Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1158/13.4BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:01/13/2022
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:AUDIÇÃO PRÉVIA NO PROCEDIMENTO DE REVERSÃO
INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS
Sumário:I. No procedimento de reversão a audição prévia do contribuinte permite contrapor ao projecto de decisão, que lhe foi notificada, as razões de discordância e a apresentação de meios de prova (artigos 23.º, n.º 4 e 60.º da LGT).
II. Quando o revertido invoca em sede de audição prévia elementos novos, cujos factos, em seu entender, afastam a culpa pela insuficiência do património da sociedade para solver as dívidas tributárias (cfr. n.º 7, do artigo 60.º da LGT), poderá justificar-se a realização de novas diligências, oficiosamente ou a requerimento do interessado, caso se devem considerar convenientes para o apuramento da matéria factual em que vai assentar a decisão de reversão da execução fiscal.

III. As irregularidades assinaladas na audição prévia só não determinavam a anulação do despacho de reversão se pudessem degradar-se em formalidades não essenciais, por força da aplicação do princípio do aproveitamento dos actos.

IV. Nos presentes autos, concretamente dos factos levados ao probatório, não resulta a posteriori que a decisão da administração não poderia ser outra, pelo que não é de aplicar o princípio do aproveitamento do acto, uma vez que não pode concluir-se com segurança que o sentido do despacho final teria sido necessariamente o conteúdo daquele que foi proferido e não outro.

V. A Administração Tributária tem o dever de promover o exercício do direito de audição prévia do responsável subsidiário antes do despacho de reversão (cfr. artigo 23.º, n.º 4 da LGT), e tendo este invocado razões que contrariam o seu chamamento à execução, a administração tributária é obrigada a ponderar essas razões, no despacho de reversão, expondo os motivos que a levaram a afastar as razões indicadas pelo responsável subsidiário e a justificar a desnecessidade da inquirição das testemunhas arroladas. Não o fazendo, esta violação do direito de audição inquina o despacho de reversão, conduzindo à sua anulação.

Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

1. A FAZENDA PÚBLICA veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a oposição à execução deduzida por P. G. P. O. na qualidade de responsável subsidiário por reversão efectivada no processo de execução fiscal n.º 1503200501216112 e apenso, que o Serviço de Finanças de Cascais 1 instaurou originariamente contra a sociedade “F. – T. C. P. A., Lda.”, ascendendo a quantia exequenda a € 25.852,03.

2. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«A- Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença proferida nos autos à margem melhor identificados, na parte que julgou procedente a oposição judicial apresentada por P. G. P. O., anulando o despacho de reversão.

B- A questão na qual diverge esta Fazenda Publica prende-se com o facto de o tribunal a quo ter entendido que o órgão de execução fiscal violou o direito de audição prévio à reversão, uma vez que “apesar de se pronunciar sobre os argumentos apresentados pelo Oponente, referindo-se à questão da culpa do Oponente, não se referiu ao motivo pelo qual não considerou necessária a inquirição das testemunhas” [penúltimo paragrafo a fls .8 da douta sentença].

C- O oponente, ora recorrido, veio deduzir oposição à execução fiscal, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 1503200501216112 e apenso, que correu termos no Serviço de Finanças de Cascais 1, para cobrança da quantia exequenda de € 5.852,03,das quais é devedora originária a sociedade F. – T. C. P. A., Lda.

D- No caso vertente, o recorrido, foi notificado para o direito de audição nos termos do art.º 23º/4 da LGT, que exerceu, cfr. consta da factualidade dada como provada.

E- No mencionado direito de audição para além de reagir contra a reversão arrolou duas testemunhas.

F- É certo que a Administração Tributária não se pronunciou expressamente quanto à não audição das testemunhas arroladas, mas, implicitamente acabou por se pronunciar, ao tornar definitivo o projeto de reversão, o que culminou com a citação do oponente.

G- Os elementos em que se apoiou o órgão de execução fiscal, eram suficientes para reverter a execução contra o ora recorrido, o que vale por dizer que, na ótica do autor do despacho de reversão, a audição das testemunhas indicadas, face à prova já recolhida, era insuscetível de alterar o sentido da decisão.

