Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:13057/16
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:10/06/2016
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:CONTRATOS PÚBLICOS, SANÇÃO CONTRATUAL, ATO DE EXECUÇÃO, OBRIGAÇÃO PECUNIÁRIA
Sumário:I - O “pode” no artigo 329º do Código dos Contratos Públicos tem um sentido autorizativo e criador de um dever legal; e não o sentido de estabelecer um poder discricionário.

II - Os atos jurídicos de execução de atos administrativos só são impugnáveis por vícios próprios, na medida em que tenham um conteúdo decisório de caráter inovador.

III – O artigo 177º, nº 2, do Código do Procedimento Administrativo/2015 («Salvo em estado de necessidade, os procedimentos de execução têm sempre início com a emissão de uma decisão autónoma e devidamente fundamentada de proceder à execução administrativa, na qual o órgão competente determina o conteúdo e os termos da execução») não se refere às obrigações pecuniárias certas e líquidas.

IV – Com efeito, no caso das obrigações pecuniárias certas, líquidas e exigíveis, a Administração tem de fazer apenas o seguinte: fixar um prazo para o pagamento voluntário da obrigação exequenda, definida no primeiro título executivo, o ato administrativo exequendo (cfr. artigo 179º, nº 1, do Código do Procedimento Administrativo); depois, no caso de falta de pagamento naquele prazo, emitirá a certidão de dívida (segundo título executivo) e despoletará a execução fiscal como previsto nos nº 1 e 2 do artigo 179º.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

· C……….. & C………………, S.A.,

· SOCIEDADE ……………………………, LDA. e

· J…………. ……………. Y C…………………………, S.A., intentaram no Tribunal Administrativo de Círculo de LEIRIA processo cautelar contra

· PARQUE ESCOLAR, E.P.E.

Pediram o seguinte:

- «a suspensão da eficácia dos atos de execução da sanção contratual (fixada pela requerida em 2013), os atos praticados (artigo 129.º do CPTA) e os que se anunciam (em 2015-2016), a saber, e além do mais, (i) a compensação dos créditos das Requerentes sobre a Requerida por conta da sanção contratual, (ii) o acionamento da caução prestada através de garantias bancárias à primeira solicitação e (iii) a promoção de emissão de certidão que sirva de título executivo para efeitos de execução fiscal»,

tudo no âmbito do contrato de empreitada de obras públicas designada “Execução das Obras de Modernização para a Fase 3 do Programa de Modernização das Escolas destinadas ao Ensino Secundário – Lote 3EN11 – Escola Básica e Secundária de B....... e Escola Secundária de A......”.

Após a discussão da causa e por DECISÃO CAUTELAR de 30-4-2016 (com 109 págs.), o referido tribunal decidiu o seguinte:

«julgar parcialmente improcedente a presente providência cautelar, quanto à requerente Joca Ingenieria Y Construcciones, SA, absolvendo a entidade requerida do pedido quanto a esta requerente;

«e, quanto ao mais, julgar procedente a presente providência cautelar quanto às demais requerentes, e,

«nessa medida, suspender a eficácia dos atos de execução da multa contratual aplicada pela entidade requerida às requerentes C……….. & C………………, S.A, e Sociedade de…………..……, Lda., e notificados pelos ofícios «NUI-2015- 0029672» e «NUI-2015-0029671», ambos de 22.12.2015, e «NUI-2016- 0001253» e «NUI-2016-0001249», ambos de 18.01.2016, até ao trânsito em julgado da decisão a proferir no âmbito do tribunal arbitral constituído ad hoc por requerimento de 15.04.2016».

*

Inconformada com tal decisão, a PARQUE ESCOLAR interpôs o presente recurso de apelação, formulando na sua longa alegação as seguintes conclusões:

A. A sentença recorrida é Nula por Violação de Caso Julgado Formal e Material, na parte em que põe em causa decisões judiciais e arbitrais proferidas, que decidiram pela inimpugnabilidade da decisão de aplicação de multas contratuais que os atos suspendendos meramente executam.

Da Ausência de Caráter Inovador dos Atos de Execução: para efeitos de impugnação judicial/arbitral, conforme estabelece o artigo 53.º n.º 3 do CPTA (na redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02.10, "os atos jurídicos de execução de atos administrativos só são impugnáveis por vícios próprios, na medida em que tenham um conteúdo decisório de caráter inovador".

B. Sobre esta matéria tem uniformemente decidido toda a jurisprudência superior em definição de quatro diretrizes em que a mesma assentou a sua orientação:

não se podem invocar contra um ato administrativo vícios que já se podiam e deviam ter invocado contra atos anteriores;

ora, é de continuar a admitir que não se podem invocar contra um ato administrativo vícios que já podiam e deviam ter sido invocados contra atos anteriores. A regra do artigo 53.º vale para os atos de execução ou de aplicação de atos administrativos, na parte ou na medida em que eles se limitam a reiterar a definição introduzi da pelo ato que executam ou aplicam:

O fundamento da inimpugnabilidade dos atos de execução, em tudo semelhante ao que justifica a inimpugnabilidade dos atos meramente confirmativos, radica ma consolidação da estatuição jurídica estabelecida em ato anterior, exigida pelo interesse público da estabilidade dos atos administrativos, sendo pois de presumir ''jure et de jure" a concordância dos respetivos destinatários através da respetiva inércia contenciosa durante certo período de tempo - Cfr. Ac. do TCA Sul, de 25.06.2009;

o ato de execução apenas se destina a dar-lhe execução em nada inovando (alterando, excedendo ou modificando) - Cfr. Ac. do TCA Norte, de 19.04.2013.

Irrecorribilidade quanto a vício de erro nos pressupostos de facto já definidos em ato anterior já consolidado na ordem jurídica - Cfr. Ac. do TCA Norte, de 19.04.2013.

Do Caso dos Autos:

Do exposto resulta que nenhum dos fundamentos invocados pelo Tribunal a quo para justificar uma suposta recorribilidade dos atos apresentados pelas Recorridas à suspensão (recordem-se: a. a decisão de manter intocada a multa contratual, apesar do teor das decisões dos tribunais arbitrais terem apontado com mediana clareza a existência de erro nos pressupostos de facto; b. a decisão de operar a compensação jurídica e pecuniária dos montantes arbitrados nas decisões dos tribunais arbitrais com a multa contratual; c. caso não fosse efetuado o pagamento no prazo oferecido para o cumprimento voluntário, se proceder desde logo ao acionamento das garantias e cauções prestadas.) poderá lograr identificar qualquer conteúdo decisório, muito menos inovador.

C. Desde logo, o primeiro deles consubstancia um manifesto contrassenso argumentativo (presumindo-se a existência de uma decisão [obviamente lida como implícita no ato de execução] de manter intocada a multa como um elemento inovador...), na medida em que o Tribunal a quo consubstancia a "inovação" numa silente e ficcionada decisão de não alterar o ato exequente - ou seja, admite como materialmente existente no ato de execução um ato implícito decisório, de âmbito confirmativo do anterior - o qual considera como inovador e impugnável (ora, no limite estaria em causa um ato confirmativo, também ele inimpugnável, conforme supra já se referiu).

D. Quanto ao segundo dos fundamentos inovadores apontados pela decisão recorrida, ou seja, a decisão de operar a compensação jurídica e pecuniária dos montantes arbitrados nas decisões dos tribunais arbitrais com a multa contratual, consubstancia a mesma uma forma de extinção do crédito (valor das multas) previsto na lei e no contrato (cláusula 52.5).

E. Quanto ao terceiro fundamento, caso não fosse efetuado o pagamento no prazo oferecido para o cumprimento voluntário, se proceder desde logo ao acionamento das garantias e cauções prestadas, tal "interpelação" não precisava sequer de constar de qualquer ato de execução, nem mesmo do ato sancionatório, pois que, resulta expressamente do artigo 296 do CCP (supra citado), e por isso seria para tal suficiente, contudo, resulta também da cláusula 52.5 do Caderno de Encargos, e TAMBÉM DO ATO SANCIONATÓRIO (veja-se, o último parágrafo, já supra transcrito, da decisão proferida e comunicada às Requerentes/Recorridas, em 14.03.2013, onde tal cominatória é expressamente referida).

F. Em conclusão, e salvo o devido respeito ao Tribunal recorrido, não se vislumbra como se poderá entender que os atos de execução aqui em apreciação possam consubstanciar qualquer tipo de matéria de inovação (modificação, alteração ou extinção do ato sancionatório que corresponde ao ato exequendo), porquanto apenas se limitam a executar a decisão proferida, aplicação de uma sanção pecuniária, usando para tanto os instrumentos de extinção das obrigações previstos na lei e no contrato - não tendo sido sequer invocado qualquer fundamento (admissível ou não) que considerasse não aplicável o recurso a qualquer daqueles instrumentos (compensação e acionamento de garantias).

G. Assim, só poderá cair a fundamentação aduzida na sentença recorrida, e aqui no que respeita a esta concreta matéria, por violação, entre outros, do artigo 53 n 3 do CPTA, artigo 296.º do CCP, artigo 847.º do C. Civil, e ainda por violação de Caso Julgado Formal e Material.

H. Acresce ainda que, o Tribunal a quo considerou ainda um vício procedimental nos atos de execução, concretamente a violação do artigo 177.º n.º 2 do CPA.

I. Contrariamente ao decidido no ponto xxv da sentença, a Recorrente/Requerida com a prática do ato sancionatório (14.03.2013) procedeu concomitantemente à decisão de proceder à execução (conforme se alcança do teor daquela notificação) explanando de imediato algumas formas de execução, dentro do leque daquelas que legalmente lhe estão permitidas, sendo que a interpelação para pagamento voluntário esteve sempre evidenciada de forma expressa em todas as comunicações, incluindo nas referenciadas no ponto 3 da parte dispositi.va da sentença, de forma a evitar o acionamento das garantias prestadas.

