Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1464/16.6BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/08/2019
Relator:ANA PINHOL
Descritores:PENHORA DE REFORMA
IMPENHORABILIDADE
REDUÇÃO
ISENÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I. O artigo 738.º nº 6 do Código de Processo Civil prevê excepcionalmente a possibilidade de redução ou mesmo de isenção de penhora, quando a penhora efectuada afecte a subsistência condigna do executado e do seu agregado familiar.

II. Tal faculdade excepcional, depende de ponderação judicial, tendo o executado/requerente que alegar e provar que as necessidades sua e do seu agregado familiar merecem sobrepor-se ao interesse do credor na satisfação do seu crédito, cuja origem e montante são igualmente factores a ponderar.

III. É seguramente insuficiente para o ónus da prova que recai sobre o executado, a afirmação produzida pela única testemunha inquirida, no sentido de que aquele se encontra « (…) em situação económica muito difícil». Desde logo, por tal afirmação se traduzir um juízo valorativo necessitando de ser preenchido com a alegação e prova de factos, o que não ocorreu.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a 1.ª Subsecção (Contencioso Tributário) do Tribunal Central Administrativo Sul:


I.RELATÓRIO
A FAZENDA PÚBLICA veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a reclamação de actos do órgão da execução fiscal deduzida, ao abrigo do artigo 276.º e segts do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), por MANUEL ............... e DEOLINDA ..............., contra o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa - … que ordenou no âmbito do processo de execução fiscal nº ............... a penhora de sua pensão de reforma, no montante de 82,06€.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«I-Visa o presente recurso reagir contra a douta Sentença que julgando a presente reclamação parcialmente procedente, determinou pela anulação do despacho do órgão de execução fiscal que ordenou a penhora da pensão social do Reclamante, por a considerar em montante superior ao legalmente admitido e isentou a mesma pensão de qualquer penhora pelo prazo legal de um ano, nos termos dos nºs 3 e 6 do art.º 738.º do CPC.
II-Desta decisão, ressalvada a devida vénia e o respeito por melhor entendimento, dissente esta RFP, a qual considera, na esteira do entendimento expresso pelo Digno Magistrado do Ministério Publico, nos termos do qual e quanto “à alegada impenhorabilidade, dir-se-á que no caso em apreço foi determinada a penhora de 1/6 da pensão do ora Reclamante, o que se traduz numa proporção inferior ao limite de impenhorabilidade a que se refere o art.º 738º do CPC.”, pelo que, com este fundamento, sempre seria de improceder a presente reclamação.
III-Porém, ainda que assim não se entenda e sem conceder, importa referir que, considerando a douta sentença a quo que a penhora de pensões efectuada - ordenada pelo mínimo legal de 1/6, excede os limites de penhorabilidade, dado que o valor daqui resultante - € 82,06 - não permitia que remanescesse como rendimento disponível o valor relativo a um salário mínimo nacional, errou, neste tocante, de facto e de direito quando decidiu pela respectiva anulação.
IV-Com efeito, colocando-se a questão em termos de mera proporcionalidade ou extensão da penhora, o que a douta sentença a quo deveria ter determinado era pela redução da penhora no valor que respeitasse o limite de penhorabilidade, o qual foi in casu fixado em € 75,75.
V-Resulta pois dos autos que o Reclamante auferia mensalmente o valor de pensão de € 605,75, pelo que estão preenchidos os pressupostos da penhorabilidade deste seu rendimento, por ser o mesmo superior ao salário mínimo nacional, como decorre do disposto nos nºs 1 e 3 do art.º 738º do CPC.
VI-A anulação do acto da penhora só se mostraria correcta se aquele acto se mostrasse ilegal, o que não se verifica, mostrando-se tão só a ilegalidade na extensão com que foi realizada a penhora.
VII-Assim, o douto tribunal a quo errou ao determinar a anulação do acto da penhora, pois a consequência legal a determinar por aquele tribunal, perante a ilegalidade do acto da penhora na parte em que a mesma se revela excessiva, seria a redução do valor da penhora.
VIII-Para além da anulação da penhora, determinou a douta sentença a quo pela isenção da penhora da pensão do Reclamante e pelo prazo de um ano, por considerar estarem reunidos todos os pressupostos para o efeito, nos termos do nº 6 do art.º 738 do CPC.
IX-À luz do disposto no nº 6 do artigo 738º do CPC pode o Juiz isentar da penhora os rendimentos do executado, no entanto, tal faculdade, excepcional, depende de ponderação judicial, quer do montante quer da natureza do crédito exequendo, bem como das necessidades do executado, tendo este de alegar e demonstrar que as suas necessidades merecem sobrepor-se ao interesse do credor (no caso a C…) na satisfação do seu crédito, cuja origem e montante são igualmente factores a considerar.
X-Também neste conspecto entende esta RFP que se errou no doutamente decidido, por entender que nos presentes autos não se alegam, nem se provam quaisquer factos relacionados com as condições de vida do executado e do seu agregado familiar (despesas gerais, encargos com habitação, despesas com saúde, etc), motivo pelo qual tal juízo de per se, revela-se manifestamente insuficiente para a ponderação exigida pelo n.º 6 do art.º 738.º do CPC, cujo regime jurídico se reveste de carácter excepcional.
XI-Do mesmo modo, a douta sentença labora em erro ao não admitir que a isenção da penhora da pensão coloca em causa os interesses do credor, pois como resulta manifesto dos autos, considerando o valor em dívida no processo executivo e a penhora de 1/6 da pensão de reforma do reclamante, o credor verá as já de si escassas possibilidades de satisfazer o seu crédito consideravelmente diminuídas com esta isenção.
XII-Assim, entende a Fazenda Pública que a sentença aqui em escrutínio também deverá ser revogada na parte em que decide que, durante um ano, deverá a pensão de reforma do Reclamante ficar isenta da penhora.
XIII-Do exposto, resulta que não andou bem o Tribunal a quo neste âmbito, ao proferir a sua decisão baseada na errada interpretação dos factos, violando assim o direito aplicável, mormente o disposto nos art.ºs 738.º do CPC e o 217º do CPPT, motivo pelo qual não se pode manter na ordem jurídica.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por Acórdão que declare a reclamação improcedente.
PORÉM V. EX.AS, DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.»