H- No caso dos autos, face à prova documental junta, que evidência ato de gerência de facto por parte do Oponente bem como a sua culpa pelo não pagamento dos impostos – que alias foi objeto de análise conforme consta no ponto G. dos factos assentes-, a repetição da audição prévia, para efeitos de expurgação da falta cometida, imporia ao órgão de execução fiscal a prática de novo ato de reversão, de conteúdo igual ao do primeiro.

I- Na verdade, o oponente não se limitou a apontar defeito da falta de audição prévia, pois, além desse vício formal, invocou a relação material de fundo, alegando que não é responsável subsidiário e arrolando as mesmas testemunhas indicadas em sede de direito de audição. Todavia, prescindiu da inquirição das mesmas, assim como o Tribunal a quo também não julgou a sua inquirição relevante não as chamando a depor nos presentes autos ao abrigo do art.º 13º do CPPT!

J- Conclui-se, portanto, que não ocorreu a violação do direito de audição do Oponente, não sofrendo o despacho de reversão de qualquer vício de forma, por preterição de formalidade essencial, nos termos do n.º 7 do artigo 60.º da L.G.T., pois que, para além de não ter sido alegada (em sede de direito de audição) factualidade ou circunstância que a AT não tivesse já tido em conta no projeto de reversão, também não foi preterida qualquer diligência complementar de instrução requerida pelo oponente, que tivesse a probabilidade de influenciar a decisão tomada ou tivesse utilidade para esclarecer a questão da responsabilidade subsidiária.

K- Assim, não tendo a sentença do Tribunal a quo conhecido as restantes questões levantadas pelo ora recorrido, por as considerar prejudicadas pela solução encontrada, sendo a sentença revogada pelo Acórdão proferido pelo TCA, deverão os presentes autos baixar àquele Tribunal para que essas questões sejam conhecidas, pois toda a prova deve ser reapreciada e devidamente selecionada o que só poderá ser efetuado por aquele Tribunal,

L- Dando assim por satisfeito o objetivo do duplo grau de jurisdição, e a não prolação de “decisões surpresa” uma vez que em momento algum será coatado o exercício do direito ao contraditório.

M- Assim, face ao exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente revogada a sentença recorrida.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a oposição improcedente, quanto à matéria aqui discutida, devendo ser ordenada a remessa dos autos ao tribunal recorrido para que sejam conhecidas as questões cujo conhecimento ficou omitido.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.»

3. O recorrido, não apresentou contra-alegações.

4. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista à Exma. Procuradora-Geral Adjunta, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.

5. Colhidos os vistos legais, vem o processo à Conferência para julgamento.


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II – QUESTÕES A DECIDIR:

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença enferma de erro de julgamento de direito por ter entendido que o órgão de execução fiscal violou o direito de audição prévia à reversão e, consequentemente, ao julgar procedente a oposição, anulou o despacho de reversão.


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III - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

A sentença recorrida proferiu a seguinte decisão relativa à matéria de facto:

«A) Na certidão do registo comercial da sociedade F. — T. C. P. A., Lda. o Oponente figura como gerente desde 18 de Outubro de 1996.

(Cfr. certidão a fls. 5 e 6 do PEF)

B) O Serviço de Finanças de Cascais 1 instaurou contra a sociedade F. — T. C. P. A., Lda., os seguintes processos de execução fiscal:

1. Processo de execução fiscal n.° 1503200501216112, no valor de € 18.291,49, por dívidas de IVA, tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 18 de Novembro de 2005;

2. Processo de execução fiscal n.° 1503200601048767, no valor de € 9.910,72, por dívidas de IVA, tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 20 de Fevereiro de 2006;

(Cfr. certidão de dívida a fls. 2 e 40 do PEF)

C) Em 18 de Dezembro de 2005 o Serviço de Finanças de Cascais 1 autuou o processo de execução fiscal n.° 1503200501216112.

