Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1259/09.3BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:06/09/2021
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:NORMA ANTI-ABUSO ESPECIAL;
RELAÇÕES ESPECIAIS (ART. 58.º, Nº 4 DO CIRC);
INAPLICABILIDADE DO PROCEDIMENTO DO ART. 63.º, N.º 1 DO CPPT;
CONCEITO DE "TRANSMISSÃO ONEROSA DE PARTES DE CAPITAL" E PRESTAÇÕES SUPLEMENTARES (ART. 23.º, N.º 7 DO CIRC);
CRIAÇÃO LÍQUIDA DE EMPREGO (ART. 17.º, N.º 3 DO EBF);
ENCARGOS NÃO DEVIDAMENTE DOCUMENTADOS (ART. 42.º, N.º 2, ALÍNEA G) DO CIRC);
DOAÇÃO EM ESPÉCIE (ART. 4.º-A DO ESTATUTO DO MECENATO);
PROVISÕES E PRINCÍPIO DA JUSTIÇA.
Sumário:I. A correção assente no disposto no n.º 7, do art. 23.º do CIRC não está dependente da abertura de procedimento próprio nos termos previstos no n.º 1 do art. 63.º do CPPT (na redação anterior à Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro), porque a isso se opõe o n.º 2 desse mesmo preceito legal, na medida em que aquele n.º 7 não consagra qualquer ineficácia perante a administração tributária do negócio jurídico celebrado, mas apenas a sua desconsideração como custo do exercício por força da existência de relações especiais nos termos do n.º 4, do art. 58.º do CIRC;
II. A não aceitação do custo ou perdas nos termos do n.º 7, do art. 23.º do CIRC diz respeito à “transmissão onerosa de partes de capital”, sendo que o conceito de “partes de capital” não engloba as prestações suplementares, tal como decorre do sentido empregue diretamente na lei fiscal, no art. 42.º, n.º 3, do CIRC na redação dada pelo n.º 1 do artigo 44.º da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de dezembro;
III. O art. 17.º, n.º 3 do EBF, quanto à aplicação da duração do benefício, deve ser interpretado no sentido de que o limite máximo de majoração não pode ser restringido proporcionalmente ao tempo de vigência dos contratos;
IV. Os encargos para serem fiscalmente dedutíveis têm de estar devidamente justificados por meio de documento (alínea g) do n.º 1 do art. 42.º do CIRC), que deve conter os elementos essenciais da operação que titulam, por forma a possibilitar à AT quer ao controle da legalidade da dedução para efeitos fiscais do gasto, o que não sucede quando o único documento apresentado pelo Impugnante é um protocolo celebrado no qual se prevê a intenção de fazer doações por parte da Impugnante, não comprovando o efetivo donativo que se encontra contabilizado;
V. A doação que se consubstancia na entrega de viaturas automóveis, bens que a Impugnante comercializa às entidades beneficiárias, consubstancia uma doação em espécie e não em dinheiro, pelo que o regime aplicável é o do art. 4.º-A do Estatuto do Mecenato;
VI. Estando o risco de incobrabilidade suficientemente justificado pelas respetivas certidões judiciais, ainda que haja falta de prova do momento em que ocorreu a incobrabilidade, então encontra-se devidamente justificada a incobrabilidade do crédito nos termos do n.º 1 do art. 35.º do CIRC, e nessa medida, à Recorrente assiste o direito de constituir provisão nos termos do art. 34.º, n.º 1, alínea a) do CIRC, por força do princípio da justiça.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A Impugnante Sociedade “S... – S..., sgps, Sa., e o Representante da fazenda pública vêm recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou parcialmente procedente a impugnação apresentada por S... – S..., sgps, Sa, da liquidação de IRC respeitante ao exercício de 2005, notificada com a demonstração de liquidação nº 2009000021..., de valor de 6.683.746,42€.

A Fazenda Pública apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:

“CONCLUSÕES
I) Não obstante no artigo 63º n.º 1 do CPPT, na redação anterior à dada pela Lei n.º 64-B/2011 de 30 de dezembro, se referir: “A liquidação dos tributos com base em quaisquer disposições antiabuso nos termos dos códigos e outras leis tributárias depende da abertura para o efeito de procedimento próprio.”, sempre haverá que se ter em linha de conta a redação do n.º 2 deste artigo 63º do CPPT.
II) De facto, no n.º 2 do artigo 63º do CPPT, encontram-se estabelecidas as condições que se deverão verificar para que uma determinada norma seja considerada norma antiabuso para efeitos deste artigo 63º.
III) Diz-nos o n.º 2 do art. 63º do CPPT: “Consideram-se disposições antiabuso, para os efeitos do presente Código, quaisquer normas legais que consagre a ineficácia perante a administração tributária de negócios ou actos jurídicos celebrados ou praticados com manifesto abuso das formas jurídicas de que resulte a eliminação ou redução dos tributos que de outro modo seriam devidos.”
IV) O mesmo é dizer que, ainda que a doutrina ou a jurisprudência (e mesmo a própria Lei) qualifiquem determinadas normas como normas antiabuso, não será por essa razão, sem mais, que a essas normas será aplicável o procedimento previsto no artigo 63º do CPPT, quando não correspondam aos requisitos estabelecidos neste n.º 2 do art. 63º para a sua aplicabilidade.
V) Isto mesmo é evidenciado por Jorge Lopes de Sousa (no seu Código de Procedimento e Processo Tributário anotado e comentado, Vol. I, 2011, pág. 584) ao referir: “Disposições especiais usualmente qualificadas como normas antiabuso encontram-se nos arts. 59.º (pagamentos a entidades não residentes sujeitas a um regime fiscal privilegiado), 60.º (imputação de lucros de sociedades não residentes sujeitas a um regime fiscal privilegiado), e 67.º (subcapitalização), do CIRC. No entanto, tratam-se de normas que não se enquadram na hipótese deste art. 63.º do CPPT, em face da definição dada no seu n.º 2.”
VI) A situação dos presentes autos, como na situação a que se reporta o Acórdão do TCAS de 4-11- 2003, processo n.º 7464/02, não se enquadra na norma do art.° 63.° do CPPT, directamente, nem por remissão da do art.° 38.° n.°2 da LGT, e: “não está em causa pela recorrente, do uso de qualquer negócio jurídico (mais vantajoso em termos de tributação) do que um outro (menos vantajoso, que seria o correspondente à substância do negócio), e que ela tenha utilizado, precisamente, para obter essa menor ou nula tributação, caso em que esta se devia fazer pela forma jurídica correspondente à substância do negócio, ou seja por este segundo negócio.”
VII) E, no caso dos presentes autos, verifica-se que nos termos do art. 23º n.º 7 do CIRC (na redação em vigor no exercício em causa nos autos) não são aceites “como custos ou perdas do exercício os suportados com a transmissão onerosa de parte de capital a entidades com as quais existam relações especiais, nos termos do n.º 4 do artigo 58.º, ou a entidades com domicílio em país, território ou região com regime de tributação claramente mais favorável, constante de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças, ou entidades residentes em território português sujeitas a um regime especial de tributação.”
VIII) Isto é, verificadas estas condições nunca será aceite como custo para efeitos fiscais o custo ou perda suportado com a transmissão onerosa de parte de capital.
IX) E certamente que não se justifica a abertura de um procedimento especial, com o grau de protecção dos direitos dos contribuintes previsto no art. 63º do CPPT para confirmar a verificação daquelas condições.
X) Nem se compreenderiam a exigências de fundamentação contidas no artigo 63º n.º 9 do CPPT.
XI) No caso da norma do art. 23º n.º 7 do CIRC, na redação em vigor no exercício em causa nos autos, afasta-se a consideração como custo de uma determinada despesa, e isso é feito, independentemente de qualquer consideração relativa à licitude ou ilicitude do negócio.
XII) Nem está em causa um qualquer poder especial da Administração Tributária, para desconsiderar um determinado negócio jurídico. Verificadas aquelas condições, sendo sindicável, nomeadamente de forma contenciosa, essa verificação, aqueles custos não são aceites.
XIII) Da mesma forma não são normas antiabuso, nos termos definidos no art. 63º n.º 2 do CPPT, o n.º 2 do art. 23º do CIRC onde se refere “No caso das rendas de locação financeira, não é aceite como custo ou perda do locatário a parte da renda destinada a amortização financeira.” ou a norma prevista no art. 33º n.º 1 alínea e) do CIRC onde se prevê que não são aceites como custo “As reintegrações das viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, na parte correspondente ao valor de aquisição ou reavaliação excedente a 6 000 000 $00” (…) ou outras normas em que se determina a não aceitação fiscal da dedutibilidade de determinados custos, quando não estejamos perante a verificação das condições previstas no n.º 2 do art. 63º do CPPT, mesmo que essa não dedução tenha subjacente razões de moralização e neutralidade em sede de alargamento da base tributável do IRC.
XIV) Não estamos, também, no caso dos autos para a desconsideração do custo perante a exigência de que tenham sido utilizados “meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas”, nem se exige para a desconsideração daquele custo que “tenha havido um comportamento abusivo do contribuinte.”, pois, seja o comportamento abusivo ou não, verificadas as condições que a lei prevê, não são aceites aqueles custos.
XV) Não há assim, no caso dos autos, pela não aplicação do procedimento previsto no artigo 63º do CPPT, qualquer desigualdade no tratamento do impugnante.
XVI) Pelo contrário, verificar-se-ia essa desigualdade no tratamento, caso, para desconsideração daquele custo (cuja previsão e condições de que depende se encontram explícitas na lei), fosse necessária a aplicação de um procedimento especial das cláusulas antiabuso.
XVII) A sentença recorrida, ao assim não entender, apresenta-se ilegal por desconformidade com os preceitos acima assinalados, não merecendo por isso ser confirmada.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o recurso e revogada a douta sentença recorrida, como é de Direito e Justiça.

Requerendo-se, ainda, em face do elevado valor da causa, que conduziria a um pagamento de taxa de justiça, a nosso ver, demasiado desproporcionado atendendo à especificidade da situação, designadamente à complexidade (ainda que a mesma exista) dos autos, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça prevista no art. 6º n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais.”

A Recorrente S... – S..., sgps, Sa., apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:

“IV. DAS CONCLUSÕES
1. Nos presentes autos, discute-se a legalidade da liquidação adicional de IRC do exercício de 2005, na qual foram efectuadas, pela Administração fiscal, diversas correcções à matéria colectável à impugnante.
2. À questão jurídica a solucionar - a análise da legalidade do acto de liquidação de imposto apurado à recorrente e as correcções efectuadas à matéria colectável - o Tribunal a quo respondeu, na parte sobre que versa o presente recurso (consubstanciada, conforme se refere no requerimento de interposição, na parte que negou provimento à impugnação judicial deduzida, a única que aqui releva), nos seguintes termos: (i) quanto à questão da desconsideração dos custos incorridos com deslocações e estadas, o Tribunal a quo considerou que, que "aqui apenas logrou a impugnante demostrar a justificação genérica das despesas relativas a aeronaves e a sua conexão com as opções do grupo quanto à sua expansão empresarial, mas não foram concretizados os factos atinentes às despesas incorridas, que permitissem apreciar a indispensabilidade à luz do citado preceito legal", prosseguindo ainda que "tendo a administração tributária questionado a relevância fiscal daquelas despesas, cabia ao impugnante fazer a demonstração da existência do sobredito nexo de ligação com a prossecução da actividade, o que não fez. Temos então que, ao contrário do que propugna a
impugnante, cabia-lhe efectivamente o ónus da prova da indispensabilidade dos custos, o que não fez” (ii) quanto a correcção relativa ao benefício fiscal respeitante à criação de emprego para jovens, entendeu o tribunal a quo que "o benefício fiscal atribuído aos empregadores corresponde no máximo a 14 vezes o salário mínimo nacional, acrescido de 50% desse valor, isto é, acima desses valores já não haverá tal beneficio e abaixo deles, haverá uma majoração de 50%, pelo que interpretação propugnada pela impugnante só tem fundamento com a nova redacção em vigor a partir da LOE para 2003", donde, conclui, ''é de manter a correcção, nos termos propugnados pela administração tributária, após a revogação parcial do acto” (iii) no que toca aos encargos indevidamente documentados, entendeu o tribunal a quo que os documentos apresentados pela ora recorrente "são insuficientes para lograr a prova que se pretendia, posto que, suscitada a dúvida por banda da administração tributária, impunha-se que a impugnante juntasse documentos que contivessem os elementos necessários para determinar a própria causa destas despesas, afim de aferir a sua relevância fiscal", concluindo então que "serão de manter as correcções nesta sede operadas, quer quanto à desconsideração como custo, quer quanto à respectiva majoração"; (iv) relativamente aos donativos atribuídos em espécie, concluiu o tribunal que "os objectos de doação às entidades beneficiárias foram indesmentivelmente viaturas automóveis", pelo que se mantém a correcção impugnada; (v) Por fim, e quanto à correcção relativa às provisões da G..., entendeu também o tribunal a quo não assistir razão à ora recorrente, alegando, resumidamente, que 'a impugnante não logrou comprovar que o risco de incobrabilidade se verificou no exercício de 2005".
3. A decisão é ilegal porquanto: i, padece de NULIDADE, por não especificar os fundamentos de facto e de direito da decisão, nos termos do n° 1 do artigo 125° do CPPT e da al. b) do n° 1 do artigo 668° do CPC; ii. Padece de NULIDADE, por falta de pronúncia sobre questões que o juiz devia apreciar, nos termos do n° 1 do artigo 125° do CPPT e da al. d) do n° 1 do artigo 668° do CPC; iii. padece de padece de ANULABILIDADE, por omissão de julgamento e fundamentação das suas decisões em matéria de prova — i.e., por ausência de exame crítico das provas que serviram de base para formar a convicção do tribunal, em violação do disposto no n° 2 do artigo 123° do CPPT e dos n° 2 e 3 do artigo 659° do CPC; iv. padece de ANULABILIDADE, por omissão absoluta de julgamento sobre a matéria de facto, por a referência a parte da matéria de facto discriminada na sentença recorrida o ser por simples remissão para documento dos autos, em violação do disposto no n° 2 do artigo 123° do CPPT e dos n° 2 e 3 do artigo 659° do CPPT; v. padece de ANULABILIDADE, por erro de julgamento da matéria de direito, em violação do disposto no n° l do artigo 123° do CPPT e do n° 2 do artigo 659° do CPPT.
4.Da análise dos presentes autos, nomeadamente das peças processuais apresentadas pelas partes e da prova - testemunhal e documental - produzida, resulta manifesta a procedência do presente recurso: com efeito, ficou comprovada toda a factualidade invocada pela impugnante na petição inicial de impugnação judicial.
5. Quanto à correcção consubstanciada na desconsideração fiscal do montante contabilizado como custo ou perda do exercido pela S... com o aluguer de aeronaves, no montante de € 790.785,32, refira-se que a decisão é ilegal, por violação do artigo 23.° do CIRC.
6. Ficou provado nos autos que as testemunhas efectivamente viajaram nas aeronaves em crise, e que estes gastos estão enlaçados numa relação de indispensabilidade com a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora, para além de que está provada a adequação e conveniência à actividade da S... (vide, neste sentido, o acórdão do TCA SUL, proferido no âmbito do recurso n.° 620/04 - 13/03.4.2, em 10 de Março de 2009).
7. No que respeita à correcção relativa à desconsideração, na esfera da S... e da S..., do benefício fiscal respeitante à criação de emprego para jovens, nos montantes de € 8.697,16 e de € 44.143,86, a decisão do tribunal a quo é ilegal por violação do disposto 17.° do EBF;
8. Já no que toca à correcção consubstanciada na desconsideração de encargos indevidamente documentados, contabilizados pela S..., no montante de € 150.000,00, a decisão proferida pelo tribunal a quo é ilegal por violação dos artigos 17.°, 23.° e 42.° do CIRC e, bem assim, 2.° do Estatuto do Mecenato.
9. Relativamente à correcção referente à desconsideração do montante contabilizado como custo ou perda do exercido pela S... relativo a donativos atribuídos em espécie, no montante de € 75.264,75, o tribunal a quo decidiu erradamente, violando o disposto no artigo 4.°-A do Estatuto do Mecenato;
10. Por fim, quanto à correcção respeitante à desconsideração fiscal de provisões constituídas pela G..., no montante de € 23.490,36, dir-se-á que o tribunal a quo interpretou de modo errado o disposto nos artigos 18.° e 35.° a 39.° do CIRC e, ainda, o princípio constitucional da tributação sobre o rendimento real, sendo, por conseguinte, a decisão ilegal.
11. Assim sendo, a decisão proferida pelo tribunal a quo é ilegal nos termos expostos, devendo, em consequência, ser revogada, com todas as consequências legais.