J. Registe-se ainda que a execução deste teve início antes da vigência do artigo 177.º do CPA, agora invocado, pelo que, nem sequer tal seria exigível no caso concreto.

K. Isto posto, e sem prescindir, sempre se diga que, depois de se perceber o alcance da norma tido em consideração pelo legislador (permitir aos administrados controlar a adequação e necessidade dos meios de execução, relativamente ao definidor da situação jurídica), apenas por má-fé se poderia invocar tal normativo para justificar qualquer invalidade dos atos aqui em causa, além de que, tal estaria sempre dispensado, porquanto os atos anteriores incorporaram todas aquelas exigências procedimentais, pelo que, sempre se trataria de um ato inútil e prejudicial aos interesses públicos.

L. Em conclusão, padece a sentença de erro de julgamento, por erro na aplicação do artigo 177.º do CPA assim como, sobre os pressupostos materiais tidos em consideração na sentença.

DA FALTA DE UTILIDADE DA PROVIDÊNCIA CAUTELAR (face a qualquer pretensão a formular na ação principal que possa vir a ser intentada), no que respeita:

Discussão da validade dos atos suspendendos, em tutela primária reintegratória:

Da Falta de Caráter Inovador e

Da Não Verificação do Vício Procedimental: ou seja, sem prejuízo do entendimento supra exposto, no sentido de os atos de execução não conterem qualquer componente inovadora, e por isso, não poderem ser impugnáveis nos termos do artigo 53.º n.º 3 do CPTA - o qual agora se reitera, dando-se aqui por reproduzido tudo quanto antecede no capítulo anterior - a verdade é que o único vício apontado ao procedimento de execução foi a violação do artigo 177.º do CPTA - cuja improcedência é, de resto, manifesta, conforme motivação supra invocada e que ora também se dá por reproduzida, por razões de economia processual.

Sem prescindir,

Da Total Ausência de Vícios Materiais Imputáveis aos Atos de Execução (tutela primária):

M. Quanto aos pontos xx e xxi (decisão implícita de manter a decisão exequenda), dando-se aqui por transcrito tudo quanto antecede no Capítulo III destas alegações quanto à natureza confirmativa do ato de execução, e da inexistência de qualquer decisão posterior, que também ela seria confirmativa do primeiro.

N. A administração não revogou/ anulou o ato sancionatório, obviamente por entender que o mesmo era válido, e que nenhum fundamento assistia para a sua remoção da ordem jurídica pela via administrativa;

O. Sob pena de violação do principio constitucional da separação de poderes, não poderá o poder jurisdicional impor à administração entendimento contrário -e isto porque, a sua anulação jurisdicional já não é possível;

P. Para além de consubstanciar erro de julgamento a sentença quando refere que a aplicação de multas contratuais não é uma obrigação, mas uma mera faculdade - Lei n.º 98/97, de 26 de agosto, que impõe a cobrança de multas -artigo 65.º n.º 1 alínea m).

Q. Mais, a Recorrente já manifestou que pretende executar totalmente o ato exequendo, em data posterior às decisões arbitrais, juntas como Docs. n.º 2 e 3.

R. Quanto ao ponto xxii (entendeu o Tribunal a quo que o ato sancionatório foi reconfigurado em termos de dever de prestar por cada consorciada), contudo, padece de erro de julgamento tal conclusão no sentido de operar a modificação do ato, por duas ordens de razão:

S. Primeiro, resultaria que apenas seria impugnável a parte em que a compensação foi operada de acordo com a participação de cada membro do consórcio, o que apenas resultaria numa perda de utilidade, pela redundância, na medida em que a solução seria idêntica caso a Recorrente operasse a compensação total do crédito em relação ao Consórcio co- contratante;

T. Quanto ao ponto xxiii (obter o pagamento por compensação de valores (créditos) alcançados em decisão posterior): o Tribunal a quo incorre em violação de caso julgado nesta parte, quando considera que o parâmetro multa é controvertido. . . para tanto, leia-se o ponto xix da sentença, em que o Tribunal dá por assente a irrecorribilidade da decisão de aplicação de multas - e então acaba até por incorrer em contradição de fundamentos ...

U. Quanto ao ponto xxiv (erro sobre os pressupostos), mais uma vez, o Tribunal a quo labora em erro de julgamento manifesto ao considerar que os atos suspendendos não tomam em consideração factos que o Tribunal considera supervenientes (resultantes das decisões arbitrais de novembro de 2015):

Da Manifesta Falta de Conexão entre a Presente Providência Cautelar de Suspensão de Eficácia dos Atos Suspendendos e a Ação de Discussão da Validade do Ato Exequendo (em tutela secundária, ressarcitória)

V. Entre os pontos xxvii a xxxvi da sentença, o Tribunal a quo vem defender a possibilidade de o ato exequendo ainda poder vir a ser sindicado jurisdicionalmente no âmbito de uma tutela secundária, ressarcitória, e por isso, considerar regular a instância, ao entender que a presente providência estaria dependente desta causa fundada em tutela ressarcitória/ secundária.

W. Não poderá a Recorrente conformar-se com tal entendimento, considerando que o mesmo padece de manifesto erro de julgamento, porquanto, e desde logo, olvida o Tribunal a quo que, sem prejuízo de a validade do ato exequendo poder vir a ser apreciada incidentalmente, nos termos e por vias do previsto no artigo 38.º do CPTA, será sempre no âmbito de uma ação para condenação da administração em indemnização pela prática de ato ilegal que já não pode ser impugnado,

X. O que significa que o ATO SANCIONATÓRIO DE APLICAÇÃO DE MULTAS CONTRATUAIS, TENDO-SE CONSOLIDADO NA ORDEM JURÍDICA, se manterá SEMPRE PLENAMENTE EFICAZ NA ORDEM JURIDICA, com todos os seus efeitos, incluindo a sua executoriedade.

Y. Aliás, e por se tratar de normas legais imperativas, diz expressamente o n.º 2 do artigo 38.º do CPTA que, sem prejuízo do previsto no n.º 1, não poderá ser obtido por outros meios processuais o efeito que resultaria da anulação do ato administrativo.

Z. O que significa que, independentemente da procedência da ação de responsabilidade civil, em que seja posta em causa a validade do ato exequendo - que não se consente, conforme se demonstrará -, a mesma nunca poderá ser dela dependente, por não ser suscetível de interferir na manutenção do ato na ordem jurídica e com a sua executoriedade.

DA NÃO VERIFICAÇÃO DA APARÊNCIA DO BOM DIREITO

AA. Sem prejuízo de tudo quanto antecede que, por si só é, no entendimento da Recorrente, suscetível de pôr em causa a decisão recorrida, cumpre apreciar os concretos fundamentos aduzidos em sede de aparência do bom direito (alguns deles já invocados pelo Tribunal em sede de regularidade de instância, e por isso já impugnados supra), para então concluir pelo erro de julgamento cometido pelo Tribunal a quo.

BB. Sem prejuízo de o Tribunal a quo ter considerado nos factos assentes 1.66) e 1.67) as duas decisões arbitrais em que, respetivamente, se declarou a resolução do contrato e condenou a Requerida a pagar às Requerentes € 171.276,09, acrescido de juros, e, em que julgou parcialmente procedente a pretensão ressarcitória do consórcio constituído pelas requerentes, condenando a requerida a pagar ao consórcio uma indemnização de € 2.632.802,24, acrescido de juros, entende a Recorrente que deverão dar­se por assentes os fundamentos em que as mesmas decisões assentaram, por se considerarem relevantes para a boa decisão desta causa.

CC. Mais entende a Recorrente que as decisões proferidas poderão ser aqui trazidas no seu todo, incluindo os seus fundamentos e matéria dispositiva, com força de caso julgado, os quais poderão ser imediatamente invocados para todos os efeitos, e que sempre seriam de conhecimento oficioso. Contudo, e caso assim não se entenda, ao abrigo do n 1 do artigo 662.º do CPC, requer-se que este Tribunal Central determine a ampliação da matéria de facto. passando a mesma a prever os seguintes factos:

DD. Nos termos da decisão arbitral referenciada, ficou decidido que:

"Nos termos gerais, a resolução de contrato pode ser cumulada com o direito à indemnização, podendo, depois, discutir-se se será pelo interesse contratual positivo ou pelo dano negativo. Contudo, o direito à indemnização só se constitui no património do lesado se este tiver provado danos que se encontrem numa relação de causalidade com o direito à resolução de contrato que não pôde ser exercido. Ora, tais danos não f oram provados neste processo, não sendo, por isso, devida a indemnização.

Foram tão-só provados danos decorrentes da suspensão da obra. Assim sendo, os prejuízos totais do Empreiteiro ascendem a 171.276,09 a que acrescem j uros à taxa comercial aplicável, contados desde a data da interposição da ação arbitral" -cfr.p.39 do acórdão arbitral.