(Cfr. documento a fls. 1 do PEF)

D) Em 23 de Março de 2006 o Serviço de Finanças de Cascais 1 autuou o processo de execução fiscal n.° 1503200601048767.

(Cfr. documento a fls. 39 do PEF)

E) Em 22 de Fevereiro de 2013 o Serviço de Finanças de Cascais 1 remeteu ao Oponente, comunicação designada por “notificação — audição prévia”, concedendo o prazo de 15 dias para exercer direito de audição prévia. 

(Cfr. documento a fls. 9 do PEF)

F) Em 14 de Março de 2013, o Oponente, exercendo o seu direito de audição prévia, remeteu ao Serviço de Finanças de Cascais 1 requerimento no qual reagia contra a reversão, arrolando duas testemunhas.

(Cfr. documento a fls. 14 a 18 do PEF)

G) Em 17 de Abril de 2013 o Serviço de Finanças de Cascais 1 emitiu informação da qual consta, nomeadamente, o seguinte teor:

(...)

(…)”

(Cfr. documento a fls. 30 a 32 do PEF)

H) Em 17 de Abril de 2013 foi proferido despacho de reversão contra o Oponente do qual consta, nomeadamente, o seguinte teor:

“(...)

Tendo o gerente P. G. P. O., em consequência da notificação para audição prévia reagido, apresentando requerimento exercendo o direito de audição prévia a 2013-03-14, tendo sido dada resposta através da informação que foi tida em conta na elaboração do presente despacho e que se anexa.

Constatada a inexistência/insuficiência de bens da originária devedora, tendo com fundamento legal no disposto do artigo 153.0 n.0 2 alínea b) do CPPT e al. B) do n.0 1 do art 24." LGT, ORDENO A REVERSÃO DO PROCESSO DE EXECUAÇÃO FISCAL, contra o subsidiário responsável: P. G. P. O., pelas dívidas supra indicada no valor total de 25.852,03€ e que está na base da instauração do Processo de Execução Fiscal n.° 1503200501216112 e Aps.

(...)”

(Cfr. documento a fls. 33 e 34 do PEF)


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Não existem factos não provados com interesse para a decisão da causa.

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Motivação: A decisão sobre a matéria de facto realizou-se com base na análise do teor dos documentos constantes nos autos, não impugnados, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.»

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2. ADITAMENTO OFICIOSO DA MATÉRIA DE FACTO

Ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, acorda-se em aditar o seguinte facto, por forma a complementar a factualidade dada por assente na alínea F) pelo Tribunal a quo.

I) No requerimento de audição prévia referido na alínea F) supra, que aqui se dá por integralmente reproduzido, o Oponente alegou, em suma, que a sociedade executada arriscou um negócio totalmente inovador em Portugal - a transformação de fruta fresta em frutas preparadas para consumo directo nos hotéis, restaurantes e caterings – que nunca conseguiu gerar margens de lucro suficientes para suportar os custos inerentes, tendo os sócios e o gerente da mesma tendo em vista a respectiva viabilização financiado a sociedade através de suprimentos e empréstimos; e, que a falta oportuna de pagamento das contribuições objecto da execução deveu-se única e exclusivamente à falta de rentabilidade do negócio, e à insuficiência de capitais e patrimónios próprios para fazer face às despesas incorridas no respectivo exercício.


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3. DE DIREITO

Está em causa a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que anulou o despacho de reversão com fundamento na violação do direito de audição, por considerar que o exercício do direito de audição não se basta com a mera notificação ao revertido para que se possa apenas pronunciar sobre o projecto de decisão de reversão, devendo a Administração Tributária pronunciar-se não só quanto aos argumentos invocados pelo Oponente, mas motivar a circunstância de não ter procedido à inquirição das testemunhas arroladas, e que no caso presente, apesar de se pronunciar sobre os argumentos apresentados, referindo-se à questão da culpa do Oponente, não referiu o motivo pelo qual não considerou necessária a inquirição das testemunhas

Ora é contra o assim decidido que a Recorrente se insurge, alegando, em síntese, que não ocorreu a violação do direito de audição, não sofrendo o despacho de reversão de qualquer vício de forma, por preterição de formalidade essencial, nos termos do n.º 7, do artigo 60.º da LGT, uma vez que, embora a Administração Tributária não se tenha pronunciado expressamente quanto à não audição das testemunhas arroladas, implicitamente acabou por se pronunciar, ao tornar definitivo o projecto de reversão, no entendimento, de que os elementos em que o órgão se execução fiscal se apoiou eram suficientes para reverter a execução contra o ora recorrido.