TERMOS EM DEVE o PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, POR PROVADO, COM TODAS AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.

PEDE E ESPERA DE V. EXA. DEFERIMENTO”
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A Recorrida S... – S..., sgps, Sa, apresentou contra-alegações, conforme seguidamente expendido:

“IV. DAS CONCLUSÕES
A. O presente recurso jurisdicional vem interposto pelo Representante da Fazenda Pública da decisão de primeira instância que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial apresentada pela ora recorrida contra a liquidação de IRC do exercício de 2005.
B. Em causa, está a correcção relativa à desconsideração fiscal do montante contabilizado como custo ou perda do exercido pela S... com a transmissão onerosa de partes de capital, no montante de € 23.864.693,04, por alegada violação do disposto no n.° 7 do artigo 23.° conjugado com a alínea a) do n.° 4 do artigo 58.°, ambos do CIRC.
C. O tribunal a quo entendeu que o acto tributário se encontra ferido do vício de violação de lei, na medida em que "não foi antecedido do competente procedimento de aplicação da norma anti-abuso", constante do artigo 63.° do CPPT, razão pela qual julgou a impugnação judicial procedente quanto a esta correcção.
D. O Representante da Fazenda Publica (RFP) recorreu desta decisão, alegando, em síntese, que ainda que a doutrina e a jurisprudência (e mesmo a própria lei) qualifiquem determinadas normas como normas anti-abuso, não será por essa razão, sem mais, que a essas normas seja aplicável o procedimento previsto no artigo 63.° do CPPT, quando não correspondam aos requisitos estabelecidos no n.° 2 do artigo 63.° do CPPT; adiantou ainda o Representante da Fazenda Pública que na situação dos autos, estamos perante uma norma que não se enquadra no disposto no n.° 2 do artigo 63.° do CPPT e, portanto, não está sujeita ao procedimento prévio constante no n.° 1 do mesmo preceito.
E. O RFP não tem razão nos argumentos que apresenta, devendo, por conseguinte, manter-se a decisão proferida pelo tribunal a quo.
F. Com efeito, a norma em causa - e a AT reconhece-o - consubstancia uma disposição anti-abuso à qual, como é bom de ver, se aplica o preceituado no artigo 63.° do CPPT.
G. Tal como a doutrina e a jurisprudência advogam, a aplicação do n.° 7 do artigo 23.° do CIRC está dependente da abertura de um procedimento próprio (cuja previsão se funda no respeito pelas mais elementares garantias dos contribuintes, legal e constitucionalmente protegidas): de acordo com o artigo 63.° do CPPT, a aplicação do n.° 7 do artigo 23.° do CIRC depende de um procedimento prévio específico (n.° 1), com determinadas regras (previstas nos n.°s seguintes do referido preceito), as quais não foram, como saliento e bem o tribunal a quo cumpridas.
H. Refira-se ainda que a própria alusão, na norma em análise, à expressão "disposições anti-abuso" deverá incluir não só a cláusula geral anti-abuso, constante do n.° 2 do artigo 38.° da LGT, como todas as outras cláusulas específicas anti-abuso - só assim se compreende o sentido da expressão. Aliás, a própria alteração legislativa deste preceito, pela Lei n.° 64-A/2011 de 30 de Dezembro, no sentido de circunscrever a aplicação deste procedimento à cláusula geral anti-abuso, vem reforçar o entendimento de que, até essa data, todas as normas específicas anti-abuso cabem na previsão do artigo 63.° do CPPT, estando, por conseguinte, sujeitas àquele procedimento.
I. Assim sendo, todo o procedimento e, bem assim, a respectiva liquidação adicional de imposto, por se basearem na aplicação de uma norma anti-abuso (n.° 7 do artigo 23.° do CIRC) sem que, contudo, fosse cumprido o procedimento próprio previsto na lei (artigo 63.° do CPPT) é ilegal nos termos já expostos, motivo pelo qual a decisão do tribunal a quo não merece a mínima censura devendo, por conseguinte, manter-se a decisão proferida.
J. Sem prescindir, e ainda que assim não se entenda, a verdade é que, não fosse o acto tributário ilegal por inexistência do procedimento próprio constante do artigo 63.° do CPPT - tal com decidiu o tribunal a quo -, sempre o seria por via de diversos outros vícios que lhe são imputáveis e que nesta sede também se convocam.
K. Desde já se refira que em momento algum a AT questionou o preço de venda praticado (invocando, por exemplo, que o valor não corresponderia ao preço de preço de mercado dos activos) ou, sequer, que a venda não se tenha efectivamente realizado: deve, portanto, ter-se por assente que a Administração fiscal admite que as perdas em referência se verificaram realmente, através de um negócio válido e eficaz.
L. Despois se diga que as perdas relativas à transmissão de prestações suplementares (e, por maioria de razão, de prestações acessórias) não estão abrangidas pelo disposto no n.° 7 do artigo 23.° do CIRC: é bem visível que, na sua redacção originária — que se mantém até à actualidade —, o preceito citado se referia expressamente apenas às menos-valias inerentes à transmissão de "partes de capital", e não a quaisquer menos-valias relativas a bens do activo imobilizado.
M. Ora as prestações suplementares podem desempenhar funções análogas às do capital social, dado que dispõem certamente de uma estabilidade semelhante à que corresponde ao mesmo capital social, e será mesmo admissível que se sustente deverem figurar no activo imobilizado do respectivo titular, mas não constituem seguramente "partes de capital". Isto é: por muito longe que possa ir a tentativa de as assimilar ao capital, as prestações suplementares não representam uma fracção do capital social, nem consubstanciam o conjunto unitário de direitos e deveres inerentes à condição de sócio de uma sociedade (cfr. CARLOS OSÓRIO DE CASTRO, Valores Mobiliários: conceito e espécies, 2a ed., Porto, 1998; J. M. COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, vol II, das sociedades, 2a ed,, Coimbra, 2007).
N. E se isto é verdade quanto às prestações suplementares, é-o ainda mais quando estamos perante prestações acessórias que se subordinaram ao regime de restituição das primeiras.
O. Não há dúvida de que o direito do sócio que realizou qualquer dos tipos de prestações que se encontram em análise é um direito correlacionado com a participação social, mas de modo algum se pode confundir com esta, ao ponto de se dizer que, quando o legislador fiscal se referiu a "partes de capital" estaria, afinal, a referir-se não só a elas como a todos os direitos que com elas apresentam urna conexão!
P. Uma tal pretensão representaria realmente a tentativa de aplicar às prestações suplementares, por analogia, um regime expressamente dirigido às participações sociais, com as quais as primeiras se não confundem. Mas a analogia, no domínio dos elementos essenciais dos impostos, encontra-se vedada pelo n.° 4 do artigo 11.° da LGT, razão pela qual se deve reputar o entendimento da Administração fiscal, quanto a este aspecto específico, como ostensivamente contra legem.
Q. Em conclusão, entende a recorrida que os argumentos postulados pela Administração fiscal no sentido de assimilar as prestações suplementares a partes de capital não se coadunam com a legislação societária aplicável, devendo ser portanto contestados de uma forma veemente.
R. Para além do mais, caso as prestações suplementares sempre tivessem sido equiparáveis a partes de capital, não teria surgido necessidade de alterar a redacção do artigo 42.° do CIRC no sentido de conferir às prestações suplementares o mesmo tratamento conferido às partes de capital.
S. Apenas poderá interpretar-se este aditamento em termos que na mens do legislador não esteve a intenção de clarificar o conceito em apreço, mas sim a de alargar o seu âmbito de aplicação. Se assim não fosse, o legislador tê-lo-ia feito em termos genéricos ou então individualmente sempre que o conceito de "partes de capital” fosse utilizado.
T. Com base no exposto, entende a recorrida que, até 31 de Dezembro de 2005, resulta inequívoco que as perdas derivadas da transmissão onerosa de prestações suplementares eram integralmente dedutíveis para efeitos fiscais e que, só a partir de l de Janeiro de 2006, passaram tais perdas a ser fiscalmente dedutíveis apenas em 50% em resultado de a redacção do n.° 3 do artigo 42.° do CIRC em termos que abrangem outras componentes do capital próprio, entre as quais as prestações suplementares. Esta disposição passou a aplicar-se sem quaisquer efeitos retroactivos, como, aliás, não poderia deixar de o ser, à luz dos princípios constitucionalmente consagrados, nos termos do n.° 3 do artigo 103.° e do artigo 128.° da CRP.
U. Conforme supra mencionado, o aditamento efectuado pelo legislador ao artigo 42.° do CIRC teve apenas a intenção de alargar o âmbito de aplicação da referida norma, não tendo o legislador entendido dever introduzir qualquer alteração à redacção do n.° 7 do artigo 23.° do CIRC.
V. Face ao exposto, não pode senão concluir-se que a interpretação a conferir à expressão "partes de capital” constante do artigo 23.° do CIRC não pode ser outra que não a de que a mesma abrange única e exclusivamente partes de capital e já não realidades de outra natureza (prestações suplementares ou acessórias).
W. Não tem, assim, qualquer fundamento a pretensão de limitar, em nome do n.° 7 do artigo 23° do CIRC, as perdas sofridas pela recorrida com a alienação das prestações suplementares e acessórias que efectuara em benefício da F....
X. Além disso, contudo, ao invocar a norma do artigo 23.° do CIRC, a Administração fiscal imputa à recorrida uma ausência de demonstração da indispensabilidade dos custos em causa, o que não se aceita, pois que uma perda, como a que foi apurada pela recorrida, não estará sequer sujeita ao teste da indispensabilidade, já que corresponde a urna perda efectivamente sofrida com a alienação de um elemento do activo afecto à actividade empresarial.
Y. Sem prescindir, sempre se dirá ainda que tomando em consideração os valores inscritos no relatório de conclusões da Administração fiscal, resulta claro que, aquando da alienação das prestações suplementares existentes na esfera da G... e da U..., por parte da S..., à F..., veio a ser apurada uma perda no montante total de Euro 23.864,693,04 (13.163.574,27+10.701.118,77), a qual foi considerada fiscalmente dedutível no exercício de 2005, pela S... — procedimento este que foi agora questionado pelos serviços de inspecção tributária.
Z. Diga-se a este propósito que, por referência ao resultado contabilístico negativo apurado na alienação das prestações suplementares da G... à F..., por parte da S..., de acordo com a argumentação dos serviços de inspecção tributária, e conforme acima transcrito, o montante apurado a título de alegada menos-valia deveria ser decomposto nos seguintes valores: €142.556,44 (resultado contabilístico negativo correspondente ao valor da parte de capital propriamente dito) e €13.021.017,83 (resultado contabilístico negativo correspondente à parte relativa ás prestações suplementares).
AA. Salvo o devido respeito, e se tomarmos em consideração os cálculos constantes do mapa de mais-valias e menos-valias fiscais da S... exibidos no capítulo relativo à matéria factual, poder-se-á concluir que o desdobramento dos valores acima descrito não se afigura como correcto.
BB. Desde logo, na medida em que o valor de aquisição das partes de capital da G... não corresponde aos € 76.814,58 que os SIT mencionam no Projecto de Correcções, mas sim € 219.371,32 - no entender da recorrida, tal diferença só se poderá ter ficado a dever-se a um lapso cometido por parte dos técnicos dos serviços.
CC. Termos em que — não sendo o acto tributário considerado ilegal por força do vício de falta de cumprimento do procedimento constante do artigo 63.° do CPPT, tal corno concluiu o tribunal a quo — deve o acto tributário ser anulado, por violação das normas supra referidas e por erro no apuramento da matéria de facto.
DD. Por todo o exposto, facilmente se conclui que a sentença não merece qualquer censura devendo, por conseguinte, manter-se.
EE. Ainda que assim não se entenda, a verdade é que, pelos motivos acima expostos, o acto tributário em crise é igualmente ilegal, pelos vícios de violação de lei acima referidos.

TERMOS EM QUE DEVE o PRESENTE RECURSO
SER JULGADO IMPROCEDENTE, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.”

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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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As questões invocadas pelas Recorrentes nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir são as seguintes:

Recurso da Fazenda Pública:

_ Erro de julgamento de direito, porquanto entende não ser aplicável o procedimento previsto no art. 63.º do CPPT na parte recorrida;

Recurso da Impugnante:

_ nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, omissão de pronúncia (conclusão 3);
_ a sentença é anulável por ausência de exame crítico das provas, violando-se o disposto no n.º 2 do art. 123.º do CPPT, por omissão absoluta de julgamento sobre a matéria de facto ao se ter remetido para documentos dos autos, em violação do n.º 2 do art. 123.º do CPPT (conclusão 3);
_ erro de julgamento de direito, em violação do disposto no n.º 1, do art. 123.º do CPPT relativamente às correções em causa (conclusões 3 a 11).

II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:
Dos Factos
Factos Provados

A. A impugnante exerce a título principal a atividade de gestão de participações sociais de outras sociedades, sendo a sociedade dominante de um grupo de sociedades (grupo S...) que engloba nomeadamente as sociedades "S... - S..., S.A." (doravante S...) e "G... - S..., Lda." (doravante G...) (Doc. 1 da petição inicial).

B. A S... exerce a atividade de distribuição exclusiva em Portugal de viaturas automóveis, designadamente da marca Volkswagen, Audi e Skoda, tendo os respetivos funcionários e administradores efetuado deslocações no ano de 2005, para estarem presentes em reuniões nas instalações da casa mãe, em diversos concessionários, com organismos oficiais e com diversas instituições de crédito, bem como para assegurarem a presença em eventos importantes, quer a nível nacional quer a nível internacional, caracterizados pela grande cobertura mediática que os rodeia, e em que estão presentes os principais grupos do comércio automóvel e onde são divulgadas as principais novidades deste setor.

C. Tais deslocações inserem-se no âmbito da estratégia de internacionalização e diversificação de novos canais de escoamento das marcas comercializadas ou a comercializar pela S..., de que se destacam as prospeções levadas a cabo, com vista ao alargamento do leque das marcas comercializadas, ao desenvolvimento de novos meios de distribuição e colocação no mercado de veículos novos e usados, bem como a prestação de serviços associados (comercialização de peças), designadamente à América do Sul, que tiveram como objetivo a identificação de soluções alternativas ao atual modelo de negócios.

D. O recurso ao aluguer de aeronaves em detrimento da compra de lugares em aviões que cumprem as rotas comerciais delineadas pelas companhias aéreas constitui uma vantagem para as empresas, e justifica-se pela necessidade de encontrar novas oportunidades de negócio numa lógica de internacionalização e diversificação de novos canais de escoamento das viaturas comercializadas.

E. No dia 28/12/2003, a S... celebrou um contrato de cessão de posição contratual através do qual adquiriu um contrato de prestação de serviços de transporte em aeronaves, compreendendo 200 horas de voo pelo período de um ano, podendo ser renovável, visando destinos nacionais, europeus, ou intercontinentais, pelo preço de € 1.200.000,00, correspondente ao valor de € 6.000,00/hora, emitindo a empresa transportadora, todos os meses, uma fatura com os valores referentes às pernoitas utilizadas (Doc. 3 da Pl).

F. No âmbito deste contrato de prestação de serviços de transporte em aeronaves, foram efetuados os seguintes voos, pelo preço que se descreve:

- De 25/02 a 01/03/2005, na rota Tires/Chambery/Genebra/Tires, pelo valor de € 33.020,00, isento de IVA;

-Em 05 e 06/03/2005, na rota Tires/Porto/Tires, pelo valor de € 8.274,00, incluindo IVA à taxa de 5%;

- De 18/03 a 07/04/2005, na rota Tires/Lisboa/Recife/Rio de Janeiro/Salta/Rio de Janeiro/Recife/Tires, pelo valor de € 186.100,00, isento de IVA;

-De 12 a 29/06/2005, na rota Rio de Janeiro/S. Paulo/-Fort Lauderdale/Tires, pelo valor de € 147.840,00, isento de IVA;

- Em 21/07/2005, na rota Tires/Madrid/Tires, pelo valor de € 11.000,00, isento de IVA;

-Em 04/07/2005, na rota Tires/Barcelona/Tires, pelo valor de € 18.000,00, isento de IVA;

- Em 13/09/2005, na rota Tires/Egelsbach/Tires, pelo valor de € 33.000,00, isento de IVA;

- Entre 29 e 30/10/2005, na rota Tires/Genebra/Tires, pelo valor de € 27.380,00, isento de IVA;

- Entre 10 e 11/06/2005, na rota Tires/Lisboa/Recife/Rio de Janeiro, pelo valor de € 64.1,00 €, isento de IVA;

- Entre 04 e 05/11/2005, na rota Tires/Madrid/Tires, pelo valor de € 15.380,00, isento de IVA;

-De 15 a 23/11/2005, na rota Tires /Lisboa/ Rio de Janeiro / S. Paulo /Brasília /
Sal/ Lisboa / Tires, pelo valor de € 143.040,00, isento de IVA;

- Em 14/12/2005, na rota Tires/Paris/Tires, pelo valor de € 26.000,00 €, isento de IVA (Doc. 5 da Pl).

