Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:13383/16
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:12/15/2016
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:DANO AUTÓNOMO
DIREITO À FUNDAMENTAÇÃO DE ATO ADMINISTRATIVO
NORMA DE PROTEÇÃO
Sumário:I – A falta de fundamentação de um ato administrativo lesivo é uma ilegalidade com ofensa de um interesse legalmente protegido do destinatário desse ato.

II – O dano em causa é o da frustração verificada naquele momento de o particular ver a sua posição jurídica apreciada dentro das regras legais processuais e ou formais.

III – Tal dano autónomo será de reparar sempre que, como no caso presente, não seja possível demonstrar que o ato administrativo ilegal poderia ser efetivamente renovado; o critério será o da equidade.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I. RELATÓRIO

· SANDRA …………………………. intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de LISBOA ação administrativa comum contra

· ESTADO PORTUGUÊS.

Pediu o seguinte:

- Condenação do Réu a pagar à Autora uma quantia não inferior a € 150.000,00, acrescida de juros vencidos e vincendos, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais.

Por decisão de 29-1-2016, o referido tribunal decidiu absolver o réu do pedido.

*

Inconformada com tal decisão, a autora interpôs o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:

1ª - O Tribunal a quo deu como provada a seguinte matéria de facto:

W - A Autora candidatou-se ao ingresso na carreira de conservador e notário no âmbito do procedimento aberto pelo Aviso nº 9207/97, publicado no DR. 2ª serie, nº 266, de 97. 11. 17;

X - Nas provas de aptidão previstas no artigo 7° do Decreto-Lei nº 206/97. de 12 de agosto, a Autora obteve os seguintes resultados:

-Na prova de conhecimentos, 13.4 valores, tendo ficado classificada em 11° lugar num universo de cerca de 2.500 candidatos, 900 dos quais prestaram provas;

-No exame psicológico, 4 valores. a que correspondia a menção de não favorável:

Y - Por deliberação de 14 de outubro de 1998, o Júri do procedimento de ingresso na carreira de conservador e notário excluiu a Autora do procedimento, com fundamento no resultado do exame psicológico.

Z - A Autora não se conformou com o alegado resultado do seu exame psicológico. por entender que tal resultado não era compatível com a prova realizada. uma vez que sempre obteve resultados francamente positivos noutros exames psicológicos a que anteriormente se submeteu com objetivos semelhantes e que, no exame psicológico em causa, lhe foi afirmado pelos técnicos que o efetuaram ter sido muito positiva a sua prestação;

AA - A Autora interpôs recurso hierárquico. dessa deliberação do júri, para Sua Excelência o Ministro da Justiça. com o seguinte pedido: "que seja declarado nulo e sem efeito o procedimento de ingresso na carreira de conservador e notário. aberto por Aviso nº 9207/97, publicado no DR. 2ª serie, nº 266, de 17 de novembro de 1997, ou. quando assim não se entenda, seja o mesmo procedimento anulado por violação reiterada da lei".

BB - Por despacho de Sua Excelência o Secretário de estado da Justiça de 16 de dezembro de 1998 foi negado provimento a esse recurso hierárquico:

CC - Inconformada, a Autora interpôs, no Tribunal Central Administrativo, recurso contencioso desse despacho de Sua Excelência o Secretario da Justiça, de 16 de dezembro de 1998, pedindo a sua anulação por vício de violação de lei;

DD - Por Acórdão de 2003. 03. 13, o Tribunal Central Administrativo julgou nulo o despacho impugnado com fundamento em violação do conteúdo essencial de um direito fundamental - o direito ao recurso contencioso - em virtude de esse despacho carecer, em absoluto, de fundamentação.

EE - Desse Acórdão do TCA, Sua Excelência o Secretario de Estado da Justiça interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, que, por Acórdão de 2004.02.11. considerou o ato impugnado anulável - e não nulo. como tinha decidido o TCA -, conforme doc. nº 1, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

FF - Tendo requerido a execução do referido Acórdão do STA. a Autora foi notificada. em 16 de julho de 2004, do Despacho de Sua Excelência o Secretario de Estado da Justiça, de 15 de julho de 2004, que, em execução daquele acórdão, determinou à Direção-Geral dos Registos e do Notariado que procedesse á reconstituição, nos termos da lei. do reposicionamento da Autora na respetiva carreira, reconhecendo-se-lhe o direito de preferência na colocação, conforme doc. nº 2, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

GG - Por ofício de 16 de agosto de 2004, a Direcção-Geral dos Registos e do Notariado solicitou a Sua Excelência o Secretario de Estado da Justiça esclarecimentos sobre o modo como deveria ser dada execução ao seu despacho de 15 de julho de 2004, conforme doc. nº 3, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

HH - Por despacho complementar proferido por Sua Excelência o Secretario de Estado da Justiça em 6 de dezembro de 2004. foram esclarecidos os termos em que deveria ser executado o seu despacho de 15 de julho de 2004 (doc. nº 4), aí se determinando, nomeadamente:

- "Só fica garantida a efetiva reconstituição da situação atual hipotética da interessada se esta for integrada em lugar da carreira dos registos e do notariado, em categoria igual ou equivalente àquela que teria atualmente. mediante reconstituição da carreira. nomeadamente para efeitos de remuneração e antiguidade e, simultaneamente. receber a formação necessária ao exercício da profissão, nomeadamente através de um estágio de formação a processar-se em termos idênticos ao dos demais opositores ao mesmo concurso aberto pelo Aviso nº 9207 197.

- Pelo que terá de ser facultada a interessada a opção por uma das variantes daquela carreira (registos ou notariado), nos termos acima expostos. com direito de preferência na sua colocação, isto é. com direito de escolha do local da sua afetação";

II - A Autora dirigiu ao Senhor Diretor-geral dos Registos e do Notariado a ca1ta que junta como doc. Nº 5, propondo a realização de uma reunião com vista a clarificar os termos em que essa Direcção-Geral praticaria os atos materiais de execução do referido despacho e estabelecer o calendário de cumprimento desse despacho:

JJ - A Autora veio a receber, com data de 2005.03.22, o ofício da Direção-Geral dos Registos e do Notariado. que se junta como doc. nº 6 a coberto do qual lhe foi enviado um terceiro despacho de Sua Excelência o Secretario de Estado da Justiça, de 10 de março de 2005 - reiterando o conteúdo dos seus despachos anteriores - com a informação de que "se aguarda parecer dos serviços jurídicos a fim de se esclarecer em que consistem os atos jurídicos e materiais para a reconstituição da situação atual hipotética que existiria se não houvesse ato ilegal".