Vejamos.

Na situação que nos ocupa não é controvertida a gerência de facto pelo Oponente, em correspondência com a gerência de direito, nem a aplicabilidade do disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT, conforme consta do despacho de reversão.

Desta forma, à reversão em causa aplica-se esse normativo, por o prazo legal de pagamento ou entrega das dívidas tributárias (IVA dos anos de 2005 e 2006) ter ocorrido no período do exercício do cargo de gerente pelo Oponente, aqui Recorrido.

Assim, o gerente é responsável pelo seu pagamento, salvo se provar que a falta de pagamento lhe não foi imputável. Neste caso, existe uma presunção legal de culpa, recaindo sobre o administrador ou gerente o ónus da prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento ou de entrega da prestação tributária.

Nas dívidas enquadradas no âmbito da alínea b) do artigo 24.º da LGT, o facto ilícito susceptível de fazer incorrer o gestor em responsabilidade não se consubstancia apenas na falta de pagamento da obrigação tributária, mas também numa actuação conducente à insuficiência do património da sociedade, pois que, sendo o propósito da norma inverter o ónus da prova de que foi por acto culposo do gestor que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida, naturalmente que para provar que não lhe pode ser imputada a falta de pagamento deve exigir-se que se prove que não foi por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente.

Nos termos do artigo 23.º, n.º 4 da Lei Geral Tributária (LGT), a reversão, mesmo nos casos em que exista presunção de culpa, é precedida da audição do responsável subsidiário (artigo 60.º da LGT) e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, exigindo a lei que seja dada ao responsável subsidiário a possibilidade de se pronunciar previamente sobre o projecto de acto administrativo da reversão.

A audição prévia do responsável subsidiário concretiza o direito de participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhe digam respeito, consagrado no artigo 267.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa (CRP).

No procedimento de reversão a audição prévia do contribuinte permite contrapor ao projecto de decisão, que lhe foi notificada, as razões de discordância e a apresentação de meios de prova (artigos 23.º, n.º 4 e 60.º da LGT).

Nos termos do n.º 7, do artigo 60.º da LGT, os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão.

Quando o revertido invoca em sede de audição prévia elementos novos, cujos factos, em seu entender, afastam a culpa pela insuficiência do património da sociedade para solver as dívidas tributárias (cfr. n.º 7, do artigo 60.º da LGT), poderá justificar-se a realização de novas diligências, oficiosamente ou a requerimento dos interessados, caso se devem considerar convenientes para o apuramento da matéria factual em que vai assentar a decisão de reversão da execução fiscal (vide neste sentido Ac. do STA de 24/10/ 2012, processo n.º 0548/12, disponível em www.dgsi.pt/).

Como esclarecem Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, «O direito de audição no procedimento tributário inclui, para além do direito de pronúncia sobre as questões que constituem objecto do procedimento, o direito de requerer a realização de diligências e juntar documentos, como resulta do teor expresso do n.º 3 do art. 101.º do CPA, subsidiariamente aplicável.

Este direito de requerer diligências tem como corolário, no que concerne à entidade instrutora do procedimento tributário, o dever de as levar a cabo, desde que elas sejam convenientes para averiguar factos cujo conhecimento seja necessário para a justa e rápida decisão do procedimento (arts. 87.º, n.º 1, e 104.º do CPA).