EE. Nos termos da decisão arbitral referenciada em 1.67), ficou decidido que:

"Houve um conjunto de fatores que as Demandantes conseguiram provar ter introduzido entropias ou perturbações na execução dos trabalhos. Assim, tenha-se em consideração (i) a não formalização (ou a não formalização atempada) de Adicionais, (ii) a emissão de diversas ordens de execução, (iii) a existência de diversas alterações aos projetos e atrasos na aprovação de materiais e (iv) o não pagamento atempado das faturas pelas Demandantes.” cfr. P. 113 do acórdão arbitral

iü) - ''Embora as Demandantes não tenham logrado provar que cada um dos concretos factos alegados implicaria, por si só, uma prorrogação do prazo de execução dos trabalhos, nos termos em que o alegaram (o que até se compreende, na medida em que os trabalhos de facto terminaram na data constante do Plano de Trabalhos apresentado em Maio de 2012 que já se considerou ter sido tacitamente aceite), nem os sobrecustos decorrentes desse atraso, a verdade é que lograram provar ter sofrido perturbações (na linguagem anglo-saxónica "disruption") na execução dos mesmos, o que também é indemnizável (na medida em que tanto os atrasos ou maior permanência em obra como as perturbações originam sobrecustos)". -Cfr. p. 119 do acórdão arbitral

-''Tal como a doutrina (sobretudo estrangeira, uma vez que a nacional não se tem debruçado sobre este tema) vem ensinando, as Demandantes não foram capazes de provar, numa relação causa/efeito, de acordo com a teoria da causalidade adequada, que cada um dos eventos que apresentaram corresponde a um atraso imputável à Demandada. Em consequência, também não provaram que cada um daqueles eventos (e todos agregadamente) tenha sido causa adequada da totalidade dos sobrecustos reclamados."- cfr pág. 119 do acórdão arbitral

- Claramente decorre dos factos dados como provados que as Demandantes tiveram sobrecustos na execução do contrato. No fundo as Demandantes não lograram suceder na prova da sua causa principal, mas foram capazes de provar uma causa de pedir secundária que já não passa pela existência de atrasos imputáveis à Demandada, mas pela perda de produtividade dos meios (sobretudo humanos) por perturbações introduzidas pela Demandada. -Cfr. p. 119 e 120 do acórdão arbitral

b) Inúmeras Vicissitudes Contratuais (pontos xlviii a liv):

FF. No que concerne aos fundamentos aduzidos nos pontos xlix e 1 da sentença, em nada os mesmos contendem com a decisão de aplicação da multa contratual e respetiva execução. Como bem refere o Tribunal a quo, estão em causa vicissitudes da execução do contrato que não interferem nos pressupostos de aplicação das multas. Na verdade, o Tribunal recorrido andou mal ao não atentar nas decisões arbitrais que formaram caso julgado.

GG. Em conclusão, resulta que:

Quer as vicissitudes ocorridas durante a execução do contrato - que se consideraram ser da responsabilidade do Dono de Obra, e que foram elencadas nos referidos pontos da decisão recorrida - foram já tidas em consideração como causa para ressarcir o empreiteiro (decisão que constitui caso julgado);

Quer a suspensão do contrato por período alargado foi já tida em consideração como causa para ressarcir o empreiteiro (decisão que constitui caso julgado).

HH. Então, nenhuma outra pretensão se poderá prefigurar como viável, face aos casos julgados já formados, muito menos com provável sucesso,

II. Não se equacionando como possa ser compatível com o caso julgado a afirmação constante do ponto li da sentença, quando refere que algumas das vicissitudes já foram atendidas em sede de decisões arbitrais.

JJ. De resto, nos pontos 1ii e 1iii, e no que respeita ao componente material que justificaria a probabilidade de sucesso da pretensão, a sentença evidencia a fragilidade em que assenta os seus pressupostos - ou seja, realmente não conseguiu apurar qual das partes contratuais foi responsável pelos atrasos num conjunto de factos... ainda assim, considerou provável o sucesso das pretensões das Requerentes:

Dos Parâmetros do Contrato (pontos lv e lvi):

KK. antes de mais, o Tribunal a quo não justifica legalmente, e de forma cabal, que os parâmetros de aplicação da multa por si considerados correspondam aos que juridicamente deverão ser atendíveis.

LL. Conforme resulta da lei e do contrato, as Recorridas estavam sujeitas ao cumprimento de prazos pareia.is, sendo que, estabelece o n.º 3 do artigo 403.º do CCP, o empreiteiro tem direito ao reembolso das quantias pagas a título de sanção contratual por incumprimento dos prazos parciais de execução da obra quando recupere o atraso na execução dos trabalhos e a obra seja concluída dentro do prazo de execução do contrato.

MM. Ora, não só não ficou minimamente demonstrado, até porque assim não foi alegado, que as Recorridas tenham conseguido cumprir o prazo global, como, de resto, ficou provado em sede arbitral que as mesmas não conseguiram demonstrar quais os atrasos imputáveis ao Dono de Obra, e, consequentemente, o direito a qualquer outra prorrogação de prazo.

NN. Acresce que, e não se demonstrando que à data da aplicação da multa contratual os pressupostos não estivessem verificados (assim como, que o prazo global tenha sido cumprido), resulta inelutável a sua manutenção nos exatos termos e condições verificados à data da sua prática, ou seja, o incumprimento manifesto e reiterado dos prazos contratuais por parte das Recorridas.

OO. Assim, e atendendo, entre outras, à natureza de cláusula penal compulsória das multas contratuais, no sentido em que as mesmas são aplicadas tendo em vista compelir os cocontratantes a cumprir num determinado quadro factual de incumprimento, não se vislumbra como se poderá a sentença concluir pela manifesta procedência da pretensão a deduzir em ação principal, padecendo a então de erro de julgamento.

Das ilicitudes dos Atos de Execução (ponto lvii)

PP. Sem prejuízo de se considerar já consumido este fundamento em virtude do supra alegado na alínea b), a verdade é que tais decisões apreciaram tais matérias, decidindo como não provado o direito a qualquer prorrogação de prazo requerido pelas Recorridas, tendo apenas, e segundo a equidade, atribuído uma indemnização pelas vicissitudes ocorridas (vide matéria de facto cuja ampliação se requereu).

QQ. Diferente julgamento (como o que faz a sentença recorrida) implicaria sempre a violação de caso julgado, e consequente nulidade da sentença, o que ora se invoca para os devidos efeitos legais, e sem prescindir de erro de julgamento, por não se encontrar minimamente sustentada a possível procedência da ação principal.

Das ilicitudes dos Atos de Execução (ponto lviii) por razões de economia processual, dá-se por integralmente reproduzido o alegado quanto à imputada violação do artigo 177.º do CPA no Capítulo III que antecede, concluindo pela imputação de erro de julgamento a esta parte da decisão, por ser manifesta a falta de fundamento da ação.

ERRO DE JULGAMENTO - QUANTO Á QUALIFICAÇÃO DA PROVIDÊNCIA E SEUS EFEITOS

RR. Nos presentes autos as Recorridas peticionaram a suspensão da eficácia dos atos de execução da sanção contratual, os praticados e os que se anunciam, a compensação de créditos por conta da sanção contratual, o acionamento da caução prestada através de garantias bancárias à primeira solicitação e a promoção de emissão de certidão que sirva de título executivo para efeitos de execução fiscal.

SS. Temos, portanto, que do ponto de vista da providência requerida e decretada estamos perante uma providência cautelar conservatória, sendo, de resto, essa a qualificação unânime no que especificamente respeita às providências cautelares de suspensão de eficácia.

TT. Importa agora, tomando em consideração o que vem de se dizer, (i) quer quanto à qualificação da providência interposta como sendo de natureza conservatória, (ii.) quer quanto à tipologia dos atos suspensos, verificar os efeitos que o Recorrido poderá retirar da procedência da providência concretamente solicitada.

UU. A providência cautelar em causa não tem a virtualidade de suscetibilizar o pagamento dos montantes já compensados à Recorrida, sendo que, para o efeito, teriam as Recorridas de lançar mão de uma providência antecipatória, por via da qual teria de requerer a antecipação do pagamento dos montantes compensados.

VV. E poderia fazê-lo através do meio cautelar especificado, previsto na al. e) do n.º 2 do artigo 112.º do CPTA (cujo regime vem desenvolvido no artigo 133.º do CPTA) - tendente à "Regulação provisória de uma situação jurídica, designadamente, através da imposição à Administração do pagamento de uma quantia por conta de prestações alegadamente devida!' -, ou mesmo através de uma providência cautelar inominada que melhor se adequasse ao intento de receber os montantes em causa.

WW. A conclusão de que para obter o pagamento teriam de lançar mão de uma providência antecipatória não seria de todo afastada, caso as Recorridas considerassem que a tutela do seu alegado direito sairia melhor satisfeita por via de uma providência cautelar inominada em que requeressem o pagamento provisório, pois que, resulta claro que os efeitos que a referida providência consumaria eram exatamente os mesmos a "imposição à entidade requerida do dever de pagar, a título provisório".

XX. Os Recorridos, provavelmente, equivocados quanto aos efeitos que a referida sentença poderia incorporar na sua esfera jurídica, vem desde a sua prolação, remetendo cartas à Recorrente peticionando o pagamento dos montantes objeto de compensação - C&. Documentos n.º 1 e 2, cuja junção se requer por serem supervenientes (superveniência objetiva) nos termos do disposto nos artigos 651.º e 425.º do CPC, aplicável ex vi, artigo 1.º do CPTA.

YY. De modo que, será de concluir -até porque a sentença a quo não extrai diversa conclusão no seu conteúdo decisório - que a suspensão de eficácia dos atos de execução material por ser de natureza conservatória não é idónea ao pagamento das quantias alegadamente devidas pela Recorrente à Recorrida.

ZZ. Sempre padecendo a providência decretada de idoneidade para obrigar a Recorrente a proceder a qualquer pagamento, padecerá então a sentença de erro de julgamento, devendo nesta Parte ser revogada.

ERRO DE JULGAMENTO - QUANTO Á PONDERAÇÃO DE INTERESSES

AAA. No que especificamente respeita ao requisito da ponderação de interesses, do qual depende a adoção da presente providência, o Tribunal a quo, incorreu em erro de julgamento, por violação do disposto no n.º 2 do artigo 120.º do CPTA.

BBB. O Tribunal a quo não teve em consideração que a situação de debilidade financeira das Recorridas poderá pôr em causa o interesse público ao afetar irremediavelmente o erário público - se for entendimento que a procedência da providência cautelar implica o pagamento das quantias às recorridas. assim como o não acionamento das garantias.

CCC. A sentença a quo, caso tenha o alcance de determinar o pagamento das quantias às Recorridas (ainda que provisoriamente) potenciou que se gerasse um efeito perverso, pois a situação de facto consumado que se pretendeu acautelar por via da sentença a quo, gerar-se-á na esfera jurídica da Recorrente, caso em momento posterior não possa obter a devolução dos montantes.