KK - Em face da necessidade de clarificação e ponderação de algumas dúvidas que o despacho do Senhor Secretario de Estado da Justiça datado de 16.07.2004 suscitava a Auditoria Jurídica da Direção-Geral dos Registos e Notariado elaborou a informação nº 5-RC/2004 DSRH/DAJ. no sentido de se obterem os esclarecimentos necessários, a fim de se praticarem os atos indispensáveis ao integral cumprimento da decisão jurisdicional - doc. nº 1.

LL - Aí, nos pontos 2 e 3, referia-se o seguinte: "É do conhecimento desta Auditoria Jurídica que se encontra em fase de encerramento um concurso de registos e do Notariado em que a requerente ainda poderá entrar. - Assim sendo, sugere-se a remessa dos presentes autos à Direcção-Geral dos Registos e Notariado, a fim de que a requerente possa ainda ingressar no respetivo processo de concurso".

MM - Em resposta, a Direcção-Geral dos Registos e Notariado, em 12.08.2004, emitiu o seguinte parecer: "Tendo em atenção que o ingresso na carreira de conservador ou notário comporta, para além das provas de aptidão, mais três fases constituídas pela frequência do curso de extensão universitária. estágio e realização de provas finais, sendo todas as fases eliminatórias (...) em conformidade com o definido no art. 3º nºs 1 e 2 do D. L. Nº 206197. de 12.08. não deixam de se suscitar algumas reservas quanta a possibilidade de executar a sentença nos termos sugeridos pela Auditoria Jurídica (...)”.

NN - Em 06. 12. 2004, o Sr. Secretário de Estado da Justiça, em despacho complementar conclui que: "(...) assim só ficará garantida a efetiva reconstituição da situação atual hipotética da Interessada. se esta for integrada em lugar da carreira dos Registos e Notariado. em categoria igual ou equivalente àquela que teria atualmente, mediante reconstituição da carreira, nomeadamente para efeitos de renumeração (sic) e antiguidade e simultaneamente receber a formação necessária ao exercício da profissão, nomeadamente através de um estágio de formação a processar­ se em termos idênticos aos demais opositores, no mesmo curso. aberto pelo Aviso nº 9207/97. Pelo que terá que ser facultada à Interessada a opção por uma das variantes daquela carreira (Registos ou Notariado), nos termos acima expostos, com direito de preferência na sua colocação. isto é, com direito de escolha no local da sua afetação";

OO - A Autora veio, em 19.01.2005, informar que pretendia como local de colocação a cidade de Leiria e optar pelo Serviço de Conservador (doe. n º 3);

PP - Em 24.01.2005, a Direção-Geral dos Registos e Notariado remeteu ao Gabinete do Sr. Secretario de Estado a informação nº 5-A RC/2004, solicitando esclarecimentos sobre o modo de dar execução ao despacho datado de 06. 12.2004, já que pressuporia a realização dos seguintes atos (doc. n º 3 cujo teor se da integralmente por reproduzido):

QQ - A Autora, à data em que se candidatou ao ingresso na carreira de Conservador e Notário, referida em A), encontrava-se inscrita na Ordem dos Advogados como Advogada Estagiaria;

RR - Inscrição que suspendeu a 07-01-1998 após ter tomado conhecimento de que era de cerca de 2500 o número de candidatos a tal concurso e, durante tempo não concretamente apurado, não superior a 5 meses, dedicou-se em exclusivo à preparação das provas:

XI - A obtenção na prova de conhecimentos do valor referido em B) criou à Autora elevadas expectativas de admissão;

E - A Autora continuou o seu empenho até à realização dos testes psicotécnicos;

F - A informação do resultado do exame psicológico da Autora provocou-lhe um forte choque emocional e um sofrimento interior intenso.

G - A Autora isolou-se e tornou-se uma pessoa insegura:

H - Após período de isolamento. a Autora, a nível profissional, teve dificuldades de concentração, memorização, relacionamento com os interlocutores e por vezes desinteresse pelo trabalho, a nível emocional, falta de confiança e estado de pessimismo, contrastante com a anterior alegria de viver e determinação que a caracterizava, e a nível social, com problemas em sair e fazer amigos, devido a ter-se tomado numa pessoa retraída e fechada.

2ª - Porém, o Tribunal a quo notificou a Direção-Geral dos Registos e do Notariado para informar, face ao teor do despacho de Sua Excelência o Secretário de Estado da Justiça, pelo qual foi dada execução ao Acórdão do STA, qual a remuneração que a Recorrente poderia ter auferido na sua carreira se não tivesse sido praticado o ato ilegal anulado, tendo sido obtida a informação de que a Recorrente poderia ter auferido, nos anos de 1999 a 2009, a remuneração global de (€ 43.040,00 + € 630.981,48) € 674.021,48.

3ª - Sendo que a Recorrente juntou aos autos documentos comprovativos da remuneração efetivamente auferida no mesmo período, como advogada e no exercício de funções ao serviço da Autoridade para as Condições de Trabalho, no montante global de € 162.455,12.

4ª - Sendo certo que estes documentos não foram impugnados.

5ª - Pelo que, salvo o devido respeito, estes factos devem ser aditados à matéria de facto provada.

6ª - Face à matéria provada, ao regime jurídico aplicável e à jurisprudência dos Tribunais Administrativos, a sentença deveria condenar o Estado Português a pagar à Recorrente as indemnizações pedidas. Com efeito:

7ª - Na douta sentença recorrida considerou-se que as normas legais aplicáveis ao caso dos autos são os artigos 22° e 271° da CRP e o Decreto-Lei nº 48 051, de 21 de novembro de 1967, aplicáveis ao tempo dos factos.

8ª - À luz da matéria provada e à lei aplicável, parece forçoso concluir que a Recorrente tem direito à reparação, pelo Réu, Estado Português, dos danos que lhe causou com a sua conduta ilícita, patrimoniais e não patrimoniais.

9ª - Concluiu-se, todavia, em síntese, na douta sentença recorrida que:

O Acórdão do STA não foi executado. ou não foi integralmente executado, em virtude de não terem chegado a ser praticados os atos materiais necessários à efetivação do que foi decidido pelo Senhor Secretário de Estado da Justiça em sede de execução desse Acórdão;

Face à inércia da Direção-Geral dos Registos e do Notariado, a Recorrente deveria ter promovido, na via judicial, a execução do referido Acórdão do STA ou do despacho do Senhor SEJ;

Não tendo promovido a execução do Acórdão, a Recorrente é também culpada dos danos patrimoniais que sofreu, pelo que não existe o necessário nexo de causalidade entre os danos que sofreu e a conduta ilícita da Administração;

A Recorrente não tem direito à reparação dos danos não patrimoniais porque "não logrou demonstrar, nem alegou, na presente ação qualquer erro por parte do júri no juízo que formulou sobre o mérito da autora na avaliação psicológica',. pelo que "Está, pois, por demonstrar o nexo de causalidade adequada entre a ilegalidade determinante da anulação do ato administrativo e os danos ora em causa ".