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Os recorridos, Manuel ............... e Deolinda ..............., vieram apresentar as suas contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:
«I.O Tribunal a quo, na sua decisão, apenas e só respeitou a nossa legislação constitucional, substantiva e processual, bem como os princípios que a informam, aplicando os preceitos legais adequados a este caso concreto, nomeadamente o nº 6 do artigo 738º do CPC- Código de Processo Civil.
II.O invés – que é aquilo que pretende o Digníssimo Representante da Fazenda Pública – representaria uma verdadeira catástrofe, correspondendo à sacralização extrema do mais puro formalismo, em três dimensões.
III.A primeira, ao desconsiderar completamente que a verdadeira beneficiária dos dois contratos de mútuo celebrados com a C…-Caixa ............... foi a sociedade comercial por quotas “T..............., Lda.”, e nunca o Reclamante/Recorrido.
IV.A segunda, ao desconsiderar que o montante reclamado pela C…- Caixa ............... corresponde a mais de dez vezes os montantes mutuados, correspondendo, assim, a juros sobre juros, sem quaisquer limites aceitáveis.
V.E a terceira, ao desconsiderar que a situação pessoal e familiar dos Reclamantes/Recorridos, se insere, sem qualquer esforço, nas situações limite para as quais foi concebido o nº 6 do do artigo 738º do CPC-Código de Processo Civil.
Nestes termos, e nos demais de Direito, por V.Exas. considerados, deve ser plenamente mantida a decisão proferida pelo Tribunal a quo, extinguindo-se, concomitantemente, o processo de execução fiscal que lhe está subjacente e, consequentemente, julgando-se improcedente o recurso subscrito pela AT-Autoridade Tributária e Aduaneira.»

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A Exma. Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificada para o efeito, ofereceu aos autos o seu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Com dispensa dos vistos das Desembargadoras adjuntas, atenta a natureza urgente dos autos, cumpre apreciar e decidir.

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Assim, e face ao teor das conclusões formuladas a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões:
(i) saber se a sentença recorrida incorre em erro de julgamento ao considerar que o valor da penhora viola o artigo 738.º, n.º3 do CPC; e na negativa;
(ii) se contrariamente ao decidido, a penhora deveria ter sido anulada na parte que excedeu o limite de impenhorabilidade ao invés de ter sido anulada em toda a sua extensão;
(ii) saber se face à factualidade a sentença recorrida incorre em erro de julgamento ao deferir o pedido de isenção de penhora da pensão do reclamante, por período não superior a um ano.