Assim, a violação do conteúdo do direito de audiência, na sua vertente de direito de os interessados requererem a realização de diligências complementares, não se concretizará com a mera falta de tomada de posição sobre o requerimento apresentado, só ocorrendo se for omitida a realização de diligências que, por serem convenientes para averiguar os factos cujo conhecimento seja necessário para a justa e rápida decisão do procedimento, deveriam ter sido realizadas.

Por isso, é ponderando simultaneamente os valores, frequentemente conflituantes, da rapidez e da necessidade de averiguação de facos que há que formular os juízos sobre a conveniência ou não da realização de diligências requeridas.

De qualquer forma, mesmo que entenda não dever efectuar as diligências requeridas, a administração tributária deverá pronunciar-se expressamente sobre o pedido da sua realização, se não antes, na decisão final, pois, por força do disposto no art. 107.º do CPA «na decisão final expressa, o órgão competente deve resolver todas as questões pertinentes suscitadas durante o procedimento e que não hajam sido decididas em momento anterior.». Isto é, se for proferida decisão final expressa, há um dever de pronúncia generalizado da administração sobre todas as questões suscitadas pelos interessados, pronúncia essa que, a não ocorrer antes da decisão final, deverá ser nela incluída, o que decorre também do princípio da decisão enunciado no art. 60.º da LGT, nos termos do qual «a administração tributária está obrigada a pronunciar-se sobre todos os assuntos da sua competência que lhe sejam apresentados por meio de reclamações, recursos, representações, exposições, queixas ou quaisquer outros meios previstos na lei pelos sujeitos passivos ou quem tiver interesse legítimo.» (in Lei Geral Tributária, Anotado e comentada, Encontro da Escrita, 4.ª Edição, 2012, nota 14 ao artigo 60.º, págs.513 e 514).

Atentos os valores em causa, as formalidades legais, em direito fiscal, devem entender-se, em princípio, como essenciais cuja preterição é invalidante do acto final decorrente do procedimento em que esta ocorreu.

O Mmo. Juiz a quo para anular o despacho de reversão ponderou o seguinte: «De facto, conforme já supra se referiu, não basta a notificação ao ora Oponente para que o referido direito esteja cumprido.

Na verdade, exige-se que a Administração Tributária na fundamentação da decisão final que venha a proferir, indique o motivo pelo qual entendeu não ser necessário proceder à inquirição das testemunhas arroladas.

Apesar de não se encontrar obrigada a inquirir as testemunhas arroladas, sempre que o considere desnecessário, a verdade é que a Administração Tributária terá que explicar o motivo pelo qual assim concluiu.

No mesmo sentido, veja-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 20 de Março de 2019, referente ao processo 01437/14 e de 19 de Abril de 2017 no âmbito do processo 01114/16.

Atendendo ao exposto, a Administração Tributária, ao não ter indicado o motivo pelo qual não procedeu à inquirição das testemunhas, violou o direito de audição do Oponente, o que inquina o despacho de reversão de vício de forma, por preterição de formalidade essencial, nos termos do n.° 7 do artigo 60.° da L.G.T., tendo o mesmo, consequentemente, que ser anulado.»

Insurge-se a Recorrente alegando, em síntese, que não ocorreu violação do direito de audição prévia do Oponente e que não foi preterida qualquer diligência complementar de instrução requerida pelo oponente, que tivesse a probabilidade de influenciar a decisão tomada ou tivesse utilidade para esclarecer a questão da responsabilidade subsidiária imputada ao ora recorrido.

Prosseguindo.

«A falta de audição dos interessados, quando obrigatória, constitui um vício do procedimento tributário, que se repercute na decisão final do procedimento, podendo conduzir à anulação desta.

Porém, nem sempre a omissão da audiência conduzirá à anulação, designadamente não a justificando nos casos em que se apure no processo contencioso que, se ela tivesse sido realizada, o interessado não teria possibilidade de apresentar elementos novos nem deixou de pronunciar-se sobre questões relevantes para determinar o conteúdo da decisão final, ou acabou por ter oportunidade de pronunciar-se, em procedimento de segundo grau (reclamação graciosa ou recurso hierárquico), sobre questões sobre as quais foi indevidamente omitida a audiência no procedimento de primeiro grau.

