima parcialmente transcrito. Foi enviada ao Impugnante notificação do projecto do relatório de inspecção e conclusões. Porém, a carta veio devolvida com a anotação de “não reclamado”. Sobre o relatório de inspecção recaiu o despacho de concordância com o relatório. O relatório de inspecção e a liquidação sindicada foram enviados ao Impugnante. Termos em que o acto tributário encontra-se devidamente fundamentado por remissão.”.

Nesta matéria, a Recorrente contrapõe que uma vez que os actos de liquidação não contêm qualquer remissão expressa para o conteúdo de qualquer informação, parecer ou proposta que conste do relatório de inspecção tributária, o Tribunal incorreu em erro de julgamento quando considerou que as liquidações se encontravam devidamente fundamentadas, sendo que a fundamentação para “anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório de inspecção tributária”, deve ser expressa, identificando de forma clara o parecer, informação ou proposta para o qual a DGCI remete, nomeadamente remetendo expressamente para a informação, parecer ou proposta, que conste do relatório de inspecção tributária, caso seja esse o caso, não sendo legítima a remissão para o próprio relatório de inspecção.
Que dizer?

Desde logo, cumpre ter presente que em matéria tributária, o dever de fundamentação dos actos decisórios de procedimentos tributários e dos actos tributários é concretizado, de forma genérica, no art. 77.º da LGT.
Nos termos deste último artigo, «a decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária» e a «fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo».
Por outro lado, como já ficou dito, a exigência legal e constitucional de fundamentação visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa.
Para ser atingido tal objectivo a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do acto a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o acto, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente.
A partir daqui, considerando os elementos presentes nos autos, tem de entender-se que a fundamentação externada pela AT satisfaz o requisito de fundamentação exigível, do ponto de vista formal, sendo suficiente porque permite a reconstituição do iter cognoscitivo que determinou a decisão da Administração, sendo clara porque é inteligível e sem ambiguidades ou obscuridades e é congruente porque exprime concordância entre os pressupostos normativos do acto e os motivos do mesmo, encontrando-se em suma, suficientemente fundamentado tal acto de liquidação adicional de sisa.

Com efeito, e como emerge do exposto, a fundamentação de um acto de liquidação no caso, deve ser o esteio, o suporte, por que foi efectuada aquela concreta liquidação e não qualquer uma outra, de molde a permitir ao contribuinte apreender os concretos factos donde ela emerge e poder determinar-se pela sua aceitação ou impugná-la, se entender que a mesma se encontra eivada de qualquer um vício que a inquine de ilegal, variando assim, a densidade fundamentadora, consoante o tipo de acto em causa e a participação ou não do mesmo no procedimento da sua formação.

No caso presente, não é novidade que a sisa incidia sobre a transmissão da propriedade do imóvel identificado nos autos, sendo a matéria colectável medida pela contrapartida dessa transmissão, tendo os outorgantes na escritura pública em causa declarado um preço de compra e venda de € 72.325,70, sem qualquer imposto a pagar, uma vez que o Impugnante beneficiou do abatimento a que se refere o artigo 39° A do CIMSISSD.

Nesta sequência, surge em cena um contrato promessa de compra e venda que envolve as mesmas partes e o mesmo imóvel e em que o preço é definido noutros moldes, sendo a liquidação da sisa realizada pela diferença, mostra-se fechado o silogismo judiciário, num raciocínio suficiente, claro e congruente, constituindo esta liquidação a emanação normal, típica, daqueles pressupostos e das normas jurídicas apontadas.

Tais elementos estão vertidos de forma clara no relatório de inspecção, a que se alude na nota de notificação, sendo a liquidação impugnação uma emanação da realidade vertida no relatório, que culminou com a decisão de proceder-se à liquidação adicional a que se alude nos autos, impondo notar-se que o relatório em apreço incorpora a descrição factual, a proposta de decisão e a decisão da matéria em causa, o que significa que não se reconhece validade à crítica do Recorrente quanto ao facto de não ser feita referência a este ou aquele elemento do relatório, pois o que está em causa é o próprio relatório, que apenas aborda e trata a questão acima descrita, sendo que a sua análise permite a reconstituição do iter cognoscitivo que determinou a decisão da Administração, sendo clara porque é inteligível e sem ambiguidades ou obscuridades e é congruente porque exprime concordância entre os pressupostos normativos do acto e os motivos do mesmo, improcedendo o recurso neste domínio.

