Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11329/14
Secção:CA - 2º. JUÍZO
Data do Acordão:10/23/2014
Relator:ESPERANÇA MEALHA
Descritores:MEDIDA PROVISÓRIA EM PROCESSO SANCIONATÓRIO; AUDIÊNCIA PRÉVIA DOS INTERESSADOS; DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO; AVALIAÇÃO DO MÉRITO PESSOAL
Sumário:I – A suspensão de um “Guarda Provisório” do Curso de Formação de Guardas reúne as caraterísticas de uma “medida provisória” (artigo 84.º do CPA), que, no caso, estava sujeita a audiência prévia do interessado, uma vez que não se verificavam quaisquer razões de urgência ou de necessidade de salvaguarda de interesses eventualmente incompatíveis com a audiência prévia.
II – Ainda que venha a ser ouvida antes da decisão final de exclusão do curso, a interessada tem também que ser ouvida previamente à decisão de suspensão do curso, que não constitui um ato “preparatório” da decisão final, mas antes tem pressupostos distintos e é suscetível de provocar “ lesões de interesses autonomamente reparáveis”.
III – As exigências de fundamentação dos atos administrativos podem variar conforme o tipo de ato, a natureza da atividade administrativa em causa e as circunstâncias do caso concreto, desde que sejam suficientes à apreensão do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato.
IV – Encontra-se fundamentada a “Ficha de Avaliação do Mérito Pessoal” que se estriba numa notação numérica, com factores e subfactores apreciados autonomamente e menção expressa do coeficiente e pontuação atribuídos a cada um, a que foi acrescentado um “juízo avaliativo”, contendo os factos determinantes da avaliação negativa nalguns daqueles factores e que, embora não seja exaustiva nem detalhe todas as ocorrências registadas, tece considerações circunstanciadas à pessoa da avaliada e caraterizadoras do seu caso concreto, que permitem a um destinatário normal compreender as razões subjacentes à avaliação.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo, 2.º Juízo, do Tribunal Central Administrativo Sul


I. Relatório
MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA (MAI) vem interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, de 06.05.2014,proferida no âmbito de providência cautelar intentada por A……, com antecipação do juízo sobre a causa principal, na qual foi proferida a seguinte decisão:
I. Declarar a nulidade da decisão de suspensão da autora das actividades de formação do curso de formação de guardas, tomada pelo comandante do centro de formação de Portalegre, por despacho exarado na informação n°08-BE-2012;
II. Anular o despacho do comandante do comando da administração dos recursos internos, da GNR, de 18/9/2012, que excluiu a autora do curso de formação de guardas;
III. Anular a decisão do comandante do batalhão escolar, de 24/6/2013, de atribuir à autora a nota de 7,5 valores na componente do mérito pessoal do bloco II - formação escolar;
IV. Declarar nula a decisão de suspender a autora do curso de formação de guardas, datada de 12/7/2013, do comandante interino do centro de formação de Portalegre;
V. Declarar nulo o despacho de 29/7/2013 do comandante do comando da administração dos recursos internos, da GNR, pelo qual a autora foi definitivamente dispensada da frequência do curso de formação de guardas;
V. Condenar a entidade demandada a reintegrar a autora no curso de formação de guardas até ser proferida nova decisão final;
VI. Caso não pratique novo acto de exclusão com fundamento no artigo 15°, nº1, alínea f), do RCFG, condenar a entidade demandada, no prazo de 60 (sessenta) dias, contados nos termos do artigo 72° do CPTA, a proceder a nova classificação da autora quanto à componente do mérito pessoal do bloco II, devendo, para o efeito:
i) recolher as avaliações dos formadores militares da cadeia de comando do batalhão com a participação de todos os formadores da autora, nos termos do artigo 11°, n°4, do RCFG;
ii) recolher as avaliações dos comandantes das unidades e subunidades onde a autora realizou a formação, nos termos do artigo 11°, n° 5, parte final, conjugado com o artigo 10°, n°5, do RCFG,
iii) fazer constar as avaliações referidas em i) e ii) da fundamentação da nota atribuir à autora, podendo ser feita uma fundamentação por remissão, caso em que deverão estar anexas as referidas avaliações;
iv) o Comandante do Batalhão Escolar classificar a autora na componente do mérito pessoal relativa ao bloco II, fundamentando, através da descrição de factos concretos, isto é, eventos circunstanciados no tempo e no espaço, a atribuição de cada uma das pontuações parcelares em relação a todos os factores de apreciação, descritos no anexo C do RCF, devendo descrever os comportamentos da autora, quer positivos e negativos, que forem valorados para o efeito e
v) convocar o Conselho de Curso para apreciar e validar a classificação atribuída à autora, devendo justificar, no caso de ser atribuída classificação negativa à autora, o não uso da prerrogativa prevista no artigo 21°, n°4, do RCFG.
VII. Caso a classificação atribuída à autora na componente do mérito pessoal relativa ao bloco II seja positiva, condenar a entidade demandada a avaliá-la quanto ao bloco III - formação em exercício, devendo, na classificação a atribuir no mérito pessoal, observar as injunções estabelecidas nos pontos i) a v).
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O Recorrente conclui as suas alegações como se segue:
A. Douta sentença recorrida labora em erro de facto e de direito.
B. Porquanto a decisão de suspensão, consubstanciada no despacho do Comandante do Centro de Formação de Portalegre, de 15/05/2012, não padece do vício que lhe é assacado, (falta de audiência prévia) pois, conforme demonstrado supra, a sua conformidade legal não se encontra dependente da audição prévia da A. a qual apenas e legalmente exigida - e lhe foi assegurada - ames da prolação da decisão final de eliminação do curso;
C. Mas ainda que assim não se entenda sempre se dirá que nunca teria ocorrido o efeito invalidante da omissão da audiência prévia, como tem vindo a sustentar a jurisprudência do STA, quanto à questão assinalada. Cite-se, a titulo meramente exemplificativo, o Ac. da 2.ª Secção, de 10-11-2010, Proc. nº 0671/10, onde se conclui: "(...) A preterição da formalidade que constitui o facto de não ter sido assegurado o exercício do direito de audiência só pode considerar-se não essencial se se demonstrar que, mesmo sem ela ter sido cumprida, a decisão final do procedimento não poderia ter sido diferente (…)”;
D. Improcede igualmente o alegado vício de falta de fundamentação da decisão de suspensão, uma vez que a A. foi apanhada em flagrante, em plena execução da prova escara de Informações, a ocultar, na sua mão esquerda, um meio auxiliar ilícito, vulgo cábula, o que determinou a sua interpelação e informação de que tal comportamento iria determinar a elaboração de participação da ocorrência;
E. Assim, atendendo à indiscutível verificação de tentativa de fraude por parte da A., de acordo com o já citado nº 2 do artigo 15º do RCFG, a mesma foi imediatamente suspensa sendo a fundamentação de tal suspensão decorrente da verificação - que a A, não desconhece – da alínea f) do nº1 do artigo 15º do RCFG, pelo que nunca a presente decisão se pode considerar não fundamentada;
F. Por último resulta sobejamente provado no procedimento em apreço que a A. sempre demonstrou perfeito conhecimento do iter cognoscitivo subjacente à decisão de suspensão;
G. No entanto, ainda que assim não se entendesse — e sem conceder — sempre se dirá que a A. viu satisfeita a sua pretensão através do despacho de 24/04/2013, do Comandante-Geral, exarado na Informação n°26/GC, de 24/04/2013;
H. Daí que, e uma vez que a pretensão da A. foi satisfeita, as decisões vertidas nos pontos I e II da Douta Sentença são inócuas.