G. No ano de 2005, o Grupo S... procedeu à reestruturação dos negócios do grupo, através de um vasto plano de medidas, que tinham como principais objetivos descontinuar o negócio que o Grupo S... detinha na área do Rent-a-car em Portugal e apostar em novas parcerias e investimentos.

H. No dia 02/11/2005, a impugnante celebrou contrato de compra e venda de ações com a sociedade "F...- Aluguer de Automóveis, Lda.", nos termos do qual transmitiu a esta 500 ações pelo preço de € 2.500,00, e cedeu prestações acessórias no valor de € 11.500,00 pelo preço de € 798.881,23 (Doc. 7 da Pl).

I. No dia 20/12/2005, foi celebrado contrato de cessão de quota entre a impugnante, detentora integral da quota no valor de € 76.814,88 da sociedade "G...", esta sociedade e a sociedade "F...". nos termos do qual a impugnante cede à sociedade "F...' a quota integral que detém na sociedade "G..." pelo preço de € 219.371,32, e as prestações suplementares de capital no valor de € 13.744.590,54 pelo preço de € 581.016,27 (Doc. 8 da Pl).

J. Na alienação das prestações suplementares da G... e da U..., a impugnante apurou uma menos-valia contabilística e fiscal no montante global de € 23.864.693,04 (Doc.1 da Pl).

K. O preço de venda das prestações acessórias e suplementares foi o indicado pelos auditores e ROC, suportado através de relatórios apresentados.

L. No dia 17/11/2004, a S... celebrou um protocolo com a Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais e com a Paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, nos termos do qual se comprometeu a apoiar financeiramente o plano de intervenção elaborado pela Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais para a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, em Vila Viçosa, sendo os apoios concedidos anualmente durante os anos de 2005 a 2008, num montante global de € 650.000,00 (Doc. 9 da Pl).

M. Em documento intitulado 'conta do razão', com a indicação 'S...', constam os seguintes elementos:
Montante - € 150.000,00;
Data - 31/12/2005;
Texto - DGEMN;
Referência - donativo (Doc. 10 da Pl).

N. A S... emitiu as seguintes faturas de venda:

- em 26/04/2005, de venda do veículo da marca Volkswagen, matrícula 0..., ao Círculo de Amigos do Centro Cirurgia Cardiotoráxica -Serviço Cir. Card. Tórax. HUC - PTA Mota Pinto, sito em Coimbra, pelo valor de € 27.347,55 €, incluindo IVA;
- em 30/06/2005, de venda do veículo da marca Volkswagen, matrícula 0..., ao Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), pelo valor de € 34.287,85, incluindo IVA;
- em 29/12/2005, de venda do veículo da marca Volkswagen, matrícula 4…, ao Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), pelo valor de € 56.433,43, incluindo IVA;
- em 29/12/2005, de venda do veículo da marca Volkswagen, matricula 4…, ao Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), pelo valor de € 56.433,43, incluindo IVA;
- em 29/12/2005, de venda do veículo da marca Volkswagen, matrícula 4…, ao Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), pelo valor de € 56.433,43, incluindo IVA;
- em 30/06/2005, de venda do veículo da marca Skoda, matrícula 5…, ao Instituto Nacional de Emergência Médica {!NEM), pelo valor de € 31.479,16, incluindo IVA (Docs. 15 a 17 da Pl).

O. A S... registou na sua contabilidade os movimentos correspondentes às operações de venda referidas no ponto antecedente (Does. 15 a 17 da Pl).

P. O Círculo de Amigos do Centro de Cirurgia Cardiotoráxica - HUC emitiu à S... um recibo de quitação no montante de € 27.347,55, a título de donativo recebido, e o INEM emitiu à S... um recibo de quitação das 5 viaturas recebidas, nos montantes referidos no ponto P (Docs. 15 a 17 da Pl).

Q. Em cumprimento da Ordem de Serviço nº OI200800211, procedeu-se a uma ação inspetiva ao exercício de 2005 da sociedade S..., abrangendo IRC, IVA e o cumprimento das demais obrigações fiscais, sendo elaborado relatório final no dia 29/12/2008, aprovado pela Chefe de Divisão no dia 30/12/2008, conforme consta de fls. 398/432, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e do qual resultaram correções ao lucro tributável no montante global de € 2.047.319,79, nos termos seguintes:

"1.4.1 Despesas não devidamente documentadas
O sujeito passivo contabilizou a título de donativo um encargo não devidamente documentado, no montante de 150.000,00 Euros, que considerou como custo fiscal. Nos termos do disposto na alínea g) do nº 1do artigo 42° do ClRC, os encargos não devidamente documentados, mesmo quando contabilizados como custos ou perdas do exercício, não são dedutíveis para efeitos fiscais, razão pela qual se procede à respetiva correção.
Adicionalmente, por não estarem assim reunidas as condições para que o referido custo seja enquadrável como donativo, a majoração fiscal correspondente de 45.000 Euros, inscrita no campo 234 do Quadro 07 da Declaração Modelo 22, deve ser eliminada (vide ponto 111.1.).

1.4.2 Correções relativas a exercícios anteriores

O sujeito passivo contabilizou em 2005 na conta 61 - Custo das Mercadorias vendidas - encargos referentes a um reembolso acordado com o fornecedor Volkswagen AG, relativo a importâncias que foram "indevidamente" repercutidas aos concessionários da marca ao longo dos exercícios compreendidos entre 1994 e 1998. Tal acordo foi firmado em 2001 e estabeleceu o pagamento de uma verba global de 8.386.945,00 Euros a repartir em cinco anos.

Com respeito ao disposto no artigo 18.º n.ºs 1 e 2 do CIRC e princípios fundamentais do normativo contabilístico nacional, a operação de compensação realizada pela S... junto da sua fornecedora de veículos da marca Volkswagen, relacionada com erros verificados nos exercícios compreendidos entre 1994 e 1998, a qual implicou a assunção de um custo de 1.677.389,00 Euros, para o exercício em análise, não poderá ser aceite fiscalmente em virtude de respeitar a uma regularização de um erro fundamental assumido em 2001 e inimputável a exercícios posteriores.

Face às condições assim acordadas em 2001 e por se tratar de custos relativos a períodos anteriores, propõe-se o acréscimo ao lucro tributável do montante de 1.677.389,00 Euros (vide ponto III.2.).

1.4.3 Benefícios Fiscais
1.4.3.1 Criação de emprego para jovens
O sujeito passivo, deduziu indevidamente, no campo 234 do quadro 07 da Declaração Modelo 22, o montante de 44.143.86 Euros relativo a majoração a que se refere o artigo 17.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), em virtude de ter violado os pressupostos de aplicabilidade daquele beneficio (vide ponto
III.3.1.).
1.4.3.2 Donativos em espécie
O sujeito passivo contabilizou o montante de 262.415,14 Euros a titulo de donativos em espécie referente à atribuição de ambulâncias novas ao lnstituto de Emergência Médica (INEM) e ao Circulo de Amigos do Centro de Cirurgia Cardiopática HUC, inscrevendo a respetiva majoração fiscal no valor de 102.231,31 Euros no campo 234 do quadro 07 da Declaração Modelo 22.
Por ter valorizado as existências doadas ao respetivo preço de venda e não ao seu preço de custo, conforme exige o artigo 4."-A do Estatuto do Mecenato com a redação dada pela lei nº 26/2004 de 8 de julho, será de acrescer ao resultado tributável o montante de 140.102,29 Euros (diferença entre o valor do custo do donativo e o valor considerado pelo sujeito passivo) a que acresce o ajustamento da majoração correspondente no valor de 55.522,18 Euros (vide ponto III.3.2.).

Face aos elementos apresentados pelo sujeito passivo em sede de direito de audição, a proposta de correção do custo com o donativo no montante 140.102,29 Euros foi alterada para o montante de 75.264.75 Euros. (Ver ponto IX do presente relatório)" (fls. 398/432).

R. Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI200803724/5, procedeu-se a uma ação inspetiva ao exercício de 2005 da sociedade G..., sendo elaborado relatório final no dia 27/10/2008, aprovado pela Chefe de Divisão no dia 30/10/2008, conforme consta de fls. 499/514, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e do qual resultaram correções à matéria coletável daquela sociedade para aquele exercício, de natureza meramente aritmética, no montante global de € 23.490,36, respeitante a provisões não dedutíveis ou para além dos limites legais, com os seguintes fundamentos:
- relativamente a determinados montantes, o "risco de incobrabilidade", nos termos dos artigos 35.º e 39.º do CIRC, "não está devidamente justificado", sendo que, analisados os suportes documentais, "a) não foi apresentado o cálculo da antiguidade dos saldos; b) não forem apresentadas provas de terem sido efetuadas diligências para o recebimento dos créditos;"
- por referência ao montante de € 13.591,55 - relativo às sociedades M... - I..., Lda, C... - Agência de Viagens e Turismo, Lda, L..., Ida, S..., GRH, V..., Lda., mostra-se violado o disposto no n.º 1 do artigo 74.º da LGT, e não foi demonstrado, nos termos impostos pelo artigo 35.º e 39.º do CRC, o risco da incobrabílidade;
-no que diz respeito ao montante de € 9.898,91 - relativo aos clientes J... LDA, D...­ Reparação e Comércio de Automóveis, Lda., G... - lmpo. Exp., Lda, A… – Design Prod Com Art. Escritório, SA., L… - Agência de Viagens e Turismo, LDA e C… - Ag. de Publicidade Unipessoal, Lda., não obstante estar demonstrado o risco da incobrabilidade, as certidões emitidas pelo tribunal datam de anos diferentes do de 2005, razão pela qual “de acordo com o artigo 18.º n.º 1 do Código do CIRC, os proveitos e os custos, são imputáveis ao exercício a que digam respeito, de acordo com o princípio de especialização dos exercícios, pelo que o valor de (...) que está contabilizado e foi declarado no exercício de 2005 não é aceite para efeitos fiscais porque infringe o estipulado no referido artigo” (Doc. 1 da Pl).

S. Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI200800339, com data de 17/09/2008, emitida pela Direção de Serviços de Inspeção Tributária, procedeu-se a uma ação inspetiva de caráter geral à impugnante, referente ao exercício de 2005 e com inicio no dia 10/11/2008 (Doc. 1 da Pl).

T. No âmbito desta ação inspetiva foi elaborado relatório final no dia 30/04/2009, aprovado pelo Diretor de Serviços no dia 08/05/2009, conforme consta de fls. 323/352, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e do qual resultaram correções ao lucro tributável do IRC no montante global de € 24.664.175,52, nos termos seguintes:

"1.4.1 Não dedutibilidade fiscal das perdas com a transmissão onerosa de partes de capital
Considerando que existem relações especiais entre a S... e a F... Aluguer de Automóveis Lda, conforme o estipulado na alínea a) do n.º 4 do artigo 58º do CIRC, e considerando ainda que as prestações suplementares e as prestações acessórias sob o regime das prestações suplementares se consubstanciam enquanto partes de capital, a perda apurada pela S..., resultante da alienação de participações financeiras na G... S... Lda e na U... - Comércio de Automóveis SA, no montante de 23.864.693,04 Euros, não é fiscalmente dedutível nos termos do n.º 7 do artigo 23.º do C!RC, pelo que se procede à correção desta importância, para efeitos de determinação do resultado fiscal (vide ponto III.1).

1.4.2 Custos não aceites fiscalmente - aluguer de aeronaves
O sujeito passivo considerou como custo e deduziu fiscalmente, importâncias contabilizadas em deslocações e estadas, para as quais não ficou demonstrada a sua indispensabilidade para a obtenção de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora, sendo, por esse facto, de acrescer ao lucro tributável o montante de 790.785,32 Euros (vide ponto III.2).

1.4.3 Benefícios Fiscais - Criação de emprego para jovens
O sujeito passivo deduziu indevidamente, no campo 234 do quadro 07 da Declaração Modelo 22, o montante de 8.697,16 Euros, relativo a majoração a que se refere o artigo 17º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), em virtude de ter violado os pressupostos de aplicabilidade daquele beneficio (vide ponto III.3)" (fls. 323/352).

U. Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI200800426, com data de 02/12/2008, emitida pela Direção de Serviços de Inspeção Tributária, procedeu-se a uma ação inspetiva externa, de âmbito parcial, aos elementos contabilístico-fiscais do grupo S..., referente ao exercício de 2005 e com início no dia 03/02/2009, tendo em consideração as conclusões das ações inspetivas supra referenciadas (Doc. 1 da Pl).

V. No âmbito desta ação inspetiva foi elaborado relatório final no dia 14/07/2009, aprovado pelo Diretor de Serviços no dia 17/07/2009, do qual resultaram as seguintes correções:
a) correções à matéria coletável da impugnante, de natureza meramente aritmética, no montante global de € 24.664.175,52, respeitando € 790.785,32 a custos não aceites fiscalmente - aluguer de aeronaves, € 23.864.693,04 a não dedutibilidade fiscal das perdas com a transmissão onerosa de partes de capital, e € 8.697,16 a benefícios fiscais - criação de emprego para jovens;
b) correções à matéria coletável da "S... - Sociedade de Importação de Veículos Automóveis, S.A.", de natureza meramente aritmética, no montante global de € 2.047.319,79, respeitando € 150.000,00 a despesas não devidamente documentadas, € 1.677.389,00 a correções relativas a exercícios anteriores, € 75.264,75 a donativos em espécie, € 100.522,18 a benefícios fiscais - majoração de donativos, € 44.143,86 a benefícios fiscais -criação de emprego para jovens;
c) correções à matéria coletável da "G... - S..., Lda.", de natureza meramente aritmética, no montante global de € 23.490,36, respeitante a provisões não dedutíveis ou para além dos limites legais (Doc. 1 da Pl).

W. No que respeita às ações inspetivas à S... e à S..., foram apresentados nos respetivos relatórios os seguintes fundamentos:

RELATÓRIO S...
“III.1. Despesas não devidamente documentadas

O sujeito passivo contabilizou e não acresceu no quadro 07 da Declaração Modelo 22 um donativo em dinheiro à Direção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN) no valor de 150.000,00 Euros. Este donativo foi majorado fiscalmente em 30% (45.000,00 Euros) ao abrigo do artigo 2.º do Estatuto do Mecenato (Mecenato social), sendo este último valor deduzido no campo 234 do quadro 07 da Declaração Modelo 22 do exercício de 2005.

A suportar a operação existe um Protocolo celebrado em 17/11/2004, intervindo como outorgantes do mesmo a Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, a S... - S..., SA, e a Paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa (Vide Anexo 1). (...)
[A] inexistência de documentos válidos determina a não dedutibilidade fiscal dos encargos conexos com tais documentos, nos termos do disposto na alínea
g) do n°1 do artigo 42.º do CIRC, pelo que será de acrescer ao lucro tributável o montante total de 150.000,00 Euros.
Por o sujeito passivo não ter demonstrado, nem através de prova documental, nem através da exibição do recibo por parte da entidade beneficiária, nem através da demonstração inequívoca da prova do pagamento, e assim não ter sido aceite o custo para efeitos fiscais, também é claro que esse encargo não possa revestir a natureza de donativo no âmbito do Estatuto do Mecenato aprovado pelo Decreto-Lei n.º 74/99 de 16 de março. Não se encontrando reunidas as condições para que o referido custo possa ser enquadrado como um donativo, a respetiva majoração fiscal, no valor de 45.000,00 Euros, deduzida no campo 234 de quadro 07 da Declaração Modelo 22, deve ser desconsiderada. A conjugação destas duas situações implica um ajustamento positivo ao lucro tributável de 195.000 Euros.