Quanto à questão da aplicação de métodos presuntivos, diga-se que o nosso ordenamento jurídico consagra, como regime regra da tributação, o método declarativo, colocando nessa medida, na esfera de actuação dos particulares contribuintes a iniciativa no procedimento de apuramento, fixação e pagamento dos impostos, com a inerente contrapartida da exigência de uma cooperação estreita entre a AT e o contribuinte, no desiderato de se alcançar a tributação dos rendimentos reais, cooperação essa que impõe, desde logo, que o último faculte à primeira, todos os elementos que viabilizem o correcto apuramento daqueles, surgindo a possibilidade de recurso a metodologia alternativa, como consequência da ruptura daquele dever vinculado a que os contribuintes se encontram adstritos, de cooperação com a AT, no sentido de viabilizar a concretização da obrigação a que esta, por seu turno, está obrigada pelo princípio da legalidade, do controle e apuramento do efectivo lucro tributável.

No entanto, estabelecendo o ordenamento jurídico duas metodologias alternativas ao método declarativo - correcções técnicas e presunções -, o recurso a qualquer delas não depende de um critério discricionário da AT, sendo que a AT encontra-se vinculada ao recurso às correcções técnicas, quando, apesar da violação dos deveres de cooperação do contribuinte, se encontre, sem embargo, em condições de apurar com efectividade os rendimentos tributar e, ao invés, se e na medida em que tal apuramento se venha a revelar inviável , então não pode, nessa mesma exacta medida, deixar de lançar mão dos métodos presuntivos , mau grado o maior grau de incerteza que caracteriza estes últimos.

Nesta medida, e no caso dos autos, perante a matéria descrita no relatório de inspecção, é ponto assente que a AT tinha todas as condições para enquadrar a realidade em apreço, não estando em causa uma situação susceptível de integrar o conceito “impossibilidade de quantificação directa” da matéria colectável, legitimador do recurso a presunções, antes permitindo o recurso a correcções técnicas, ficando a sensação que a alegação do Recorrente se prende mais com a sua leitura da situação em termos substanciais, quando sustenta que o valor real é o que consta da escritura, matéria que não se confunde com o procedimento neste âmbito, em que está em causa a fixação da matéria tributável, ponto em que não se justifica a alusão a métodos indirectos, não merecendo censura a conduta da AT através de correcções meramente aritméticas da matéria tributável.

Em seguida, e no que diz respeito à invalidade da notificação, cumpre notar que a lei tributária distingue de forma clara a fundamentação do acto tributário da comunicação dos fundamentos (cfr. nº 1 do art. 77º e nº 1 do art. 36º do CPPT), sendo que a comunicação do acto, seja na forma de citação ou notificação, não é um elemento intrínseco que faça parte da sua existência ou validade, mas sim um elemento que lhe é extrínseco, cuja função é dar a conhecer o seu conteúdo, e por isso mesmo uma condição de eficácia.

Isto para dizer que a falta de notificação dos fundamentos da liquidação não coloca quaisquer problemas à sua perfeição ou validade, tornando apenas nulo o acto instrumental, com a consequência da sua ineficácia, tudo se passando como a liquidação não tenha sido comunicada, de modo que não está em condições de produzir efeitos em relação ao seu destinatário.

Quanto ao nº 1 do art. 37º do CPPT, é ponto assente que, em caso de falta de comunicação integral dos fundamentos, os interessados têm a faculdade de requerer a notificação ou certificação das indicações omitidas, o que funciona como diferimento para o momento da notificação do início da contagem do prazo dos diversos meios de reacção contra o acto notificando.

Atento o exposto, e considerando, como se disse, que a notificação é um acto exterior e posterior ao acto tributário notificado e que os vícios que afectem a notificação em si, podendo embora determinar a ineficácia do acto notificado, são insusceptíveis de gerar a invalidade do acto tributário e de determinar a anulação visada com a presente impugnação, não pode deixar de concluir-se pela improcedência das conclusões das alegações do Recorrente no que a esta questão concerne.