I. Constata-se da Douta sentença recorrida que a aferição da validade dos despachos proferidos em 12/07/2013 pelo Comandante Interino do Centro de Formação de Portalegre, (que suspendeu a A. do CFG já terminado, impedindo-a de realizar o compromisso de honra) e em 29/07/2013 pelo Comandante do CARI/GNR (que a dispensou do CFG por falta de aproveitamento) se encontra dependente da determinação da validade do ato administrativo consubstanciado na ficha de avaliação e juízo ampliativo de 24/06/2013 do Comandante do Batalhão Escolar;
J. Do conteúdo da jurisprudência invocada, aplicável, com as devidas adaptações ao caso em apreço, outra conclusão não se pode retirar que não seja a de que a avaliação que foi feita à A. se encontra devidamente fundamentada, não padecendo a mesma de qualquer erro grosseiro que pudesse levara intervenção do Tribunal a quo;
K. Consequentemente, não padecendo ato administrativo, consubstanciado na ficha de avaliação e juízo ampliativo de 24/06/2013 do Comandante do Batalhão Escolar, do vício de falta de fundamentação que lhe é imputado, válidos serão também os despachos proferidos em 12/07/2013 pelo Comandante Interino do Centro de Formação de Portalegre e cm 29/07/2013 pelo Comandante do CARI/GNR.
L. Por último, e no que à condenação de reintegração da A. no CFG até ser proferida decisão final, não se vislumbra de que forma tal possa ser concretizado uma vez que a A. foi reintegrada e frequentou, na totalidade o CFG, não tendo, contudo obtido aproveitamento.
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A Recorrida contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.
Com dispensa de vistos prévios, dada a natureza urgente do processo (que se mantém, não obstante a antecipação do juízo sobre a causa principal), cumpre apreciar e decidir.
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II. Delimitação do objeto do recurso
Antes de mais, cumpre delimitar com precisão as questões colocadas no presente recurso, o que também implica saber qual a parte da decisão recorrida que o Recorrente impugna, tarefa que não é facilitada, nem pelo teor das alegações do Recorrente, nem pela complexidade do segmento decisório da decisão recorrida.
Não obstante, resulta do corpo das alegações e das respetivas conclusões – cfr. alíneas B) a G) e J) e K)– que o Recorrente apenas contesta diretamente parte das pronúncias contidas na decisão recorrida, concretamente, as referentes à declaração de nulidade da decisão de suspensão das atividades de formação (ponto I. do segmento decisório da sentença recorrida) e à anulação da decisão do comandante do batalhão escolar, de 24/06/2013, relativa à atribuição de nota à autora (ponto III. do segmento decisório). Mais invoca o Recorrente que as decisões tomadas nos pontos IV e V. (primeiro “V)” na enumeração da sentença recorrida) do segmento decisório da sentença, relativas à invalidade dos despachos de 12.07.2013 e de 29.07.2013, estão dependentes da invalidade daquela primeira decisão e devem, por isso decair, com o decaimento desta (cfr. alínea I) e K) das conclusões).
Assim, não se mostra atacada a decisão de anulação do despacho do comandante que excluiu a autora do curso de formação de guardas, contida no ponto II do segmento decisório, sobre a qual o Recorrente se limita a invocar que é uma decisão “inócua”(conjuntamente com o decidido em I.) – cfr. conclusão H) das alegações de recurso.
Da mesma forma, não são especificamente atacadas as pronúncias condenatórias vertidas nos pontos V (segundo “V)” na enumeração da sentença recorrida) a VII do segmento decisório, sobre as quais o Recorrente se limita a alegar que “não se vislumbra em que medida possa ser concretizada a condenação de reintegração da Autora no curso, uma vez que a Autora foi reintegrada e frequentou, na totalidade, tal curso, não tendo, contudo, obtido aproveitamento”. Por isso, não cabe apreciar a validade do decidido em primeira instância a este respeito, sem prejuízo de tais decisões condenatórias estarem (logicamente) dependentes da decisão final que venha a ser proferida quanto à pronúncia sobre a invalidade dos atos impugnados, nos termos em que vem questionada no presente recurso.
Assim, o objeto do recurso – tal como delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente (cfr. artigo 635.º/3/4 CPC/2013 ex vi artigo 140.º CPTA, com as necessárias adaptações) – compreende as seguintes questões:
a) Quanto à declaração de nulidade da decisão de suspensão da Autora /Recorrida das atividades de formação do curso de formação de guardas:
i. Saber se a decisão de suspensão podia, ou não, ter sido tomada sem a audiência prévia da interessada e, caso se conclua pela necessidade de audiência prévia, saber se a sua omissão tinha efeito invalidante no caso concreto ou se sempre seria insuscetível de alterar o sentido da decisão;
ii. Saber se a referida decisão de suspensão padece de vício de falta de fundamentação ou se tal fundamentação era desnecessária, por a Autora/Recorrida ter sido apanhada em flagrante e/ou por a Autora sempre ter tido conhecimento do itercognitivo subjacente à decisão de suspensão ou, ainda, por tal fundamentação ter sido posteriormente aduzida no despacho de 24.04.2013;
b) Quanto à anulação da decisão do Comandante do Batalhão Escolar, de 24.06.2013, de atribuição da nota de 7,5 valores na componente do mérito pessoal:
i. Saber se tal decisão cumpre as exigências de fundamentação, com a consequente validade dos despachos proferidos em 12.07.2013, pelo Comandante Interino do Centro de Formação de Portalegre, e em 29.07.2013, pelo Comandante do CARI/GNR.
Finalmente, cumpre notar que, não obstante ter sido proferida decisão final de exclusão, cuja validade não é objeto do presente recurso e terem ocorrido factos posteriores, nomeadamente a reintegração e posterior dispensa da Autora/Recorrida, mantém utilidade o conhecimento daquelas primeiras questões, relativas à validade da anterior decisão de suspensão (cuja inutilidade, aliás, não foi arguida), dada a sua eventual relevância para efeitos indemnizatórios.
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III. Factos
A matéria de facto pertinente é a que consta da sentença recorrida, para a qual se remete, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 663.º/6 do CPC/2013 ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA.