III.2. Correções relativas a exercícios anteriores ( ...)
[D]everia a operação atrás descrita ter uma relevação contabilística em 2001 - ano em que definitivamente se fixam os termos e os montantes da regularização da operação de devolução à Volkswagen AG, referentes a supostas operações no períodos 1994 a 1998 - ser desde logo relevada na conta "59 - Resultados Transitados" pela sua importância global de 8.386.945 Euros. Conforme já referido, a Diretriz Contabilística n.º 8 aponta no sentido das regularizações excecionais, não frequentes, de grande significado, isto é, materialmente relevantes, e do próprio exercício ou do anterior terem uma relevação contabilística na conta "59- Resultados Transitados".

E não existem dúvidas acerca do facto dos qualificativos "regularização não frequente e de grande significado" se aplicarem por inteiro à operação aqui em análise.

E se assim bem tivesse sido, como prescreve o normativo contabilístico em vigor, não se colocaria também a questão de individualmente analisar a dedutibilidade fiscal da operação repartida pelos exercícios de 2001 a 2005, pelo valor anual de 1.677.389,00 Euros, mas tão só de analisar a dedutibilidade fiscal global da operação no valor de 8.386.945,00 Euros, relevada no exercício de 2001, na conta "59 - Resultados Transitados".

Na verdade a questão aqui a decidir, não é a de verificar se o custo de 8.386.945,00 Euros era eventualmente uma componente negativa do lucro tributável do exercício de 2001 à luz do preceituado no artigo 24.º do CIRC- apenas por o corrente procedimento inspetivo se reportar ao exercício de 2005- mas antes a de analisar a dedutibilidade fiscal do "diferimento" da importância de 1.677.389,00 Euros para o exercício de 2005, a título de diferimento dessa componente negativa do lucro tributável imputável ao exercício de 2001.

De facto, também a nível fiscal se dispõe que essa operação é imputável ao exercício a que diga respeito, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios.

Todavia, a diferença entre o tratamento contabilístico e o tratamento fiscal advém do facto de só poder ser imputada a um exercício posterior quando, na data de encerramento das contas do exercício a que deveria ser imputada, esta situação ser imprevisível ou manifestamente desconhecida, e sabemos que no caso vertente assim não era, antes sendo previsível e integralmente conhecidos os termos da operação já no exercício de 2001 (cfr. art. 18°, n.ºs 1e 2, do CIRC).

De acordo com o principio da especialização dos exercícios, os custos devem ser reconhecidos quando incorridos, independentemente do seu pagamento (tal como os prove os devem ser reconhecidos quando, quando obtidos, independentemente do seu recebimento), integrando-se os recebimentos e pagamentos nas demonstrações financeiras dos períodos a que respeitam.

A opção pelo diferimento artificial no tempo da operação em análise, motivada eventualmente por razões de tesouraria, não pode condicionar o sentido da correta análise contabilístíco-fiscal da operação.

Acresce ainda a referida contabilização da operação envolvendo contas de custos operacionais (conta "61 - custo das vendas") que levanta a questão quanto à efetiva correlação desses mesmos custos com as vendas associadas ao desenvolvimento da sua atividade operacional (venda de veículos aos concessionários). De facto foram assumidos custos do período relacionados com compres mas que em nada contribuíram para a realização de operações ativas tributáveis desse mesmo exercício corrente (vendas subsequentes).

Esta conta é explícita quanto à sua utilização: regista a contrapartida das saídas das existências nela mencionadas, por venda ou integração no processo produtivo. Quer a empresa tenha inventário permanente ou intermitente, os seus movimentos a débito registam saídas de mercadorias vendidas e matérias consumidas, custo dos bens armazenados que foram vendidos ou consumidos.

Em situação alguma se registam aqui custos de exercícios anteriores e muito menos regularizações financeiras que indevidamente o sujeito passivo originou.

Poderá assim ser posta em causa a própria indispensabilidade da assunção dos referidos custos para a normal prossecução da atividade da empresa no exercício objeto de análise, nos termos preconizados pelo n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, pois se esses custos não ocorressem nesse período, nem por isso as vendas viriam a ser afetadas negativamente.

Assim, atendendo aos argumentos e razões atrás expostas, com respeito ao disposto no artigo 18.º n.ºs 1 e 2 do CIRC e princípios fundamentais do normativo contabilístico nacional, a operação de compensação realizada pela S... junto da sua fornecedora de veículos da marca Volkswagen, relacionada com erros verificados nos exercícios compreendidos entre 1994 e 1998, a qual implicou a assunção de um custo de 1.677.389,00 Euros, para o exercício em análise, não poderá ser aceite fiscalmente em virtude de respeitar a uma regularização de um erro fundamental assumido em 2001 e inimputável a exercícios posteriores.

III.3. Benefícios Fiscais

III.3.1 Criação de emprego para Jovens

No exercício em análise, o sujeito passivo deduziu ao lucro tributável o montante total de 259.815,31 Euros (conforme consulta do Campo 234 do Quadro 07 da Declaração Modelo 22 e do Campo F155 do Quadro 04 do Anexo F da Declaração Anual de Informação Contabilística e Fiscal - DAICF). (...)
Quanto à contribuição referente ao exercício de 2005 no montante total de 23.755,20 Euros, e de acordo com a informação de detalhe disponibilizada pelo sujeito passivo, detetou-se que foi utilizado o limite previsto no n.º 2 do artigo 17.º do EBF, sem efetuar a devida correspondência para o período de tempo (calculado em dias), que decorreu desde a data de início de cada contrato de trabalho sem termo, até ao final do exercício em análise.

A redação do n.º 2 do artigo 17.º do EBF, introduzida pelo artigo 38.º da Lei n.º 32-B/2002, de 30/12 e aplicável a partir do exercício de 2003, indica efetivamente que o montante máximo da majoração anual, por posto de trabalho, é de 14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado que, no exercício em apreço, corresponde ao valor de 5.245,80 Euros.

É que o montante máximo previsto de acordo com a redação do n.º 2 do artigo 17.º do EBF, aplicável a partir do exercício de 2003, apenas será referência nas situações em que a data de admissão dos funcionários elegíveis corresponda ao primeiro dia do período de tributação da empresa ou, não se tratando de funcionários admitidos nesse ano, os mesmos permaneçam ao serviço da empresa ao longo de todo o período de tributação. Neste sentido dispõe o n.º 3 do referido normativo, quando refere que a majoração opera por um período de 5 anos a contar do início da vigência do contrato e não do início do mês ou do período de tributação em que o funcionário é admitido.

Assim, quanto ao beneficio fiscal referente à criação líquida de emprego no exercício de 2005 no montante total de 23.755,20 Euros, verificou-se que foi utilizado o limite previsto no n.º 2 do artigo 17.º do EBF, sem efetuar a devida correspondência para o período de tempo (calculado em dias), que decorreu desde a data de início de cada contrato de trabalho sem termo, até ao final do exercício, o que consubstancia uma correção ao benefício declarado pelo sujeito passivo no montante total de 7.549,93 Euros.

Por conseguinte, e em termos totais da análise ao benefício, é então de acrescer ao lucro tributável o montante total de 44.143,86 Euros (22.592,06 + 14.001,87 + 7.549,93).


III.3.2 Donativos em espécie

O sujeito passivo contabilizou e não acresceu no quadro 07 da Declaração Modelo 22 donativos em espécie ao Instituto Nacional de Emergência Médica e ao Circulo de Amigos do Centro de Cirurgia Cardiopática HUC, bens que foram valorizados pela doadora em 235.067,60 Euros e 27.347,55 Euros respetivamente (Vide Anexo 4). Ambos os donativos foram majorados em 94.027,04 Euros (40%) e 8.204,27 Euros (30%) respetivamente, valores deduzidos no campo 234 do quadro 07 da Declaração Modelo 22 do exercício de 2005.

Os bens doados consubstanciam-se em 6 viaturas em estado novo, da marca Volkswagen, referentes a mercadorias contabilizadas nas existências da doadora. ( ...)

Tratando-se de donativos em espécie relativos a bens pertencentes às existências do doador, o valor a relevar como custo, para efeitos da majoração, será o valor fiscal que os bens tiverem no exercício em que forem doados, ou seja, no caso em apreço, o custo de aquisição, eventualmente deduzido das provisões que devam ser constituídas ao abrigo da legislação aplicável, de acordo com o disposto no artigo 4.º-A do Estatuto do Mecenato. Disposição contrária ao referido normativo foi a praticada pelo sujeito passivo aquando da valorização dos bens doados nestas operações, como se pode verificar pela comparação dos valores das colunas no quadro supra, onde se apura uma diferença de 140.102,29 Euros entre este valor e o tomado pelo sujeito passivo para efeitos de donativo. Assim, atendendo a que o sujeito passivo desconsiderou, aquando da valorização dos bens doados em espécie o disposto no artigo 4.º-A do Estatuto do Mecenato, será de acrescer ao resultado tributável o montante total de 140.102,29 Euros. Além disso, e tendo em conta que o sujeito passivo no cálculo da majoração a inscrever no campo 234 da Declaração Modelo 22 teve por base o montante de 262.415,15 Euros, deverá ser desconsiderada a parcela da majoração correspondente ao donativo considerado como excessivo (140.102,29 Euros). Conforme se evidencia no quadro acima, o ajustamento negativo da majoração é de 55.522,18 Euros.

A conjugação destas duas situações implica uma correcção ao lucro tributável de 195.624,47 Euros.

Face aos elementos apresentados pelo sujeito passivo em sede de direito de audição, a proposta de correção do custo com o donativo no montante 140.102,29 Euros foi alterada para o montante de 75.264.75 Euros. (Ver ponto IX do presente relatório)."

RELATÓRIO S...

"III.1. Não dedutibilidade fiscal das perdas com a transmissão onerosa de partes de capital
A - Os factos
A S… - Gest alienou no exercício de 2005 partes de capital, nas quais se incluem partes de capital social propriamente ditas e prestações monetárias, suplementares e acessórias, relativas a empresas do Grupo, para as quais obteve um resultado contabilístico global negativo de 22.543.494 Euros. (...)

[E] m termos de impacto nas contas de resultados da empresa, as operações de alienação de investimentos financeiros proporcionaram perdas no montante global de 27.718.431 Euros (contabilizadas na conta POC 682 - perdas em alienações de investimentos financeiros) e ganhos globais de 5.174.937 Euros (contabilizados na conta POC 782 - ganhos em alienações de investimentos financeiros). A diferença que existe entre o apuramento efetuado no mapa das mais e menos valias fiscais e o apuramento apresentado nas demonstrações financeiras, diferença essa no valor global de 22.543.494 Euros, decorre do resultado apurado na alienação de partes sociais das subsidiárias G... Lda e U..., SA. Enquanto que, para efeitos de apuramento de menos valias em termos fiscais o resultado apurado foi nulo para ambas as operações, para efeitos contabilísticos, o resultado foi negativo em 13.163.574,27 Euros, para o caso da G... Lda e negativo em 10.701.118,77 Euros para o caso da U... SA. Ora se olharmos à desagregação demonstrada na nota 12 do anexo ao balanço e às demonstrações de resultados da S... para o exercício de 2005, verifica-se que a referida diferença tem a ver com a não consideração do valor classificado como "prestações acessórias". Tal constatação comprova-se também através da análise documental das escrituras públicas de cessão de quota da empresa G..., do contrato de compra e venda de ações da U..., da leitura das notas ao balanço e á demonstração de resultados das empresas em questão, assim como das respetivas atas dos conselhos de administração.

B - As alienações das participações financeiras da G... e Usado

OK 8.1- G...

A S... era, até à data da alienação da participação social ora em análise, a única sócia da sociedade G..., Lda, NIPC 5....
Em 20/12/2005, por escritura pública de cessão de quota, a S... cede à sociedade F..., Lda, NIPC: 5..., uma quota no valor nominal de 76.814,58 Euros pelo preço de 219.371,32 Euros e a totalidade das prestações suplementares de capital no valor de 13.744.590,54 Euros, pelo preço de 581.016,27 Euros (vide anexo 1 folhas 1 à 4).

Como resultado desta operação, o capital social da G..., Lda passa a ser detido pela S... em 5 quotas no valor nominal total de 970.660,70 Euros (97%) e agora pela F... com os remanescentes 76.814,58 Euros (3%).

Esta operação, gerou um resultado contabilístico negativo de 13.163.574,27 Euros. Este valor é composto por duas partes: uma parte correspondente ao valor da parte de capital propriamente dito, com um resultado contabilístico negativo de 142.556,44 Euros e outra parte relativa às prestações suplementares de capital, com um resultado contabilístico negativo de 13.021.017,83 Euros. As prestações suplementares alienadas no total de 13.744.590,54 Euros tiveram o seguinte historial de constituição e reforço: 2.244.590,54 Euros (exercício de 2000), 9.000.000,00 Euros (exercício de 2002) e 2.500.000,00 Euros (exercício de 2004) (vide anexo 2 folhas 1 à 11).

8.2- U...

A S... era até à data da alienação da participação social ora em análise, a única acionista da sociedade U..., NIPC 5..., com o capital social de 50.000,00 Euros, constituído por 10.000 ações. Em 02/11/2005, por escritura particular de compra e venda de ações, a S... transmite à sociedade F..., Lda, NIPC: 5..., 500 ações, de valor nominal de 5,00 Euros cada uma, pelo preço de 2.500,00 Euros e cede ainda a totalidade das prestações acessórias no montante de 11.500.000,00 Euros pelo preço de 798.881,23 Euros (vide anexo 3 folhas 1 à 2). Como resultado desta operação, o capital social da U..., passa a ser detido pela S... com 9.500 ações no valor nominal total de 47.500,00 Euros a que corresponde uma percentagem de participação de 95% e agora pela F... com as remanescentes 500 ações com um valor nominal de 2.500,00 Euros, a que corresponde uma percentagem de participação de 5%. Esta operação, gerou um resultado contabilístico negativo de 10.701.118,77 Euros. Este valor é composto por duas partes: uma parte correspondente ao valor da parte de capital propriamente dito, com um resultado contabilístico nulo e outra parte relativa às prestações acessórias de capital, com um resultado contabilístico negativo de 10.701.118,77 Euros. As prestações acessórias alienadas no total de 11.500.000,00 Euros tiveram o seguinte historial de constituição e reforço: 5.000.000,00 Euros (exercício de 2003), 6.500.000,00 Euros (exercício de 2004) (vide anexo 4 folhas 1à 6).
C- Enquadramento contabilístico dado pela S... às operações
Contabilisticamente e para ambas as situações, do lado da sociedade alienante S..., a operação teve o tratamento que o Plano Oficial de Contabilidade preconiza para estas situações, isto é:
- Previamente à operação de alienação, verifica-se que as partes de capital bem como as prestações suplementares/prestações acessórias encontravam-se contabilizadas a débito da conta 41 - Investimentos Financeiros. Concomitantemente na G... os saldos relativos a prestações suplementares de capital encontravam-se relevados contabilisticamente na conta 53 - Prestações Suplementares - da classe 5 - Capital, Reservas e Resultados Transitados.
- Com a operação de alienação descrita, os movimentos contabilísticos passam pelo débito das contas de disponibilidades e de Perdas em Empresas do Grupo e Associadas e por crédito da conta 41 – Investimentos Financeiros).

Embora não venha alterar em nada o impacto nos resultados desta operação, deve ser mencionado que por força da aplicação das normas internacionais de contabilidade, os saldos contabilizados nas contas 654100001 -"Perdas em Imobilizado - Investimentos Financeiros" e 764100001 -"Ganhos em Imobilizações - Investimentos Financeiros" (contas onde foram contabilizados ao longo do exercício as perdas ou ganhos resultantes de alienações de investimentos financeiros) foram transferidos respetivamente para as contas 682000001 - "Perdas Empresas Grupo e Associadas - Perdas em Alienações de Investimentos Financeiros" e 782000001 - "Ganhos em Empresas Grupo e Associadas - Ganhos em alienação de investimentos financeiros".


D- Enquadramento fiscal das operações

A sociedade adquirente, F...- Aluguer de Automóveis, Lda, NIPC: 5..., com um capital social de 50.000 Euros, era à data dos factos (e ainda é) participada a 100% pela S..., facto facilmente verificável, entre outros, nos elementos e informação apresentados no Relatório e Contas do exercício de 2005 e seguintes. A S... classifica-a mesmo como uma entidade relacionada no seu Dossier de Preços de Transferência de 2005.