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III. FUNDAMENTAÇÃO
A. DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:
«A) Pela apresentação AP…. de 1983/04/21, da Conservatória de Registo Predial de Amadora, os Reclamantes Manuel ............... e Deolinda ..............., encontra-se registada a aquisição de um edifício composto por subcave destinada a armazém; cave para atelier, sala de condóminos e arrecadação; rés-do-chão e 5 andares com lados, direito, esquerdo e frente e 6.º andar com dois ateliers, sito na Damaia na Praceta ..............., n.º1, com traseiras para a Rua ..............., n.ºs 24 e 24-A;
(Cf. fls. 41 dos autos)
B) Pela apresentação AP. … de 1984/02/24 a AP. … de 1985/05/02, da Conservatória de Registo Predial de Amadora, os reclamantes celebraram com a Caixa ..............., Hipotecas voluntárias nos montantes de 1.800.000$00 e 344.000$00 respetivamente para garantia de empréstimos o primeiro à taxa de juros anual de 31,5% e o segundo à taxa de juro anual de 29%;
(Cf. fls. 41 e 42 dos autos)
C) Em 29.01.1990 a Caixa ..............., deu entrada no Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Lisboa de certidão de dívida para instauração de execução fiscal contra Manuel ............... e mulher Deolinda ..............., casados sob o regime de Comunhão Geral de Bens, no valor global de 138.979.111$00 resultante dos empréstimos ............... contrato de mútuo na quantia de 45.000.000$00 e ............... contrato de mútuo na quantia de 8.600.000$00;
(Cf. fls. 2 a 18 do processo executivo apenso)
D) Em 24.07.1991 os reclamantes foram citados pessoalmente para a execução fiscal n.º.........., por carta precatória do Tribunal Tributário através de mandado do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa-…;
(Cf. fls. 36 a 41 verso do processo executivo apenso)
E) Em 11.01.1996 foi emitido Mandado de Penhora dos bens necessários para proceder ao pagamento da dívida exequenda e acrescido pelo Chefe da ….ª Secretaria Administrativa das Execuções Fiscais de Lisboa,
(Cf. fls. 112 a 113 verso do processo executivo apenso)
F) Pela apresentação AP. … de 2007/08/29, da Conservatória de Registo Predial de Amadora, a Fazenda Pública Procedeu à penhora datada de 17.07.2007, do montante da quantia exequenda, de €22.310,25, sendo os sujeitos passivos a sociedade «T................ Lda.» e sujeito titular inscrito Manuel ...............;
G) Em 21.05.2010 no Cartório Notarial de M................, sito em Algés, foi efetuada escritura de Compra e Venda do prédio urbano identificado em A) tendo como primeiros outorgantes, o Serviço de Finanças de Amadora-…, representada pela sociedade «C................ Limitada.», encarregada da venda por negociação particular no citado processo de execução fiscal em que é executada a sociedade «T................ Lda.», com registo de aquisição a favor de Manuel ............... e Deolinda ............... e como segundos outorgantes adquirentes do bem, o fundo «L................», livre de quaisquer ónus e encargos, pelo valor de €270.000,00;
(Cf. fls. 37 dos autos)
H) A escritura acima identificada contém a seguinte inscrição: «(…) Que o referido imóvel incidem duas hipotecas voluntárias a favor da Caixa ..............., Lisboa, registadas na dita Conservatória pelas inscrições C-… e C-… e a penhora registada pela inscrição F-… cujos cancelamentos se encontram assegurados conforme documentos emitido pelo Serviço de Finanças da Amadora-…, em vinte de Maio de 2010, que foi exibido.
Que o referido prédio não se encontra licenciado pela competente Câmara Municipal, motivo pelo qual não é neste ato exibida licença de utilização, pelo que nos termos do número seis do artigo novecentos e cinco do Código de Processo Civil, constitui ónus do comprador e respetiva legalização (…)».
(Cf. fls. 37 dos autos)
I) Em 24.06.2011 a Caixa ............... (C…), através do seu mandatário deu entrada no Serviço de Finanças de Lisboa-… de um requerimento referindo que a execução contra Manuel ............... e Deolinda ............... havia sido instaurada no Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Lisboa com o n.º 259/90, tendo sido posteriormente afeta ao referido serviço de finanças, ao abrigo da portaria n.º856/01 de 27 de julho, devendo a execução prosseguir os seus termos no bem conhecido do executado a sua pensão de reforma;
(Cf. fls. 143 a 146 do processo executivo apenso)
J) Em 20.09.2011 foi instaurado no Serviço de Finanças de Lisboa-… o processo de execução fiscal n.º ................, para cobrança coerciva da dívida exequenda, do montante de €2.523.877,88;
(Cf. fls. 142 do processo executivo apenso)
K) Através do ofício n.º ….. de 26.09.2011 o Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa-… notificou o Instituto da Segurança Social IP para considerar penhorado o montante de 1/6 do vencimento/pensão que processa em nome do executado com vista a garantir o pagamento da dívida exequenda e acrescido, no montante de €2.681.440,40;
(Cf. fls. 160 a 167 do processo executivo apenso)
L) Em 23.01.2016 o Serviço de Finanças de Lisboa-… emitiu Notificação de Penhora/Citação Pessoal em nome do reclamante, para o processo de execução fiscal n.º ................ da penhora de pensão ao Instituto da Segurança Social IP, no montante de €2.756.937,62;
(Cf. fls. 30 dos autos)
M) O reclamante aufere mensalmente a pensão de reforma na quantia de €605,75, a reclamante mulher recebe uma pensão velhice de sob no montante de €274,79 e sua filha de 57 anos de idade, com incapacidade permanente de 84% atribuída pela Junta Médica de Lisboa em 23.07.2003, uma pensão de invalidez do montante de €217,07;
(Cf. fls. 93 a 127 dos autos e 244 do PEF apenso)
N) No dia 20 de Janeiro de 2016, encontrava-se registada na base de dados da Autoridade Tributária a informação de que a pensão auferida pela Reclamante Deolinda ............... era impenhorável;
(cfr. fls. 67 dos autos)
O) No dia 9 de Março de 2016, encontrava-se registada na base de dados da Autoridade Tributária a informação de que o valor depositado à sua ordem, por força da penhora da pensão do Reclamante Manuel ..............., era de €82,06;
(cfr. fls. 68 dos autos)
III.II - Factos não Provados
1 - Não se provou nos autos que o Reclamante e os outros elementos do agregado familiar auferem outros rendimentos para além das pensões declaradas nas declarações periódicas de IRS que constam dos autos.