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IV. Direito
a) Declaração de nulidade da decisão de suspensão do curso de formação de guardas– preterição de audiência prévia
De relevante para a questão em análise ficou provado, nomeadamente, o seguinte (cfr. pontos 2), 5) a 8), 11), 13)e 14)da matéria de facto elencada na decisão recorrida):
− Em 11/5/2012, D……, subscreveu um documento designado por "Participação", do qual constava, além do mais, que o participante verificou que durante a execução da prova escrita de “Informações” a Alistada A…… “ocultava na sua mão esquerda um papel com algumas inscrições” e que “de imediato foi interrompida a prova da Alistada recolhido o meio auxiliar ilícito (...) e informada a Alistada de que seria elaborada participação da ocorrência (...) mantendo-se a visada no interior da sala até ao fim do tempo previsto para a respetiva prova”.
− Em 15/5/2012, N……, invocando a qualidade de Comandante do Batalhão escolar, em substituição, elaborou a informação n°08-BE-2012, (…) da qual consta o seguinte:
«(...)4. A Guarda Provisória A……, encontra-se a realizar o Teste de Informações, na Sala nº.., do Centro de Formação de Portalegre (CFP), encontrando-se nomeados Fiscalizadores da Prova, nessa mesma Sala, o Aspirante de Cavalaria …… – D…… e o Furriel de Infantaria …… – A…….
5. No decurso da referida prova de avaliação, pelas 09H05, o Furriel A……, verificou que a Guarda Provisória A…… ocultava na sua mão esquerda um papel com algumas inscrições. Quando abordada pelo Aspirante D…… e questionada sobre o que ocultava na já referida mão, a Guarda Provisória A……. de pronto a abriu, constatando-se ser um meio auxiliar ilícito e fraudulento, que se junta em anexo à presente informação.
(...)II PROPOSTA
1. Assente nos factos anteriormente expostos, propõe-se que a Guarda Provisória Nºs …/…….- A……, do ..º Pelotão, da ..ª Companhia, seja eliminada do Curso de Formação de Guardas 2012, nos termos do nº1, do Artigo 14º ”Fraude”, do Regulamento Geral de Avaliação da Formação da Guarda conjugado com a alínea f), do nº1, do Artº15º -“Eliminação do Curso”, do Regulamento do Curso de Formação de Guardas 2012.….
2. Não sendo merecedora da confiança dos seus Comandantes para continuar a frequentar o presente curso, propõe-se ainda nos termos do nº 2, do Artigo 15º-“Eliminação do Curso”, a suspensão imediata das actividades de formação, ficando a aguardar no seu domicilio pela decisão sobre a proposta de eliminação, do Exmo General Comandante – Geral da Guarda.(…)».
− O Comandante do Centro de Formação de Portalegre, C……, exarou na informação descrita no ponto anterior o seguinte parecer:«Todos os alistados são constantemente alertados para as consequências relativas a "cábulas", pelo que concordo com a informação do Cmdt. de Batalhão.».
− Em 15/5/2012, a autora assinou um documento, designado por "Notificação", do qual consta o seguinte:
«Coronel da Infantaria C…… Comandante do Centro de Formação de Portalegre: da Escola da Guarda Nacional Republicana. NOTIFICO a Guarda Provisória nº …….- A……., de que, foi proposta para ser eliminada do Curso de Formação de Guardas 2012, nos termos do disposto na alínea f) do nº1 do Artº 15º do Regulamento do Curso de Formação de Guardas, aprovado pelo Despacho Nº 05/12-OG de 17 de janeiro de 2012 do Exmo. General Comandante-Geral da Guarda Nacional Republicana.
Nesta data é suspensa das actividades de formação do CFG 2012 e aguarda no seu domicílio, nos termos do nº 2, conjugado com o nº3, ambos do Artº15º do referido Regulamento, a decisão de eliminação.
No ato da notificação foi-lhe entregue cópia da mesma.(...)»;
− Antes da decisão descrita no ponto anterior a autora não foi ouvida.
− Em 20.08.2012, o mandatário da Autora foi notificado, nos termos e para os efeitos do artigo 101.º do CPA, da citada Informação n.º 08-BE-2012 da Escola da Guarda – Centro de Formação de Portalegre.
− Em 18.09.2012, o Major-General, Comandante do Comando da Administração dos Recursos Internos da GNR exarou despacho de concordância com a Informação n.º 00367/CARI/GAJ, na qual se propunha, além do mais, a eliminação da Guarda Provisória A…… do Curso de Formação de Guardas.
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O artigo 15.º do Regulamento do Curso de Formação de Guardas (RCFG, aprovado pelo Despacho n.º 05/12-OG do Comandante da GNR), na parte que aqui interessa, tem a seguinte redação:
1. Os GProv [Guardas Provisórios] são eliminados do Curso, por despacho do CGC, pelos seguintes motivos: (...)
f) No caso de ocorrência de fraude ou tentativa desta de acordo com o disposto no Regulamento Geral de Avaliação da Formação na Guarda.
2. Em qualquer uma das circunstâncias eliminatórias previstas no número anterior, o GProv é imediatamente suspenso das actividades de formação, sem a possibilidade de continuar a frequentar o estabelecimento de ensino, ficando a aguardar a decisão sobre a proposta de eliminação.
A decisão recorrida interpretou o disposto neste artigo 15.º do RCFG no sentido de considerar que a natureza provisória da medida (de suspensão) prevista no seu n.º 2 não afasta a exigência de audiência prévia, em síntese, porque tal medida provisória se insere num procedimento de caráter sancionatório (que prevê a eliminação do curso como sanção para os guardas formandos que adotarem condutas infratoras) e a norma em causa deve ser interpretada sistematicamente e em conformidade com o disposto no artigo 32.º/10 da CRP, que assegura ao arguido em “quaisquer processos sancionatórios”, os direitos de “audiência e defesa”, daí retirando que, nos procedimentos sancionatórios, o direito de audiência prévia é elevado a garantia fundamental. Além disso, rebatendo o argumento de que este artigo 15.º determina exlege a suspensão do guarda provisório, considerou que as normas do citado artigo 15.º/1-f/2 não podem ser interpretadas como impondo a suspensão dos guardas provisórios, sob pena de violação do disposto nos artigos 18.º/2 e 47.º/2 da CRP, pois o direito de audiência prévia justifica-se neste caso “porque a medida preventiva de suspensão constitui uma ingerência grave na esfera jurídica do destinatário, ao qual deve ser dada a oportunidade de se pronunciar no sentido de demonstrar a injustiça da mesma ou a desnecessidade de ser objeto de tal medida”, só podendo ser aplicada a suspensão provisória aqui prevista quanto for “adequada, exigível e proporcional strictosensu para acautelar os interesses que o procedimento principal visa assegurar, o que implica que a administração efetue fundamentadamente um juízo de ponderação [entre o interesse público tendente a apurar a existência ou tentativa de fraude e o interesse do guarda provisório em não ver a sua formação prejudicada, uma vez que o curso de formação é obrigatório para poder exercer as funções de militar da GNR”.