Avançando, e para introduzir o mais a apreciar nos autos, cabe ter presente o exposto no Ac. deste Tribunal de 06-10-2010, Proc. nº 03629/09, www.dgsi.pt, onde se aponta que “… a recorrente sustenta que a simulação do preço em negócio jurídico titulado por documento autêntico, como é a escritura pública, carecia de prévia declaração de nulidade pela via judicial para que pudesse ser corrigida a matéria colectável, invocando em apoio de tal entendimento o art. 39° n°2 da LGT.
Todavia e na senda não só da jurisprudência citada na sentença recorrida, como, ainda, dos Acórdãos do TCA de 29/04/03, tirado no Recurso nº 3101/01 e de 18/11/2003, no Recurso nº6594/02, cuja fundamentação vamos acompanhar nesta parte, há que ter em conta que art. 39° n°2 da LGT normativo que dispõe que:
1 - Em caso de simulação de negócio jurídico, a tributação recai sobre o negócio jurídico real e não sobre o negócio jurídico simulado.
2 - Sem prejuízo dos poderes de correcção da matéria tributável legalmente atribuídos à administração tributária, a tributação do negócio jurídico real constante de documento autêntico depende de decisão judicial que declare a sua nulidade."
Assim, deste nº 2 decorre que os actos ou negócios jurídicos nulos ou anuláveis constantes de documentos autênticos produzem os correspondentes efeitos jurídico - tributários enquanto não houvesse decisão judicial a declará-los nulos ou anuláveis, salvo as excepções expressamente previstas nas leis tributárias.
Assim sendo e também de acordo com a doutrina vazada no acórdão do STA proferido em 26/02/03, no Recurso n° 89/03, a AF não pode ignorar tais negócios jurídicos enquanto não for declarada a sua nulidade ou anulabilidade, mas não está impedida de proceder a correcções à matéria colectável, introduzindo as que forem pertinentes face aos elementos apurados.
E prossegue o mencionado aresto, citando o acórdão de 4/12/73 do STJ e a anotação a ele feita pelo Prof. Vaz Serra na RLJ, ano 107, fls. 309-314, «(...) "a simples simulação do preço não torna nulo o contrato, ainda que feita para prejudicar o direito do Estado ao imposto". E acrescentava adiante: "o contrato não é nulo por motivos de natureza fiscal, sendo a sua validade ou nulidade determinada pelas regras do direito privado. A lei fiscal não impõe, consequentemente, a nulidade do contrato em que exista simulação do valor; e essa nulidade não resulta também da lei civil, pois, ainda que se trate de contrato sujeito legalmente a uma forma especial, como acontece com o contrato de compra e venda de coisa imóvel, a razão da exigência da forma não abrange o montante do preço, o qual não tem de ser determinado no contrato, bastando que seja determinável".
No Manual dos Contratos em Geral, fls. 151 e segs., definia o Prof. Galvão Teles os vários tipos de simulação. Assim:
l. simulação: divergência entre a vontade e a declaração, estabelecida pôr acordo entre as partes com o intuito de enganar terceiros;
1. - simulação absoluta: quando na aparência se celebra um contrato, mas na realidade nenhum contrato se quer;
3. - simulação relativa: dá-se quando as partes pretendem realizar, e de facto realizam, um contrato, mas para iludir terceiros o ocultam, o encobrem, com um contrato diverso pela sua função e natureza, ou divergente em algum aspecto.
No caso vertente estamos perante uma simulação relativa. O negócio existe (...), cingindo-se a simulação ao preço pago pelo mesmo. Como atrás referimos tal simulação não torna nulo o negócio que consta da escritura e foi esse o que a Administração Fiscal tomou em consideração como facto tributário. Mas, tendo encontrado elementos indiciadores de que o preço pago não correspondia ao declarado, procedeu à correcção à matéria colectável nos termos que a lei lhe permitia.
O Prof. Leite de Campos (Simulação dos negócios jurídicos in Problemas fundamentais do Direito Tributário, fls. 224), após referir a necessidade da via judicial para declarar a nulidade do negócio jurídico simulado, escreve "Isto não impede, nos termos da primeira parte do nº2 (do artigo 39º da Lei Geral Tributária), que a Administração Fiscal corrija a matéria tributável revelada pelo negócio real, nos termos indicados na última parte do n"2". O facto de constar da escritura um preço determinado apenas demonstra ter sido esse o declarado pelas partes perante o notário mas não inibe a Administração Fiscal de ter outro entendimento face aos elementos que apura. Como bem se referiu no acórdão 1757/02 de 19 de Fevereiro de 2003 "mal se compreenderia que, consagrando a Lei Geral Tributária a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes apresentadas à Administração Fiscal, e nem pôr isso lhe proibindo o recurso a métodos presuntivos (artigo 75°), atribuísse às declarações prestadas perante outro oficial público - o notário - valor superior, tal que a Administração ficasse manietada, dependente da obtenção de uma declaração judicial de nulidade. Não se vislumbra razão para conferir maior força à declaração feita perante um notário do que àquela que é produzida perante a Administração Fiscal".
Esta doutrina é, aliás, a acolhida pelo art. 39° da LGT, onde, como se viu, se estipula o seguinte:
"l. Em caso de simulação de negócio jurídico, a tributação recai sobre o negócio jurídico real e não sobre o negócio jurídico simulado.
2. Sem prejuízo dos poderes de correcção da matéria tributável legalmente atribuídos à administração tributária, a tributação do negócio jurídico real constante de documento autêntico depende de decisão judicial que declare a nulidade".
Como se diz no n° 2 desse preceito, a tributação do negócio constante de documento autêntico é feita sem prejuízo dos poderes de correcção da matéria tributável legalmente atribuídos à AF, poderes que, lhe são conferidos nos termos dos artigos 58°, 74° e 90° da LGT.
Claro que isso é assim, sem prejuízo de a recorrente provar a falta ou insuficiência de indícios aptos a provarem que o preço pago correspondia ao declarado na escritura e/ou a incerteza ou dúvida sobre a existência e conteúdo do facto tributário ou que existe erro ou manifesto excesso na quantificação da matéria tributável, fundamentos que também estão invocados e são objecto do presente recurso e podem tornar ilegais as correcções e a consequente liquidação adicional. …”.