Analisadas estas duas operações nos seus efeitos fiscais verifica-se que as perdas a estas associadas, as quais tiveram um tratamento contabilístico (acima já explicitado) que influenciou negativamente a conta de resultados, não foram acrescidas ao resultado contabilístico no quadro 07 da declaração anual de rendimentos Modelo 22, concorrendo dessa forma para a formação do lucro tributável, procedimento claramente incorreto como adiante se passará a explicar.

A título preliminar, pese embora a parte final do ponto 12- Investimentos Financeiros -do Anexo ao Balanço e Demonstração de Resultados que integra do Relatório e Contas da S... do exercício em análise, vir mencionar na coluna referente a prestações de capital, o termo "Prestações Acessórias", toda a relevação contabilística preconizada pelas partes intervenientes, sem exceção, indica estar-se em presença de prestações monetárias de capital, diga-se, prestações suplementares de capital e prestações acessórias efetuadas sob o regime das prestações suplementares, tal como se encontram previstas no Código das Sociedades Comerciais. Assim sendo, tal facto não relevará, para uma análise e consequentes conclusões diferentes das que aqui se pretendem vir a desenvolver.

De facto, perante a realização de prestações monetárias em favor de uma sociedade pelos respetivos sócios, será possível discriminar duas espécies de realidades que se distinguem em atenção ao surgimento ou não de uma obrigação exigível de restituição ou reembolso dos capitais disponibilizados: caso não se constitua, em sentido próprio, uma obrigação exigível da sociedade de restituição do capital, estamos perante financiamentos por capitais próprios (equity instruments na terminologia do IASB); se assim suceder, temos financiamentos por capitais alheios ou empréstimos de sócios (finantial instruments na terminologia do IASB), que constituem passivos - no primeiro caso, diferentemente do segundo, não surge um custo financeiro para a empresa. Assim, não só as prestações suplementares mas também as prestações acessórias sob a forma de prestações suplementares, constituem entregas pecuniárias que satisfazem funções análogas ao capital social (arts. 31.º e 32.º do Código das Sociedades Comerciais, adiante CSC), razão que justifica a inexigibilidade do crédito, bem como a inexistência de qualquer remuneração própria (para além daquilo que resulta do desenvolvimento da própria atividade social) sofrendo o mesmo risco que o capital social.

Note-se que, do lado da entidade que as recebe e face ao Plano Oficial de Contabilidade, as prestações suplementares e as prestações acessórias sob a forma de prestações suplementares integram o capital (conta 53 - prestações suplementares, incluída na classe 5-Capital, reservas e resultados transitados).

Pois bem, na situação em cause é claro e inequívoco que estamos perante "prestações suplementares" e também "prestações acessórias efetuadas sob o regime das prestações suplementares". E será este o termo ou expressão, "prestações suplementares", que se utilizará de ora em diante, sendo certo, como atrás já referido que, as prestações acessórias sob a forma de prestações suplementares, têm sempre um tratamento contabilístico e fiscal em exato enquadramento e efeitos nas esferas dos intervenientes, igual ao das prestações suplementares.

Na verdade, resulta que as entradas em cumprimento da obrigação de prestações suplementares constituem uma parte das entradas globais dos sócios. Embora não sejam capital social, as prestações suplementares são capital adicional ou acrescido.

É de realçar que, como já foi referido, do ponto de vista dos sócios que as realizam, as prestações suplementares devem ser registadas na conta 41 -Investimentos financeiros.

Assim, a expressão "partes de capital" não deve ser entendida em sentido restrito, isto é, de forma a incluir somente a subscrição e a realização do capital social, mas sim em sentido lato, ou seja, como entradas de capital próprio, onde se incluem obviamente as prestações suplementares.

Nestes termos, a relevância fiscal destes investimentos financeiros come sejam as prestações suplementares ou as prestações acessórias sob o regime das prestações suplementares implica a sua integração e/ou equiparação ás partes de capital nos termos do artigo 43°, n.ºs 2 e 3 do CIRC. Assim, as perdas sofridas com a transmissão onerosa de prestações suplementares representarão fiscalmente uma menos-valia, sujeita ao regime correspondente.

E assim seria não fosse estarmos aqui em presença de operações que configuram a transmissão onerosa de partes de capital, partes de capital propriamente ditas e prestações suplementares, à entidade adquirente com a qual estavam estabelecidas à data das operações "relações especiais" como definidas no artigo 58.º n.º 4 do CIRC.

Analisando a situação à luz do estatuído em especial nos artigos 23.º n° 7 e 58.º n.º 4 ambos do CIRC, caso se verifique alguma das situações objeto destes dispositivos, então, as perdas resultantes da alienação dessas partes sociais não concorrem de todo como custos para a formação do lucro tributável (custos não dedutíveis).

É pois necessário aferir das limitações à dedutibilidade fiscal dos custos ou perdas que, em atenção à alienação efetuada, resulta do disposto do n.º 7 do artigo 23.º do CIRC.

O artigo 23.º do CIRC dispõe sobre custos ou perdas, referindo o nº 1 que : "consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora...". O n.º 7 deste preceito dispõe que: ' Não são, igualmente, aceites como custos ou perdas do exercício os suportados com a transmissão onerosa de partes de capital, qualquer que seja o titulo por que se opere, a entidades com as quais existam relações especiais, nos termos do n.º 4 do artigo 58º, ou a entidades com domicilio em pais, território ou região com regime de tributação claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças, ou entidades residentes em território português sujeitas a um regime especial de tributação". Estabelece o corpo do n.º 4 do art. 58.º do CIRC que: " (...) existem relações especiais entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer, direta ou indiretamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra, o que se considera verificado, designadamente, entre: a) uma entidade e os titulares do respetivo capital (...) que tenham, direta ou indiretamente, uma participação não inferior a 10% (...)". O n.º 7 do artigo 23.º do CIRC foi aditado pela lei do Orçamento do Estado para 2003, a lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro e teve a sua entrada em vigor em 01/01/2003. Tal norma constitui uma norma antiabuso e com a mesma o legislador visou introduzir medidas de moralização e neutralidade em sede de alargamento da base tributável do IRC.
O mesmo n.º 7 do artigo 23.º do Código do IRC limita-se a excluir do concurso para o lucro tributável certas menos-valias realizadas na alienação onerosa de partes de capital, ainda que preencham as condições do nº 1 do mesmo artigo 23.º. E, realmente, o n.º 7 do artigo 23.º do Código do IRC é uma norma excecional, que se destina a ressalvar, de entre as menos-valias que concorrem para o lucro tributável nas condições do n.º 1 do mesmo artigo, aquelas que resultem da transmissão onerosa de partes de capital a adquirentes que tenham relações especiais nos termos do n.º 4 do artigo 58.º do mesmo Código.

E- Conclusão

A adquirente F..., Lda, era, à data dos factos atrás descritos, detida pela sociedade alienante S... em 100%, integrando o mesmo grupo económico. A S... alienou partes de capital propriamente ditas, prestações suplementares e prestações acessórias sob o regime de prestações suplementares, à subsidiária F... nas condições dos já referidos artigos 23.º n°.7 e 58.º n.º 4 do CIRC, sem considerar os necessários ajustamentos fiscais ao resultado contabilístico, uma vez que tais perdas não devem concorrer para a determinação do lucro tributável. Assim, considerando que existem relações especiais entre a S... e a F..., conforme o estipulado na alínea a) do nº 4 do artigo 58.º do CIRC, e considerando ainda que as prestações suplementares e as prestações acessórias sob o regime das prestações suplementares se consubstanciam enquanto partes de capital, tal como anteriormente se referiu, a perda apurada pela S..., resultante da alienação de partes de capital, das prestações suplementares e das prestações acessórias ao capital da G... e da U..., respetivamente de 13.163.574,27 Euros e 10.701.118,77 Euros, totalizando 23.864.693,04 Euros, não é fiscalmente dedutível nos termos do n.º 7 do artigo 23.º do CIRC, pelo que se procede à correção desta importância, para efeitos de determinação do resultado fiscal.

III.2.Custos não aceites fiscalmente -aluguer de aeronaves

A S... considerou como custo fiscal o valor de 790.785,32 Euros, referente a encargos decorrentes de prestações de serviços de transporte internacional conforme contrato de prestação de serviços estabelecido entre a S... e a V... A..., S.A (adiante "V..."), consubstanciado no aluguer de aeronaves para transporte de passageiros, encontrando-se o referido custo contabilizado na conta 622270001 - "Deslocações e Estadas - País" (vide anexo 5 folha 1).

O contrato ora em análise, com data de 01/01/2003 e produção de feitos na mesma data, teve como partes contratantes, as sociedades V... (atrás identificada, na qualidade de prestadora do serviço) e a S... - S..., S.A (adiante S..., empresa do Grupo S..., na qualidade de adquirente do serviço) (vide anexo 6 folhas 1á 6).

Para o mesmo contrato, por cadência de posição contratual, com data de 2811212003 e produção de efeitos a 01/01/2004, a S... (cessionária) toma a posição da S... (cedente) (vide anexo 7 folhas 1 à 2).

O objeto contratualizado consubstancia-se numa prestação de serviços, em que a V... enquanto proprietária/exploradora de aeronaves e transportadora, coloca à disposição da S..., duzentas horas de voo numa aeronave Falcon 900B a serem utilizadas durante um ano. (...)

[O]s únicos elementos apresentados pelo suje o passivo, excluindo as faturas e documentos de registos contabilísticos desses custos, respeitam á celebração de um contrato de prestação de serviços de transporte aéreo internacional entre a S..., e a V... (já atrás referido), contrato esse a que todas as faturas fazem referência, para além de esclarecimentos adicionais, que a seguir se analisam. (...)

Para efeitos fiscais, os custos que relevam são os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização de prove os ou ganhos sujeitos a imposto, ou para a manutenção da fonte produtora, conforme preconizado no artigo 23.º do CIRC. Neste sentido, não basta que exista uma conexão entre custos e proveitos, para que os primeiros tenham relevância fiscal, é ainda necessário comprovar a sua indispensabilidade para a formação dos proveitos. Acresce ainda que a referida disposição legal (art.º 23.º do CIRC), efetua uma enumeração exemplificativa das despesas que podem ser consideradas como custos, ou seja, como componentes negativas do resultado liquido do exercício, desde que seja comprovado o elemento preponderante e que é a sua indispensabilidade para a realização dos proveitos. Não é, no entanto, este o único normativo a dispor para o efeito, já que há que o conjugar com a alínea e) do nº 1 do art.º 33° do CIRC a qual restringe o âmbito do art.º 23.º do CIRC, ou seja, não obstante determinada despesa poder entrar na qualificação de custo face ao art.º 23.º do CIRC, o legislador entendeu, por razões de política fiscal, determinar que nem todas essas despesas poderiam ser imputadas negativamente ao resultado líquido do exercício e definiu quais as que não poderiam ser deduzidas, desta feita enumerando-as taxativamente na alínea e) do n.º 1 do artº 33.º do CIRC, bem como no artº 12.º do Decreto Regulamentar n.º 2/90, onde se afirma que" Não são aceites como custos as reintegrações de viaturas ligeiras de passageiros ou mistas (...), bem como dos barcos de recreio e aviões de turismo e todos os encargos com estes relacionados desde que tais bens não estejam afetos à exploração de serviço público de transportes ou não se destinem a ser alugados no exercício da atividade normal da empresa sua proprietária.".

E de facto, de aviões de turismo se trata, pois o contrato de prestação de serviços estabelece o use, por parte da S... de aviões de turismo, não podendo os custos inerentes a esse uso serem dedutíveis fiscalmente, de acordo com a alínea e) do n.º 1 do artº 33.º do CIRC, bem como do art.º 12º do Decreto Regulamentar n.º 2/90. O direito fiscal condensa diferentes condicionalismos e mecanismos de dedução das despesas, em função dos parâmetros de volatilidade da autonomia patrimonial, radicando-se a "ratio legis" na dificuldade em traçar e controlar a linha de fronteira entre o caráter pessoal ou empresarial do custo. Neste contexto, existe uma válida e racional motivação intrínseca, que consiste no controlo da empresarialidade dos custos, que justifica que determinados custos estejam sujeitos a requisitos formais acrescidos, o que assume um caráter de simplicidade para a sociedade tributada, detentora de um especial dever de organização dos registos e da contabilidade, envolvendo deste modo um ónus normal e não gravoso de prova a cargo do sujeito passivo.

Deste modo, recai sobre o sujeito passivo o ónus da prova de que as operações inerentes aos custos objeto de correção fiscal, nomeadamente com o contrato de aluguer de aeronaves, é legitima, porque estes se inserem numa relação de causalidade económica com a perceção de proveitos ou manutenção da fonte produtora. A S... não logrou efetuar tal prova, na medida em que o preenchimento da mesma, se não pode consubstanciar em referências genéricas, sem concretização de factos ou situações que tornem viável a verificação da sua correspondência à realidade, não se podendo entender este ónus como anormal ou demasiado gravoso, em razão do especial dever de organização dos registos e da contabilidade do sujeito passivo e ainda da natureza dos custos em causa. Ademais se justifica a necessidade da sua comprovação, na medida em que, sendo o objeto social da empresa a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas, assumem os referidos custos um cariz indireto, sujeitos por essa via a uma necessária e inequívoca prova quanto á sua indispensabilidade, nos termos referidos no art.º 23.º do CIRC. (...) Assim e dado que a empresa não efetuou a comprovação da indispensabilidade dos encargos associados ao aluguer de aeronaves, não são os mesmos aceites nos termos do artigo 23.º conjugado com o art.º 33.º ambos do CIRC, pelo que a verba de 790.785,32 Euros deve ser acrescida ao resultado tributável do exercício (Vide ponto IX- Direito de Audição).

111.3. Beneficios Fiscais- Criação de emprego para Jovens
Para o exercício de 2005, o sujeito passivo deduziu ao lucro tributável o montante total de 8.697,16 Euros (cfr. Campo 234 do Quadro 07 da Declaração Modelo 22 e do Campo F155 do Quadro 04 do Anexo F da Declaração Anual de Informação Contabilística e Fiscal - DAICF).
Este valor resulta do beneficio fiscal atribuído à criação líquida de posto de trabalho para um trabalhador admitido por contrato sem termo com idade não superior a 30 anos, condição verificada em 08-05-2000, podendo ser esse benefício fiscalmente ativo, no seu limite, por cinco anos a contar de 08-05-2000, isto é, até 08-05-2005. (...) [O] beneficio fiscal apenas opera quando os encargos mensais forem inferiores ao citado salário mínimo e mesmo neste caso, se esses encargos majorados nos termos legais excederem aquele limite, o beneficio fiscal corresponde então ao diferencial entre o salário mínimo e os encargos mensais sem majoração. Assim, concretizando para a situação em análise e conforme o quadro que se junta no anexo 9, será de efetuar uma correção ao beneficio fiscal declarado pelo sujeito passivo, acrescendo ao resultado tributável o montante total de 8.697,16 Euros, de acordo com o preceituado no artigo 17.º do EBF, na redação anterior à Lei n.º 32-B/2002 de 30/12.' (fls. 310/321, 323/352 e 398/432).

X. No dia 21/08/2009, foi emitida a liquidação de IRC com o n.º 2009217…, relativa ao exercício de 2005 da impugnante, consubstanciada na nota de compensação nº. 2009632…, da qual resultou o saldo de € 0,00 (Doc. 2 da Pl e fls. 612/616 e 619/622 do PAT apenso).

Y. No dia 31/03/2010, o Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa determinou a revogação parcial do ato de liquidação, no que respeita aos seguintes pontos:
-alterar a correção efetuada no montante € 44.143,83 (€ 22.592,00 [2001], € 14.001,87 [2002] e € 7.549,93 [2005]), referente ao sujeito passivo S..., relativa ao benefício fiscal de criação de emprego para jovens, para o montante de € 18.901,33 (€ 7.841,13 [2001], € 3.510,27 [2002] e € 7.549,93 [2005]);

- alterar a correção efetuada para a S… no montante de € 8.697,16, aceitando-se a majoração de € 2.005,05, e mantendo-se a correção efetuada pela inspeção no montante de € 6.692,11;

- anular a correção referente a encargos relativos a exercícios anteriores contabilizados pela S..., no montante de € 1.677.689,00 (fls. 623/702 do PAT apenso).