Com base nesta interpretação das normas do artigo 15.º/1-f/2 do RCFG, concluiu a decisão recorrida pela nulidade da decisão de suspensão da Autora/Recorrida do Curso de Formação de Guardas/2012 (tomada pelo comandante do centro de formação de Portalegre, por despacho de 15.05.2012, exarado na Informação n.º 08-BE-2012), por “colocar em causa o conteúdo essencial da garantia de audiência prévia em processo sancionatório”.
O Recorrente alega que a decisão de suspensão não carecia de audiência prévia da interessada, a qual só é legalmente exigida – e no caso foi assegurada – antes da decisão final de eliminação do curso. Mais invoca que, ainda que assim se não entendesse, a falta de audiência prévia não tinha efeito invalidante porque, no caso, mesmo que tivesse sido assegurado o direito de audiência, a decisão tomada (suspensão) não poderia ter sido diferente.
Sem razão porém.
Como bem se argumenta na decisão recorrida, o procedimento administrativo aqui em causa tem natureza sancionatória (visa a aplicação de sanções na sequência da prática de infrações, tipificadas no Regulamento do Curso de Formação de Guardas), pelo que está sujeito à diretriz constitucional vertida no artigo 32.º/10 da CRP, que também conforma a interpretação das demais normas infraconstitucionais aplicáveis ao caso.
Contudo, o núcleo da questão ora colocada pelo Recorrente é outro: é saber se tal garantia de audiência e defesa tem que ser assegurada (também) perante uma decisão provisória ou se é suficiente que o arguido seja previamente ouvido sobre o sentido da decisão final do procedimento. Precisamente, no caso em apreço, ficou provado que a Recorrida não foi ouvida antes de lhe ser notificada a decisão de suspensão imediata do curso, mas foi-lhe concedida audiência prévia sobre a decisão final de exclusão do Curso de Formação de Guardas.
A decisão de suspensão prevista no citado artigo 15.º do RCFG reúne as caraterísticas de uma “medida provisória”, uma vez que consiste numa medida adoptada antes da decisão final do procedimento e cuja adoção se mostra necessária por haver “justo receio de, sem tais medidas, se produzir lesão grave ou de difícil reparação dos interesses públicos em causa” (cfr. artigo 84.º do CPA).
Para responder à questão de saber se a aplicação de tal medida provisória de suspensão exige, ou não, a prévia audiência do interessado, é determinante perceber a natureza e alcance das “medidas provisórias”.
Na linha do ensinamento de M. Esteves de Oliveira/ Pedro Gonçalves/ Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo, 2.ª ed., Almedina, 1997, 400 e s., cumpre lembrar que as medidas provisórias não constituem um ato “preparatório” ou um “pressuposto” da decisão final do procedimento, nem fazem refletir a totalidade dos seus efeitos sobre esse ato. As medidas provisórias assentam numa ideia de “precaução” e de “cautela”, visando evitar dificuldades ou custos acrescidos quanto à plena eficácia e operatividade da decisão final ou evitar a perturbação dos interesses públicos implicados no desenvolvimento da tramitação, e a sua vigência está abinitio limitada no tempo. Assim, as medidas provisórias consubstanciam atos autónomos, que geram um “incidente autónomo”(ou subprocedimento) no desenvolvimento do procedimento e que, por si só, são suscetíveis “de provocar, direta e imediatamente, lesões de interesses autonomamente reparáveis” (na expressão dos autores citados).
Em geral, as medidas provisórias caraterizam-se também por terem natureza urgente e implicarem um procedimento simplificado e mais ou menos informal e é, precisamente, em razão da especialidade deste seu regime que podem ficar (e muitas vezes ficam) excluídas do âmbito de aplicação da audiência de interessados, nos termos previstos no artigo 103.º/1-a) e b) do CPA. Veja-se, a título de exemplo, o Acórdão do STA, de 27.09.2001, P. 041529, onde se decidiu que o encerramento de estabelecimento de diversão, com fundamento de que é factor de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, determinado por despacho em que se convida o respectivo proprietário a pronunciar-se, em determinado prazo, é uma medida provisória, que, pela sua própria natureza cautelar, não depende de prévia audiência dos interessados. Em anotação ao citado artigo 103.º, Esteves de Oliveira/ Pedro Gonçalves/ Pacheco de Amorim, ob cit., 463, sublinham que os procedimentos sancionatórios não podem passar sem audiência, mas admitem que aí haja lugar à adopção de medidas cautelares ou provisórias, sem “sacrificar interesses daquela monta”.Ainda sobre as medidas provisórias previstas no artigo 84.º do CPA, tem sido reconhecido que o particular afetado por uma medida provisória deve ser ouvido, como princípio de boa administração, sempre que tal não frustre o sentido útil da medida (neste sentido Pedro Machete, A Audiência dos Interessados no Procedimento Administrativo, Universidade Católica Editora, 1996, 439).
Em síntese, diríamos o seguinte: por um lado, as medidas provisórias (artigo 84.º do CPA) correspondem a casos frequentes de inexistência de audiência de interessados (artigo 103.º/1 CPA); mas, por outro, a mera natureza provisória ou cautelar da medida não pode ditar automaticamente a não exigência de audiência prévia,a qual sempre se terá que fundamentar na verificação, em concreto, de uma das situações para as quais se prevê a inexistência dessa audiência (nomeadamente, a urgência ou a previsão de que tal diligência comprometerá a utilidade ou eficácia da medida provisória). Por maioria de razão, no âmbito de procedimentos sancionatórios, o afastamento da audiência prévia carece de fundamentação acrescida, que possa justificar a compressão dos direitos do arguido perante a tomada de uma medida cautelar ou provisória.
No caso em apreço, pode dizer-se que a medida provisória de suspensão, prevista no artigo 15.º do RGFG, visa essencialmente acautelar a perturbação no funcionamento do curso e assegurar o integral cumprimento das regras do mesmo até à decisão final sobre o infrator, que se prevê possa ser de exclusão do curso. Perante a gravidade da infração detetada, a norma procede a uma ponderação em abstrato, no sentido da necessidade de tal medida sempre que as infrações aí tipificadas sejam detetadas.
Não estando aqui em causa a bondade desta ponderação em abstrato, sem possibilidade de mediação casuística, o que importa reter é que a natureza provisória desta medida de suspensão não afasta, por si, a audiência prévia do interessado. Ora, no caso vertente, não vêm alegadas quaisquer razões de urgência ou de necessidade de salvaguarda de interesses eventualmente incompatíveis com a audiência prévia. Pelo contrário, verifica-se que entre a notícia da infração (no decurso do exame realizado em 11.05.2012) e a notificação à Recorrida da decisão de suspensão (ocorrida em 15.05.2012), mediaram quatro dias, durante os quais decorreu um procedimento mais ou menos formalizado, que inclui a elaboração de uma informação/participação, com proposta de decisão, sobre a qual foi exarado o despacho a determinar a suspensão.
Nestas circunstâncias, que não se enquadram em qualquer das situações previstas no artigo 103.º do CPA, não se vislumbra qualquer fundamento válido para afastar a audiência prévia da interessada. Além disso, tal audiência não seria inútil ou desnecessária, pois ao garantir à Recorrida o seu direito de audiência e defesa, ter-lhe-ia permitido, por exemplo, questionar a verificação dos pressupostos de facto e/ou de direito em que se baseou a aplicação de tal medida provisória.