1Oª - Estas conclusões, porém, não correspondem à correta interpretação e aplicação da lei. Com efeito:

11ª - Como se provou, a Recorrente requereu, oportunamente, ao Senhor Secretário de Estado da Justiça, a execução do Acórdão do STA, sendo que este foi executado por despacho de 15 de julho de 2004, pelo qual foram determinados os termos em que deveria consistir em essa execução.

12ª - E, tal como se afirma na sentença ora recorrida, "Legal ou ilegal, o despacho do SEJ de 15 de julho de 2004 não foi revogado nem anulado, pelo que se fez caso decidido. E provindo ele do órgão de topo da cadeia hierárquica do respetivo ministério, aquele que tem a última palavra, prevalece sobre as objeções e reservas manifestadas pelos serviços subordinados, às quais, alias, o SEJ, nos esclarecimentos que prestou, não atendeu."

13ª - Pelo que tem de ser cumprido pelos serviços competentes, produzindo os seus efeitos normais.

14ª - O que não foi executado, ainda, foi o referido despacho do SEJ de 15 de julho de 2004.

15ª - Sendo certo que a Direção-Geral dos Registos e do Notariado não pode deixar de o cumprir.

16ª - Aliás, esta Direção-Geral nunca recusou o cumprimento do despacho. Quando a Requerente, na sua boa-fé, solicitou, repetidamente, a realização de uma reunião com vista a determinar o calendário do cumprimento do dito despacho, o Senhor Diretor-Geral dos Registos e do Notariado alegou, primeiro, que o assunto se encontrava em ponderação no respetivo Gabinete jurídico e, depois, em 8 de fevereiro de 2007, que, face à pendência da presente ação judicial, não seria oportuna a realização da reunião solicitada, conforme doc. nº 1, que se junta.

17ª - Por outro lado, face à posição assumida pela Direção-Geral dos Registos e do Notariado, não se justificava a execução judicial do despacho do Senhor SEJ.

18ª - Em todo o caso, jamais poderia ser imputada à Recorrente a culpa pelos danos que sofreu, com base no facto de não ter sido tentada, na via judicial, a execução do Acórdão do STA ou do despacho do SEJ que lhe deu execução.

19ª - A culpa pela ocorrência dos danos sofridos pela Recorrente cabe ao autor dos factos de que emergem esses danos.

20ª - Uma coisa é considerar que a reparação dos danos sofridos poderia, eventualmente, ser obtida por diferente via, outra é considerar que a culpa pela ocorrência desses danos cabe ao lesado.

21ª - Importa ter presente, de resto, o princípio que emerge do artigo 38° do CPTA, isto é, a responsabilidade pela reparação de danos decorrentes de atos administrativos ilegais, nomeadamente no domínio da responsabilidade civil da administração por atos administrativos ilegais, não cessa nas situações em que o ato administrativo em causa já não possa ser impugnado, podendo o Tribunal conhecer a título incidental da ilegalidade desse ato.

22ª - Também não colhe, salvo o devido respeito, a consideração de que a ora recorrente "não logrou demonstrar, nem alegou, na presente ação qualquer erro por parte do júri no juízo que formulou sobre o mérito da autora na avaliação psicológica", pelo que "Está, pois, por demonstrar o nexo de causalidade adequada entre a ilegalidade determinante da anulação do ato administrativo e os danos ora em causa".

23ª - Na verdade, até se provou o que consta da alínea D) da matéria provada, que contraria, inequivocamente, a conclusão de que a Recorrente ''não logrou demonstrar nem alegou na presente ação qualquer erro por parte do júri no juízo que formulou sobre o mérito da autora na avaliação psicológica ".

24ª - De resto, a anulação do ato em causa pelo STA teve por base, justamente, o facto de não ter sido facultada à ora recorrente a possibilidade de atacar na sua substância o resultado do exame psicológico a que foi submetida.

25ª - Acresce que todos os factos geradores dos danos invocados pela Recorrente, e provados, são anteriores à data em que, alegadamente, a Recorrente deveria reagir na via judicial, por outro meio, isto é, tudo o que a Recorrente pretende do Estado Português sempre seria devido, fosse qual fosse o meio de reação utilizado.

26ª - Pelo que a decisão recorrida faz errada aplicação do Direito e é manifestamente injusta, devendo ser substituída por outra que acolha as pretensões da Recorrente.

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O recorrido contra-alegou, concluindo:

1) A douta sentença recorrida não merece qualquer reparo, mas antes integral confirmação;

2) Efetivamente, se é verdade que a AUTORA viu a razão ser-lhe reconhecida pela mais alta instância administrativa (STA, em 11.02.2004), e pelo membro do Governo do topo da hierarquia do serviço onde pretendia ingressar (Secretário de Estado da Justiça, em 15.07.2004, 06.12.2004 e 10.03.2005), verdade é também que tais decisões acabaram por ficar na "moldura", isto é, não foram concretizadas na prática.

3) A execução e concretização do acórdão do STA e despachos governamentais era da competência do serviço encarregue do concurso e da carreira onde a AUTORA pretendia ter sido integrada, ou seja, a DGRN - artigo 174º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos - versão originária;

4) O acórdão e despachos do Secretário de Estado da Justiça não foram executados voluntariamente pela DGRN, que antes começou a suscitar dúvidas e impasses sobre o mesmo;

5) O acórdão e despachos do Secretário de Estado da Justiça não foram executados coercivamente, porque a AUTORA nunca impulsionou o processo executivo que o Direito lhe concedia - artigos 173.º a 179.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (versão originária);

6) As dúvidas que a DGRN pudesse ter quanto à execução do despacho não constituíam obstáculo algum à execução judicial, bem pelo contrário, aquela era a sede própria para o esclarecimento das mesmas, portanto em sede de execução da sentença anulatória - artigos 177.º. 178.º e 179.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (versão originária);

7) Muito expressivamente, o artigo 176.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (versão originária), prevê que, em caso de inércia da Administração Pública em executar sentença de anulação de ato administrativo, o interessado pode fazer valer o seu direito em sede executiva, no prazo de 6 meses a contar do termo do prazo para a Administração Pública executar voluntariamente o mesmo ou da invocação de causa legítima de inexecução;

8) A AUTORA, ao não acionar atempadamente em juízo a DGRN, na pessoa do Ministério da Justiça, para que dessem efetiva execução ao acórdão anulatório, além de não obter efeitos práticos da razão que lhe foi reconhecida, concorreu de forma decisiva para a situação de facto hoje existente, em termos que está excluída qualquer responsabilidade civil do Estado por eventuais danos pela inexecução - artigo 570.º do Código Civil e 7.º do DL 48051, de 21.11.1967.