No entanto, este princípio apenas poderá ser aplicado em situações em que não se possam suscitar quaisquer dúvidas sobre a irrelevância do exercício do direito de audiência sobre o conteúdo decisório do próprio acto, o que conduz, na prática, à sua restrição aos casos em que não esteja em causa a fixação de matéria de facto relevante para a decisão.» (ob. cit., nota 15, ao artigo 60.º, págs. 515 a 516).

Ora, analisado o despacho de reversão que está na origem dos presentes autos cfr, alíneas G) e H) do probatório), e ao contrário do alegado pela Recorrente, resulta manifesto que este é omisso quanto ao exercício do direito de audição prévia pelo responsável subsidiário, uma vez que, neste âmbito, este alegou factualidade susceptível de alterar os pressupostos para efectivação da responsabilidade tributária subsidiária por reversão e arrolou duas testemunhas para prova desses factos (alíneas F) e I) do probatório).

Com efeito, a Administração Tributária limitou-se a afirmar de forma conclusiva que «é complicado afirmar que não tem controlo sobre a gerência económica da empresa.» e nada mais disse ou fez, sendo o despacho de reversão totalmente omisso quanto aos motivos pelos quais não foram acolhidas as razões invocadas pelo Oponente e a inquirição das testemunhas arroladas.

Ora, as irregularidades assinaladas na audição prévia só não determinavam a anulação do despacho de reversão se pudessem degradar-se em formalidades não essenciais, por força da aplicação do princípio do aproveitamento dos actos.

Como a propósito, decidiu o acórdão do STA, citado na sentença recorrida, de 20/03/2019, proferido no processo n.º 01437/14.3BELRS «Todavia, importa acentuar que, pese embora o incumprimento e/ou a deficiente observância do direito de audição, a sua omissão não acarreta, inapelavelmente, a anulação do ato proferido.
É o que decorre do princípio do aproveitamento do ato que, à data do despacho de reversão em causa, era reconhecido e aplicado pela jurisprudência, mas que não se mostrava positivado, sendo que, atualmente, se encontra contemplado na norma do n.º 5 do artigo 163º do Código de Procedimento Administrativo, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 4/2015, de 07 de janeiro, que entrou em vigor em 08/04/2015.
Porém, o ato final só não será inválido se tal irregularidade conseguir degradar-se em formalidade não essencial (neste sentido, por todos, vide os atrás mencionados acórdãos de 24/10/2007, tirado no processo n.º 0429/07 e de 06/12/2006, no processo nº 0496/06).
Assim, esta manifestação do princípio do aproveitamento do ato não pode valer a todo e custo e sem limites.

Na verdade, há que chamar aqui à colação a jurisprudência emanada deste Supremo Tribunal, mormente no acórdão de 10/11/2010, no processo n.º 0671/10, nos termos da qual “( ... ) III - Não afastam a relevância do vício de violação do direito de audiência os factos de, depois de efetuadas as liquidações, o contribuinte ter tido oportunidade de as impugnar judicialmente e ter sido ouvido no âmbito da reclamação graciosa. IV - A preterição da formalidade que constitui o facto de não ter sido assegurado o exercício do direito de audiência só pode considerar-se não essencial se se demonstrar que, mesmo sem ela ter sido cumprida, a decisão final do procedimento não poderia ser diferente”.
Com efeito, de acordo com o princípio do aproveitamento do ato, tal só ocorrerá se o interessado na prática do direito omitido não dispuser de qualquer elemento novo que pudesse ter influenciado a decisão que foi tomada com preterição desse direito.
Retornando agora à situação em apreço, diremos que é inequívoco que a administração tributária não deu adequado cumprimento ao direito de audição, facto que determina a anulação, por vício de forma, do despacho de reversão em causa.
Na verdade, o mesmo só não seria anulável se a respetiva irregularidade pudesse degradar-se em formalidade não essencial, por força da aplicação do princípio do aproveitamento dos atos.