Contrariamente ao defendido pelo Recorrente, a circunstância de a Recorrida ter sido ouvida previamente à decisão final de exclusão do curso não afasta a necessidade de a mesma ser também ouvida previamente à aplicação da anterior medida provisória de suspensão do curso. Pois, como referido, a decisão de suspensão (medida provisória) e a decisão final de exclusão são atos diversos, com pressupostos distintos e efeitos autónomos.
Também não colhe o argumento do Recorrente no sentido de tal audiência ser “desnecessária” por não ser suscetível de modificar o sentido da decisão. Pelo contrário, não pode deixar de se admitir que, em sede de audiência, a visada pudesse vir a demonstrar a não verificação dos pressupostos da decisão de suspensão ou a sua desnecessidade.

Pelo que o recurso improcede, nesta parte, devendo ser confirmada a decisão de declaração de nulidade da decisão de suspensão, por preterição da garantia fundamental de audiência e defesa (artigos 32.º/10 da CRP e 133.º/2-d) do CPA).
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a) Declaração de nulidade da decisão de suspensão do curso de formação de guardas – falta de fundamentação
A decisão recorrida entendeu, ainda, que a decisão de suspensão da Autora deve ser anulada por falta de fundamentação, em suma, por considerar insuficiente que a entidade demandada tivesse informado a interessada da proposta de exclusão, sem aduzir quaisquer razões para sustentar a adoção da medida provisória prevista no n.º 2 do artigo 15.º do RCFG.
O Recorrente contrapõe que a Autora foi apanhada em flagrante, em plena execução da prova, a ocultar um meio auxiliar ilícito (vulgarmente designado “cábula”), o que determinou a sua interpelação e informação de que tal comportamento iria determinar a elaboração de participação da ocorrência e, além disso, considera que, no limite, a fundamentação do ato foi posteriormente aduzida no despacho de 24.04.2013
Assiste razão ao Recorrente, embora não pelas razões invocadas.
Na verdade, resulta dos factos provados que a decisão de suspensão foi exarada sobre a Informação n.º 08-BE-2012, na qual se faz uma descrição dos factos que lhe eram imputados, ocorridos durante a realização do Teste de Informação, durante o qual o agente aí identificado verificou que a Recorrida “ocultava na sua mão esquerda um papel com algumas inscrição” e constatou ser um “meio auxiliar ilícito e fraudulento”, o qual foi anexado à referida Informação e, na sequência dos factos descritos, se propõe, para além da sua eliminação do Curso de Formação de Guardas, a sua suspensão imediata nos seguintes termos: “2. Não sendo merecedora da confiança dos seus Comandantes para continuar a frequentar o presente curso, propõe-se ainda nos termos do nº 2, do Artigo 15º -“Eliminação do Curso”, a suspensão imediata das atividades de formação, ficando a aguardar no seu domicilio pela decisão sobre a proposta de eliminação, do Exmo General Comandante – Geral da Guarda. (…)”.
A fundamentação do ato administrativo consiste em “deduzir expressamente a resolução tomada das premissas em que assenta ou em exprimir os motivos porque se resolve de uma maneira e não de outra” (nas palavras do Acórdão do TCAS, de 02.02.2012, P. 06685/10).
Seguindo de perto Vieira de Andrade, O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, Almedina, 2003, 232 e s., dir-se-á que a fundamentação, enquanto “discurso justificativo” da decisão tomada, deve ser “clara, congruente e suficiente”, ou seja, deve identificar, sem formulações dubitativas, ambíguas ou obscuras, as razões de facto e/ou de direito da decisão (clareza); deve basear-se num processo lógico coerente e sensato (congruência); e deve conter os elementos bastantes, capazes ou aptos a basear a decisão (suficiência).
Contudo, a necessidade de fundamentação não se confunde com a validade ou bondade dos fundamentos, pois “a exigência de fundamentação diz respeito ao modo de exteriorização formal do ato administrativo e não à validade substancial do respectivo conteúdo ou pressupostos, sendo relevante o esclarecimento das razões da decisão, no sentido da sua determinabilidade e não no sentido da sua indiscutibilidade substancial ou da sua convincência” (cfr. Acórdão do STA, de 04.07.2002, P.0616/02).
No caso em apreço, a sentença recorrida parece ter desvalorizado o ponto 2. (acima transcrito) da proposta de decisão contida na Informação n.º 08-BE-2012, datada de 15.05.2012, que propõe expressamente à decisão de suspensão e que, conjugado com o teor integral da referida Informação, consubstancia a exteriorização, de forma inteligível, coerente e suficiente, ainda que sumária, dos elementos de facto e de direito que determinaram a decisão de suspensão. Na verdade, é claro e inteligível que foi decidido suspender a Recorrida na sequência de a mesma ter sido apanhada em “flagrante”, utilizando “material auxiliar ilícito” num determinado exame do Curso de Formação de Guardas e que, em consequência, a Recorrida deixou de ser “merecedora da confiança dos seus Comandantes para continuar a frequentar o curso” e ainda que foi elaborada proposta de eliminação da Recorrida, devendo, nas circunstâncias descritas, aquela aguardar tal decisão “no seu domicílio”, mais se invocando que a decisão de suspensão se baseia no disposto no artigo 15.º/2 do RCFG.Esta fundamentação, mesmo se sumária, é suficiente para permitir a um destinatário normal perceber as razões, de facto e de direito, que determinaram a decisão de suspensão da Autora/Recorrida.
Da matéria de facto provada e dos elementos documentais carreados aos autos (designadamente do documento de fls. 29, vol. 2, do processo administrativo apenso, a que se refere o ponto 7) dos factos provados), não resulta inequívoco se tal Informação n.º 08-BE-2012 foi notificada concomitantemente com a decisão de suspensão (notificada em 15.05.2012 à Autora/Recorrida, com “cópia da mesma” – cfr. ponto 7) dos factos provados) sendo apenas certo que tal Informação foi notificada ao mandatário da Autora em 20.08.2012 (cfr. ponto 11) dos factos provados).
Contudo, ainda que a referida Informação n.º 08-BE-2012 não tenha acompanhado a notificação da decisão de suspensão, tal corresponderá a uma situação de falta de notificação e não de falta de fundamentação do ato. Foi sobre a referida Informação n.º 08-BE-2012, na qual se propunha, além do mais, a suspensão da Autora/Recorrida, que o Comandante do Centro de Formação de Portalegre exarou despacho de concordância com a referida Informação do Comandante de Batalhão (como resulta inequívoco dos pontos 5) e 6) dos factos provados). Ou seja, a decisão de suspensão do Comandante do Centro de Formação de Portalegre fundamentou-se na citada Informação n.º 08-BE-2012.