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Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.

Para decidir, este tribunal (órgão de que é titular um juiz ou um colégio de juizes que, a requerimento de outrem e através de um procedimento equitativo, imparcial e independente, decide, com força obrigatória para os interessados, os factos integradores dos respetivos direitos e obrigações, aplicando-lhes o direito pertinente) tem omnipresente a nossa Constituição estatal, como síntese da ideia-valor de Direito vigente, cujo modelo político é de natureza ético-humanista e cujo modelo económico é o da economia social de mercado, amparado no Direito.

Consideramos as três dimensões do Direito como ciência do conhecimento prático - por referência à ação humana e ao dever-ser inspirador das leis -, quais sejam, (i) a dimensão factual social - que influencia muito e continuamente o direito legislado através das janelas de um sistema jurídico uno e real, (ii) a dimensão ética e seus princípios práticos - que influenciam continuamente o direito também através das janelas do sistema jurídico - e, a jusante, (iii) a dimensão normativa e seus princípios prático-jurídicos.

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Cabe, ainda introdutoriamente, sublinhar que os recursos, sendo dirigidos contra a decisão do tribunal recorrido e respetivos fundamentos, têm o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso, alegação que apenas pode incidir sobre as questões de facto e ou de direito que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas.

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As questões a resolver neste recurso são as identificadas no ponto II.2, onde as apreciaremos.

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II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1. FACTOS PROVADOS

Com interesse para a decisão a proferir, está provado o seguinte quadro factual:

A. A Autora candidatou-se ao ingresso na carreira de conservador e notário no âmbito do Procedimento aberto pelo Aviso n.º 9207/97, publicado no DR, 23 série, n.º 266, de 97.11.17;

B. Nas provas de aptidão previstas no artigo 7° do Decreto-Lei n.º 206/97, de 12 de agosto, a Autora obteve os seguintes resultados:

Na prova de conhecimentos, 13,4 valores, tendo ficado classificada em 11 ° lugar num universo de cerca de 2.500 candidatos, 900 dos quais prestaram provas;

No exame psicológico, 4 valores, a que correspondia a menção de não favorável;

C. Por deliberação de 14 de outubro de 1998, o júri do procedimento de ingresso na carreira de conservador e notário excluiu a Autora do procedimento, com fundamento no resultado do exame psicológico;

D. A Autora não se conformou com o alegado resultado do seu exame psicológico, por entender que tal resultado não era compatível com a prova realizada, uma vez que sempre obteve resultados francamente positivos noutros exames psicológicos a que anteriormente se submeteu com objetivos semelhantes e que, no exame psicológico em causa, lhe foi afirmado pelos técnicos que o efetuaram ter sido muito positiva a sua prestação;

E. A Autora interpôs recurso hierárquico, dessa deliberação do júri, para Sua Excelência o Ministro da Justiça, com o seguinte pedido: "que seja declarado nulo e sem efeito o procedimento de ingresso na carreira de conservador e notário, aberto por Aviso n.º 9207197, publicado no DR, 2ª série, n.º 266, de 17 de novembro de 1997, ou, quando assim não se entenda, seja o mesmo procedimento anulado por violação reiterada da lei";

F. Por despacho de Sua Excelência o Secretário da Justiça, de 16 de dezembro de 1998, foi negado provimento a esse recurso hierárquico;

G. Inconformada, a Autora interpôs, no Tribunal Central Administrativo, recurso contencioso desse despacho de Sua Excelência o Secretário da Justiça, de 16 de dezembro de 1998, pedindo a sua anulação por vício de violação de lei;

H. Por Acórdão de 2003.03.13, o Tribunal Central Administrativo julgou nulo o despacho impugnado com fundamento em violação do conteúdo essencial de um direito fundamental - o direito ao recurso contencioso - em virtude de esse despacho carecer, em absoluto, de fundamentação;

I. Desse Acórdão do TCA, Sua Excelência o Secretário de Estado da Justiça interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, que, por Acórdão de 2004.02.11, considerou o ato impugnado anulável - e não nulo, como tinha decidido o TCA -, conforme doc. n° 1, cujo seu teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

J. Tendo requerido a execução do referido Acórdão do STA, a Autora foi notificada, em 16 de Julho de 2004, do Despacho de Sua Excelência o Secretário de Estado da Justiça, de 15 de Julho de 2004, que, em execução daquele acórdão, determinou à Direcção-Geral dos Registos e do Notariado que procedesse à reconstituição, nos termos da lei, do reposicionamento da Autora na respetiva carreira, reconhecendo-se-lhe o direito de preferência na colocação, conforme doc. n.º 2, cujo seu teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

K. Por ofício de 16 de agosto de 2004, a Direcção-Geral dos Registos e do Notariado solicitou a Sua Excelência o Secretário de Estado da Justiça esclarecimentos sobre o modo como deveria ser dada execução ao seu despacho de 15 de julho de 2004 conforme doc. nº 3, cujo seu teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

L. Por despacho complementar proferido por Sua Excelência o Secretário de Estado da Justiça em 6 de dezembro de 2004, foram esclarecidos os termos em que deveria ser executado o seu despacho de 15 de julho de 2004 (doc. n.º 4), aí se determinando, nomeadamente:

"só ficará garantida a efetiva reconstituição da situação atual hipotética da interessada se esta for integrada em lugar da carreira dos registos e do notariado, em categoria igual ou equivalente àquela que teria atualmente, mediante reconstituição da carreira, nomeadamente para efeitos de remuneração e antiguidade e, simultaneamente, receber a formação necessária ao exercício da profissão, nomeadamente através de um estágio de formação a processar-se em termos idênticos ao dos demais opositores ao mesmo concurso aberto pelo Aviso n.º 9207/97.

