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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04247/10
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:05/03/2011
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. IMT.
AVALIAÇÃO.
NOTIFICAÇÃO.
CONTESTAÇÃO.
CONHECIMENTO DO PEDIDO.
Sumário:Doutrina que dimana da decisão:
1. A falta ou nulidade da notificação do resultado 1.ª avaliação não constitui vício que possa afectar na sua legalidade, a consequente liquidação adicional, pelo que a impugnação desta, nela unicamente abrigada, não pode deixar de improceder;
2. A contestação do representante da Fazenda Pública apenas deve ser notificada à impugnante, quando este tenha suscitado qualquer questão que obste ao conhecimento do pedido;
3. Se ao juiz se afigurar, após a junção da contestação do representante da Fazenda Pública, poder conhecer logo do pedido, por a questão a conhecer ser apenas de direito ou, sendo também de facto, os autos fornecerem os necessários elementos, apenas deve ordenar a vista ao Ministério Público, não exigindo a lei que profira despacho fundamentado desse seu ajuizar e que tenha de ser notificado à impugnante.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. A..., Lda, identificada nos autos, dizendo-se inconformada com a sentença proferida pelo M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


I. Vem o presente recurso interposto da decisão proferida, no âmbito dos presentes autos, que considerou que a notificação da avaliação do prédio urbano sub judice, foi regularmente notificada à impugnante, pessoa colectiva, e julgou a impugnação improcedente.
II. Nunca a recorrente foi notificada da contestação apresentada, desconhecendo in totum o seu teor, pelo que desconhece também se foi alegada alguma excepção à qual devesse responder.
III. Aos processos judiciais no âmbito do procedimento tributário e no que respeita a notificações aos mandatários, aplica-se o disposto no artº 40°, onde se estabelece no n° 1 que " As notificações aos interessados que tenham constituído mandatário serão feitas na pessoa deste e no seu escritório."
IV. Estabelece, ainda, o artº 45° do CPPT que o procedimento tributário segue o princípio do contraditório, pelo que estando nós perante matéria controvertida, e tendo a recorrente oferecido prova documental, bem como testemunhal, ou seja, a recorrente veio aos autos, de boa fé, invocar um direito que lhe assiste, o de não ter tomado conhecimento do conteúdo da notificação, não podia o Mmo Juiz a quo ter ignorado in totum aquela.
V. Pelo que, ao decidir sem ter notificado a recorrente da contestação do MP (SIC), o Mmº Juiz violou o disposto no artº 40° e 45° do CPPT, bem como o disposto no artº 268°, n° 3 da CRP, pelo que deverão V. Exas. revogar a decisão proferida, ordenado que se notifique a recorrente para em prazo legal se pronunciar sobre a mesma.
VI. Se assim não se entender, o que não se concede mas se equaciona, a recorrente desde logo juntou prova documental que consubstancia a impugnação por si apresentada, nomeadamente, os documentos que comprovam que naquela data, em que ocorreu a notificação, decorria uma auditoria externa levada à cabo pela B..., verificando-se anormal excesso de trabalho bem como alguma pressão junto dos próprios funcionários.
VII. O Mmo Juiz a quo, s.m.o., faz um enquadramento jurídico-legal errado, quando fundamenta a sua decisão no artº 39º do CPPT, e comete dois erros, senão vejamos,
VIII. O artº 39º do CPPT tem como título "Perfeição das notificações", contudo, em causa, está uma sociedade comercial por quotas, logo uma pessoa colectiva, pelo que se deve em primeiro lugar olhar para o artº 41° do CPPT.
IX. O n° 2 do artº 41º do CPPT estabelece que caso a notificação não se possa efectuar na pessoa do seu representante aquela é feita na pessoa de qualquer empregado, capaz de transmitir os termos do acto (sublinhado nosso).
X. Ou seja, a própria Lei estabelece desde logo a possibilidade de o funcionário estar impedido de transmitir tal notificação, aliás, como é comprovado pela presunção ilidível consagrada no artº 39º, n° 2 do CPPT, pelo que é passível de prova em contrário, prova oferecida pela aqui recorrente e que o Mmo Juiz a quo não quis atender, decidindo uma questão que é claramente contraditória.
XI. Tal como acontece no CPPT mas também no CPC, as pessoas colectivas têm regras especiais no que se refere às citações e notificações, pois que estamos, não perante uma única pessoa mas antes perante estruturas organizadas, com vários funcionários, departamentos ou órgãos, muitas vezes de complexa estrutura que funcionam segundo uma logística, pelo que o legislador entendeu criar tais regras que assegurem que o conhecimento daquelas cheguem efectivamente ao conhecimento da gerência, direcção ou administração, que segundo o CSC, são os órgãos que obrigam as sociedades, cabendo a estes tomarem as decisões que entenderem por convenientes.
XII. Pelo que, ao ignorar matéria, claramente controvertida, o Mmo Juiz violou o disposto nos artºs 45°, 41°, 39° n° 2, todos do CPPT, bem como o disposto nos nºs 3 e 4 do artº 268° da CRP.
XIII. Nestes termos deverão V. Exas. revogar a decisão proferida por outra que ordene a repetição da notificação da avaliação do prédio sub judice à aqui recorrente.