Assim, ainda que tenha ocorrido falta de notificação da fundamentação do ato de suspensão (por eventualmente a notificação do ato de suspensão não ter sido acompanhada de cópia integral da referida Informação n.º 08-BE-2012), ainda assim tal circunstância seria insuscetível de invalidar a decisão de suspensão com base em falta de fundamentação (que, como vimos, não se verificou), apenas podendo determinar a sua eventual ineficácia: neste sentido v. o artigo 60.º do CPA e, entre muitos outros, oAcórdão do STA, de 21.01.2003, P.044491, onde se conclui que o “ato administrativo e o ato da sua notificação são realidades diferentes, sendo que as irregularidades desta, designadamente a omissão da notificação da fundamentação do ato, não atingem a validade deste”.
Pelo que, sem necessidade de apreciar os demais argumentos invocados pelo Recorrente, se conclui pela não verificação do vício (formal) de falta de fundamentação da decisão de suspensão, com a consequente procedência do recurso nesta parte.
*
b) Anulação da decisão do Comandante do Batalhão Escolar, de 24.06.2013 – falta de fundamentação
A sentença sob recurso anulou, também com fundamento em vício de falta de fundamentação, a decisão do Comandante do Batalhão Escolar, de 24.06.2013, de atribuir à Autora/Recorrida a nota de 7,5 valores na componente do mérito pessoal do Bloco II – formação escolar.
Para o efeito, a sentença recorrida (cfr. ponto F.–v) da sentença) começa por salientar que o Comandante do Batalhão Escolar, ao formular um juízo sobre o mérito pessoal do guarda provisório, dispõe de uma ampla margem na pontuação de cada um dos factos da grelha de avaliação e que os poderes de fiscalização do tribunal não implicam o reexame da decisão, mas sim o controlo do respeito pelos deveres e princípios jurídicos fundamentais, entre os quais avulta o dever de fundamentação, que é especialmente agravada em áreas, como esta, de ampla margem de conformação administrativa. Conclui a decisão recorrida que o ato avaliativo aqui em causa padece de falta de fundamentação, pelas seguintes razões, no essencial: primeiro, porque o juízo ampliativo apenas menciona um único facto concreto (circunstanciado no espaço e no tempo), correspondente à tentativa de fraude, para fundamentar a atribuição de notas negativas aos factores “integridade de carácter”, “espírito de disciplina”, “sentido de responsabilidade” e “sentido de dever”, além de que a mera remissão para a Informação n.º 8-BE-2012 é insuficiente para sustentar uma conclusão pela avaliação negativa da Autora/Recorrida; segundo, porque o juízo ampliativo assenta em afirmações conclusivas, nomeadamente que a Autora “perdeu o respeito e consideração dos militares que a rodeiam”, o que corresponde a reproduzir a fórmula que consta do apêndice 2, como relevando para o fator 03 e não para o fator 05; terceiro, o juízo ampliativo aponta diversas falhas à Autora, mas fica-se sem saber quantas e quais falhas foram registadas, não se descrevendo os comportamentos que suportam as alegadas falhas, nem as tarefas em que tais falhas se revelaram, nem se identificam as pessoas que repreenderam/corrigiram a Autora pelo seu comportamento; quarto, porque o juízo ampliativo indicia um défice de ponderação de factores relevantes, na medida em que apenas descreve aspetos negativos, nada se referindo quanto aos aspetos positivos que levaram a que fosse atribuída uma pontuação positiva em 15 dos 20 fatores a pontuar e sendo certo que a atribuição de classificações negativas aos fatores “integridade de caráter”, “espírito de disciplina”, “sentido de responsabilidade” e “sentido de dever” não determina inexoravelmente a atribuição de uma nota negativa na avaliação do mérito pessoal. Finalmente, a sentença recorrida apontauma deficiência de fundamentação, resultante do facto de apenas se referir que foi “reunida, analisada e discutida a informação com os Comandantes de Pelotão e Companhia”, mas nada constar quanto às apreciações destes, quando o artigo 11.º/5 do RCFG determina que a avaliação final de mérito pessoal contempla as apreciações dos comandantes das unidades e subunidades onde o guarda provisório realiza a formação.
O ato administrativo consubstanciado na ficha de avaliação e juízo ampliativo, de 24.06.2013, do Comandante do Batalhão Escolar, encontra-se descrito no ponto 34) dos factos provados, com o seguinte teor:
34) Em 24/6/2013 o Comandante do Batalhão Escolar, do Comando de Doutrina e Formação da Escola da Guarda, Major M……, elaborou o documento designado por "Ficha de Avaliação de Mérito Pessoal", da qual consta o seguinte:
«(…) 2. ELEMENTOS DE IDENTIFICAÇÃO DO FORMANDO
Nome: A……
Companhia: .. Pelotão .. Turma Ordem: …
3. CLASSIFICAÇÃO DAS QUALIDADES
3. CLASSIFICAÇÃO DAS QUALIDADES
QUALIDADES Coef
- a -
PONTUAÇÃO (Níveis)
-b-
Total
(a x b)
1
2
3
4
5
FÍSICAS 01-Resitência à fadiga

02-Desembaraço físico
1

1
3

3
3

3

MORAIS



E


SOCIAIS
03- Integridade de caracter
3
1
3
04- Determinação
1
3
3
05- Espirito de camaradagem
1
2
2
06- Espirito de disciplina
2
2
4
07- Senso e ponderação
2
3
5
08- Educação e sociabilidade
1
3
3
09- Apresentação e Aprumo
1
3
3
10- Capacidade intelectual
1
3
3
11- Nível cultural
1
3
3
12- Expressão oral
2
3
5
13- Expressão escrita
1
3
3
14- Poder de síntese
1
3
3
15- Capacidade de trabalho
3
3
5
16- Sentido de responsabilidade
2
1
2
17- Autoconfiança e autodomínio
2
3
2
18- Dinamismo
1
3
3
19- Sentido de dever
2
2
4
20- Espirito de sacrifício
1
3
3
SOMA (1)
30
SOMA (1)
75
Classificação [(Soma 2/Soma 1) x5] - 5
7,50
A classificação resulta da conversão de Níveis (1 a 5) para a escala (0 a 20)

“JUÍZO AMPLIATIVO
Ouvidos todos os graduados que colaboraram na instrução da Guarda Provisória nº151 A….., reunida, analisada e discutida informação com os Comandantes de Pelotão e Companhia está o Comandante de Batalhão Escolar em condições de com justiça, atribuir a avaliação de Mérito Pessoal desta Guarda Provisória, referente ao Bloco II, Formação Escolar, tempestivamente interrompido por factos imputados a ora avaliada. Neste período demonstrou nas ações quotidianos do pelotão frequente falta de vitalidade e energia, associada à pouca iniciativa e disponibilidade que implicaram repelidas correções por parte dos graduados do Pelotão. Foram registadas no percurso escolar reiteradas falhas relacionadas com a prontidão nas respostas dadas às solicitações, determinação e persistência. Demostrou falta de dedicação no cumprimento das suas tarefas, executando as ordens emanadas dos seus superiores com muita falta de correção e racionalidade e sem preocupação com a sua atitude. A falta de empenhamento e entrega são características negativas reiteradamente identificadas nesta alistada. A Guarda Provisória A…… foi sempre corrigida e incentivada a melhorar, o que nem sempre acolheu com motivação, levando por vezes ao esmorecimento perante ao exigências físicas e/ou técnico-tácticas. Aquando das solicitações ao pelotão, raras vezes demonstrou voluntariedade e confiança para assumir e liderar as missões, preferindo na maioria dos casos refugiar-se