Pelo que terá de ser facultada à interessada a opção por uma das variantes daquela carreira (registos ou notariado), nos termos acima expostos, com direito de preferência na sua colocação, isto é, com direito de preferência na sua colocação, isto é, com direito de escolha do local da sua afetação";

M. A Autora dirigiu ao Senhor Diretor-geral dos Registos e do Notariado a carta que junta como doc. n.º 5, propondo a realização de uma reunião com vista a clarificar os termos em que essa Direcção-Geral praticaria os atos materiais de execução do referido despacho e estabelecer o calendário de cumprimento desse despacho;

N. A Autora veio a receber, com data de 2005.03.22, o ofício da Direcção-Geral dos registos e do Notariado, que se junta como doc. n.º 6, a coberto do qual lhe foi enviado um terceiro despacho de Sua Excelência o Secretário de Estado da Justiça, de 10 de Março de 2005 - reiterando o conteúdo dos seus despachos anteriores - com a informação de que "se aguarda parecer dos serviços jurídicos, a fim de se esclarecer em que consistem os atos jurídicos e materiais para a reconstituição da situação atual hipotética que existiria se não houvesse ato ilegal";

O. Em face da necessidade de clarificação e ponderação de algumas dúvidas que o despacho do Senhor Secretário de Estado da Justiça, datado de 16.07.2004, suscitava a Auditoria Jurídica da Direção Geral dos Registos e Notariado elaborou a informação n° 5-RC/2004 DSRH/DAJ, no sentido de se obterem os esclarecimentos necessários, a fim de se praticarem os atos indispensáveis ao integral cumprimento da decisão jurisdicional - Doc. N° 1

P. Aí, nos pontos 2 e 3, referia-se o seguinte:

"é do conhecimento desta Auditoria Jurídica que se encontra em fase de encerramento um concurso de registos e do Notariado em que a requerente ainda poderá entrar.

Assim sendo, sugere-se a remessa dos presentes autos à Direção Geral dos Registos e Notariado, a fim de que a requerente possa ainda ingressar no respetivo processo de concurso";

Q. Em resposta, a Direção Geral dos Registos e Notariado, em 12.08.2004, emitiu o seguinte parecer:

"Tendo em atenção que o ingresso na carreira de conservador ou notário comporta, para além das provas de aptidão, mais três fases constituídas pela frequência do curso de extensão universitária, estágio e realização de provas finais, sendo todas as fases eliminatórias (...) em conformidade com o definido no art.º 3° n°s.º 1 e 2 do D.L. nº 206/97, de 12.08, não deixam de se suscitar algumas reservas quanto à possibilidade de executar a sentença nos termos sugeridos pela Auditoria Jurídica ( ... )";

R. Em 06.12.2004, o Sr. Secretário de Estado da Justiça, em despacho complementar conclui que: "(...) Assim só ficará garantida a efetiva reconstituição da situação atual hipotética da Interessada, se esta for integrada em lugar da carreira dos Registos e Notariado, em categoria igual ou equivalente àquela que teria atualmente, mediante reconstituição da carreira, nomeadamente para efeitos de renumeração (sic) e antiguidade e, simultaneamente receber a formação necessária ao exercício da profissão, nomeadamente através de um estágio de formação a processar-se em termos idênticos aos demais opositores, no mesmo curso, aberto pelo Aviso n° 9207/97.

Pelo que terá que ser facultada à Interessada a opção por uma das variantes daquela carreira (Registos ou Notariado), nos termos acima expostos, com direito de preferência na sua colocação, isto é, com direito de escolha no local da sua afetação";

S. A Autora veio, em 19.01.2005, informar que pretendia como local de colocação a cidade de Leiria e optar pelo Serviço de Conservador (doc. n° 3);

T. Em 24.01.2005, a Direção Geral dos Registos e Notariado remeteu ao Gabinete do Sr. Secretário de Estado a informação n° 5-A RC/2004, solicitando esclarecimentos sobre o modo de dar execução ao despacho datado de 06.12.2004, já que pressuporia a realização dos seguintes atos… (doc. n° 3 cujo teor se dá integralmente por reproduzido);

U. A Autora, à data em que se candidatou ao ingresso na carreira de Conservador e Notário, referida em A), encontrava-se inscrita na Ordem dos Advogados como Advogada Estagiária;

V. Inscrição que suspendeu após 07-01-1998, após ter tomado conhecimento de que era de cerca de 2500 o número de candidatos a tal concurso, e durante tempo não concretamente apurado, não superior a 5 meses, dedicou-se em exclusivo à preparação das provas;

X. A obtenção na prova de conhecimentos do valor referido em B) criou à Autora elevadas expectativas de admissão;

Y. A Autora continuou o seu empenho até à realização dos testes psicotécnicos;

Z. A informação do resultado do exame psicológico da Autora provocou-lhe uma forte dor emocional e um sofrimento interior intenso;

AA. A Autora isolou-se e tornou-se uma pessoa insegura;

BB. Após período de isolamento, a Autora, a nível profissional, teve dificuldades de concentração, memorização, relacionamento com os interlocutores e por vezes desinteresse pelo trabalho, a nível emocional, falta de confiança e estado de pessimismo, contrastante com a anterior alegria de viver e determinação que a caracterizava, e a nível social, com problemas em sair e fazer amigos, devido a ter-se tornado numa pessoa retraída e fechada.

*

Continuemos.

II.2. APRECIAÇÃO DO RECURSO: O DIREITO

Tudo visto, cumpre decidir.

Com efeito, aqui chegados, há condições para se compreender esta apelação e para, num dos momentos da verdade do Estado de Direito (o do controlo jurisdicional), ter presentes, inter alia, os seguintes princípios jurídicos fundamentais decorrentes do superprincípio geral da justiça:

(i) juridicidade e legalidade administrativas, ao serviço do bem comum;

(ii) igualdade de tratamento material axiológico de todas as pessoas humanas;

(iii) certeza e segurança jurídicas; e

(iv) tutela jurisdicional efetiva.

Em consequência, este tribunal utiliza um método jurídico adequado à garantia efetiva, previsível e transparente dos direitos dos “administrados”, através de um processo decisório teleologicamente orientado apenas (i) à concretização dos valores da Constituição e (ii) ao controlo racional de coerência dos nexos da sistematicidade jurídica que precedam a resolução do caso.

Assim, a resolução jurisdicional de casos implica, durante o processo de interpretação-aplicação do direito objetivo, um rigoroso respeito pelas normas materialmente constitucionais inseridas nos artigos 9º e 10º do Código Civil, na busca do pensamento legislativo da fonte de direito, dentro do sistema jurídico atual e com respeito pela máxima constitucional da sujeição da atividade jurisdicional às leis e aos artigos 111º e 112º da Constituição da República Portuguesa.