SÓ ASSIM SE FARÁ JUSTIÇA!


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


O Exmo Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, por a notificação de tal avaliação ter sido regularmente efectuada na pessoa da funcionária da empresa que a deveria ter comunicado à gerência, e se o não fez tal apenas ser imputável às mesmas.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se a eventual falta ou nulidade da notificação do resultado da 1.ª avaliação, constitui um vício susceptível de conduzir à anulação da liquidação consequente; Se a contestação do representante da Fazenda Pública tinha de ser notificada à impugnante; E se o M. Juiz do Tribunal “a quo”, depois da junção da contestação e dada vista ao Ministério Público, podia conhecer logo do pedido, sem a produção da prova oferecida.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório o M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz, subordinado-a às seguintes alíneas:
a) Em 6 de Fevereiro de 2007, a impugnante adquiriu o prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de Angústias, concelho da Horta, sob o artigo n° 1545, pelo valor de 300.000,00 €.
b) Foi liquidado e pago o IMT de 19.500,00 € e o imposto de selo de 2.400,00 €, tendo por base aquele valor.
c) Entretanto, foi efectuada uma avaliação do prédio, no montante de 789.670,00 €, avaliação que foi notificada à impugnante por carta registada, cujo aviso de recepção foi assinada pela sua funcionária C..., em 26 de Outubro de 2009.
d) A impugnante foi notificada das liquidações adicionais consequentes a essa avaliação em 29.12.2009 (IMT) e 5.01.2010 (imposto do selo).


4. Para julgar improcedente a impugnação judicial deduzida considerou o M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que a notificação da avaliação, donde resultou o IMT e imposto do selo impugnados, efectuada que foi na pessoa de uma funcionária da ora recorrente, é perfeitamente válida de regular, pelo que não ocorre o vício consistente na sua falta.

Para a impugnante e ora recorrente, de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, é contra esta fundamentação que se continua a insurgir, pugnando que tal não entrega da carta da notificação à gerência, ocorreu por motivo justificado que lhe deveria ser permitido provar, que não foi validamente notificada do resultado da avaliação, para além de também vir invocar que não foi notificada da contestação do MP (SIC) e que por isso não pode responder a alguma excepção eventualmente arguida.

Vejamos então.
Desde logo convém frisar, que a presente impugnação judicial foi deduzida contra o acto de liquidação adicional de IMT e de imposto do selo (como também foi entendido pelo M. Juiz do tribunal “a quo”, na sentença recorrida, sem que a ora recorrente, na matéria das suas conclusões, se insurja contra o objecto da impugnação, assim erigido), por virtude de uma avaliação efectuada ao prédio urbano que anteriormente havia adquirido, em cuja petição inicial, como único vício atinente às respectivas anulações invoca, a falta do prévio conhecimento do resultado de tal avaliação do prédio – cfr. art.º 13.º e segs da mesma peça processual – o que só obteve com a notificação de tal liquidação adicional, por a notificação expedida pelo Serviço de Finanças para o efeito da comunicação do resultado da 1.ª avaliação, ter sido a carta registada com o A/R assinado por uma sua funcionária que, por na altura, se encontrava com grande pressão de trabalho motivado por uma auditoria de uma entidade externa, a não ter feito chegar tal carta à gerência, mas que resultando tal comportamento de acto não negligente ou culposo, lhe não poder ser imputado, defendendo a nulidade de tal notificação e que deverá ser repetida, a fim de lhe permitir exercer o direito de reclamação contra tal avaliação.