Não se provaram outros factos com relevância para a presente decisão.

Motivação.
A convicção do tribunal baseou-se na análise crítica dos documentos e informações oficiais juntos aos autos não impugnadas, referidos nos factos provados, com remissão para as folhas dos processos onde se encontram bem como do depoimento da testemunha Elizabete ............... Publicitária e filha dos reclamantes com conhecimento direto dos factos A, B, C, G e M, foi convergente com a documentação constante dos autos e relevante na medida em que afirmou que sua irmã mais velha sofre de esquizofrenia profunda e recebe uma pensão do Estado, a mãe é doméstica e recebe uma pensão de sobrevivência e que a pensão de reforma do reclamante se encontra parcialmente penhorada encontrando-se em situação económica muito difícil, tendo relatado com isenção e objectividade as circunstâncias em que o negócio.»

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B. DO DIREITO
O reclamante aqui recorrido insurgiu-se através da reclamação prevista no artigo 276.º do CPPT contra a penhora ordenada no âmbito do processo de execução fiscal.º ................, instaurado para cobrança coerciva de dívidas à Caixa ..............., S.A. no montante de 2.523.877,88€, a efectuar por desconto mensal de 82,06€ na pensão de reforma que aufere do Instituto de Segurança Social IP no valor de 605,75€.
A reclamação foi julgada procedente pelo Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, que considerou, em resumo, ilegal a penhora da pensão no valor de 82,06€, uma vez que corresponde a um valor superior ao legalmente admitido e como tal fixou a penhora no montante de 75,75€. Mais decidiu, deferir o pedido de isenção de penhora formulado pelo prazo de um ano.
É desta decisão que recorre a Fazenda Pública, uma vez que no seu entendimento a penhora de 1/6 da pensão do recorrido, traduz numa proporção inferior ao limite de impenhorabilidade a que se refere o artigo 738.º do Código de Processo Civil (CPC) e, para o caso de assim não se entender, sempre «(…) a douta sentença a quo deveria ter determinado era pela redução da penhora no valor que respeitasse o limite de penhorabilidade, o qual foi in casu fixado em € 75,75.».
Vejamos, então.
Nos termos do n.º 1 do artigo 735.º do Código Processo Civil (CPC) encontram-se sujeitos á execução todos os bens devedor susceptíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda.
Por seu turno, o artigo 601.º do Código Civil (CC) consagra também que «
«Pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor susceptíveis de penhora, sem prejuízo dos regimes especialmente estabelecidos em consequência da separação de patrimónios».
Prescreve o n.º 1 do artigo 215.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) que «Findo o prazo posterior à citação sem ter sido efectuado o pagamento; procede-se à penhora», sendo que, nos termos do artigo 217.º do mesmo diploma legal, «A penhora é feita nos bens previsivelmente suficientes para o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, mas quando o produto dos bens penhorado for insuficiente para pagamento da execução, esta prossegue em outros bens
Sob a epígrafe «Bens parcialmente penhoráveis» artigo 738.º do CPC (na redacção anterior alteração introduzidas pela Lei Lei 114/2017 de 29 de Dezembro, Lei do Orçamento do Estado de 2018), ( aplicável na penhora de bens na execução fiscal, ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT) estabelece, no que aqui releva, o seguinte:
«1 - São impenhoráveis dois terços da parte líquida dos vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia, ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado.
2 - Para efeitos de apuramento da parte líquida das prestações referidas no número anterior, apenas são considerados os descontos legalmente obrigatórios.
3 - A impenhorabilidade prescrita no n.º 1 tem como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão e como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento, o montante equivalente a um salário mínimo nacional. (…)».
Face à redacção deste preceito é notória a opção do legislador em estabelecer um limite para a penhora das prestações pagas a título de salário, pensão, prestação social ou outra prestação de natureza semelhante, assim se dando acolhimento ao princípio da dignidade da pessoa humana inerente a um Estado de Direito, em conformidade com o consagrado constitucionalmente nos artigo 1.º, 59.º n.º 2 alínea a) e 65.º da CRP, como refere o Acórdão do Tribunal Constitucional de nº 96/2004, de 11.02.2004 (https://dre.pt/home/-/dre/877269/details/maximized) e que é concretizado na obrigação de manter na disponibilidade do executado um valor pelo menos equivalente ao salário mínimo nacional, que lhe permita manter uma existência minimamente digna.