A)

A recorrente coloca as seguintes questões a resolver:

1ª – erro de julgamento da matéria de facto, faltando aditar 2 factos provados;

2ª – erro de julgamento de direito, por não ter condenado o réu na indemnização pedida.

B)

Vejamos a 1ª questão.

Os factos provados em falta seriam:

- A remuneração que a Recorrente poderia ter auferido na sua carreira se não tivesse sido praticado o ato ilegal anulado, tendo sido obtida a informação de que a Recorrente poderia ter auferido, nos anos de 1999 a 2009, a remuneração global de (€ 43.040,00 + € 630.981,48) € 674.021,48.

- A remuneração efetivamente auferida no mesmo período, como advogada e no exercício de funções ao serviço da Autoridade para as Condições de Trabalho, foi no montante global de € 162.455,12.

Ora, tais factos não foram alegados na 1ª instância pela autora, pelo que não foram à b.i. e, não sendo factos notórios ou de conhecimento “ex officio”, não podem ser dados como provados com ou sem documentos de suporte (cfr artigo 5º do Código de Processo Civil).

Pelo que o Tribunal Administrativo de Círculo não errou de facto.

C)

Passemos à 2ª questão a resolver.

i.

Como já se viu, está aqui em causa a responsabilidade civil extracontratual do Estado relativamente aos danos provocados à autora pelo alegado facto de a DGRN/M.J. ter praticado um ato administrativo ilegal (por falta de fundamentação) na avaliação da autora num concurso de acesso à profissão de conservadora de registos ou de notária e também (parece, segundo a pet.i.) relativamente aos danos provocados à autora pela demora no cumprimento ou execução da anulação jurisdicional daquele ato administrativo concursal.

Na petição inicial, a A/recorrente identificou o pressuposto essencial da responsabilidade civil extracontratual: os danos ou prejuízos.

Afirmou que o ato administrativo anulado pelo STA por falta de fundamentação, lhe causou danos patrimoniais, correspondentes às remunerações (e juros) que teria recebido no caso de ingressar na carreira dos registos e notariado.

Também afirmou que sofreu danos não patrimoniais, em consequência do ato administrativo anulado pelo STA e em consequência da conduta posterior da DGRN (inércia, falta de vontade ou demora da DGRN em cumprir o despacho do Secretário de Estado da Justiça que determinou e definiu como executar ou cumprir o acórdão anulatório emitido pelo STA).

Veremos que, nesta ação administrativa para efetivação da responsabilidade civil por factos ilícitos, não se provaram danos patrimoniais e que, de entre os restantes danos, se podem considerar dois âmbitos:

-a ofensa do interesse legalmente protegido da fundamentação do ato administrativo anulado e

-o sofrimento causado pelo ato administrativo ilícito e anulado por violação daquele dever.

ii.

O Tribunal Administrativo de Círculo entendeu, em síntese, o seguinte (aqui e ali de um modo algo confuso):

- A sentença de anulação do ato administrativo não terá sido cumprida ou executada pelo M.J./DGRN, porque a DGRN não terá dado seguimento ao despacho do S.E.J. cit. (inércia ilegal) – o que é verdade;

- Perante o atraso no cumprimento, a autora devia se ter socorrido dos artigos 149º (1) ou 157º/3 (2) do Código do Procedimento Administrativo/1996, ou então do processo de execução de sentenças de anulação;

- Como a autora nada disso fez (o que é verdade), haveria que aplicar o artigo 570º do Código Civil (3), pelo que a autora não tem direito a indemnização por danos patrimoniais, devido à sua maior culpa (danos patrimoniais, na pet.i., referidos ao ato administrativo anulado);

- O que se deveria entender quanto aos danos morais, que a autora imputaria apenas ao ato administrativo anulado (embora resulte da pet.i. que também os imputa ao comportamento da DGRN posterior ao acórdão anulatório emitido pelo STA), é o seguinte:

a autora não lograra demonstrar, nem alegara, na presente ação qualquer erro por parte do Júri no juízo que formulou sobre o mérito da Autora na avaliação psicológica (esquecendo o Tribunal Administrativo de Círculo que esta matéria – conteúdo do ato anulado - pertenceu à ação de anulação e não a esta ação de responsabilidade civil);

a circunstância de em anteriores concursos em que participou (mas que não identifica) ter sido aprovada na avaliação psicológica não demonstraria, por si só, que a prestação da Autora, qualquer que seja, lhe garante aprovação em qualquer prova de avaliação psicológica a que viesse a ser submetida;

a reprovação e as suas eventuais repercussões psicológicas, pelo seu lado, seriam um risco a que está sujeito quem quer que participe em qualquer processo de avaliação de natureza concorrencial, sobretudo quando os respetivos métodos têm carácter eliminatório;

estaria, pois, por demonstrar o nexo de causalidade adequada entre a ilegalidade determinante da anulação do ato administrativo (que o Tribunal Administrativo de Círculo não exterioriza suficientemente e que foi “apenas” a falta de fundamentação do ato administrativo, isto é, uma ilegalidade formal) e os danos ora em causa.

iii.

Por acórdão do STA, transitado em julgado, o ato administrativo de 16-12-1998, que, com base no resultado do exame psicológico, excluiu a Autora do procedimento concursal aberto pelo Aviso nº 9207/97 para ingresso na carreira de conservador ou notário, foi anulado com fundamento na sua falta total de fundamentação.

Portanto, temos ali um ato administrativo (decisão que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visa produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta) ilegal.

E, em consequência dessa anulação jurisdicional, deveria seguir-se o previsto nos importantes artigos 173º a 175º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos: o cumprimento voluntário pela A.P. do dever de execução do julgado anulatório.

Não o fazendo - emitindo novo ato administrativo sem a ilegalidade “formal” cometida e daí retirando as legais consequências - no prazo legal de 3 meses, como não fez, de facto, o vinculado órgão que emitira o ato anulado pelo STA, o Sr. S.E.J., desrespeitou a lei e o caso julgado (cfr. o artigo 205º/2 da Constituição da República Portuguesa e os artigos 158º e 159º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos); é outra ilegalidade.

Veremos se esta ilegalidade (incumprimento do dever de execução voluntária da anulação jurisdicional do ato administrativo) ofendeu ou não um interesse legalmente protegido (nos artigos 158, 159º e 173º a 175º do Código) da lesada na reintegração efetiva da legalidade administrativa formal violada pelo réu. Seria a ilicitude desta conduta omissiva do réu.

Como se sabe, depois ainda podem relevar os artigos 176º a 179º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, já em sede contenciosa.