DDD. Assim, incorreu em erro a sentença a quo por violação do disposto no n.º 2 do artigo 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

EEE. Acresce ainda (aos factos já provados quanto à debilidade financeira das Requerentes) que existem factos supervenientes, quer do ponto de vista objetivo - porque são posteriores à prolação da sentença -, quer do ponto de vista subjetivo -porque não eram do conhecimento do Tribunal a quo no momento da prolação da sentença -, que devem ser tomados em consideração para efeitos do requisito da ponderação de interesses.

FFF. A Recorrida C……….. & C………………, S.A. foi recentemente - após a prolação da sentença pelo Tribunal a quo -declarada insolvente.

GGG. Efetivamente, conforme resulta do Edital publicado, corre termos na Comarca de Leiria, Alcobaça - Inst. Central - 2.ª Sec. Comércio de Alcobaça, sob o Processo n.º 668/16.6T8ACB, o processo de insolvência daquela Recorrida, tendo sido proferida sentença de declaração de insolvência naqueles autos, no dia 11.05.2016 - Cfr. Documento n.º 3, cuja junção se requer por ser superveniente (superveniência objetiva) nos termos do disposto nos artigos 651.º e 425.º do CPC, aplicável, ex vi, artigo 1.0 do CPTA.

HHH. No que respeita à Recorrida, Sociedade de …………….., Lda., conforme resulta provado nos autos, no âmbito do Processo n.º 587/15.3T8PTG, que corre termos na Comarca de Portalegre - Inst. Local - Secção Cível - J2, foi decidido "homologar o plano de recuperação apresentado relativamente à devedora Sociedade de ……………………., Ltr'.

III. Em face desta circunstância, resulta que a realização de qualquer pagamento por parte da Recorrente poderá implicar a impossibilidade, de facto, de estes virem a ser devolvidos, caso venha a ser revogada a sentença a quo, ou caso venha a ação principal de que a presente providência é instrumental a ser julgada improcedente.

DO EFEITO DO RECURSO: Da adoção de providências adequadas a minorar os danos:

JJJ. Conforme resulta demonstrado entende a Recorrente que o decretamento da providência, por ser de caráter conservatório, em caso a1gum poderá comportar para a aqui recorrente uma atuação que se traduza no pagamento de quaisquer quantias à Recorrida.

KKK. Sem prejuízo, caso se entenda que, a suspensão de eficácia dos atos materiais de execução inculca na Recorrente o dever de pagamento das quantias, desde já se requer, nos termos do disposto n 4 do artigo 143.º do CPTA, que sejam tomadas medidas adequadas a minorar os danos que poderão decorrer para a esfera jurídica desta, caso o presente recurso venha a ser julgado procedente, ou caso a ação principal (seja ela qual for) venha a ser julgada improcedente.

LLL. Não obstante, os recursos relativos a providências cautelares tenham um efeito meramente devolutivo, a lei concede ao Tribunal o poder de na fixação do efeito do recurso "determinar a adoção de providências adequadas a evitar ou minorar esses danos e impor aprestação, pelo interessado, de garantia destinada a responder pelos mesmos' (neste sentido, entre muitos outros os Acórdãos STA, proferido no âmbito do Processo nº 1361/13, de 23.10.2013, TCA Norte, proferido no âmbito do Processo nº 00363/ 14, de 25.09.2014, TCA Norte, proferido no âmbito do Processo nº 0771/ 11, de 22.09.2011 e TCA SUL, proferido no âmbito do Rec. n.º 0831/ 11, de 02.02.2012.

Da situação financeira das Recorridas

MMM. No que respeita às condições financeiras das Recorridas, por economia processual, dá-se por integralmente reproduzido o alegado no capítulo que antecede.

NNN. Sem prejuízo de ser entendimento da Recorrente que a decisão recorrida não é suscetível de impor à Recorrente o pagamento de qualquer quantia - por ser de natureza conservatória -, caso assim não se entenda, requer-se nos termos do disposto n.º 4 do artigo 143.º do CPTA, que sejam tomadas medidas adequadas a minorar os danos que poderão decorrer para a esfera jurídica desta, caso o presente recurso venha a ser julgado procedente, ou caso a ação principal (seja ela qual for) venha a ser julgada improcedente, através de depósito autónomo à ordem do processo a prestar em prazo não inferior a 5 dias, em valor a fixar do Tribunal.

Caso assim não se entenda,

OOO. Sempre deverá ser ordenado o efeito suspensivo ao recurso, nos termos do artigo 647.º n.º 4 do CPC, aplicável ex vi, artigo 1.º do CPTA, através da prestação de caução por depósito autónomo à ordem do processo a prestar em prazo não inferior a 5 dias.

PPP. Resulta manifesto que esta decisão, viola, entre outros, o princípio da separação de poderes, normativos do CPA no seu artigo 155.º, 177.º; assim como, não respeita o princípio da instrumentalidade constante do artigo 113.º do CPTA; viola o n.º 2 do artigo 38.º e 53.º do CPTA; e, por fim, é nula por violação de caso julgado formal, ao não permitir a produção de efeitos de ato consolidado na ordem jurídica, conforme decisões transitadas em julgado, por violação do disposto no n.º 2 do artigo 120.º do CPTA. É nula por violação de caso julgado formal.

Nestes termos,

E nos melhores de Direito que V. Excelências, mui doutamente suprirão,

deve o presente recurso ser integralmente julgado procedente, e, em consequência, ser a decisão recorrida revogada e substituída por outra que julgue totalmente improcedente a providência.

Cumulativamente,

Mais se requer que (no caso de se entender que a sentença obriga a Recorrente ao pagamento das quantias compensadas), nos termos do disposto n.º 4 do artigo 143.º do CPTA, sejam adotadas providências adequadas a evitar/minorar os danos que poderão decorrer para a esfera jurídica desta, caso o presente recurso venha a ser julgado procedente, ou caso a ação principal (seja ela qual for) venha a ser julgada improcedente, através de depósito autónomo a prestar à ordem do processo a em prazo não inferior a 5 dias, em valor a fixar pelo Tribunal.

Caso assim não se entenda,

Sempre deverá ser ordenado o efeito suspensivo ao recurso, nos termos do artigo 647.º n.º 4 do CPC, aplicável ex vi, artigo 1.º do CPTA, através da prestação de caução por depósito autónomo à ordem do processo a prestar em prazo não inferior a 5 dias.

*

As requerentes contra-alegaram.

*

O M.P., através do seu digno representante junto deste tribunal, foi notificado para se pronunciar em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens referidos no n.º 2 do artigo 9.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, como previsto no nº 1 do art. 146º.

Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.

Para decidir, este tribunal (1) superior tem omnipresente a nossa Constituição como síntese da ideia-valor de Direito vigente, cujo modelo político é de natureza ético-humanista e cujo modelo económico é o da economia social de mercado, amparado no Direito.

Consideramos as três dimensões do Direito como ciência do conhecimento prático (por referência à ação humana e ao dever-ser inspirador das leis), quais sejam, (i) a dimensão factual social (que influencia muito e continuamente o direito legislado através das janelas de um sistema jurídico uno e real), (ii) a dimensão ética e seus princípios práticos (que influenciam continuamente o direito também através das janelas do sistema jurídico) e, a jusante, (iii) a dimensão normativa e seus princípios prático-jurídicos.

*

Cabe, ainda introdutoriamente, sublinhar que os recursos, sendo dirigidos contra a decisão do tribunal recorrido e respetivos fundamentos, têm o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso, alegação que apenas pode incidir sobre as questões (de facto (2) e ou de direito) que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas.

As QUESTÕES A RESOLVER neste recurso são as identificadas no ponto II.2, onde as apreciaremos.

*

II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1. FACTOS PROVADOS

« Texto no original»

Ao abrigo do artigo 662º/1 do Código de Processo Civil, adita-se a seguinte factualidade provada, com base nos documentos juntos:

1.111)

Nos termos da decisão arbitral referenciada no facto nº 1.66), entendeu-se que:

-Nos termos gerais, a resolução de contrato pode ser cumulada com o direito à indemnização, podendo, depois, discutir-se se será pelo interesse contratual positivo ou pelo dano negativo;

-Contudo, o direito à indemnização só se constitui no património do lesado se este tiver provado danos que se encontrem numa relação de causalidade com o direito à resolução de contrato que não pôde ser exercido;

-Ora, tais danos não foram provados neste processo, não sendo, por isso, devida a indemnização;

-Foram tão-só provados danos decorrentes da suspensão da obra;

-Assim sendo, os prejuízos totais do Empreiteiro ascendem a 171.276,09, a que acrescem juros à taxa comercial aplicável, contados desde a data da interposição da ação arbitral -cfr. p. 39 do ac. arbitral.

1.112)

Nos termos da decisão arbitral referenciada no facto nº 1.67), foi afirmado que:

-Houve um conjunto de fatores que as Demandantes conseguiram provar ter introduzido entropias ou perturbações na execução dos trabalhos;

-Assim, tenha-se em consideração (i) a não formalização (ou a não formalização atempada) de Adicionais, (ii) a emissão de diversas ordens de execução, (iii) a existência de diversas alterações aos projetos e atrasos na aprovação de materiais e (iv) o não pagamento atempado das faturas pelas Demandantes. - Cfr. p. 113 do acórdão arbitral;

-Embora as Demandantes não tenham logrado provar que cada um dos concretos factos alegados implicaria, por si só, uma prorrogação do prazo de execução dos trabalhos, nos termos em que o alegaram (o que até se compreende, na medida em que os trabalhos de facto terminaram. na data constante do Plano de Trabalhos apresentado em maio de 2012 que já se considerou ter sido tacitamente aceite), nem os sobrecustos decorrentes desse atraso, a verdade é que lograram provar ter sofrido perturbações (na linguagem anglo-saxónica "disruption") na execução dos mesmos, o que também é indemnizável (na medida em que tanto os atrasos ou maior permanência em obra como as perturbações originam sobrecustos. - Cfr. p. 119 do acórdão arbitral;

-Tal como a doutrina (sobretudo estrangeira, uma vez que a nacional não se tem debruçado sobre este tema) vem ensinando, as Demandantes não foram capazes de provar, numa relação causa/efeito, de acordo com a teoria da causalidade adequada, que cada um dos eventos que apresentaram corresponde a um atraso imputável à Demandada. Em consequência, também não provaram que cada um daqueles eventos (e todos agregadamente) tenha sido causa adequada da totalidade dos sobrecustos reclamados. Cfr. p. 119 do acórdão arbitral;

-Claramente decorre dos factos dados como provados que as Demandantes tiveram sobrecustos na execução do contrato. No fundo as Demandantes não lograram suceder na prova da sua causa principal, mas foram capazes de provar uma causa de pedir secundária que já não passa pela existência de atrasos imputáveis à Demandada, mas pela perda de produtividade dos meios (sobretudo humanos) por perturbações introduzidas pela Demandada. - Cfr. p. 119 e 120 do acórdão arbitral.