Referindo a este propósito VIRGÍNIO DA COSTA RIBEIRO e SÉRGIO REBELO « (…) a referida impenhorabilidade assenta em dois pressupostos que deverão verificar-se cumulativamente. Por um lado, exige-se que os rendimentos tenham natureza periódica, independentemente da sua dilação temporal e, por outro, que sem o seu recebimento a subsistência do executado possa ser posta em risco.» (A Ação Executiva Anotada e Comentada, 2016, 2.ª edição, pp. 274-275)
Aplicando-se o regime previsto no artigo 738.° do CPC, vejamos, o caso concreto.
Da factualidade apurada resulta assente que foi determinada a penhora no montante de 82,06€ incidente sobre a pensão de reforma auferida mensalmente pelo recorrido na quantia de 605,75€.
Conforme tem vindo a ser dito pelo Tribunal Constitucional (por exemplo, Acórdão 96/2004, de 11.02.2004, já anteriormente citado) : «(…) o salário mínimo nacional contém em si a ideia de que é a remuneração básica estritamente indispensável para satisfazer as necessidades impostas pela sobrevivência digna do trabalhador e que por ter sido concebido como ‘o mínimo dos mínimos’ não pode ser, de todo em todo, reduzido, qualquer que seja o motivo” (…)».
Ora, o salário mínimo nacional (SMN) que aqui se têm de ter em consideração, tendo em conta a data da efectivação da penhora (ano de 2016) é de 530€ (artigo 2º do Decreto-Lei nº 254-A/2015, de 31 de Dezembro), por imposição do artigo 738.º, n.º3 do CPC, logo, a penhora teria de ser restringida de forma a garantir ao recorrido um rendimento disponível equivalente ao salário mínimo nacional, ou seja, a penhora só poderia incidir sobre o montante do rendimento [605,75€-530,00€] que ascende a 75,75 €.
Sendo assim, como é bem salientado na sentença, posição com a qual concordamos, «(…) a entidade exequente dispunha então do valor penhorável de €75,75, para além do salário mínimo nacional, pelo que a penhora jamais poderia ter ultrapassado esse quantitativo o que, desde logo, inquina a decisão do órgão da execução fiscal devendo ser ordenado o levantamento do ato de penhora porque ilegal.». Por isso, decidiu o Tribunal de 1ª Instância anular «(…) o despacho do órgão de execução fiscal que ordenou a penhora social do reclamante em montante superior ao legalmente admitido.».
Subsidiariamente, defendeu a recorrente, como vimos, que, fixando-se o valor da penhora na quantia de 75,75€, importaria apenas determinar a anulação da penhora efectuada no valor de 82,06€ na parte que excede aquela quantia e não a anulação da penhora em toda a sua extensão.
E com razão neste ponto.
Na verdade, excedendo a penhora ordenada, o limite impenhorável, impunha-se, então, ao Tribunal de 1ª Instância anular a penhora na parte que viola o artigo 738.º, n.º3 do CPC e, nessa medida, procede o recurso com este fundamento.
Avancemos pois para a segunda questão enunciada, isto é, se a sentença padece de erro de julgamento ao decidir que face a factualidade provada nada obsta à aplicação do regime excepcional previsto n.º 6 do artigo 738.º do CPC.
Neste particular, expendeu-se na sentença recorrida «(…) por ser de senso comum, atendendo às necessidades derivadas da própria idade dos reclamantes, à incapacidade da filha de ambos e ainda aos parcos rendimentos auferidos por prestações sociais que entende o tribunal estarem reunidos todos os pressupostos para isentar o reclamante da penhora da pensão ordenada pelo prazo de um ano.
Quer isto dizer que atendendo à prova efetuada, a questão dos autos enquadra-se naquelas situações donde resulta que as necessidades do executado e do seu agregado familiar justificam a opção pelo sacrifício do direito do credor, nos termos previstos no disposto no n.º6 do art.º738 do CPC.».
Na perspectiva da Fazenda Pública « (…) não se alegam, nem se provam quaisquer factos relacionados com as condições de vida do executado e do seu agregado familiar (despesas gerais, encargos com habitação, despesas com saúde, etc), motivo pelo qual tal juízo de per se, revela-se manifestamente insuficiente para a ponderação exigida pelo n.º 6 do art.º 738.º do CPC, cujo regime jurídico se reveste de carácter excepcional.».