Z. No dia 04/05/2010, foi emitida a liquidação de IRC com o n.º 20108510002569, relativa ao exercício de 2005 da impugnante, consubstanciada na nota de compensação n.º 20100000…, da qual resultou o saldo a reembolsar de € 46.603,98 (fls. 788/789).

Factos Não Provados
Não se provaram quaisquer outros factos, com relevância para a decisão da causa.”

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Com base na matéria de facto supra, o Meritíssimo Juiz do TT de Lisboa julgou extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide na parte respeitante às correções de desconsideração de benefício fiscal de criação de emprego para jovens, e anulou o ato de liquidação na parte respeitante à correção do custo com a transmissão onerosa de partes de capital, e no demais julgou improcedente a impugnação judicial.

A Recorrente Fazenda Pública vem recorrer da decisão na parte em que lhe é desfavorável (custo com a transmissão onerosa de partes de capital), invocando, erro de julgamento de direito, porquanto ao contrário do que se entendeu na sentença recorrida, não é aplicável o procedimento previsto no art. 63.º, n.º 1 do CPPT, pois deve-se atender ao n.º 2 do art. 63.º do CPPT que estabelece as condições para que uma determinada norma seja considerada como antiabuso.

Efetivamente, conforme resulta do relatório da ação de inspeção a AT desconsiderou o montante contabilizado pelo contribuinte como custo ou perda do exercício relativo à transmissão onerosa de partes de capitais, no montante de 23.864.693,04€, com fundamento legal no art. 23.º, n.º 7 do CIRC, conjugado com a alínea a), do n.º 4 do art. 58.º, ambos do CIRC. Ou seja, considerou-se que existiam relações especiais entre a Impugnante e adquirente das partes sociais nos termos do n.º 4 do art. 58.º do CIRC, e, nessa medida não se aceitou como custo ou perdas do exercício os suportados com a transmissão onerosa de partes de capital, de acordo com o estipulado no n.º 7, do art. 23.º do CIRC.

Portanto, a questão prende-se com o determinar se a aplicação do disposto no art. 23.º, n.º 7 do CIRC, por existirem relações especiais nos termos do n.º 4 do art. 58.º, ambos do CIRC, depende da abertura do procedimento previsto no n.º 1, do art. 63.º do CPPT.

Entendemos que a liquidação ora em causa na parte em que assenta no disposto no n.º 7, do art. 23.º do CIRC não está dependente da abertura de procedimento próprio nos termos previstos no n.º 1 do art. 63.º do CPPT (na redação anterior à Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro), porque a isso se opõe o n.º 2 desse mesmo preceito legal.
Na verdade, o n.º 7 do art. 23.º do CIRC dispunha o seguinte: “7 - Não são, igualmente, aceites como custos ou perdas do exercício os suportados com a transmissão onerosa de partes de capital, qualquer que seja o título por que se opere, a entidades com as quais existam relações especiais, nos termos do n.º 4 do artigo 58.º, ou a entidades com domicílio em país, território ou região com regime de tributação claramente mais favorável, constante de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças, ou entidades residentes em território português sujeitas a um regime especial de tributação.(Redação da Lei 32-B /2002 de 30 de Dezembro)”.

E o disposto no n.º 4 do art. 58.º do CIRC (corresponde atualmente ao n.º 4, do art. 63.º do CIRC): “Preços de transferência” dispunha “4 - Considera-se que existem relações especiais entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer, directa ou indirectamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra, o que se considera verificado, designadamente, entre:
(Redacção dada pelo n.º 1 do artigo 44º da
Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro).

Ora, ainda que o disposto no n.º 7, do art. 23.º do CIRC que remete para o n.º 4, do art. 58.º do CIRC, possa ser qualificada como norma antiabuso especial, tal não basta para que seja aplicável o procedimento previsto no n.º 1, do art. 63.º do CPPT. Efetivamente é necessário que a norma antiabuso revista a qualidade definida no n.º 2, nomeadamente “consagre a ineficácia perante a administração tributária de negócios ou actos jurídicos celebrados ou praticados com manifesto abuso das formas jurídicas de que resulte a eliminação ou redução dos tributos que de outro modo seriam devidos”.

Ora, in casu, a aplicação do disposto no n.º 7, do art. 23.º conduz, tão-somente, à não aceitação como custo ou perda do exercício os suportados com a transmissão onerosa de parte de capital a entidades com as quais existam relações especiais nos termos do n.º 4 do art. 58.º. Por outras palavras, aquele n.º 7 não consagra qualquer ineficácia perante a administração tributária do negócio jurídico celebrado, mas apenas a sua desconsideração como custo do exercício por força da existência de relações especiais nos termos do n.º 4, do art. 58.º do CIRC, pelo que não se subsume à definição de “disposições antiabuso” prevista no n.º 2, para efeitos da aplicação do procedimento próprio exigido pelo n.º 1, do art. 63.º do CPPT.

Nesse sentido, ainda que relativamente a outra norma antiabuso especial que não cabe na definição do n.º 2, do art. 63.º da LGT, v. o recente acórdão do TCAS de 29/04/2021, proc. n.º 1331/09.0BESNTe jurisprudência aí citada.

Em suma, procede o recurso da Fazenda Pública, cumprindo conhecer em substituição dos fundamentos invocados na p.i. e cujo conhecimento ficou prejudicado, e sem contraditório por se considerar desnecessário, sobretudo porque a Recorrida já se pronunciou nas suas contra-alegações de recurso.

Invocou a Impugnante ainda quanto à correção em apreço que a mesma enferma de vício de violação de lei porque as perdas relativas às prestações suplementares, e por maioria de razão, de prestações acessórias, não se encontram abrangidas pelo n.º 7, do art. 23.º do CIRC, normativo fundamentador da correção.

E, como efeito, assiste-lhe razão.

Resulta expressamente do n.º 7, do art. 23.º do CIRC que a não aceitação do custo ou perdas aí previstas, apenas diz respeito à “transmissão onerosa de partes de capital”.

Ora, o conceito de “partes de capital” não engloba as prestações suplementares, tal como decorre do sentido empregue diretamente na lei fiscal, no art. 42.º, n.º 3, do CIRC na redação dada pelo n.º 1 do artigo 44.º da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de dezembro, que veio esclarecer que as prestações suplementares se englobam no conceito de «capital próprio», mas não no de «partes de capital» ( “3 - A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.”).

Ou seja, o legislador fiscal distingue claramente o conceito de “partes de capital” do conceito de “outras componentes do capital próprio”. Entende que o conceito amplo de “capital próprio” é composto pelas “partes de capital” e por “outras componentes”. Mais entende que as prestações suplementares revestem a natureza de “outras componentes do capital próprio” como se retira da expressão “designadamente”.

Nas leis fiscais esse é o sentido que deve ser dado aos termos “capital próprio”, “partes de capital” e “outras componentes do capital próprio” porque é aquele que decorrente da lei fiscal (cf. última parte, do n.º 2, do art. 11.º da LGT).

Por outro lado, sublinhe-se que o conceito de “partes de capital” ínsito no n.º 3 do art. 42.º do CIRC encontra-se numa norma respeitante à determinação de menos valias derivadas de transmissão onerosas de partes de capital próprio das sociedades, o que implica, de acordo com a coerência do sistema jurídico que deve presidir à interpretação, que esse é o mesmo sentido que o legislador pretendeu utilizar no disposto no n.º 7, do art. 23.º do CIRC que também diz respeito a menos-valias, pelo que não inclui as prestações suplementares, e por maioria de razão as prestações acessórias que se subordinam ao regime de restituição.

Assim sendo, assiste razão à Impugnante, devendo a correção ser anulada.

Pelo exposto, e em suma, nesta parte, importa conceder provimento ao recurso da Fazenda Pública, revogar a sentença recorrida nesta parte, e em substituição julgar procedente a impugnação judicial.

Passemos, então, ao conhecimento dos fundamentos do recurso da Impugnante.

Invoca a Impugnante, desde logo, a nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, violando-se o disposto no n.º 2, do art. 123.º do CPPT (conclusão 3), bem como a ausência de exame crítico das provas, violando-se o disposto no n.º 2 do art. 123.º do CPPT, bem como por omissão absoluta de julgamento sobre a matéria de facto ao se ter remetido para documentos dos autos (conclusão 3).

A propósito da nulidade da sentença por falta da especificação é esclarecedor o Acórdão do STA de 16/01/2013, proc. n.º 0343/12, no qual se sumariou que “I – As decisões judiciais estão sujeitas ao dever de fundamentação por força do disposto no artigo 158º do CPC, o que constitui, aliás, imperativo constitucional que decorre do n.º 1 do artigo 205.º da CRP. II – O art. 125.º do CPPT e o análogo art. 668.º, nº 1, al. b), do CPC estipulam que é nula a sentença quando falte a especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, e estes preceitos são aplicáveis aos despachos judiciais por força do estipulado no nº 3 do art. 666º do CPC. III – Se a decisão judicial de indeferimento do requerimento que a impugnante apresentou no processo de impugnação judicial – no sentido de que fosse determinado ao órgão de execução fiscal a suspensão do processo executivo face ao pedido formulado na petição inicial de impugnação de dispensa de prestação de garantia – é totalmente omissa quanto aos factos provados necessários à aplicação do direito, verifica-se omissão absoluta de julgamento em matéria de facto, que constitui uma nulidade que deve, aliás, ser conhecida oficiosamente pelo STA face ao disposto no nº 3 do art. 729º do CPC.” (sublinhados nossos).

Mais se explicitou naquele acórdão, a respeito da questão, que “[e]sta especificação dos fundamentos da decisão judicial refere-se à sua motivação ou fundamentação no plano factual e jurídico e passa pela expressão e discriminação da matéria de facto considerada pertinente para apoiar a solução de direito, cumprindo, assim, uma dupla função: por um lado, impõe necessariamente ao juiz um momento de controlo crítico da lógica e da bondade da decisão; por outro, permite, pela via do recurso, o reexame da decisão por ele tomada. Razão por que a falta de julgamento dos factos necessários à decisão constitui, aliás, nulidade de conhecimento oficioso, em paralelo com a nulidade prevista nos artigos 729.º e 730.º do Código de Processo Civil, pois que – de acordo com o acórdão desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 20-11-1996, proferido no recurso n.º 20805 – o n.º 1 do art. 144º do CPT (a que corresponde o actual art. 125.º do CPPT) e a alínea b) do n.º 1 do art. 668.º do CPC, ao exigirem a especificação dos fundamentos de facto da decisão, referem-se à fundamentação ou motivação da mesma, no plano factual, que não à fixação propriamente dita, ao julgamento dos factos necessários à mesma decisão, cuja falta constitui, ao contrário daquela, nulidade do conhecimento oficioso. No mesmo sentido, e a título meramente exemplificativo, os acórdãos desta Secção de 3-6-1992, de 20-2-2008, de 12-11-2008, de 12-01-2011, de 10-03-2011 e de 16-11-2011, proferidos nos recursos n.º 14284, n.º 903/07, n.º 546-08, nº 638/10, nº 716/10, e nº 453/11, respectivamente.”

Deve distinguir-se entre falta absoluta de motivação e motivação deficiente, medíocre ou errada, também é certo e é jurisprudência assente que esta nulidade só abrange a falta absoluta de motivação da própria decisão e não já a falta de justificação dos respetivos fundamentos; isto é, a nulidade só é operante quando haja total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão (cf. por todos, Ac. do STA de 04/03/2015, proc. n.º 01939/13.
A insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade (cf. Alberto dos Reis, CPC anotado, Vol. V, 140.)

Por isso, como salienta Jorge Lopes de Sousa devam “considerar-se como falta absoluta de fundamentação os casos em que ela não tenha relação perceptível com o julgado ou seja ininteligível, situações em que se está perante uma mera aparência de fundamentação”, já que esta se destina “a esclarecer as partes, primacialmente a que tiver ficado vencida, sobre os motivos da decisão, não só para ficar convencida de que não tem razão, mas também porque o conhecimento daqueles é necessário ou, pelo menos, conveniente, para poder impugnar eficazmente a decisão em recurso ou arguir nulidades, designadamente a derivada de eventual contradição entre os fundamentos e a decisão”, e, por isso, “quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu deverá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação” (cf. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. II, 6.ª edição, Áreas Editora, 2011, anotações 7 e 8 ao art. 125.º, pp. 357 a 361.)

Deste modo, a sentença deve estar minimamente motivada, pois caso seja omitida absolutamente a motivação de facto, então, estaremos perante a nulidade da sentença prevista no art. 125.º, n.º 1 do CPPT.

Ora, no caso dos autos, apesar de a Recorrente alegar que a sentença se encontra sem motivação, tal não se verifica, pois enumeram-se os factos e respetiva prova que os sustentam como resulta da “Motivação da decisão de facto” que o juiz exara na sentença. Ao contrário do que invoca a Recorrente existe um exame crítico das provas que presidiu ao julgamento sobre a matéria de facto, podendo o juiz remeter para documentos juntos aos autos. Ainda que se pudessem dar como provados mais factos do que aqueles que constam do probatório, designadamente com base na prova testemunhal, como parece entender a Recorrente, e que esta não compreenda a razão pela qual não se deram como provados, a verdade que o invocado entra no campo do erro de julgamento e não da nulidade da sentença por falta de fundamentação.

Portanto, não se verificam as nulidades invocadas.

Invoca ainda a Recorrente a nulidade da sentença por omissão de pronúncia nos termos do disposto no n.º 1, do art. 125.º do CPPT (conclusões 3).
Nos termos do disposto no art. 125.º do CPPT constitui nulidade da sentença “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar”.

Ou seja, ocorre nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando se verifica uma violação dos deveres de pronúncia do tribunal sobre questões a que esteja obrigado a pronunciar-se.

Nesta matéria, a jurisprudência tem reiteradamente afirmado que “só pode ocorrer omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio” (cf. Acórdão do STA de 19/09/2012, processo n.º 0862/12).

Por conseguinte, só há omissão de pronúncia “quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões” (cf. Ac. do STA de 28/05/2014, proc. 0514/14).

In casu, a Recorrente entende haver omissão de pronúncia porquanto o juiz a quo não se pronunciou sobre a errada interpretação do art. 23.º do CIRC e, violação do princípio da tributação real, violação da presunção da veracidade da contabilidade e a violação dos princípios constitucionais do Estado de Direito Democrático e Direito de Iniciativa e Propriedade privada, relativamente à desconsideração dos custos incorridos com deslocações e estadas.

Contudo, resulta da sentença recorrida que a mesma se pronunciou sobre o enquadramento dos custos em causa no art. 23.º do CIRC, fazendo apelo, inclusive, à presunção de veracidade constante do art. 75.º da LGT, e às regras do ónus da prova do art. 74.º da LGT. Portanto, pronunciou-se sobre a questão a decidir, não tendo de se pronunciar sobre os argumentos concretos invocados na p.i., nos termos da jurisprudência supra exposta.

No que diz respeito à alegada omissão de pronúncia quanto aos princípios constitucionais, não se apura que tenham sido autonomamente invocados de forma autónoma, e muito menos enquanto questão, pois, para além de a Recorrente não indicar concretamente em quais dos 707 artigos da prolixa petição inicial apresentada tais questões foram suscitadas, o que resulta da análise da p.i. é que a propósito da aplicação do art. 23.º do CIRC é invocada muita doutrina, argumentos e o “princípio da liberdade de gestão das sociedades comerciais”. Todos esses fundamentos encontram-se invocados enquanto argumentos para a errónea desconsideração dos custos nos termos do art. 23.º do CIRC, pela AT. Portanto, forma como se invocam alguns princípios constitucionais, como o do “Estado de Direito democrático” é em termos teóricos e enquanto argumento, nunca se invocou expressamente que esse princípio ou outro princípio constitucional tivesse sido concretamente violado e em que circunstâncias concretas de modo a configurar uma verdadeira questão.

Pelo exposto, também não se verifica esta nulidade invocada.

Finalmente, invoca a Impugnante erro de julgamento de direito, em violação do disposto no n.º 1, do art. 123.º do CPPT relativamente às correções infra sindicadas (conclusões 3 e 4).

Quanto à correção referente ao custo com o aluguer de aeronaves, no valor de 790.785,32€, verifica-se a violação do art. 23.º do CIRC, tendo ficado provado nos autos que os gastos são indispensáveis, posto que as testemunhas efetivamente viajaram nas aeronaves (conclusões 5 e 6).