Mas, essa degradação só poderia ocorrer se, por recurso a um juízo de prognose póstuma, fosse seguro concluir que a realização da diligência de inquirição das testemunhas indicadas pelo revertido, não seria passível de aportar elementos novos, relevantes para a fundamentação da decisão a proferir.

Todavia, não é esse o caso dos autos.

Com efeito, analisado o processado, torna-se imperativo concluir, sem grande esforço exegético, que, se acaso tivesse sido realizada a referida diligência, o Recorrido poderia ter carreado novos elementos probatórios, em ordem à fixação de matéria de facto com relevo para a tomada da decisão de reversão e, desse modo, contribuir para modelar a exata conformação desse despacho.

Assim, a irregular observância do direito de audição, por banda da Recorrente Fazenda Pública, constituiu a preterição de uma formalidade essencial e daí que não possa degradar-se em não essencial. (disponível em www.dgsi.pt/).

Nos presentes autos, concretamente dos factos levados ao probatório, não resulta a posteriori que a decisão da administração não poderia ser outra, pelo que não é de aplicar o princípio do aproveitamento do acto, uma vez que não pode concluir-se com segurança que o sentido do despacho final teria sido necessariamente o conteúdo daquele que foi proferido e não outro.

Concluindo, a Administração Tributária tem o dever de promover o exercício do direito de audição prévia do responsável subsidiário antes do despacho de reversão (cfr. artigo 23.º, n.º 4 da LGT), e tendo este invocado razões que contrariam o seu chamamento à execução, a administração tributária é obrigada a ponderar essas razões, no despacho de reversão, expondo os motivos que a levaram a afastar as razões indicadas pelo responsável subsidiário e a justificar a desnecessidade da inquirição das testemunhas arroladas. Não o fazendo, esta violação do direito de audição inquina o despacho de reversão, conduzindo à sua anulação.

Termos em que, na improcedência das alegações de recurso, nega-se provimento ao mesmo, mantendo-se a sentença recorrida.


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Conclusões/Sumário:

I. No procedimento de reversão a audição prévia do contribuinte permite contrapor ao projecto de decisão, que lhe foi notificada, as razões de discordância e a apresentação de meios de prova (artigos 23.º, n.º 4 e 60.º da LGT).

II. Quando o revertido invoca em sede de audição prévia elementos novos, cujos factos, em seu entender, afastam a culpa pela insuficiência do património da sociedade para solver as dívidas tributárias (cfr. n.º 7, do artigo 60.º da LGT), poderá justificar-se a realização de novas diligências, oficiosamente ou a requerimento do interessado, caso se devem considerar convenientes para o apuramento da matéria factual em que vai assentar a decisão de reversão da execução fiscal.

III. As irregularidades assinaladas na audição prévia só não determinavam a anulação do despacho de reversão se pudessem degradar-se em formalidades não essenciais, por força da aplicação do princípio do aproveitamento dos actos.

IV. Nos presentes autos, concretamente dos factos levados ao probatório, não resulta a posteriori que a decisão da administração não poderia ser outra, pelo que não é de aplicar o princípio do aproveitamento do acto, uma vez que não pode concluir-se com segurança que o sentido do despacho final teria sido necessariamente o conteúdo daquele que foi proferido e não outro.

V. A Administração Tributária tem o dever de promover o exercício do direito de audição prévia do responsável subsidiário antes do despacho de reversão (cfr. artigo 23.º, n.º 4 da LGT), e tendo este invocado razões que contrariam o seu chamamento à execução, a administração tributária é obrigada a ponderar essas razões, no despacho de reversão, expondo os motivos que a levaram a afastar as razões indicadas pelo responsável subsidiário e a justificar a desnecessidade da inquirição das testemunhas arroladas. Não o fazendo, esta violação do direito de audição inquina o despacho de reversão, conduzindo à sua anulação.


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IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Notifique.


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Lisboa, 13 de Janeiro de 2022.


Maria Cardoso - Relatora
Catarina Almeida e Sousa – 1.ª Adjunta
Isabel Fernandes – 2.ª Adjunta