no desempenho do grupo. Foi corrigida por diversas vezes por falhas relacionadas com postura e atavio em formaturas militares. Esses comportamentos e atitudes, reiteradamente praticados, apesar de corrigidos colocam a Guarda Provisória A…… num nível baixo de Mérito Pessoal, (também expresso na avaliação de Mérito Pessoal da Formação Geral Militar - 10,5 valores) considerando os factos em termos absolutos e no global do seu Pelotão e do Curso. Com o comportamento perpetrado em 11 de maio de 2013 (Informação nº8-BE-2012, de 15 de maio), através da "fraude" no teste da unidade curricular de Informações a a Guarda Provisória A…… comprovou a avaliação baixa que lhe vinha sendo feita e penalizou-a grosseiramente, nos termos em que violou normas regulamentares e feriu os valores basilares da instituição militar, condição sine quo nom para ser soldado da lei. Este ato exige elevada censurabilidade moral, pois a Guarda Provisória A…… manifestou falta de lealdade para com os seus instrutores e camaradas, foi desonesta e perdeu a consideração e respeito dos militares que a rodeiam. Denotou fraca integridade de caracter e consideração pela instituição militar e pela cadeia de Comando, que tentou ludibriar. A falta de sentido de responsabilidade e do dever manifestadas em diversos momentos do Curso ficaram evidenciados neste comportamento de 11 de maio de 2012. Como noutras situações, também com este comportamento demonstrou fraca racionalidade e bom senso, agindo sem ponderar e reflectir sobre a gravidade da fraude ou da tentativa de fraude, facto expresso em diversos regulamentos distribuídos e repetidos em cada sala e em cas avaliação aquando da leitura das regras pontuais para cada prova, não hesitou e de forma premeditada demonstrou total desprezo pelas orientações superiores e fraco sentido de disciplina. Esta Guarda Provisória destacou-se repetidamente pela negativa e não deu provas de poder vir a ser militar e agente de autoridade disciplinado, competente, digno e respeitável, violando grosseiramente os princípios e valores institucionais e militares, nomeadamente os da lealdade e honestidade pelo que não a desejo sob o me comando no futuro da Guarda e lhe atribuiu, nos termos da competência do Comandante de Batalhão Escolar, com justiça e consciência a avaliação de Mérito Pessoal negativa.
O Recorrente alega que, contrariamente ao decidido, este ato administrativo encontra-se devidamente fundamentado, não padecendo de qualquer erro grosseiro que pudesse levar à intervenção do tribunal a quo. Mais invoca que, não padecendo tal ato do vício de falta de fundamentação, são também válidos os despachos proferidos em 12.07.2013, pelo Comandante Interino do Centro de Formação de Portalegre (nova decisão de suspensão da Recorrida) e, em 29.07.2013, pelo Comandante do CARI/GNR (decisão de dispensa definitiva da Recorrida).
Está em causa a fundamentação de um ato intitulado “Ficha de Avaliação do Mérito Pessoal”, da qual consta a classificação das qualidades “físicas” e das qualidades “morais e sociais” do guarda provisório, avaliado no âmbito do Curso de Formação de Guardas, e a cuja grelha avaliativa foi aditado um “Juízo ampliativo”, contendo uma apreciação do desempenho do candidato alistado.
Importa lembrar que a atividade de avaliação sub juditio passa, além do mais, pelo preenchimento de um conjunto de conceitos indeterminados, utilizados como parâmetros da ficha de avaliação dos guardas provisórios. Tais conceitos – nomeadamente os de “integridade de carácter”, “espírito de camaradagem”, “espírito de disciplina”, “sentido de responsabilidade” ou “sentido de dever” – são verdadeiros conceitos indeterminados, na medida em que implicam “juízos de avaliação, prognose e ponderação próprios do exercício da função administrativa” (v. Sérvulo Correia, “Conceitos jurídicos indeterminados e âmbito do controlo jurisdicional”, CJA, 70, 32-57,49). Ou seja, estamos perante espaços de valoração que são próprios da atividade administrativa de formação e avaliação de militares da Guarda Nacional Republicana, sendo esta atividade administrativa de avaliação, não tantouma avaliação de conhecimentos, mas, principalmente, uma avaliação do “mérito pessoal”, ou seja, da idoneidade e aptidão pessoal para o exercício do cargo.
Estas considerações são relevantes, ainda que no presente recursonão esteja em causa a verificação do respeito pelos limites de juridicidade que vinculam o preenchimento de tais conceitos indeterminados, mas (apenas) a eventual falta de fundamentação da decisão de avaliação. Isto porqueas exigências de fundamentação dos atos administrativos podem variar conforme o tipo de ato, a natureza da atividade administrativa em causa e as circunstâncias do caso concreto, ainda que, em qualquer caso, só possa considerar-se suficiente quanto permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato (cfr. entre outros, os Acórdãos do STA, de 14.07.2008, P. 24/08 e do STA - Pleno da Secção de CA, de 18.09.2008, P. 0941/05). Num caso de atividade administrativa essencialmente discricionária (por implicar o preenchimento de conceitos indeterminados que implicam juízos valorativos não normativos), é certo que se impõe um dever acrescido de fundamentação (no sentido de dar a conhecer as razões da escolha de um caminho entre os vários possíveis), mas é também seguro que, por se tratar de uma “zona de avaliação subjetiva”, o conteúdo da fundamentação obrigatória apresenta “critérios mais genéricos ou referências factuais mais discutíveis ou menos concretas”, admitindo-se uma “relativa lassidão fundamentadora”, que é causada pela natureza da própria situação, que só dificilmente permite que a objetividade do juízo decisório “possa ser manifestada e comprovada mediante um enunciado linguístico lógico-racional” (cfr. Vieira de Andrade, O Dever de Fundamentação ..., cit., 260).
Regressando ao caso em apreço, afigura-se medianamente claro, pela leitura do ponto 34) da matéria de facto (acima transcrito), que a “Ficha de Avaliação do Mérito Pessoal” da aqui Recorrida, no âmbito do Curso de Formação de Guardas, apresenta uma fundamentação clara (no sentido de apreensível) e congruente (ou seja, harmónica e coordenada com o fim de avaliação a que se propõe). Desde logo porque se estriba numa notação numérica, com 2 factores e 20 subfactores apreciados autonomamente, e menção expressa do coeficiente atribuído a cada um e suapontuação, numa escala de 5 níveis (convertida, quanto à nota final, para a escala de 0 a 20). No caso, o resultado final da avaliaçãofoi inferior ao mínimo exigido (cifrou-se em 75 pontos ou 7,5 valores). É também perceptível que a parte negativa da avaliação incidiu sobre o fator “Qualidades morais e sociais”, com nota negativa de 1 ponto nos factores “integridade de caráter” e “sentido de responsabilidade”e nota negativade 2 pontos nos subfactores “espírito de camaradagem”, “espírito de disciplina” e “sentido de dever”. A esta notação numérica dos vários parâmetros avaliativos foi acrescentado um texto intitulado “Juízo Ampliativo”, acima transcrito.