A partir daqui, o Recorrente alude à ilegalidade do acto de liquidação, apontando que que em sede de petição inicial alegou o Recorrente: - O valor real da transacção do imóvel é o constante da escritura de compra e venda; - Uma vez que o contrato-promessa de compra e venda, e os valores dele constantes, apenas serviu para obter o financiamento junto da entidade bancária; - Mas pretendendo o impugnante incluir nesse financiamento valores que lhe dessem para adquirir recheio para a fracção que comprou, fazer obras de alteração na mesma e adquirir outros bens de consumo; - O que apenas conseguiria a uma taxa de juros muito superior se recorresse a tal crédito ao consumo; - Foi, pois, uma perspectiva meramente económica que norteou a acção do impugnante, sendo que sobre os referidos factos o Tribunal não se pronunciou, tendo apenas considerado como provado o facto de “1) Entre o Impugnante e a esposa, na qualidade de promitentes compradores e a M……….. - Engenheira ………………, Lda., na qualidade de promitente-vendedora, foi celebrado, em 20/06/2000, o contrato promessa de compra e venda de fls. 76 e 77 dos autos e ainda que “J) - No contrato a que se refere a alínea anterior, embora pintados com tinta correctora de cor branca, são perfeitamente legíveis contraluz os valores indicados no relatório de inspecção.”.
Ora, os factos que o Tribunal considerou como provados nada provam relativamente aos factos essenciais alegados pelo Recorrente em sede de petição inicial, uma vez que o que está em causa, é o facto de os contratos terem sido realizados pelo valor que consta das escrituras públicas de compra e venda, e não pelos valores que constam dos contratos promessa, sendo de notar que o Tribunal não só nada diz relativamente aos factos alegados pelo Recorrente, como igualmente nada diz relativamente à prova produzida pelo mesmo nos presentes autos, tendo-se limitado a conhecer as questões formais alegadas pelo Recorrente, bem como da questão da possibilidade de aplicação de correcções, sem prejuízo da inexistência de declaração de nulidade do negócio.
Como já ficou dito noutra sede, relativamente aos elementos descritos pelo Recorrente, deve dizer-se que apenas o primeiro consta da petição inicial (art. 8º) e corresponde a matéria conclusiva, sendo que lida e relida a petição inicial, não se vislumbra rasto dos factos apontados, que suportariam tal conclusão, verificando-se ainda que em relação à prova apresentada pelo Recorrente, também não é perceptível o alcance da alegação neste domínio, pois que o contributo probatório do Recorrente traduziu-se na junção aos autos de cópia da liquidação impugnada e do comprovativo do pagamento da mesma (fls. 26-27 dos autos), o que significa que, em bom rigor, a tese do Recorrente neste âmbito não tem qualquer suporte no sentido de colocar em crise, por défice de análise, o exposto na decisão recorrida.

