Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1358/08.9 BESNT-A-R1
Secção:CT
Data do Acordão:04/28/2022
Relator:VITAL LOPES
Descritores:INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
EXTEMPORANEIDADE
SUSPENSÃO DE PRAZO
COVID-19
PANDEMIA
INTERPRETAÇÃO DA LEI
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Sumário:I - A Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, alterou a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, e estabeleceu um regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais decorrente das medidas adoptadas no âmbito da pandemia da doença COVID-19.
II - Rompendo com a solução anterior, a nova Lei não suspendeu todos os prazos e, expressamente, não suspendeu «os prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da rectificação ou reforma da decisão» [artigo 6.º-B, n.º 5, alínea d)].
III - O prazo para interposição de recurso não se suspende, quer em relação a sentenças já proferidas e notificadas às partes, quer em relação a sentenças já proferidas e ainda não notificadas às partes, quer em relação a sentenças proferidas após a entrada em vigor do preceito em análise, aplicando-se a não suspensão dos prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da rectificação ou reforma da decisão, consagrada no artigo 6.º-B, n.º 5, alínea d), da Lei em causa, quer a decisões que tenham sido proferidas a partir de 22 de Janeiro de 2021, quer a decisões que tenham sido proferidas antes dessa data.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I. RELATÓRIO


C...e M..., vêm reclamar para a conferência do despacho do relator que julgou improcedente a reclamação do despacho de 09/07/2021 da Mma. Juiz do TAF de Sintra que não admitiu, por extemporaneidade, o recurso interposto para este Tribunal Central Administrativo da sentença proferida em 19/01/2021, que julgou improcedente a acção de execução de julgados por eles intentada.

Os reclamantes terminam as suas alegações, formulando as seguintes e doutas conclusões:
«

1.ª O estatuído na alínea d) do n.º 5 do artigo 6.º-B da Lei n.º 1- A/2020, de 19 de Março, aditado e com a redacção da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, não pode ser interpretado da forma como o foi no douto despacho sob reclamação.

2.ª O regime dessa alínea, com a não suspensão dos prazos de interposição de recursos, só pode ser aplicado, numa correcta interpretação do nela preceituado, relativamente a recursos de sentenças que viessem a ser proferidas depois da entrada em vigor da Lei n.º 4-B/2021.

3.ª A douta sentença de que se interpôs o recurso rejeitado foi proferida em 19 de Janeiro de 2021, antes, por conseguinte, quer da publicação da Lei n.º 4- B/2021, quer da data nesta indicada para início de produção de efeitos (22 de Janeiro).

4.ª Assim sendo, à sentença e ao recurso em apreço não era aplicável o regime de não suspensão do prazo de interposição de recurso previsto na segunda parte da alínea d) do n.º 5 do artigo 6.º-B da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, aditado e com a redacção da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro

5.ª Nestas circunstâncias, as doutas decisões, incluindo a agora impugnada, que rejeitaram o recurso dos ora reclamantes violaram, por erro de interpretação e de aplicação, o estatuído no normativo indicado na conclusão antecedente.

6.ª Deve, pois, ser julgada procedendo e provida a presente reclamação, determinando-se o recebimento do recurso indeferido, como é de inteira
J U S T I Ç A.».



Ouvida a parte contrária, silenciou.

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu mui douto parecer expressando o entendimento de que a presente reclamação para a conferência deve ser julgada procedente.

II. FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICO-JURÍDICA

Transcreve-se o essencial do teor do despacho reclamado:

A questão suscitada na reclamação reconduz-se a indagar se a alínea d) do n.º 5 do art.º 6.º-B, aditado à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, abrange na sua previsão as situações em que foi proferida decisão final nos processos, independentemente da data, ou seja, quer tenha sido antes ou após a entrada em vigor da lei ou da sua produção de efeitos.

Dispõe o citado art.º 6.º-B, no segmento relevante:
«Artigo 6.º-B
Prazos e diligências

1 - São suspensas todas as diligências e todos os prazos para a prática de atos processuais, procedimentais e administrativos que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional e entidades que junto dele funcionem, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.

2 - O disposto no número anterior não se aplica aos processos para fiscalização prévia do Tribunal de Contas.

3 - São igualmente suspensos os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os processos e procedimentos identificados no n.º 1.

4 - O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, aos quais acresce o período de tempo em que vigorar a suspensão.
5 - O disposto no n.º 1 não obsta:

a) À tramitação nos tribunais superiores de processos não urgentes, sem prejuízo do cumprimento do disposto na alínea c) quando estiver em causa a realização de atos presenciais;

b) À tramitação de processos não urgentes, nomeadamente pelas secretarias judiciais;

c) À prática de atos e à realização de diligências não urgentes quando todas as partes o aceitem e declarem expressamente ter condições para assegurar a sua prática através das plataformas informáticas que possibilitam a sua realização por via eletrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente;

d) A que seja proferida decisão final nos processos e procedimentos em relação aos quais o tribunal e demais entidades referidas no n.º 1 entendam não ser necessária a realização de novas diligências, caso em que não se suspendem os prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da retificação ou reforma da decisão.
(….)».

Como referimos, os reclamantes não se conformam com a decisão reclamada, alegando que os prazos processuais se encontravam suspensos, devido à situação pandémica, nos termos do art.º 6º-B da Lei nº 4-B/2021, de 1 de Fevereiro.

É nosso entendimento que não lhes assiste razão.

Embora a solução não seja isenta de dúvidas e tenha havido inicialmente decisões contraditórias da jurisprudência, entendemos ser de acompanhar a linha decisória do ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 04/22/2021, tirado no proc.º 263/19.8YHLSB.L1.S1, por expressar uma interpretação do texto legal, a nosso ver, mais consentânea com o pensamento legislativo e a razão e o espírito da lei, preconizada no art.º 9.º, do Código Civil.