*

Continuemos.

II.2. APRECIAÇÃO DO RECURSO: O DIREITO

Tudo visto, cumpre decidir.

Com efeito, aqui chegados, há condições para se compreender esta apelação e para, num dos momentos da verdade do Estado de Direito (o do controlo jurisdicional do agir da administração pública), ter presentes, inter alia, os seguintes princípios jurídicos fundamentais decorrentes do superprincípio geral da justiça: (i) juridicidade e legalidade administrativa, ao serviço do bem comum; (ii) igualdade de tratamento material axiológico de todas as pessoas humanas; (iii) certeza e segurança jurídicas (3) (que obrigam à obediência rigorosa ao imposto ao juiz pelo artigo 9º do Código Civil); e (iv) tutela jurisdicional efetiva.

Este tribunal superior utiliza, por isso, um método de Ciência do Direito adequado à garantia efetiva, previsível e transparente dos direitos dos “cidadãos administrados”, através de um processo decisório teleologicamente orientado apenas (i) à concretização dos valores da Constituição e (ii) ao controlo racional de coerência dos nexos da sistematicidade jurídica que precedam a resolução do caso.

Assim, a resolução jurisdicional de casos implica:

(i) um rigoroso respeito pelas normas (materialmente constitucionais) inseridas no artigo 9º do Código Civil (4), na busca do pensamento legislativo da fonte de direito, dentro do sistema jurídico atual, com respeito pela máxima constitucional da sujeição dos juizes às leis durante o processo de interpretação-aplicação do Direito;

(ii) e, nos casos “difíceis” ou residuais em que tal for lícito ao juiz, a metodologia racional-justificativa consistente no sopesamento ou ponderação de bens, interesses e valores eventualmente colidentes na situação concreta, sob a égide da máxima da proporcionalidade (5) e da máxima constitucional da sujeição dos juizes às leis, em sede do processo de interpretação-concretização do Direito.

Identifiquemos e analisemos, pois, as questões a resolver por este tribunal superior.

1ª QUESTÃO - DO EFEITO DESTE RECURSO (artigos 143º/4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e 647º/4 do Código de Processo Civil)

Foi fixado o efeito meramente devolutivo a este recurso.

A recorrente discorda e pretende a aplicação do artigo 143º/4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Mas não tem razão.

Ao presente tipo de processo (cautelar) aplica-se sempre e apenas o artigo 143º/2/b) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos/2015, que determina o efeito devolutivo.

O nº 4 do artigo 143º (quando a atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso possa ser causadora de danos, o tribunal pode determinar a adoção de providências ade­quadas a evitar ou minorar esses danos e impor a prestação, pelo interessado, de garantia destinada a responder pelos mesmos) tem a ver com o nº 3, segundo o qual, quando a suspensão dos efeitos da sentença seja passível de originar situações de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação para a parte vencedora ou para os interesses, públicos ou privados, por ela prosseguidos, o recorrente, no requeri­men­to de interposição de recurso, pode requerer que ao recurso seja atribuído efeito meramente devolutivo.

2ª QUESTÃO - DA VIOLAÇÃO DO ARTIGO 53º/3 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos

A)

Está aqui em causa, no âmbito da tutela cautelar, a execução de obrigações pecuniárias, a que se refere o artigo 179º do Código do Procedimento Administrativo/2015:

1 - Quando, por força de um ato administrativo, devam ser pagas prestações pecuniárias a uma pessoa coletiva pública, ou por ordem desta, segue-se, na falta de pagamento voluntário no prazo fixado, o processo de execução fiscal, tal como regulado na legislação do processo tributário.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o órgão competente emite, nos termos legais, uma certidão com valor de título executivo, que remete ao competente serviço da Administração tributária, juntamente com o processo administrativo.

3 - Nos casos em que, nos termos da lei, a Administração proceda, diretamente ou por intermédio de terceiro, à execução coerciva de prestações de facto fungível, o procedimento previsto no presente artigo pode ser sempre utilizado para obter o ressarcimento das despesas efetuadas.

Mas, comecemos por sintetizar os factos e a decisão cautelar recorrida.

A E.R., no âmbito do contrato de empreitada celebrado com as requerentes (com consórcio destas), aplicou-lhes em março/2013 uma multa ou sanção contratual no valor global de € 7.453.893,00) – cfr. artigos 302º/d), 307º/2/c), 308º, 325º e 329º do Código dos Contratos Públicos.

Fê-lo através de uma compensação, em conta-corrente, (i) do valor de uma condenação arbitral indemnizatória favorável às aqui requerentes (€ 171.276,09) com (ii) o valor da sanção contratual, daí resultando um saldo credor para a PARQUE ESCOLAR.

Por decisão arbitral de 18-11-2015, já transitada, a E.R. foi condenada a pagar às requerentes uma determinada indemnização (€ 171.276,09), por causa daquele mesmo contrato (indemnização decorrente de sobrecustos suportados com um concreto prolongamento do prazo de execução da empreitada por motivos imputáveis à PARQUE ESCOLAR, ao abrigo do instituto da reposição do equilíbrio financeiro do contrato; contrato este depois resolvido por acórdão arbitral de 5-11-2015).

Com as decisões administrativas aqui suspendendas, de finais de 2015 e início de 2016 (cfr. factos provados nº 1.68 a 1.73), que exigiram das Requerentes o pagamento da sanção pecuniária em certo prazo, a E.R., operando uma compensação de créditos (cfr. artigo 847º do Código Civil e cláusula 52.5 do Contrato), interpelou as requerentes a lhe pagarem os montantes resultantes da diferença entre

-A sanção pecuniária contratual antes fixada, sanção contratual não impugnada pelas requerentes no prazo fixado no artigo 58º/2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e

-Os valores das indemnizações antes fixados por decisão arbitral, tendo a E.R. optado por instar cada uma das Requerentes de acordo com a sua participação percentual no consórcio externo que elas haviam formado para a empreitada.

Depois teria de agir de acordo com o artigo 179º do Código do Procedimento Administrativo e ou de acordo com o regime previsto no Código dos Contratos Públicos relativamente ao acionamento da caução prestada pelos empreiteiros.

Ora, de acordo com o artigo 1º do R.I., pretendem as Requerentes, com a providência ora requerida, impedir a continuação e a prática de novos atos executivos por parte da Entidade Requerida PARQUE ESCOLAR, decorrentes da aplicação de sanção contratual aplicada no âmbito de empreitada de obra pública.

E acrescentam as requerentes nos artigos 29º e 30º do R.I.:

«Se a Requerida PARQUE ESCOLAR vier a prosseguir com a prática de atos executivos decorrentes do ato sancionatório, seja por compensação do valor da multa contratual com os valores dos trabalhos efetuados, das retenções de garantia, de revisão de preços e das quantias em que foi condenada a pagar nas duas decisões arbitrais, seja acionando as garantias bancárias oferecidas a título de caução, seja através da promoção de emissão de certidão que venha a servir de título executivo em execução fiscal, então pura e simplesmente impedirá às Requerentes a possibilidade de vir a lutar pelo seu direito indemnizatório, conduzindo-as à inevitabilidade da insolvência»;

«É este precisamente o efeito útil que se pretende salvaguardar com a providência que adiante se requererá, procurando evitar males maiores – repete-se a inevitabilidade da insolvência das Requerentes - que da execução do ato sancionatório resultariam inevitavelmente, males esses – também de interesse público! - absolutamente desproporcionais a qualquer interesse público a salvaguardar com a prática de tais atos executivos».

Portanto:

-Está claro que as requerentes pretendem, com este processo cautelar (e a sua ação principal), inviabilizar o pagamento (exigido agora, em finais de 2015 e início de 2016) da sanção pecuniária contratual referida, decidida e notificada em março de 2013, pois, segundo dizem no R.I., correm o risco muito sério de, por causa do pagamento da sanção pecuniária (subtraída do valor da cit. indemnização), ficarem insolventes.