Salvo o devido respeito, não pode concordar-se com a decisão recorrida quanto conclui pela insuficiência da fundamentação assim aduzida, consubstanciada no preenchimento da referida grelha avaliativa e no citado “Juízo Ampliativo”.
Na verdade, mostra-se desrazoável e desproporcionado (além de desnecessário) exigir que entidade administrativa detalhe e transcreva, em sede de uma ficha padronizada de avaliação final (elaborada no decurso da frequência de um curso, onde são avaliados diversos parâmetros, são prestadas provas de diversa índole e são vários os agentes de avaliação envolvidos em tal atividade), todos os aspectos particulares que possam ter influenciado positiva ou negativamente a sua percepção das qualidades do candidato.
Mas, mais do que isso, afigura-se que os elementos avaliativos aqui concretamente elencados são os bastantes para que um “destinatário normal” consigaapreender as razões pelas quais foi decidido atribuir uma nota negativa à avaliada nos factores “morais e sociais”. Não apenas porque a grelha classificativa (e respetiva pontuação) é suficientemente densa, mas também porque foram expressos, no “juízo ampliativo”, os factos determinantes desse juízo negativo quanto às qualidades morais e sociais da avaliada, designadamente, que a avaliação foi interrompida pelos factos imputados à avaliada; que a mesma demonstrou “falta de vitalidade e energia”, “pouca iniciativa e disponibilidade que implicaram repetidas correções por parte dos graduados do Pelotão”; que foram registadas “reiteradas falhas relacionadas com a prontidão nas respostas dadas às solicitações”; que demonstrou “falta de dedicação no cumprimento das tarefas”, foi corrigida por diversas vezes por falhas relacionadas com postura e, finalmente, que essa atitude reiterada e reveladora de “um nível baixo de mérito pessoal” culminou com o comportamento adoptado em 11.05.2013, traduzido em “fraude” no teste da unidade curricular de Informações, que foi considerado como atentatório dos valores basilares da instituição militar, condição sine qua non para ser soldado da lei”.
Estes elementos são suficientes para dar a conhecer o porquê da nota negativa atribuída, não se vislumbrando qualquer défice de fundamentação pelo facto de não escalpelizarem as diversas falhas apontadas, desde logo porque é claro que estavam em causa comportamentos reiterados, dos quais, pelo menos em parte, há registos aí mencionados e que o facto determinante foi a aludida “fraude”, aqui devidamente circunstanciada. Também não ocorre défice de fundamentação por não serem elencados os pontos positivos encontrados, pois, na lógica fundamentadora encontrada, tal arrazoado mostraria-se-ia inútil, uma vez que se considerou que o citado comportamento “fraudulento” violava valores basilares e obstava irremediavelmente ao ingresso da Guarda Provisória, aqui Recorrida, na instituição militar, “para ser soldado da lei”.
No âmbito da apreciação do vício (formal) de falta de fundamentação em que nos encontramos, não está em causa a bondade da fundamentação aduzida, mas tão somente a sua clareza, coerência e suficiência, sendo, no caso, de concluir que os argumentos alinhados contêm factos que revelam uma densidade mínima de fundamentação, que não se limita a juízos abstratos e abrangentes ou indiferenciados, mas antes tece valorações e considerações circunstanciadas à pessoa da avaliada e caraterizadoras do seu caso concreto. Como foi salientado no Acórdão do STA, de 05.02.2009, P. 0461/08, a propósito da “entrevista pessoal de seleção” (realidade com fortes pontos de contacto com a presente), tal ato “implica uma apreciação traduzida necessariamente em juízos de carácter pessoal baseados em impressões subjetivas, pelo que, nesse caso, a exigência legal de fundamentação basta-se com um mínimo de densidade do conteúdo declarativo do discurso fundamentador”.
Pelas razões referidas, pelo menos esse mínimo mostra-se atingido no caso vertente.
Assim, tudo visto e ponderado, conclui-se que a decisão do Comandante do Batalhão Escolar, de 24.06.2013, de atribuir à Autora/Recorrida a nota de 7,5 valores na componente do mérito pessoal do “Bloco II – formação escolar” não padece do vício de falta de fundamentação que lhe vem imputado, devendo a sentença recorrida ser revogada nesta parte.
Consequentemente, não podem manter-se as decisões de declaração de nulidade (consequente) dos despachos de 12.07.2013 (decisão de suspensão da autora do curso de formação de guardas, datada de 12/7/2013, do Comandante Interino do Centro de Formação de Portalegre) e de 29.07.2013 (decisão de dispensa definitiva da Autora da frequência do Curso de Formação de Guardas, do Comandante do Comando da Administração dos Recursos Internos), as quais tiveram como única ratio decidendi a circunstância de tais atos serem atos consequentes do ato anulado (decisão do Comandante do Batalhão Escolar, de 24.06.2013, de atribuir à Autora/Recorrida a nota de 7,5 valores), cuja anulação ora se revoga.
Impõe-se, por isso, também revogar a sentença recorrida na parte em que declarou a nulidade (consequente) daqueles despachos.
*
V. Decisão
Pelo exposto, acordam em conceder parcialmente provimento ao recurso e, em consequência:
a) Confirmar a decisão recorrida na parte em que declarou a nulidade da decisão de suspensão, de 15.05.2012, por preterição da garantia fundamental de audiência e defesa;
b) Revogar a decisão recorrida na parte em que anulou, com fundamento em vício de falta de fundamentação, a decisão de suspensão, de 15.05.2012;
c) Revogar a decisão recorrida na parte em que anulou, também com fundamento em vício de falta de fundamentação, a decisão do Comandante do Batalhão Escolar, de 24.06.2013, de atribuir à Autora/Recorrida a nota de 7,5 valores na componente do mérito pessoal, e declarou a nulidade consequente dos referidos despachos de 12.07.2013 e de 29.07.2013;
d) Julgar improcedente a ação na parte em que peticiona a anulação dos atos identificados em c), nos citados vícios de falta de fundamentação, absolvendo o Réu, aqui Recorrente, dos pedidos respetivos.
Custas em 1ª instância pela Autora/Recorrida, na proporção do decaimento, que se fixa em 1/3; e custas neste recurso, pelo Recorrente e Recorrida, na proporção do decaimento que se fixa em 1/3 e 2/3, respetivamente.
Lisboa, 23.10.2014

(Esperança Mealha)


(Maria Helena Canelas)


(António Vasconcelos)