Resulta do relatório de inspeção que a correção em causa nos autos deriva de um contrato de prestação de serviços celebrado entre a Recorrente e uma outra sociedade para o aluguer de aeronaves para transportes de passageiros, pelo qual fica à disposição da Recorrente 200 horas de voos numa aeronave. Todas as faturas objeto da correção em causa fazem referência ao contrato.

Na ação de inspeção foram solicitados pela AT “comprovativos dos utilizadores dos voos, os motivos e comprovativos de terem os mesmos sido realizados, ie, motivos da viagem (reunião com x, congresso acerca tema y…); identificação das pessoas que viajaram e documentos comprovativos da estadia no local de destino (…)”.

A Recorrente não apresentou os documentos solicitados, apenas esclareceu que se as despesas dizem respeito a presenças de funcionários e administradores em reuniões, em concessionários, em organismos oficiais, em instituições de crédito e em eventos a nível nacional e internacionais. Nestes termos a AT não aceitou a dedutibilidade de tais despesas com fundamento no art. 23.º do CIRC, bem como no art. 33.º, n.º 1, alínea e) do CIRC, e art. 12.º do Decreto Regulamentar 2/90, mais entendendo que a necessidade de justificação das despesas impõe-se face ao objeto social da empresa que é a gestão de participações sociais de outras sociedades.

Ora, na sentença recorrida entendeu-se, em síntese que a correção se deveria manter porque no contexto narrado no relatório de inspeção, caberia à Impugnante fazer prova da indispensabilidade daqueles encargos, o que não logrou fazer.

A Recorrente Impugnante vem insurgir-se contra o decidido em 1.ª instância invocando erro de julgamento de facto e de direito, na medida em que ficou provado nos autos que as testemunhas efetivamente viajaram nas aeronaves, e que os gastos são indispensáveis nos termos do art. 23.º do CIRC, havendo uma errónea interpretação do preceito legal, e desconsiderou-se o princípio constitucional da tributação de acordo com o lucro real e do princípio fundamental da liberdade de gestão e da autonomia provada.

Contudo não se verifica qualquer violação de princípios constitucionais, nem erro na interpretação do art. 23.º do CIRC, mas tão-somente a aplicação das regras do ónus da prova.

Efetivamente, nos termos do disposto no art. 23.º do CIRC, na redação vigente à época, consideram-se “custos” (atualmente designados por gastos) para efeitos fiscais os que comprovadamente forem indispensáveis “para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”.

Portanto, para efeitos daquele preceito legal um custo tem, simultaneamente, de ser comprovado, ou seja, a sua efetiva existência demonstrada, em regra, pelo documento que o titula, e indispensável “para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”.

O requisito de indispensabilidade tem de ser aferido através de um juízo casuístico, não podendo associar-se ao êxito de gestão, não se confundindo com a sua oportunidade ou conveniência, não abrangendo apenas custos que direta e imediatamente conduzam à obtenção de ganhos ou à manutenção da unidade produtiva (nexo causal), antes abarcando igualmente custos que mediatamente visam esse fim.

Portanto, mais do que uma análise objetiva do custo, tem de se aferir subjetivamente a sua indispensabilidade. Este requisito legal de indispensabilidade associa-se ao facto de um custo ser necessário, de se apresentar como habitual à obtenção de proveitos ou ganhos ou à manutenção da unidade produtiva.

Ora, no que diz respeito às regras do ónus da prova, cabe à AT o ónus de fundadamente pôr em causa a indispensabilidade de um determinado “custo”, através da evidenciação de indícios sólidos e consistentes da sua dispensabilidade “para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora” (art. 74.º, n.º 1, da LGT), face à presunção de veracidade de que goza as declarações dos contribuintes e os dados inscritos na sua contabilidade (art. 75.º, n.º 1 da LGT).

E na verdade, face à fundamentação do relatório de inspeção, a AT logrou colocar em causa a indispensabilidade do custo. Desde logo, releva para esse efeito a atividade da Recorrente que sendo uma Sociedade de Gestão de Participações Sociais (SGPS) tem por único objeto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas, tal como resulta do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro, diploma que pretendeu “proporcionar aos empresários um quadro jurídico que lhes permita reunir numa sociedade as suas participações sociais, em ordem à sua gestão centralizada e especializada”. Ora, assim sendo, da atividade da Recorrente não resulta sequer um indício da indispensabilidade dos encargos em causa para “para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”. Assim sendo, parece-nos legítimo e proporcional que a AT no âmbito da ação de inspeção solicite à Impugnante os documentos que lhe possibilitem aferir da indispensabilidade desses custos, e assim o fez, solicitando à Impugnante documentação para esse efeito. Sucede que a Impugnante não juntou qualquer documento, ainda que interno, que permita determinar a indispensabilidade dos custos, não colaborando com a AT nessa clarificação dos gastos, de modo a permitir que a AT desempenhasse a sua função fiscalizadora, não o tendo feito, encontra-se justificada a atuação da AT ao abrigo do art. 23.º do CIRC para desconsiderar aquele gasto.

Por outro lado, em tribunal, apesar do esforço probatório da Impugnante, nomeadamente ao ter oferecido prova testemunhal, a verdade é que como o Meritíssimo Juiz a quo fez consignar na “Motivação da matéria de facto” que da prova testemunhal, apesar de ter resultado genericamente justificada a opção por viagens em aeronaves, não houve uma concretização quanto à identificação dos utilizadores dos voos em causa, e aos motivos concretos da sua realização. Ora, não tendo sido impugnada eficazmente a matéria de facto com base na prova testemunhal produzida, os factos que resultam provados são genéricos, e insuficientes para se poder concluir pela indispensabilidade dos custos em causa, e nessa medida, nesta parte, o recurso não merece provimento.

Quanto à correção referente ao benefício fiscal respeitante à criação de emprego para jovens nos montantes de 8.697,16€ e 44.143,86€, verifica-se a violação do disposto no art. 17.º do EBF (conclusão 7).

A Impugnante entende, em síntese, que o tribunal não faz correta interpretação do n.º 2 e n.º 3 do art. 17.º do EBF.

Relativamente à interpretação do n.º 2, do art. 17.º do EBF entende a Recorrente, em síntese, que quando os encargos mensais forem inferiores àquele padrão legal, majoram-se em 50% na sua totalidade; se os mesmos forem em montante igual ao do padrão, majoram-se em 50% igualmente da sua totalidade; caso sejam apurados em montante superior ao padrão, é sobre este último valor que incide a majoração. Entende, então, que a interpretação do tribunal não tem apoio no texto da lei.

Na sentença recorrida entendeu-se manter a correção fazendo-se menção ao acórdão do STA de 16/05/2012, proc. n.º 0283/12, no sentido de que o benefício fiscal atribuído aos empregadores correspondem no máximo a 14 vezes o salário mínimo nacional, acrescido de 50% desse valor, ou seja, acima desses valores já não haveria tal benefício e abaixo deles, haverá uma majoração de 50%, e deste modo, entendeu-se que a interpretação da Impugnante só teria guarida na redação em vigor a partir da LOE de 2003.

Efetivamente é essa a jurisprudência que resulta do acórdão do STA de 16/05/2012, proc. n.º 0283/12 no qual se entendeu o seguinte:

“(…) A redacção da norma à data dos factos (nº 1), conforme a recorrida também refere nas suas alegações, é muito clara ao referir que “os encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho … são levados a custo em valor correspondente a 150%”, acrescentando o nº 2 que “o montante máximo dos encargos mensais, por posto de trabalho, é de 14 vezes o salário mínimo nacional”.
Quer isto dizer que, este benefício fiscal atribuído aos empregadores corresponde no máximo a 14 vezes o salário mínimo nacional, acrescido de 50% desse valor, isto é, acima desses valores já não haverá tal benefício e abaixo deles, haverá uma majoração de 50%.
A interpretação da recorrente só tem fundamento com a nova redacção em vigor a partir de 2002, já que, aí sim, se estabelece um montante da máximo da majoração anual e não um montante máximo de encargos mensais. Neste caso, o montante máximo a deduzir como custo fiscal tem como limite o montante equivalente a 14 vezes o salário mínimo nacional.
Daqui resulta então uma clara intenção legislativa de reduzir aquele benefício fiscal, não sendo, no entanto, esta última redacção da norma aplicável ao caso dos autos. (…)”

Portanto, não assiste razão à Recorrente nesta parte, posto que o entendimento adotado na sentença se alicerçou na jurisprudência do STA que aqui também sufragamos.

Relativamente à interpretação do n.º 3, do art. 17.º do EBF, a Recorrente entende que não há lugar ao apuramento proporcional dos encargos ou limites legais aplicados, e nesta parte, assiste-lhe razão.

Efetivamente, relativamente à interpretação do art. 17.º, n.º 3 do EBF e a aplicação da duração do benefício, no acórdão do Pleno do STA de 08/07/2020, proc. n.º 0568/17.2BALSB, secundando-se expressamente a fundamentação de decisão arbitral recorrida naqueles autos, entendeu-se que o limite máximo de majoração não pode ser restringido proporcionalmente ao tempo de vigência dos contratos. Efetivamente, nesse acórdão sumariou-se o seguinte: “(…) III. As regras da hermenêutica das normas legais tributárias (que são as do art. 9.º do CC, ex vi do n.º 1 do art. 11.º da LGT) não consentem que do art. 19.º do EBF se extraia o sentido de que, nos casos em que os contratos de trabalho elegíveis à luz do referido artigo cessem ou se iniciem durante o período de tributação, o limite máximo da majoração prevista no n.º 1 deva ser restringido proporcionalmente ao tempo de vigência dos contratos”.

Na verdade, pode-se ler na fundamentação do acórdão o seguinte: “Como também ficou dito na referida decisão arbitral com o n.º 212/2013-T, «a única razão que, abstractamente, poderia explicar outras limitações da majoração, não expressamente previstas, seria a maximização das receitas fiscais, e essa razão não vale quando se está a interpretar normas que prevêem benefícios fiscais, que são justificadas por razões extrafiscais. Na verdade, subjacente ao estabelecimento do benefício fiscal não pode existir um desígnio legislativo de aumentar as receitas fiscais, pois está-se perante situações em que a lei considera que a esse interesse fiscal devem sobrepor-se «interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem» (artigo 2.º, n.º 1, do EBF). Por outro lado, a majoração tem sempre a duração máxima de cinco anos a contar do início da vigência do contrato de trabalho, nos termos do n.º 3 do artigo 17.º do EBF, pelo que não se vê como se possa concluir, como defende a Autoridade Tributária e Aduaneira, que «o benefício fiscal ocorreria por um período de seis anos». Isto é, se as condições para atribuição do benefício se verificaram, por exemplo, em 1 de Junho de 2001, o benefício fiscal terminará, no máximo, no dia 31 de Maio de 2006, tendo a exacta duração de cinco anos, apesar de essa duração abranger seis anos civis, dois deles parcialmente. No pressuposto de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, como tem de se presumir, por imposição do artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil, a «majoração anual» de que fala o n.º 2 do artigo 17.º do EBF, na redacção dada pela Lei n.º 32-B/2002, reportar-se-á a anos civis, como se infere do facto de ser anual e ser calculada em função do valor do salário mínimo nacional, relativamente ao qual vigorava a regra da fixação anual, com referência a cada ano civil, como decorre do disposto nos artigos 9.º, n.º 1, e 12.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 69-A/87, de 9 de Fevereiro. Por outro lado, se é certo que, abstractamente, o valor de uma «majoração anual» calculada em função do valor do salário mínimo nacional poderia ser calculado somando os montantes do salário mínimo nacional que em cada um deles vigorou, também é certo que esse método seria impraticável quando o valor dessa majoração anual não é de 12 meses, mas sim de 14 meses, o que pressupõe que seja o mesmo o valor do salário mínimo nacional que em cada um deles vigorou. Por outro lado, nem se pode imaginar que o legislador, ao estabelecer a majoração para vigorar em anos civis, não tenha previsto a situação de os trabalhadores iniciarem os seus contratos fora da data do início do ano civil, pois, estatisticamente, num ano com 365 dias, será 364 vezes mais provável que isso suceda do que no preciso dia do início do ano».”

Portanto, a correção na parte em que corrigiu os montantes relativos à criação líquida de emprego de 2005, e que assentou no entendimento de que a Impugnante deveria ter efetuado a devida correspondência para o período de tempo da vigência do contrato de trabalho, não se pode manter, e nessa medida deve ser anulada.

Quanto à correção de encargos indevidamente documentados no valor de 150.000,00€, invoca a Recorrente que a correção é ilegal por violação dos artigos 17.º, 23.º e 42.º do CIRC, e art. 2.º do Mecenato (conclusão 8).

A correção consubstancia-se na não aceitação como custo de um donativo da Impugnante no valor de 150.000,00€, no exercício de 2005, e respetiva majoração de 30%, ao abrigo do art. 2.º do Estatuto do Mecenato. A correção fundamenta-se no facto da despesa não assentar em documentos válidos, como o recibo da entidade beneficiária, prova de pagamentos. A AT entendeu que o documento justificativo do encargo a que se refere a alínea a), do n.º 3, do art. 115.º do CIRC é o documento externo que permita a identificação da natureza do mesmo. Foi solicitado o recibo do donativo que vem previsto na cláusula 4.ª do protocolo celebrado em 17/11/2004 com a Direção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, a S... e a Paróquia da Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, o qual previa que a S... doaria anualmente, durante os anos de 2005 a 2008 a importância de 650.000,00€, ou seja, em 2005 a quantia de 150.000,00€, mediante o cumprimento de um plano de execução de intervenção na Igreja da Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa. A Impugnante não apresentou o recibo, nem a cópia do meio de pagamento (cheque).

Nessa medida entendeu-se não aceitar o custo nos termos do art. 23.º do CIRC, em conjugação com a alínea g), do n.º 1, do art. 42.º do CIRC, pois estaríamos perante despesas indevidamente documentadas, mais se entendendo que o encargo não pode revestir a natureza de donativo no âmbito do Estatuto do Mecenato, não se admitindo a majoração.

A sentença recorrida comungando do entendimento da AT manteve a correção.

A Recorrente não se conforma com o decidido, entendendo, em síntese que os documentos apresentados constituem suporte adequado para sustentar o custo e a majoração em causa.

Contudo, sem razão.

Na verdade, os encargos para serem fiscalmente dedutíveis têm de estar devidamente justificados por meio de documento (alínea g) do n.º 1 do art. 42.º do CIRC), que deve conter os elementos essenciais da operação que titulam, por forma a possibilitar à AT quer ao controle da legalidade da dedução para efeitos fiscais do gasto.

Ora, sucede que no caso dos autos, e ao contrário do que entende a Recorrente, a correção assentou no entendimento de que o único documento apresentado para justificar a dedução do custo e sua majoração, o protocolo celebrado, era insuficiente para a sua comprovação, mais se fazendo constar no relatório que a Impugnante não apresentou o recibo, nem a cópia do meio de pagamento (cheque).

E, na verdade, o protocolo em causa é manifestamente insuficiente para comprovar a efetivação da despesa, tal documento prova tão-somente um acordo no sentido da doação, mas não prova a efetivação da doação. Por outro lado, e ao contrário do que a Recorrente vem alegar, poderia ter comprovado a efetivação do custo através da junção do meio de pagamento pelo o qual o mesmo se concretizou, o que não logrou fazer, apenas existindo o movimento contabilístico com base no protocolo. Por conseguinte, a correção é de manter, como se decidiu em 1.ª instância.

Nessa medida, nesta parte é de negar provimento ao recurso.

No que diz respeito à correção no montante de 75.264,75€ referente a donativos atribuídos em espécie, verifica-se a violação do art. 4.º-A do Estatuto do Mecenato (conclusão 9).

A correção fundamentou-se no entendimento de que as 6 viaturas em estado novo doadas constituíam mercadorias contabilizadas nas existências da doadora, e portanto, tratando-se em doação em espécie o valor a relevar como custo, para efeito de majoração, será o valor fiscal que os bens tiverem no exercício em que forem doados, no caso em apreço, o custo de aquisição, eventualmente deduzido das provisões que devam ser constituídas ao abrigo da legislação aplicável, de acordo com o art. 4.º-A do Estatuto do Mecenato.

Na sentença recorrida entendeu-se estarmos perante donativos em espécie, e não em dinheiro, e nessa medida era correto o entendimento da AT, pelo que manteve a correção.