O Tribunal Administrativo de Círculo entendeu assim:

- Referindo-se ao artigo 53º/3 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (os atos jurídicos de execução de atos administrativos só são impugnáveis por vícios próprios, na medida em que tenham um conteúdo decisório de caráter inovador), bem como ao artigo 38º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e ainda afirmando não ignorar o artigo 58º/2/b) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos quanto à sanção pecuniária contratual de 2013, o Tribunal Administrativo de Círculo entendeu que o (s) ato (s) suspendendo (s) de 2015-2016 tem conteúdo inovador, por reconfigurar o dever de prestar pecuniário dos requerentes, ao realizar a operação aritmética de compensação referida; assim teria ocorrido uma circunstância que daria um conteúdo inovador ao ato de execução; ao mesmo tempo, parece que o Tribunal Administrativo de Círculo também considerou ter havido reconfiguração do ato administrativo exequendo de 2013;

- Haveria nos atos suspendendos três momentos de intervenção administrativa caracterizada pela sua natureza inovatória, constitutiva e definidora da situação jurídica dos particulares, a saber:

a decisão de manter intocada a multa contratual, apesar do teor das decisões dos tribunais arbitrais terem apontado com suposta mediana clareza a existência de erro nos pressupostos de facto;

a decisão de operar uma compensação jurídica e pecuniária dos montantes arbitrados nas decisões do tribunal arbitral com a multa contratual;

e uma última decisão, no sentido de, caso não fosse efetuado o pagamento no prazo oferecido para o cumprimento voluntário, se proceder desde logo ao acionamento das garantias e cauções prestadas pelas requerentes a favor do dono da obra;

- Já saberíamos que o ato que aplicou a sanção contratual, notificado às requerentes pelo ofício com a referência «NUI-2013-002118-s», recebido na sede do consórcio das requerentes a 18.03.201 3 [cf. ponto 1.47) dos factos provados], já se consolidou no ordenamento jurídico, por ter caducado o direito de ação para obter a respetiva anulação contenciosa, nos termos do disposto no artigo 58.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. De resto, isso mesmo foi já decidido, quer pelo tribunal, quando decretou a caducidade da providência cautelar de suspensão de eficácia da predita multa (em decisão confirmada pelo Tribunal Central Administrativo Sul e pelo Supremo Tribunal Administrativo), quer pelo tribunal arbitral – cf. alíneas 1.50), 1.51), 1.56), 1.57), 1.58), 1 .60), 1.61) e 1.63) do probatório. Não restam, pois, quaisquer dúvidas acerca da preclusão do direito de anulação contenciosa da multa contratual;

- Mas nem por isso se poderia dizer que esse ato (de 2013) não poderia ainda, à data dos atos suspendendos, ser expurgado do ordenamento jurídico, no todo ou em parte. Na verdade, se o ato exequendo (de 2013) não pode ser já anulado pelos tribunais, ainda assim podia (e pode ainda) a própria entidade requerida revogá-lo, a todo o tempo, determinando a cessação de (alguns dos seus) efeitos do ato que aplicara a multa, por razões de mérito, conveniência ou oportunidade (artigo 165 .º, n.º 1 , do Código do Procedimento Administrativo), ou até anulá-lo administrativamente, com fundamento em invalidade (artigo 165.º, n.º 2, do mesmo diploma), no prazo de 6 meses contados da data do conhecimento pelo órgão competente da causa de invalidade (de novembro de 2015, datas das decisões dos tribunais arbitrais que condenaram a entidade requerida a pagar às requerentes indemnizações, depois de reconhecerem que os atrasos na execução da empreitada não se haviam devido, em exclusivo, à inércia ou culpa do consórcio externo empreiteiro);

- Com efeito, disse o Tribunal Administrativo de Círculo, a aplicação da multa contratual não constituiria um dever absoluto para o dono da obra, mas sim uma faculdade de que este disporia para incentivar o cumprimento pontual e integral do contrato de empreitada. Isso mesmo o denotariam os artigos 329.º e 404.º do Código dos Contratos Públicos. Não haveria, pois, qualquer vinculação legal de irrevogabilidade da decisão pela Administração, nem estaríamos aqui perante qualquer obrigação legal ou indisponível para o dono da obra. Por conseguinte, não existiriam aqui condicionalismos que obstassem, quer à revogação, quer à anulação daquele ato, no todo ou em parte, pela entidade requerida. Ora, se assim é, se a decisão de aplicação de multa contratual poderia ainda ser parcial ou totalmente expurgada do ordenamento jurídico, então os atos suspendendos revelariam, mais do que uma mera declaração de ciência (no sentido da consolidação dos efeitos daquela sanção por inimpugnabilidade contenciosa ratione tempore), um verdadeiro conteúdo dispositivo, inovatório e definidor da relação material controvertida: a de não revogar ou anular esse ato e, deste modo, mantê-lo no ordenamento jurídico; mais: os atos suspendendos alterariam parcialmente o conteúdo dispositivo daquele ato exequendo, na medida em que, assumindo a validade daquele ato e partindo desses mesmos pressupostos, reconfigurariam o concreto dever de prestar pecuniário de cada uma das consorciadas, ora requerentes. Por esse motivo, o quantum obtido pela entidade requerida, apesar de traduzir o resultado de uma operação aritmética, não seria desprovido de um imanente significado jurídico e volitivo do dono da obra, verdadeiramente definidor e conformador da relação jurídica procedimental com as requerentes;

- A E.R. teria esquecido de ponderar no ato de execução as seguintes realidades supervenientes ao ato exequendo (o que seria uma ilegalidade própria do ato de execução): as decisões arbitrais de novembro de 2015 teriam dito que os atrasos na empreitada se ficaram a dever em parte à E.R.; e a resolução contratual promovida pelas requerentes em tribunal arbitral, por causa da suspensão dos trabalhos imposta pela E.R.;

- Além das ilicitudes do ato exequendo (a serem apreciadas em sede do pedido ressarcitório, que não anulatório - pois, sublinha o Tribunal Administrativo de Círculo, há caso resolvido e também caducidade do direito de ação de anulação desse ato exequendo), haveria ainda invalidades dos próprios atos de execução; os pressupostos de facto em que estribou a entidade requerida as suas decisões de aplicar a multa, primeiro, e de, considerando-a válida na sua integridade, sem a revogar ou anular ao menos parcialmente, operar a compensação, depois, seriam em parte falsos; prefigurar-se-ia o sucesso, por isso mesmo, na pretensão a esgrimir no processo declarativo principal, ao menos com base neste argumento;

- A dinâmica factual indiciariamente apurada permitiria ainda perspetivar que a decisão de aplicação de multa tomou em linha de consideração, como parâmetro aferidor do valor diário, o valor constante do contrato inicial [€ 24 922 000, 0 0 – cf. ponto 1 .9) do probatório]. Ora, sem prejuízo do disposto no contrato e no próprio Código dos Contratos Públicos, sempre se poderia postular (como o fazem, de resto, as requerentes) que, em obediência a princípios jusfundamentais como a proporcionalidade e a boa fé contratual, a entidade requerida poderia ter tomado em linha de consideração a sucessiva erosão do valor do contrato, decorrente dos adicionais, em que prevaleceram trabalhos a menos e supressão de trabalhos, com depreciação do valor contratual; na verdade, fruto dos adicionais referidos nos autos [cf. pontos 1.22), 1.23), 1 .2 4 ), 1 .40), 1.46) e 1.65) dos factos provados], o cômputo dos trabalhos suprimidos traduzir-se-ia no valor global de € 1 593 135,01, que, suprimidos ao valor aludido previsto no contrato, consubstanciaria uma revisão, em baixa, do valor contratual em € 23 328 864,99; se a este valor se acrescentasse o valor resultante da resolução contratual e se deduzisse ainda o último auto de medição elaborado após resolução contratual (segundo a entidade requerida, no valor de € 3 297 317,04), obteríamos o valor final contratual atualizado de € 20 031 547,95; logo, teria havido uma depreciação global do valor contratual, na melhor das hipóteses, de € 4 890 452,05 (segundo as requerentes tal valor ascenderá mesmo a 5 2 80 5 2 5 ,1 1 );

- Os princípios da justiça, da proporcionalidade e da boa fé aconselhariam, pois, que a entidade requerida, no cálculo efetuado com vista à execução do ato exequendo, tomasse em linha de consideração esta depreciação, e nada nos autos indiciaria que assim tenha sido; o que acaba feito pelo Tribunal Administrativo de Círculo na sua decisão cautelar;

- Teria havido violação do artigo 177º/2 do Código do Procedimento Administrativo, aspeto que este Tribunal Central Administrativo Sul não vê invocado nos articulados;

- Em sede de fumus boni iuris (quanto ao ato de execução), o Tribunal Administrativo de Círculo ainda considerou: ambas as partes contribuíram para os atrasos nas obras; parte dos pressupostos da sanção contratual seriam falsos; a E.R. deveria tomar em consideração a depreciação do valor contratual, para efeitos do montante da multa ou sanção contratual;

- Em sede de periculum in mora: as empresas Costa e Crentejo estão numa grave situação de deterioração financeira (sem a ligar à atuação da E.R., como, aliás, é “imposto” pela factualidade provada) factos provados nº 1.79 ss - sendo que a execução da sanção contratual causaria a insolvência das empresas;

- Em sede do juízo expresso fundamentado exigido pelo artigo 120º/2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o Tribunal Administrativo de Círculo considerou não haver qualquer prejuízo para o interesse público em presença.

B)

A E.R. considera que a decisão cautelar recorrida violou o cit. artigo 53º/3 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Diz-nos o artigo 53º/3 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos:

- Os atos jurídicos de execução de atos administrativos só são impugnáveis por vícios próprios, na medida em que tenham um conteúdo decisório de caráter inovador.

Ora, o ato de execução suspendendo, de 2015/2016, exigiu das empreiteiras o pagamento da sanção contratual decidida em 2013, fazendo simultaneamente uma compensação de créditos com o valor de uma indemnização decretada a favor as Requerentes, sem, no entanto, passar à “fase” da execução fiscal referida no aqui aplicável artigo 179º do Código do Procedimento Administrativo ou à “fase” de acionamento das garantias bancárias prestadas pelas Requerentes.

A dita compensação de créditos (decidida em 2015) ocorreu como está previsto nos consabidos artigos 847º, 848º/1 e 854º do Código Civil e na cl. 52.5 do Contrato, descontando ao valor da sanção contratual fixada em 2013 o valor de um crédito indemnizatório que as empreiteiras tinham contra a E.R. desde novembro de 2015.

O que o ato de execução, de finais de 2015 e início de 2016, tem de novo é apenas a compensação, um encontro de contas, utilizando dois valores pecuniários (definitivos, líquidos e exigíveis) em confronto. Nada mais.