Irreleva, nessa sede, o facto, assaz estranho num Estado de Direito, de a DGRN (hoje, IRN) ter tentado sempre atrasar ou não cumprir o decidido pelo Sr. S.E.J., o que foi conseguido até hoje.

iv.

Ora, a responsabilidade civil extracontratual do Estado e de outros entes públicos por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos ou agentes assenta nos seguintes pressupostos:

1º- O facto: ação ou omissão humana, de pessoa diferente da lesada;

2º- A ilicitude do facto: a ação ou omissão é ilegal ou inconstitucional (4) e viola um direito subjetivo ou uma norma de protecção (5) (neste 2º caso, de subjetivação da norma jurídica, ocorre a não adoção pelo agente de um comportamento definido precisamente pela norma, em que o fim dessa imposição é dirigido à tutela de interesses não gerais; o dano ocorre no âmbito do círculo de interesses tutelados pela norma) (6), além dos casos específicos abrangidos pelos artigos 486º, 334º, 484º e 485º do Código Civil, bem como pela violação do artigo 335º (cfr. o artigo 6º do Decreto-Lei nº 48051 de 1967 e o artigo 9º do RRCEEP/2007 (7));

3º- Imputação da ação ou omissão ilícita ao lesante, a título de dolo (vontade no sentido do facto) ou de negligência (violação de deveres de cuidado contra o facto); trata-se da culpa (cfr. os artigos 2º/1 e 4º do Decreto-Lei nº 48051 e o artigo 10º do RRCEEP (8)), enquanto juízo de censura apontado à omissão da diligência que seria exigível ao agente de acordo com o padrão de conduta imposto pela lei;

4º- Existência de um dano ou prejuízo no património jurídico de uma pessoa, a lesada (dano ou prejuízo que o lesado sofre nos seus interesses materiais ou morais, que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar); e

5º- Nexo de causalidade adequada entre a ação ou omissão ilícita e o dano (o facto humano como idóneo, em termos de probabilidade, a produzir o dano, e como condição imprescindível para o desencadeamento do processo causador do dano) (9).

v.

v.1.

Vejamos os danos provados.

Estão provados danos não patrimoniais (sofrimento interior, dor emocional, insegurança, falta de confiança, pessimismo). Não se provaram prejuízos patrimoniais.

Nos danos não patrimoniais (onde avulta a função punitiva ou sancionatória da responsabilidade civil) incluímos ainda, de modo autónomo, “a inobservância das regras essenciais do procedimento”, (i) sejam requisitos de “forma” ou formalidades essenciais (fundamentação do ato administrativo), (ii) sejam requisitos de trâmite procedimental (audiência prévia), (iii) desde que tais requisitos essenciais constituam o particular numa posição jurídica ativa, como fundamentaremos abaixo.

v.2.

Veremos, ainda, o que entender sobre “a inobservância do imposto à A.P. pelos artigos 173º a 175º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos”; se há ou não uma posição jurídica subjetiva ativa, tutelada quer pelo princípio da legalidade administrativa nos artigos 173º a 175º, quer, em momento posterior, pelos artigos 176º ss do Código.

v.3.

Em sede de relevância dos atos administrativos ilegais e anulados por falta de fundamentação para efeitos do artigo 6º do Decreto-Lei nº 48051 (artigo 9º/1 do RRCEEP/2007), importa saber se houve ofensa de uma posição jurídica ativa do particular, nomeadamente de um interesse legalmente protegido.

Havendo tal ofensa, há ilicitude, pelo que haverá que reparar os danos; a ofensa - inobservância de formalidade essencial, prevista também no interesse do destinatário do ato administrativo - é um dano autónomo, atual e não patrimonial.

Este dano deve ser quantificado pelo juiz, segundo critérios de equidade (assim, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, T.G.D.A., 3ª ed., 2015, pág. 515), como se prevê no artigo 566º/3 do Código Civil.

É que (i) a observância da legalidade procedimental, (ii) quando subjetivada por norma de proteção, é um bem imaterial na titularidade do interessado (interesse legalmente protegido), bem jurídico que pode ser ofendido pela conduta ilegal da entidade administrativa.

Afinal, como escreve FREITAS DO AMARAL, «os cidadãos têm de poder contar sempre com a competência e o zelo adequados a cada situação por parte das pessoas que servem a Administração» (Curso…, II, 2ª ed., pág. 723)

v.4.

Nessas situações de anulação por vícios de procedimento ou por violação de formalidades essenciais, se se estiver ante uma situação de interesse pretensivo do lesado, como aqui ocorre, por vezes haverá que ponderar ainda, além da reparação do cit. dano autónomo,

- a indemnização pela perda de oportunidade (perda de chance) ou, eventualmente, a indemnização pelos lucros cessantes em sede de interesse contratual positivo.

Ponderamos esta figura, porque a petição inicial, com a sua vagueza jurídica, pode impô-lo.

Ora, como se diz no Acórdão do STJ de 10-3-2011, Processo n.º 9195/03. 0TvLSb.L1.S1, «a chance, quando credível, é portadora de um valor de per si, sendo a respetiva perda passível de indemnização, nomeadamente quanto à frustração das expectativas que fundadamente nela se filiaram».

A “perda de chance”, vista como perda de uma oportunidade real, razoável e séria de obter a vantagem substantiva pretendida pelo interessado que foi afetado pela ilicitude, é um dano atual (cfr. JOÃO ÁLVARO DIAS, Dano Corporal, 2001, págs. 250 ss) e transforma problemas de prova da causalidade factual numa questão de avaliação do dano. O elemento essencial desta ideia, recusada no Direito civil alemão, é normativo: ela refere-se a direitos (normas) e não a aspetos causais (factos).

Por outras palavras, trata-se aqui de convolar a própria chance num quase-direito, numa nova situação jurídica ativa, tese que tem a vantagem de lidar com o problema da “causalidade adequada” dentro dos parâmetros dos antigos conceitos da “conditio sine qua non” (“but-for causation”), lesão (“harm”) e prejuízos, evitando uma mudança radical, designadamente do critério a adotar quanto à causalidade jurídica. Cfr. assim: NILS JANSEN, “The idea of a lost chance”, in Oxford Journal of Legal Studies, 1999, vol. 19, págs. 271-296.