A Recorrente insiste que estamos perante donativos em dinheiro, e não em espécie, e nessa medida o regime jurídico aplicado é ilegal, e que apenas foi contabilisticamente tratado nestes termos por facilidade de procedimento.

Contudo, sem razão.

Na verdade, não é controvertido que a doação se consubstanciou na entrega pela S... de viaturas automóveis, bens que comercializa, às entidades beneficiárias.

Ora, tratando-se de bens móveis entregues, e ainda que os mesmo tenham um valor em dinheiro, é manifesto que estamos perante uma doação em espécie e não em dinheiro. O que foi entregue ao donatário não foi qualquer quantia pecuniária mediante transferência bancária, cheque ou dinheiro, mas bens, nomeadamente, viaturas automóveis, pelo que a qualificação efetuada pela AT é a correta, e consequentemente o regime aplicável é o constante do disposto no art. 4.º-A do Estatuto do Mecenato, pelo que a correção é de manter, tal como decidido na sentença recorrida, não se verificando a violação dos preceitos legais invocados pela Recorrente.

Pelo exposto, e nesta parte é de negar provimento ao recurso.

Finalmente, relativamente à correção de desconsideração das provisões para créditos de cobrança duvidosa constituídas pela “G...” no montante de 23.490,36€, verifica-se a violação do disposto nos artigos 18.º, e 35.º a 39.º do CIRC, e ainda o princípio constitucional da tributação sobre o rendimento real (conclusão 10).

A correção fundamentou-se no entendimento de que não foram apresentados documentos para o cálculo da antiguidade dos saldos relativos às provisões para cobrança duvidosa contabilizadas, nem foram apresentadas provas de terem sido efetuadas diligências para o recebimento dos créditos, e nessa medida não foram considerados créditos para cobrança duvidosa com base no art. 35.º, n.º 1 e 2 do CIRC.

Na sentença recorrida entendeu-se manter a correção, pois relativamente as dívidas das sociedades “M...”, “C...”, “L...” e “S...” a Impugnante não juntou qualquer documento que comprovasse em que momento ocorreu o risco de incobrabilidade, e quanto aos demais devedores, dos documentos juntos não se retira que o risco de incobrabilidade se verificou no decurso do exercício de 2005, antes se indiciando que teria ocorrida anteriormente.

A Recorrente entende que o juízo de incobrabilidade se encontra justificado de per se pela existência das certidões, tanto mais que a AT não coloca em causa a incobrabilidade dos créditos, mas tão-somente o momento em que se verifica. Por outro lado, estando juntas as certidões e ainda que tenham sido emitidas em anos anteriores a 2005, devem ser consideradas, pois apenas nesse exercício se apurou verificar o risco de incobrabilidade, sendo certo que tais créditos não foram considerados em exercícios anteriores, nem a AT determinou em que ano se deu o risco de incobrabilidade, não havendo violação do princípio da especialização dos exercícios consagrado no art. 18.º do CIRC, sendo certo que deve prevalecer o princípio constitucional da tributação do rendimento real, sob pena de violação dos princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva (art. 13.º, 103.º, e 104.º da CRP).

Apreciando.

Para efeitos da constituição da provisão relativa a créditos de cobrança duvidosa o art. 35.º do CIRC impunha, na redação vigente à época, que o risco de incobrabilidade dos créditos estivesse devidamente justificado, o que se verificaria quando o devedor tenha pendente processo especial de recuperação de empresa e proteção de credores ou processo de execução, falência ou insolvência, ou quando os créditos tenham sido reclamados judicialmente, ou ainda quando os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento.

Relativamente a parte das provisões (constituídas relativamente a créditos sobre as sociedades “M...”, “C...”, “L...” e “S...”) considerou a AT que não foi demonstrado o risco de incobrabilidade, pois como bem se decidiu na sentença recorrida, nem em sede de ação de inspeção, nem no presente processo a Impugnante veio juntar qualquer documento que permitisse concluir pela justificação do risco de incobrabilidade dos créditos, tal como é expressamente exigido pelo art. 35.º do CIRC.
Efetivamente, relativamente a estes créditos a Impugnante nunca apresentou documentos que comprovassem qualquer uma das situações previstas no n.º 1, do art. 35.º do CIRC, nomeadamente, a pendência do processo especial de recuperação de empresa e proteção de credores ou processo de execução, falência ou insolvência, ou que os créditos tenham sido reclamados judicialmente, ou ainda que os créditos estivessem em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento. Nada disto foi feito, pelo que, nenhum reparo importa assacar à sentença recorrida, sendo de manter a correção nesta parte.

Relativamente a outra parte das provisões, considerou a AT que foi violado o princípio da especialização dos exercícios, face às datas das sentenças nos processos judiciais que são anteriores ao exercício de 2005. Neste contexto, estão em causa as provisões relativas aos créditos das sociedades “J..., Lda”, “D...”, “V...”, “G..., Lda”, “A…”, “LTS”, “G…”, “C…”.

Ora, “a constituição de provisões reflete o respeito pelos princípios da prudência e da especialização dos exercícios” - cf. acórdão do TCAS de 23/04/2020, proc. n.º 670/04.0BESNT.

Na verdade, “o princípio da especialização dos exercícios determina que os proveitos ou os custos sejam reconhecidos quando obtidos ou incorridos, independentemente do seu recebimento ou pagamento, devendo incluir-se nas demonstrações financeiras dos períodos a que respeitam. Significa o respeito por tal princípio, no caso da constituição de provisões por créditos de cobrança duvidosa, que estas só podem ser consideradas como custo fiscal do exercício no qual os créditos em causa foram considerados como sendo de cobrança duvidosa e como tal contabilizado, não sendo, pois, relevante ou decisivo, a este propósito, o momento em que o crédito entre em mora (…)” - cf. acórdão do TCAS de 23/04/2020, proc. n.º 670/04.0BESNT.

Portanto, o princípio da especialização dos exercícios postula que os proveitos e os custos são imputáveis ao exercício a que digam respeito, pelo que se impõe que as provisões em causa sejam deduzidas no exercício em que os créditos possam ser considerados de cobrança duvidosa, devendo haver evidência na contabilidade desse facto (cf. art. 34.º, n.º 1, alínea a) do CIRC, em conjugação com o art. 18.º do mesmo código).

Ora, in casu, as demais provisões objeto de correção, que foram constituídas em 2005 e relevadas como tal na contabilidade, o risco de incobrabilidade encontra-se suficientemente justificado pelas respetivas certidões judiciais. Por outro lado, resulta do relatório de inspeção que não é colocada em causa a incobrabilidade desses créditos, mas tão-somente, que a Impugnante não provou que o momento em que se verificou a incobrabilidade foi o exercício de 2005, pois as datas das certidões são anteriores a este. E, na verdade, o que está em causa é a falta de prova do momento em que ocorreu a incobrabilidade, e não se esta se verificou ou não.

Por outras palavras, estamos efetivamente perante créditos incobráveis, e nessa medida, o risco de incobrabilidade dos créditos se encontra devidamente justificado nos termos do n.º 1 do art. 35.º do CIRC, e nessa medida, à Recorrente assiste o direito de constituir provisão nos termos do art. 34.º, n.º 1, alínea a) do CIRC.

É verdade que das certidões não se poderá concluir sem qualquer margem de dúvida que foi no exercício de 2005 que o risco de incobrabilidade se verificou, mas também não é menos verdade que havendo o direito de constituir as provisões em causa se a AT entende que não poderá ser no exercício de 2005, deveria as ter considerado num exercício anterior, fazendo a correção correlativa.

É o princípio da justiça que impõe à AT uma correção correlativa noutro exercício quando exista, como no caso dos autos, o direito de constituir uma provisão relativamente a créditos comprovadamente de cobrança duvidosa.

Como se escreveu no acórdão do STA de 09/10/2019, proc. n.º
01278/12.2BELRS 0574/18:


“ Importa ainda analisar o fundamento da eventual violação do princípio da justiça.
É entendimento reiterado deste Supremo Tribunal Administrativo que “no caso do referido artigo 18.º, n.º 1, do CIRC resulta uma vinculação para a Administração, que, em regra, deve aplicar o princípio da especialização dos exercícios na sua actividade de controle das declarações apresentadas pelos contribuintes; mas, o exercício deste poder de controle, predominantemente vinculado, pode conduzir a uma situação flagrantemente injusta e, nessas situações, é de fazer operar o princípio da justiça, consagrado nos artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT, para obstar a que se concretize essa situação de injustiça repudiada pela Constituição”v., neste sentido, por todos, o acórdão de 19 de Maio de 2010, no proc. 214/07, reproduzido no acórdão de 14 de Março de 2018, no proc. 716/13.
Nos arestos acabados de referir, este Tribunal deu prevalência ao princípio da justiça, no contexto da interpretação normativa da regra legal da anualidade do exercício, não por considerar que ela era, em si, contrária ao princípio da justiça – ou seja, não por ter formulado um juízo de desvalor da norma legal da periodização do lucro tributável face ao princípio constitucional da justiça, o que redundaria na desaplicação da norma com fundamento em inconstitucionalidade; caso em que, o Ministério Público teria tido o dever legal de recorrer dessa questão para o Tribunal Constitucional nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 280.º da CRP e da alínea a) , do n.º 1, do artigo 70.º e n.º 3 do artigo 71.º da Lei de organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua redacção actualizada) –, mas por ter considerado que estava em causa um elemento determinante do facto tributário de natureza comunicante, ou seja, um elemento integrante da completude normativa do facto tributário que era comunicável inter-exercícios por ser enquadrável, simetricamente, como custo de um exercício e proveito de outro, o que justifica que o efeito da anulação de uma liquidação tenha directa e imediatamente consequências para a outra liquidação.
No caso do acórdão de 19 de Maio de 2010 estavam em causa provisões para cobrança duvidosa, que eram qualificadas como custo enquanto se demonstrasse que existia efectiva dificuldade na cobrança do crédito que se destinavam a acautelar e que passariam a proveito assim que o crédito fosse satisfeito, considerando-se proibido que a AT as desconsiderasse como custo num exercício e depois mantivesse o mesmo valor qualificado como proveito em outro exercício. No mesmo sentido, considerou o STA censurável, no acórdão de 14 de Março de 2018, que nos casos em que um custo é desconsiderado, em sede de inspecção tributária, por dever ter sido considerado em exercício anterior, não seja, nesse outro exercício, simetricamente, reportado como custo.
É, pois, neste sentido, que se deve interpretar o disposto no acórdão de 14 de Março de 2018, quando aí se refere, a propósito do princípio da justiça, que “serão de considerar anuláveis (…) situações injustas deste tipo”, ou seja, situações em que a Administração Tributária tem de analisar e decidir o enquadramento temporal de um elemento integrante do facto tributário, sabendo que o que decida sobre aquele concreto aspecto tem de ser harmonizado inter-exercícios.
Em outras palavras, o que se proíbe por efeito da mobilização jurisprudencial do princípio da justiça, e que aqui opera ainda como elemento integrante da interpretação normativa da regra legal da anualidade do exercício aplicável ao caso e não como elemento de avaliação da própria norma legal (daí não redundar numa desaplicação do preceito legal com fundamento na sua inconstitucionalidade), é que a AT, ao corrigir a quantificação do facto tributário por errada qualificação de um elemento com eficácia comunicante inter-exercícios, o faça apenas em um dos exercícios e não proceda à correcção simétrica no outro exercício, uma vez que os efeitos dessa correcção se produzem de forma imediata e equivalente no outro exercício.”

Pelo exposto, e nesta parte, procede o recurso da Recorrente Impugnante.

Em matéria de custas o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual paga custas a parte que lhes deu causa, sendo que no caso dos autos, ambas as partes são responsáveis na proporção do decaimento.

Nos termos do n.º 7 do art. 6.º do RCP, «[n]as causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento».

Trata-se, pois, de uma dispensa excecional que depende de uma concreta e casuística avaliação pelo juiz e deve ter lugar aquando da fixação das custas ou, no caso de aí ter sido omitida, mediante requerimento de reforma da decisão — cf., neste sentido, o acórdão de 15/10/2014, do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA, no proc. n.º 01435/12.

Ora, considerando que a complexidade das questões, a conduta processual das partes que foi a normal e adequada, bem como ponderado o montante da taxa de justiça que será devida com base no valor da presente causa, face ao concreto serviço prestado, revela-se adequado e necessário face ao princípio da proporcionalidade, dispensar o remanescente da taxa de justiça, nos termos do n.º 7 do art. 6.º do RCP – cf. Ac. do STA de 18/03/2015, proc. n.º 01160/13: “Justifica-se a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida pelo recurso, ao abrigo do disposto no n.º 7 do art. 6.º do RCP, se o montante da taxa de justiça devida se afigura desproporcionado em face do concreto serviço prestado, tendo em conta, designadamente, que a questão sujeita a recurso já foi anteriormente objecto de diversas decisões deste Supremo Tribunal e que o acórdão, usando da faculdade concedida pelo n.º 5 do art. 663.º do CPC, remeteu para a fundamentação expendida por aresto anterior.” (sublinhado nosso).


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Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)

I. A correção assente no disposto no n.º 7, do art. 23.º do CIRC não está dependente da abertura de procedimento próprio nos termos previstos no n.º 1 do art. 63.º do CPPT (na redação anterior à Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro), porque a isso se opõe o n.º 2 desse mesmo preceito legal, na medida em que aquele n.º 7 não consagra qualquer ineficácia perante a administração tributária do negócio jurídico celebrado, mas apenas a sua desconsideração como custo do exercício por força da existência de relações especiais nos termos do n.º 4, do art. 58.º do CIRC;

II. A não aceitação do custo ou perdas nos termos do n.º 7, do art. 23.º do CIRC diz respeito à “transmissão onerosa de partes de capital”, sendo que o conceito de “partes de capital” não engloba as prestações suplementares, tal como decorre do sentido empregue diretamente na lei fiscal, no art. 42.º, n.º 3, do CIRC na redação dada pelo n.º 1 do artigo 44.º da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de dezembro;


III. O art. 17.º, n.º 3 do EBF, quanto à aplicação da duração do benefício, deve ser interpretado no sentido de que o limite máximo de majoração não pode ser restringido proporcionalmente ao tempo de vigência dos contratos;

IV. Os encargos para serem fiscalmente dedutíveis têm de estar devidamente justificados por meio de documento (alínea g) do n.º 1 do art. 42.º do CIRC), que deve conter os elementos essenciais da operação que titulam, por forma a possibilitar à AT quer ao controle da legalidade da dedução para efeitos fiscais do gasto, o que não sucede quando o único documento apresentado pelo Impugnante é um protocolo celebrado no qual se prevê a intenção de fazer doações por parte da Impugnante, não comprovando o efetivo donativo que se encontra contabilizado;

V. A doação que se consubstancia na entrega de viaturas automóveis, bens que a Impugnante comercializa às entidades beneficiárias, consubstancia uma doação em espécie e não em dinheiro, pelo que o regime aplicável é o do art. 4.º-A do Estatuto do Mecenato;

VI. Estando o risco de incobrabilidade suficientemente justificado pelas respetivas certidões judiciais, ainda que haja falta de prova do momento em que ocorreu a incobrabilidade, então encontra-se devidamente justificada a incobrabilidade do crédito nos termos do n.º 1 do art. 35.º do CIRC, e nessa medida, à Recorrente assiste o direito de constituir provisão nos termos do art. 34.º, n.º 1, alínea a) do CIRC, por força do princípio da justiça.

II. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul:

i) conceder provimento ao recurso da Fazenda Pública, revogando-se a sentença nessa parte recorrida;

ii) em substituição do tribunal recorrido, quanto à correção referente à transmissão onerosa de partes de capital, julgar a impugnação procedente;

iii) conceder parcial provimento ao recurso da Impugnante, revogando a sentença recorrida na parte referente à correção de criação de emprego para jovens no montante de 8.697,16€, e na parte referente às provisões para cobrança duvidosa documentadas com as respetivas supra identificadas, mantendo-a quanto ao restante;


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Custas por ambas as partes na proporção decaimento que se fixa em 90% para a Recorrente Impugnante, e em 10% para a Fazenda Pública que não deve a taxa de justiça na presente instância porque não contra-alegou no recurso interposto pela Impugnante, dispensando-se ambas as partes do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

D.n.

Lisboa, 9 de junho de 2021.


A Juíza Desembargadora Relatora

Cristina Flora

A Juíza Desembargadora Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Juízes Desembargadores Tânia Meireles da Cunha e António Patkoczy.