Mas neste processo cautelar (que o Tribunal Administrativo de Círculo considera ser ou dever ser um processo instrumental de uma ação administrativa ressarcitória – embora já tenha existido uma - e não de uma ação de anulação) não se discutiu de todo a compensação em si; discutiu-se, sim, a sanção contratual exequenda de 2013, já perfeitamente consolidada na ordem jurídica.

Trata-se de algo claramente proibido pelos artigos 38º/2 e 53º/3 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Cfr. M. AROSO DE ALMEIDA, Manual…, 2ª ed., pág. 267, nº 163.

C)

Além disso, não tem sentido o discurso fundamentador do Tribunal Administrativo de Círculo, quando afirma os seguintes dois paradoxos:

1º paradoxo)

«Não restam, pois, quaisquer dúvidas acerca da preclusão do direito de anulação contenciosa da multa contratual. Mas nem por isso se pode dizer que esse ato não pode ainda, à data dos atos suspendendos, ser expurgado do ordenamento jurídico, no todo ou em parte. Na verdade, se o ato exequendo não pode ser já anulado pelos tribunais, ainda assim podia (e pode ainda) a própria entidade requerida revogá-lo, a todo o tempo, determinando a cessação de (alguns dos seus) efeitos do ato que aplicara a multa, por razões de mérito, conveniência ou oportunidade (artigo 165. º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo), ou até anulá-lo…».

Tal raciocínio esquece que a E.R., ao exigir em 2015 o pagamento da sanção contratual fixada em 2013, está logicamente a dizer que não revoga nem anula o prévio ato exequendo.

Também esquece o decurso dos prazos para a revogação e a anulação administrativas.

2º paradoxo)

«a aplicação da multa contratual não constitui um dever absoluto para o dono da obra, mas sim uma faculdade de que este dispõe para incentivar o cumprimento pontual e integral do contrato de empreitada. Isso mesmo o denotam os artigos 329.º e 404.º do Código dos Contratos Públicos. Não há, pois, qualquer vinculação legal de irrevogabilidade da decisão pela Administração, nem estamos aqui perante qualquer obrigação legal ou indisponível para o dono da obra. Por conseguinte, não existem aqui condicionalismos que obstem, quer à revogação, quer à anulação daquele ato, no todo ou em parte, pela entidade requerida. Ora, se assim é, se a decisão de aplicação de multa contratual pode ainda ser parcial ou totalmente expurgada do ordenamento jurídico, então os atos suspendendos revelam, mais do que uma mera declaração de ciência (no sentido da consolidação dos efeitos daquela sanção por inimpugnabilidade contenciosa ratione tempore), um verdadeiro conteúdo dispositivo, inovatório e definidor da relação material controvertida: a de não revogar ou anular esse ato e, deste modo, mantê-lo no ordenamento jurídico; mais: os atos suspendendos alteraram parcialmente o conteúdo dispositivo daquele ato exequendo, na medida em que, assumindo a validade daquele ato e partindo desses mesmos pressupostos, reconfiguraram o concreto dever de prestar pecuniário de cada uma das consorciadas, ora requerentes»

Ora, além de denotar uma confusão entre a “aplicação da multa contratual” em 2013 (cfr. artigo 329º do Código dos Contratos Públicos) e a exigência, quase três anos depois, do seu pagamento em certo prazo, não é correto e é obviamente incoerente dizer-se:

- Que o ato de execução de 2015 é inovatório por implicitamente manter o ato exequendo de 2013; e

- Que o ato de execução é decisório, por não ter havido ou por ele mesmo, ato de execução, não ter operado uma revogação ou anulação do ato exequendo (que seria, alegadamente, ilegal).

Além disso, o concreto modo de pagar o dinheiro, de prestar, como diz o Tribunal Administrativo de Círculo, não foi sequer abordado, nem pelo ato exequendo, nem pelo ato de execução.

Cfr. M. AROSO DE ALMEIDA, Manual…, 2ª ed., pág. 268, al. a).

O que aqui é natural: resta o pagamento voluntário, como se prevê no artigo 179º/1 do Código do Procedimento Administrativo, e ainda o acionamento da caução prestada pelos empreiteiros a título de garantia.

Houve, sim, em 2015/2016, a efetivação de uma compensação de créditos e a exigência do montante sobrante (após compensação de créditos) da sanção contratual definida em 2013, inimpugnável em razão do prazo de ação contenciosa.

D)

É de sublinhar ainda que o âmago dos atos de execução é a efetivação dos atos exequendos; e não a modificação, revogação ou anulação destes.

Cfr. M. AROSO DE ALMEIDA, T.G.D.A., 3ª ed., págs. 249 ss.

O facto de um ato de execução não atacar o ato exequendo não é, obviamente, sinónimo de decisão inovatória por parte do ato de execução.

Além disso, ao contrário do referido pelo Tribunal Administrativo de Círculo, o ato de execução suspendendo até levou em consideração factos supervenientes à fixação da sanção contratual: “descontou” o valor da indemnização citada, fixada pelo tribunal arbitral.

O que a E.R. não tinha e não tem é o dever de concordar com a fundamentação da decisão do tribunal arbitral; tinha sim o dever de a cumprir, pagando a indemnização, como pretendeu aqui fazer através da compensação de créditos.

Note-se ainda que aquela indemnização fixada por tribunal arbitral, aqui compensada, levou em linha de conta as vicissitudes contratuais ocorridas e provadas nesses concretos processos contenciosos.

E)

Coisa muito diferente é, agora, se afirmar que as fundamentações de facto e ou de direito das decisões arbitrais de nov.-2015 retiraram ou afastaram “a posteriori” os pressupostos da sanção contratual de 2013, cujo direito de ação anulatória já caducou.

Aliás, de tais arbitragens não resulta o que pretendem as Requerentes e que o Tribunal Administrativo de Círculo repetiu.

Em primeiro lugar, a força de caso julgado de tais decisões é definida pela parte decisória sobretudo, como se sabe.

Em segundo lugar, não esqueçamos o artigo 38º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos:

1 — Nos casos em que a lei substantiva o admita, designadamente no domínio da responsabilidade civil da Administração por atos administrativos ilegais, o tribunal pode conhecer, a título incidental, da ilegalidade de um ato administrativo que já não possa ser impugnado.

2 — Sem prejuízo do disposto no número anterior, não pode ser obtido por outros meios processuais o efeito que resultaria da anulação do ato inimpugnável.

Ora, este artigo 38º/2 impede esta atuação processual das Requerentes e esta decisão do Tribunal Administrativo de Círculo.

Mesmo que a ação principal, apenas de indemnização ou de compensação (tutela secundária) como diz o Tribunal Administrativo de Círculo, tenha sucesso, dela nunca poderá advir qualquer vantagem para as Requerentes que seja equivalente à invalidação da sanção contratual fixada em 2013 pela E.R. contra as Requerentes.

A retirada dos efeitos jurídicos próprios do ato exequendo só pode ocorrer com a ação anulatória, cujo direito já caducou; não pode ocorrer com a ação indemnizatória a que este processo cautelar está associado.

Isto é, não se pode mais discutir, a título principal, a anulação do ato exequendo; de onde resulta que, produzindo ele todos os seus efeitos, já não pode perder a sua força executiva, a sua natureza de título executivo (a que acrescerá eventualmente o título executivo específico previsto no cit. nº 1 do artigo 179º).

Cfr. M. AROSO DE ALMEIDA, T.G.D.A., 3ª ed., págs. 250 e 255 ss; e “comentário” in Fausto De Quadros et al., Comentários à Revisão do Código do Procedimento Administrativo, 2016, pág. 386.

E em terceiro lugar, o que consta das decisões arbitrais de nov.-2015 é o que passamos a transcrever, donde é impossível concluir que os concretos pressupostos desta concreta sanção ou multa contratual de 2013 se provaram, entretanto, em 2015, ser falsos.

Quer dizer, o Tribunal Administrativo de Círculo não atendeu bem às decisões arbitrais que invoca.

Com efeito, nos termos da decisão arbitral referenciada no facto nº 1.66), entendeu-se que:

-Nos termos gerais, a resolução de contrato pode ser cumulada com o direito à indemnização, podendo, depois, discutir-se se será pelo interesse contratual positivo ou pelo dano negativo.

-Contudo, o direito à indemnização só se constitui no património do lesado se este tiver provado danos que se encontrem numa relação de causalidade com o direito à resolução de contrato que não pôde ser exercido.

-Ora, tais danos não foram provados neste processo, não sendo, por isso, devida a indemnização.

-Foram tão-só provados danos decorrentes da suspensão da obra.

-Assim sendo, os prejuízos totais do Empreiteiro ascendem a 171.276,09, a que acrescem juros à taxa comercial aplicável, contados desde a data da interposição da ação arbitral" -cfr.p.39 do ac. arbitral.

Nos termos da decisão arbitral referenciada no facto nº 1.67), foi afirmado que:

"Houve um conjunto de fatores que as Demandantes conseguiram provar ter introduzido entropias ou perturbações na execução dos trabalhos.

-Assim, tenha-se em consideração (i) a não formalização (ou a não formalização atempada) de Adicionais, (ii) a emissão de diversas ordens de execução, (iii) a existência de diversas alterações aos projetos e atrasos na aprovação de materiais e (iv) o não pagamento atempado das faturas pelas Demandantes.- cfr. p. 113 do acórdão arbitral.

-Embora as Demandantes não tenham logrado provar que cada um dos concretos factos alegados implicaria, por si só, uma prorrogação do prazo de execução dos trabalhos, nos termos em que o alegaram (o que até se compreende, na medida em que os trabalhos de facto terminaram. na data constante do Plano de Trabalhos apresentado em maio de 2012 que já se considerou ter sido tacitamente aceite), nem os sobrecustos decorrentes desse atraso, a verdade é que lograram provar ter sofrido perturbações (na linguagem anglo-saxónica "disruption") na execução dos mesmos, o que também é indemnizável (na medida em que tanto os atrasos ou maior permanência em obra como as perturbações originam sobrecustos. - Cfr. p. 119 do acórdão arbitral.