A questão está pois em saber se o recorrido logrou fazer ou não prova da situação que justificasse a aplicação do regime excepcional previsto no n.º 6 do artigo 738.º do CPC. e que, se reproduz, de seguida, o seu teor: «Ponderados o montante e a natureza do crédito exequendo, bem como as necessidades do executado e do seu agregado familiar, pode o juiz, excecionalmente e a requerimento do executado, reduzir, por período que considere razoável, a parte penhorável dos rendimentos e mesmo, por período não superior a um ano, isentá-los de penhora.»
Como se sabe, o mecanismo excepcional permite ao julgador isentar « (…) mesmo totalmente de penhora, considerando a natureza da dívida exequenda e as necessidades do executado e seu agregado familiar. Ou seja: a superioridade do princípio da dignidade humana sobre o direito do credor, quando aquele exija uma solução que conflitue com este, fica suficientemente salvaguardada pela possibilidade de realização de um juízo casuístico de ponderação e adequação dos interesses de exequente e executado, em conformidade com as exigências constitucionais.» (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 257/2010 de 29 de Junho de 2010, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20100257.html).
No plano doutrinário, diz Amâncio Ferreira que nestes casos, «(...)optou o legislador e justamente pelo sacrifício do direito do credor, na medida do necessário e, se tanto for indispensável, mesmo totalmente, neste caso para evitar que o devedor se transforme num indigente a cargo da colectividade (…) ». (In “Curso de processo de Execução”, pág. 209).
Deve, todavia, acrescentar-se que tratando-se de um benefício concedido ao executado, com carácter de excepcionalidade, os factores que determinam a decisão do juiz são a natureza e o montante da dívida exequenda e as necessidades do executado e do seu agregado familiar (Neste sentido vide: Rui Pinto, in Manual Da Execução E Despejo, 1.ª, Edição, Coimbra Editora, Agosto de 2013, de págs. 515 a 517).
Tendo o executado que alegar e provar que as necessidades sua e do seu agregado familiar merecem sobrepor-se ao interesse do credor na satisfação do seu crédito, cuja origem e montante são igualmente factores a sopesar (cfr. artigo 5.º, n.º 1 do CPC e artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil).
Retornando ao caso dos autos, vem provado que o agregado familiar do recorrido (aufere uma pensão no valor de 605,75€) é composto por si, pela sua mulher (que aufere uma pensão de velhice no valor de 274,79€) e por uma filha de 57 anos de idade, com incapacidade permanente de 84% (que aufere uma pensão de invalidez do montante de 217,07€).
Ora, não obstante o recorrido no artigo 43.º da petição inicial tenha protestado «juntar os elementos comprovativos das despesas que incorre» enquanto suporte da pretendida aplicação do artigo 736.º, n.º 6 do CPC, o certo é que para além de não indicar a que respeitam, não só não juntou os documentos que protestara juntar, como quando notificado pelo Tribunal de 1ª Instância (despacho exarado a fls. 80 dos autos), para «juntar documentos comprovativos das despesas (…) alusivos aos factos alegados.» e após deferido a prorrogação do prazo requerida para o cumprimento da requerida junção, limitou-se a juntar as declarações de IRS dos anos de 2014 e 2015. E nenhuma prova foi apresentada quanto às despesas suportadas no ano de 2016 ( ano em que dirigiu ao tribunal o pedido de isenção de penhora) ou invocada qualquer impossibilidade para responder ao convite efectuado pelo Tribunal.
Não obstante, reconhecermos que existem despesas comuns a qualquer agregado familiar, como sendo o gás, alimentação, vestuário, despesas de saúde e medicamentosas, e que por isso, ainda que não se encontrem suportadas por documentos, desde que alegadas, têm de ser consideradas pelo Tribunal uma vez que fazem parte do núcleo de despesas que qualquer cidadão tem de efectuar.
Contudo, lendo a petição que originou os presentes autos nenhuma referência se mostra efectuada a tais despesas e nem sequer a testemunha inquirida nada em concreto referiu sobre esta matéria.
E isto porque, é seguramente insuficiente para o ónus da prova que recai sobre o recorrido, a afirmação produzida pela única testemunha inquirida, no sentido de que aquele se encontra « (…) em situação económica muito difícil». Desde logo, por tal afirmação se traduzir um juízo valorativo que sempre necessitaria de ser preenchido com a alegação e prova de factos, o que não ocorreu.
Esta conclusão traz como consequência que o segmento da sentença de determinou a isenção de penhora por período não superior a um ano, nos termos do disposto no artigo 738º, n.º 6 do CPC, não pode manter-se, procedendo nesta parte o recurso.