Quanto ao mais, cumpre ter presente que a correcção à declaração apresentada pelo Impugnante para efeitos de imposto de sisa, porque efectuada ao abrigo do art. 111º do CIMSISSD, tinha de ter por fundamento a indagação e afirmação pela Administração Tributária (AT) de que ela continha «erro de facto ou de direito, ou houve qualquer omissão, de que resultou prejuízo para o Estado» e, em obediência ao princípio da legalidade, a AT só podia proceder a essa liquidação adicional de sisa se, no exercício dos poderes que lhe competem de controlo da veracidade dos elementos declarados, tivesse adquirido a séria convicção ( ainda que formada com base em factos indiciários sólidos e consistentes ) da existência desse erro ou omissão na declaração de sisa, ou mais precisamente e no que ao caso vertente concerne, de que o preço declarado na escritura de transmissão da fracção J ( e vazado na declaração fiscal ) era inferior ao preço real da sua transmissão, convicção que tinha de assentar em pressupostos objectivos e não em meras suposições, suspeitas ou juízos de natureza subjectiva.

Com efeito, é ponto assente que sobre a AT incide o ónus de provar a existência de todos os pressupostos (de facto e de direito) que a determinaram a efectuar correcções ao declarado pelo contribuinte, incumbindo-lhe, por isso, indagar sobre a verificação do facto tributário que afirma ter existido, através da realização de todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material, só podendo efectuar a liquidação adicional quando os elementos que tiver apurado permitam formar a séria convicção sobre a existência do facto tributário não declarado (total ou parcialmente) pelo contribuinte (princípio da verdade material - arts. 50º do CPPT e 58º nº 1 da LGT).

Tal significa que se impõe à AT abalar a presunção de veracidade da declaração do imposto e do respectivo documento de suporte (escritura pública de transmissão da propriedade), atento o princípio da declaração vigente no nosso direito (art. 78º da LGT), só depois passando a competir ao contribuinte o ónus de provar a veracidade do declarado, o que quer dizer que se a AT não fizer prova do bem fundado da formação do seu juízo, a questão relativa à legalidade do seu agir terá de ser resolvida contra ela, sem necessidade de ir analisar se o impugnante logrou ou não provar, em tribunal, a veracidade da declaração e a inexistência do facto tributário que a AT considerou verificado para proceder à liquidação adicional impugnada.

No entanto, entende-se que tal prova não tem - desde logo por que na esmagadora maioria das vezes não pode - de ser directa e dogmática, no sentido de evidente e intocável, antes pode resultar de circunstâncias colaterais e indirectas que, atentas a idoneidade dos respectivos meios de suporte e as regras da experiência comum, indiciem, segundo padrões de avaliação e aferição pautados por critérios de razoabilidade e normalidade, um determinado resultado como o mais legitimamente atendível.

A questão está em saber se no caso vertente a AT cumpriu, ou não, esse ónus de demonstração assim balizado, sendo que em função dos elementos presentes nos autos, tem de entender-se que a AF não deixou de recolher elementos demonstrativos que, a final, acabam por legitimar a correcção que operou o valor considerado para efeitos de liquidação da sisa aqui em causa.