-Tal como a doutrina (sobretudo estrangeira, uma vez que a nacional não se tem debruçado sobre este tema) vem ensinando, as Demandantes não foram capazes de provar, numa relação causa/efeito, de acordo com a teoria da causalidade adequada, que cada um dos eventos que apresentaram corresponde a um atraso imputável à Demandada. Em consequência, também não provaram que cada um daqueles eventos (e todos agregadamente) tenha sido causa adequada da totalidade dos sobrecustos reclamados. Cfr. p. 119 do acórdão arbitral.

-Claramente decorre dos factos dados como provados que as Demandantes tiveram sobrecustos na execução do contrato. No fundo as Demandantes não lograram suceder na prova da sua causa principal, mas foram capazes de provar uma causa de pedir secundária que já não passa pela existência de atrasos imputáveis à Demandada, mas pela perda de produtividade dos meios (sobretudo humanos) por perturbações introduzidas pela Demandada. - Cfr. p. 119 e 120 do acórdão arbitral.

Em síntese: mesmo que tal fosse juridicamente admissível, as decisões arbitrais de 2015 não contendem com os pressupostos da sanção contratual fixada em 2013, sanção já consolidada na ordem jurídica antes daquelas.

F)

Por outro lado, ainda, não é correto entender que a efetivação da sanção contratual por parte do Estado e das demais entidades públicas é uma mera faculdade.

O “pode” do artigo 329º do Código dos Contratos Públicos tem um sentido autorizativo e criador de um dever legal; e não o sentido de estabelecer uma faculdade, um poder discricionário.

Confirma-o ainda o artigo 65º/1/m) da Lei nº 98/97, segundo o qual o Tribunal de Contas pode aplicar multas às entidades públicas no caso de não acionamento dos mecanismos legais relativos ao exercício do direito de regresso, à efetivação de penalizações ou a restituições devidas ao erário público.

G)

O Tribunal Administrativo de Círculo invocou como vício próprio do ato de execução a violação do artigo 177º/2 do Código do Procedimento Administrativo/2015 (Salvo em estado de necessidade, os procedimentos de execução têm sempre início com a emissão de uma decisão autónoma e devidamente fundamentada de proceder à execução administrativa, na qual o órgão competente determina o conteúdo e os termos da execução).

Mas não o podia fazer, porque o R.I. (ou a Oposição) não invoca tal suposto vício próprio do ato suspendendo.

Lido e relido o R.I., não se descortina um ataque direto à própria decisão suspendenda, de 2015, de exigir o pagamento da sanção pecuniária contratual aplicada em 2013 (subtraída do valor da indemnização). Não fez parte da causa de pedir (o que não surpreende, porque o R.I. ataca a legalidade do ato exequendo de 2013).

É o que resulta dos artigos 608º/2 e 615º/1/d) do Código de Processo Civil, não sendo aqui aplicável o artigo 95º/3/2ª parte do Código de Processo nos Tribunais Administrativos/2015, porque estamos diante de um processo cautelar e porque o processo principal em causa, segundo o Tribunal Administrativo de Círculo, não é um processo impugnatório.

Pelo que o Tribunal Administrativo de Círculo não se podia substituir às Requerentes na conformação do objeto deste processo.

Também por isto a decisão cautelar é ilegal.

H)

E, ainda que assim não fosse (isto é, se fosse lícito ao juiz se substituir às partes na invocação de ilegalidades contra um ato jurídico da A.P.), perante o teor dos artigos 177º, 179º (6) e 182º/2 (7) do Código do Procedimento Administrativo/2015 parece-nos que, relativamente aos procedimentos administrativos de execução de obrigações pecuniárias, não há lugar à aplicação do nº 2 do artigo 177º (e do artigo 182º/3/b)).

O “conteúdo” e os “termos” da execução (a que se refere o nº 2 do artigo 177º) já resultam da conjugação do prévio ato exequendo (aqui, consolidado na ordem jurídica) com o disposto imperativamente nos nº 1 e 2 do artigo 179º do Código do Procedimento Administrativo.

Com efeito, existindo um título executivo (o prévio ato exequendo, definidor da obrigação pecuniária), a A.P. tem apenas de fazer o seguinte:

-Fixar um prazo para o pagamento voluntário (cfr. artigo 179º/1 do Código do Procedimento Administrativo) da obrigação exequenda; o que, no caso em apreço, consta do ato jurídico suspendendo;

-Depois, no caso de falta de pagamento naquele prazo, emitirá a certidão de dívida (2º título executivo) e despoletará a execução fiscal como previsto nos nº 1 e 2 do artigo 179º.

I)

Tudo visto, concluímos que, tanto o R.I., como a longa decisão cautelar recorrida, violaram claramente o artigo 53º/3 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos/2015 (bem como o nº 1 do artigo 182º do Código do Procedimento Administrativo/2015).

É, portanto, certo que não as Requerentes não demonstraram factos que alicercem o fumus boni iuris exigido pelo artigo 120º/1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos:

a) o R.I. não apontou qualquer vício próprio a atos de execução; apenas o fez quanto ao ato exequendo;

b) quanto a vícios próprios do ato suspendendo, o ato de execução que fixou o prazo de pagamento em 15 dias, o tribunal recorrido tratou (aliás, em moldes muito densos para um processo cautelar) de uma suposta ilegalidade que não foi invocada pelos Requerentes no seu R.I., conduta jurisdicional que, como dissemos, é proibida pelo Código de Processo Civil ex vi Código de Processo nos Tribunais Administrativos;

c) mesmo que o Tribunal Administrativo de Círculo o pudesse fazer, tal ilegalidade própria do ato de execução não se verificaria, como demonstrámos supra.

Pelo que a decisão cautelar, ao entender diferentemente (e apesar do longo discurso fundamentador), é ilegal: não há fumus boni iuris.

Procede, assim, esta questão central do presente recurso.

Fica, assim, prejudicado o demais invocado pela recorrente.

*

III. DECISÃO

Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com os poderes conferidos no artigo 202º da Constituição, acordam os Juizes Desembargadores da 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, julgando-o procedente, revogar a decisão cautelar recorrida e indeferir o pedido cautelar.

Custas a cargo das 2 recorridas em ambas as instâncias.

Lisboa, 6-10-2016


(Paulo Pereira Gouveia - relator)

(Nuno Coutinho)

(J. Gomes Correia)

(1) Como não é demais lembrar, tribunal é o órgão de que é titular um juiz ou um colégio de juizes que, a requerimento de outrem e através de um procedimento equitativo, imparcial e independente, decide, com força obrigatória para os interessados, os factos integradores dos respetivos direitos e obrigações, aplicando-lhes o direito pertinente (Ac. do Tribunal Constitucional nº 33/96; e Ac. nº 472/95).
(2) Sobre a matéria de facto, cfr., inter alia, o Acórdão do STJ de 13-11-2014, Processo nº 444/12.5 (rel. Lopes do Rego); F. F. de ALMEIDA, DPC, II, 2015, págs. 346 ss; LEBRE DE FREITAS, A Ação Declarativa…, 3ª ed., págs. 188-206.
(3) A segurança jurídica (diferente da proteção ou tutela da confiança legítima) é um princípio constitucional tão importante que, por vezes, chega a suplantar o princípio da constitucionalidade: cfr. o artigo 282º/3-1ª parte/4 da Constituição da República Portuguesa e PAULO OTERO, Ensaio Sobre o Caso Julgado Inconstitucional, 1993, págs. 48 ss.
(4) Cfr. Jorge Miranda, Manual…, II, 4ª ed., 2000, pág. 358; Paulo Otero, Legalidade e Adm. Pública, 2003, págs. 585-587.
(5) Cfr., v.g., Robert Alexy “Os direitos fundamentais e o princípio da proporcionalidade”, in O Direito, Ano 146º, 2014, I/II, págs. 817-834, e “A construção dos direitos fundamentais “, in Direito & Política, nº 6, 2014, págs. 38 ss.
(6) ARTIGO 179º
1 - Quando, por força de um ato administrativo, devam ser pagas prestações pecuniárias a uma pessoa coletiva pública, ou por ordem desta, segue-se, na falta de pagamento voluntário no prazo fixado, o processo de execução fiscal, tal como regulado na legislação do processo tributário.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o órgão competente emite, nos termos legais, uma certidão com valor de título executivo, que remete ao competente serviço da Administração tributária, juntamente com o processo administrativo.
3 - Nos casos em que, nos termos da lei, a Administração proceda, diretamente ou por intermédio de terceiro, à execução coerciva de prestações de facto fungível, o procedimento previsto no presente artigo pode ser sempre utilizado para obter o ressarcimento das despesas efetuadas.

(7) ARTIGO 182º
1 - Os executados podem impugnar administrativa e contenciosamente o ato exequendo e, por vícios próprios, a decisão de proceder à execução administrativa ou outros atos administrativos praticados no âmbito do procedimento de execução, assim como requerer a suspensão contenciosa dos respetivos efeitos.
2 - Sem prejuízo da aplicabilidade das garantias previstas na lei processual tributária, durante a tramitação dos procedimentos de execução de obrigações pecuniárias não são admitidos embargos, administrativos ou judiciais, em relação à execução coerciva de atos administrativos.
3 - Os executados podem propor ações administrativas comuns e requerer providências cautelares para prevenir a adoção de operações materiais de execução ou promover a remoção das respetivas consequências, quando tais operações sejam ilegais, por serem adotadas:
a) Em cumprimento de decisão nula de proceder à execução, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 177.º;
b) Sem que tenha sido emitida e ou notificada ao executado a decisão de proceder à execução;

c) Em desconformidade com o conteúdo e termos determinados na decisão de proceder à execução ou com os princípios consagrados no artigo 178.º.