Ali se deixou consignado, nomeadamente, o seguinte:
«
O nº 1 do art. 6º-B da Lei nº 4-B/2021, de 01.02.2021, com efeitos a partir de 22.01.2021 (art. 4º), declarou “suspensas todas as diligências e todos os prazos para a prática de actos processuais, procedimentais e administrativos que devem ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que correm termos nos tribunais judiciais (…), sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
(…)
5 – O disposto no nº 1 não obsta:
a) À tramitação nos tribunais superiores de processos não urgentes, sem prejuízo do cumprimento, do disposto na alínea c), quando estiver em causa a realização de actos presenciais;
b) À tramitação de processos não urgentes, nomeadamente pelas secretarias judiciais;
c) (…);
d) A que seja proferida decisão final nos processos em relação aos quais o tribunal e demais entidades referidas no nº1 entendam não ser necessária a realização de novas diligências, caso em que não se suspendem os prazos para a interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimentos da retificação ou reforma da decisão.”

Em face das disposições citadas, conclui-se que a partir de 22.01.2021, e durante a vigência da medida excepcional de suspensão não se iniciam nem correm os prazos processuais em processos pendentes nos órgãos e entidades referidos no nº 1, independentemente da sua duração, com excepção dos prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da retificação ou reforma da decisão.

A não suspensão dos prazos “para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento de retificação ou reforma da decisão”, tanto vale para os tenham por objecto decisões finais anteriores a 22.01.2021, como as proferidas depois desta data, por ser a mesma a razão de ser da lei: atenuar os efeitos negativos da suspensão dos prazos previstos no nº 1 do art. 6-B.».

Neste modo de ver, tendo a sentença sido notificada ao recorrentes e ora Reclamantes em 19/01/2021, à data de interposição do recurso – 06/05/2021 – já há muito se mostrava ultrapassado o prazo de 30 dias, previsto no art.º 282/1 do CPPT, para a interposição do recurso da sentença recorrida.

Termos em que,
Com os fundamentos indicados, julgo improcedente a reclamação e confirmo o douto despacho reclamado.”.
*

Cumpre apreciar em Conferência.

Pretendem os Reclamantes, em suma, que o regime estatuído na alínea d) do n.º5 do art.º 6.º-B da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, aditado e com a redacção da Lei n.º4-B/2021, de 1 de Fevereiro, que prevê a não suspensão dos prazos de recurso só pode ser aplicado relativamente a recursos de sentenças que viessem a ser proferidas depois da entrada em vigor da Lei n.º 4-B/2021, i.e., 22 de Janeiro de 2021 (art.º 4.º).

Não tem razão – salvo o devido respeito – a parte reclamante.

A qual não vem oferecer novas linhas de argumentação.

Assim, resta manter o já decidido na decisão singular e respectiva fundamentação, a qual, sempre salvo o devido respeito, se apresenta correcta perante a lei e as circunstâncias e factualidade do caso, bem como perante os interesses envolvidos.

Em suma, não havendo novos argumentos a ponderar, dá-se por reproduzida a fundamentação – aliás, ancorada em jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça e que constitui a linha de jurisprudência maioritária – da decisão singular em apreço, confirmando-se integralmente a decisão do Relator, que não merece censura.

Em reforço, diremos apenas que nem se conhece superveniente corrente jurisprudencial significativa em sentido oposto, podendo, ao invés, indicar-se ainda, no sentido aqui adoptado, os Acs. TRL de 13/05/2021, Proc. 598/18.7T8LSB. L1-8; TRC de 26/10/2021, Proc. 2706/20.9T8LRA.C1; TRP de 07/10/2021, Proc. 121276/19.8YIPRT.P1 e TRP de 12715/2021, Proc. 5776/19.9T8PRT.P1, todos consultáveis em www.dgsi.pt.

Como lapidarmente se deixou expressado naquele citado ac. do TRL de 13//05/2021,
«…cabe perguntar se haverá alguma razão para o legislador determinar dois regimes diversos de prazos processuais, um para os casos em que a decisão tenha sido proferida antes e outro para os casos em que a decisão tenha sido proferida após a entrada em vigor e produção de efeitos da lei.
E na verdade não se vislumbra razão alguma que possa justificar a diferença de regimes sustentada.
Não há razão plausível na economia da lei para o legislador vir salvaguardar da suspensão dos prazos de recurso decisões proferidas durante o período em vigor da lei e estabelecer essa suspensão para as decisões que foram proferidas antes da entrada em vigor da lei.
Razão de ser num e noutro caso é a mesma. Evitar deslocações de pessoas aos tribunais finalidade que é prosseguida de igual modo num e noutro caso
Donde que, a referida norma deve ser interpretada como sendo de aplicação às decisões proferidas nos tribunais superiores sem que haja de atender à data das mesmas.
Em face do exposto resolve-se a questão suscitada quanto à suspensão do prazo processual para interposição de recurso de acórdão lavrado antes da entrada em vigor da lei 4-B/21 no sentido de que não se suspendem tais prazos.».

Tudo visto, acorda-se em Conferência, em julgar improcedente a reclamação e confirmar, sem qualquer alteração, a decisão singular em apreço, cujos fundamentos e dispositivo são de subscrever.

III. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em indeferir a reclamação e confirmar o reclamado despacho do Relator.

Condena-se os Reclamantes nas custas do incidente, pelo mínimo legal.

Lisboa, 28 de Abril de 2022


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Vital Lopes



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Luísa Soares



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Tânia Meireles da Cunha