Na realidade, a recolha do contrato promessa de compra e venda entre o Impugnante e a esposa, na qualidade de promitentes compradores e a M……… - Engenheira e ……….., Lda., na qualidade de promitente-vendedora, celebrado em 20/06/2000 que consta de fls. 76 e 77 dos autos e a consideração do valor nele apontado, indicia seriamente que o valor intrínseco do bem é diferente e superior ao declarado na escritura, surgindo logo a questão de saber qual a razão do vendedor ter estado disposto a desfazer-se de um bem que de acordo com as mesmas partes tem um valor transaccionável muito superior.
No caso diga-se, esta “fundada suspeita” de falta de aderência à realidade do valor de aquisição declarado mais se adensa se tivermos em linha de conta que, no mesmo empreendimento, tal como dá nota o próprio Recorrente ao juntar aos autos a sentença proferida no Proc. nº 390/06.1BELLE, em que é apontada a mesma situação, o que sugere que a empresa vendedora se “encontrava aberta” a manobras de evasão fiscal deste teor.
Por isso que, se bem que nada do que se vem de referir implique necessariamente a inferência de que, também no caso do Recorrente, o valor de transacção declarado é simulado, no sentido de falta de adesão, por inferior, ao realmente praticado, legitima, no entanto, que se admita como seriamente provável que assim possa ter sido, pelo que, para a AT ficar automaticamente legitimada ao recurso da metodologia alternativa utilizada, apenas se lhe impunha que solicitasse a cooperação devida do recorrido/impugnante no sentido de esclarecer a situação em apreço, sem margem para quaisquer dúvidas admitidas e através do meios de prova admitidos em direito.
Ora, a verdade é que se entende que a AT cumpriu essa obrigação de se dirigir ao contribuinte solicitando-lhe a referida cooperação ao remeter-lhe o relatório inspectivo e ao conferir-lhe o exercício do direito de audição, verificando-se que este alheou-se desta matéria.
Assim sendo, com este pano de fundo, impunha-se agora ao Recorrente, com recurso aos meios gerais de prova, desde que não postergados pela lei, desde o documental ao testemunhal, passando pelo pericial, legitimar/evidenciar a sua conduta neste âmbito, tal como sucede no âmbito das presentes alegações de recurso, onde se fala em obter financiamento bancário a preço mais favorável para realização de obras e aquisição de bens para recheio do imóvel.
Ora o certo é que os autos não contêm qualquer elemento probatório que corrobore a alegação de que o valor real da transacção do imóvel é o constante da escritura de compra e venda, não podendo deixar de notar-se que o Recorrente, no fundo, nada requereu de relevante em termos de instrução do processo no sentido da afirmação descrita, sendo mesmo incompreensível a sua afirmação neste domínio, quer quanto à alegação factual quer em relação à sua actividade probatória, o que significa que o impugnante não cumpriu com o dever de cooperação que estava onerado; por isso, entende-se que, no caso vertente, era ao Recorrente que se impunha fazer prova da realidade afirmada evidenciando factos susceptíveis de suportar a mesma, pelo que, não o tendo logrado se impõe concluir pela legitimidade da actuação da AF ao praticar o acto tributário em causa.
Finalmente, no que concerne à existência do Proc. nº 390/06.1BELLE, como bem refere o Recorrente, a decisão tomada naquele processo de impugnação não tem qualquer efeito externo ou, pelo menos, que permita a sua aplicação aos presentes autos, sendo que em relação ao mais, existe uma diferença essencial entre os dois processos ao nível da fundamentação de facto com referência ao elemento nuclear que o contrato promessa constante deste processo permite - o preço - apreender, situação que aparentemente não se verificou no outro processo.
Daí que na improcedência das conclusões da alegação do recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.
Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.


4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Notifique-se. D.N..
Lisboa, 30 de Outubro de 2012
Pedro Vergueiro
Lucas Martins
Jorge Cortês
(1) Diogo Leite de Campos e Mónica Leite de Campos, Direito Tributário, Almedina, 1996, pág. 212 e Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Lopes e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, Vislis, 2ª edição, 2002, págs. 325 e ss.
(2) Vide neste sentido o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 23 de Outubro de 2008 no processo n° 704/04.9BEVIS, disponível in http://www.dgsi.pt.