Ora, por este vício, assacado a um acto de liquidação, jamais poderia conduzir à procedência da impugnação que o tenha por objecto, e à consequente anulação dessas liquidações, desde logo, por tal notificação constituir um acto externo e posterior dessa própria avaliação, que apenas contende com a respectiva eficácia que não com a sua validade(1), pelo que não poderia inquinar de ilegalidade o posterior acto de liquidação que nessa avaliação se funda.

Como já se dispunha na norma do art.º 5.º do vetusto CPCI, a impugnação dos actos tributários tem por fim obter a sua anulação total ou parcial, por decisão dos tribunais das contribuições e impostos, e poderá ter por fundamentos a incompetência, vício de forma, inexistência dos factos tributários ou qualquer outra ilegalidade, hoje, com correspondência na norma do art.º 99.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), em que os fundamentos da impugnação judicial são constituídos por qualquer uma sua ilegalidade do acto e que o afecte na sua validade, em que esta surge, legalmente, destinada a anular (ou declarar nulos) actos de liquidação ou similares que não quaisquer outros actos, tendo em conta as formas processuais do processo judicial tributário contidas no art.º 97.º, nºs 1 e 2 do mesmo CPPT.

Assim, no caso, a impugnação judicial não poderia deixar de se encontrar condenada ao malogro, por falta de invocação de um qualquer vício que afectasse tais liquidações na sua legalidade (e, também, na falta da existência de qualquer um outro, que de conhecimento oficioso fosse), pelo que a decisão recorrida que também assim decidiu, deve ser confirmada, ainda que por diferente fundamentação, já que não havia lugar, na presente impugnação judicial, a discutir o eventual vício ocorrido em tal notificação do resultado da 1.ª avaliação.

Por outro lado, a haver-se de entender tal impugnação judicial como tendo por objecto essa própria avaliação, também a mesma não poderia proceder, quer igualmente por falta de alegação de algum vício que a afectasse na sua legalidade, quer mesmo por dela não caber impugnação judicial, por falta de exaustão dos graciosos previstos no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), aprovado pelo Dec-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro – art.ºs 71.º e segs ex vi do art.º 14.º do CIMT, ou seja, só do resultado da 2.ª avaliação cabia impugnação judicial no que a tal valor concerne, por força do disposto nos art.ºs 97.º, n.º1, alínea f) e 134.º, n.º7, ambos do CPPT.

Quanto aos vícios processuais, agora assacados em sede do presente recurso, de falta de notificação da contestação apresentada pelo Exmo Representante da Fazenda Pública e de falta de produção de quaisquer provas, quando havia sido junta prova documental e arrolada prova testemunhal, também os mesmos, manifestamente, não ocorreram.

Quanto à invocada falta de notificação à ora recorrente da contestação do Exmo Representante da Fazenda Pública, a mesma só tem legalmente lugar quando tenha sido suscitada qualquer questão que obste ao conhecimento do pedido – cfr. n.º2 do art.º 113.º do CPPT (redacção introduzida pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho) – que, no caso, não tendo sido, como dela se pode ver de fls 46 a 48 dos autos, não havia lugar a tal notificação, acto que assim não pode ter sido omitido.

Quanto ao conhecimento imediato do pedido sem a produção de quaisquer outras provas, designadamente da prova testemunhal oferecida, também a norma do art.º 113.º, n.º1 do mesmo CPPT e redacção vigente, confere ao juiz o poder/dever de, conhecer logo do pedido, se a questão for apenas de direito ou, sendo também de facto, o processo fornecer os elementos necessários, o que no caso o mesmo assim terá ajuizado e em consequência, conheceu do pedido, e que, como acima se referiu, tal juízo merece confirmação, pelo que também nesta campo nenhum vício de forma ou de fundo foi cometido pelo M. Juiz do Tribunal “a quo”, ao desde logo ter conhecido do pedido(2).


Improcede assim, toda a matéria das conclusões das alegações do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida, ainda que com a presente fundamentação.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida.


Custas pela recorrente.


Lisboa,03/05/2011

EUGÉNIO SEQUEIRA
ANÍBAL FERRAZ
PEREIRA GAMEIRO


1- Cfr. neste sentido, entre muitos outros, e ao que saibamos constitui jurisprudência pacífica, os acórdãos do STA de 17-5-2006 e de 3-5-2006, recursos n.ºs 231/06 e 154/06-30, respectivamente.
2- Cfr. no mesmo sentido o acórdão deste Tribunal de 8-10-2002, recurso n.º 5.488/2001.