IV.CONCLUSÕES
I. O artigo 738.º nº 6 do Código de Processo Civil prevê excepcionalmente a possibilidade de redução ou mesmo de isenção de penhora, quando a penhora efectuada afecte a subsistência condigna do executado e do seu agregado familiar.
II. Tal faculdade excepcional, depende de ponderação judicial, tendo o executado/requerente que alegar e provar que as necessidades sua e do seu agregado familiar merecem sobrepor-se ao interesse do credor na satisfação do seu crédito, cuja origem e montante são igualmente factores a ponderar.
III. É seguramente insuficiente para o ónus da prova que recai sobre o executado, a afirmação produzida pela única testemunha inquirida, no sentido de que aquele se encontra « (…) em situação económica muito difícil». Desde logo, por tal afirmação se traduzir um juízo valorativo necessitando de ser preenchido com a alegação e prova de factos, o que não ocorreu.

V.DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes da 1ª Subsecção deste Tribunal Central Administrativo, em conceder provimento parcial ao recurso e, nessa medida, revoga-se a sentença que, julgando procedente a reclamação:
-anulou o acto de penhora, determinando-se a redução do valor da mesma, o qual se fixa em 75,75€;e
-deferiu o pedido de isenção de penhora.

Custas a cargo do recorrido.

Lisboa, 8 de Maio de 2019.

[Ana Pinhol]

[Isabel Fernandes]

[Catarina Almeida e Sousa]