Com efeito, não há mercado para as oportunidades de renegociar contratos, não há mercado para as chances de obter um emprego, e a chance de vencer um concurso de beleza obviamente não pode ser vendida. A proteção das chances é importante para a proteção dos direitos finalisticamente colocados em perigo, pois, em casos em que só resta uma chance, não há mais nada a perder senão a própria chance. O Direito não pode ficar fora dessa proteção. Se a responsabilidade civil não proteger as vítimas contra a perda de chances, ficará aquém das exigências constitucionais da tutela da confiança e da responsabilidade da Administração Pública. E daí que, nesse tipo de situação especial, não tenha aplicabilidade rigorosa o disposto no artigo 563º do Código Civil, pelo menos se for entendido como é tradicional.

Assim, já não sendo possível voltar atrás no procedimento - por facto não imputável ao interessado – e sendo, pois, impossível obter um ato válido por facto não imputável ao interessado, se não se demonstrar (artigo 342º do Código Civil) nem que o lesado obteria, nem que não obteria, a satisfação da sua pretensão substantiva, então haverá que indemnizar - além do cit. dano da ofensa do cit. direito instrumental ou garantístico violado - o dano da “perda de oportunidade séria de vencer ou da oportunidade séria de obter a satisfação da pretensão substantiva do interessado”. É que acabou frustrada a pretensão que decorria da titularidade de uma possibilidade não especulativa (“real”, séria, significante, específica) de satisfação, a final, da pretensão substantiva.

Não se descortina razão para não aplicar em tal contexto o critério de equidade (cfr. artigo 566º/3 do Código Civil) para reparação dessa “perda de chance”, critério admitido no contencioso pré-contratual (cfr. Acórdão do STA de 30-9-2009, Processo nº 0634/09; Acórdão do STA de 20-1-2010, Processo nº 047578ª (10); Acórdão do STA de 8-2-2011, Processo nº 0891/10; Acórdão do STA de 20-11-2012, Processo nº 0949/12(11)) e também em outras matérias:

- Acórdão do STA de 24-10-2006, Processo nº 0289/06(12);

- Acórdão do STA de 25-2-2009, Processo nº 047472ª, cit.

Afinal, as situações são análogas.

Naquela situação de perda de possibilidade não especulativa (“real”, séria, significante, específica), o juiz deverá graduar a indemnização de acordo com o grau de probabilidade de êxito do interessado.

Já na situação em que se demonstre que o interessado obteria, a final, a satisfação da sua pretensão substantiva (“perda de oportunidade perfeita ou acima do limiar da certeza”), haverá lugar à indemnização pelo interesse contratual positivo (cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, T.G.D.A., 3ª ed., 2015, págs. 523-524; Acórdão do TCAN de 4-11-2011, Processo 0213/06…).

Mas, se se provar que o interessado, efetivamente, não tinha hipótese de alcançar a satisfação da sua pretensão substantiva (“perda de oportunidade comum ou simples”), não haverá lugar a indemnização por essa pela perda de chance, mas sim, apenas, por causa do dano atual e autónomo que foi “a inobservância da legalidade procedimental subjetivada por norma de proteção”, em que o juiz recorrerá à equidade (cfr. artigo 566º/3 do Código Civil).

Neste sentido cfr:

- MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, T.G.D.A., 3ª ed., 2015, págs. 513 ss e 284-286;

- Noutras sedes, mas análogas a esta situação:

· Declaração de Voto de Vencido(13) no Acórdão do STA de 29-11-2005, Processo nº 041321A (14),

· Acórdão do STA de 1-10-2008, Processo nº 042003A(15),

· Acórdão do STA 25-2-2009, Processo nº 047472A(16),

· Acórdão do STA de 20-1-2010, Processo nº 047578A,

· Acórdão do STA de 8-2-2011, Processo nº 0891/10,

· Acórdão do STA de 28-11-2007, Processo nº 0308/07,

· Acórdão do STA de 17-12-2008, Processo nº 0973/08.

Há quem considere que a reparação do dano de uma perda de chance (prevista também nos artigos 45º, 102º/5, 166º e 178º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos) deve ser efetivada no processo de execução e ou em ação autónoma de responsabilidade civil (assim: MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, ob. cit., alertando neste caso para o artigo 38º/2(17)).

E há quem considere que não se trata de uma indemnização pela inexecução da sentença anulatória, mas sim pelo ato ilícito, donde ter de ser sempre através de uma ação de responsabilidade civil como a presente (cfr., por ex., Acórdão do STA de 2-6-2010, Processo nº 01541A/03(18); Acórdão do STA de 7-5-2015, Processo nº 047307A(19)).

Em síntese: a figura da perda de oportunidade (“perte d’une chance”) - isto é, a extinção (presente) da possibilidade séria ou relevante (que não certeza) de obter um determinado resultado favorável, por facto ilícito de um terceiro que impossibilitou o itinerário normal até ao momento da definição efetiva do resultado final - é exigida pela ideia recente de centrar a responsabilidade civil na reparação do “dano injusto”; tem como requisitos essenciais a existência de um determinado resultado positivo futuro, que possa vir a verificar-se, mas cuja verificação não se apresente como certa; que, havendo incerteza, a pessoa se encontre em situação de poder vir a alcançar aquele resultado, por reunir um conjunto de condições necessárias de que depende a sua verificação; e que ocorra um comportamento de terceiro que seja suscetível de gerar a sua responsabilidade e que elimine ou diminua fortemente as possibilidades de o resultado esperado se vir a produzir; o campo de aplicação desta figura jurídica situa-se entre duas realidades, sendo uma a probabilidade causal irrelevante de o facto de o agente causar o dano (em que não há lugar a qualquer indemnização) e a outra a alta probabilidade, que se converte em razoável certeza da causalidade, que dá lugar à reparação integral do dano final, afirmando-se o nexo causal entre o facto e este dano final; a doutrina da perda de oportunidade propõe a concessão de uma indemnização quando fique demonstrado que as probabilidades de obtenção de uma vantagem ou de obviar um prejuízo eram sérias ou consideráveis (em Inglaterra (20) como em Itália chegou a exigir-se o valor de mais de 50% de probabilidades: cfr. as Sentenças nº 686/2002, 1514/2007, 1114/2007 do Consiglio di Stato(21), o STA italiano), permitindo assim indemnizar o lesado nos casos em que não se consegue provar que a perda de uma determinada vantagem final foi consequência segura do facto ilícito do agente, mas em que, de qualquer modo, há a constatação de que as probabilidades de que o lesado dispunha de alcançar tal vantagem não eram desprezíveis, antes eram sérias ou reais; o dano específico da “perda de chance” deve ser avaliado e quantificado segundo um critério de equidade, até porque é um dano não patrimonial.

Veremos se ela pode existir no contexto de violação do artigos 173º a 175º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e de omissão de recurso aos artigos 176º ss do mesmo Código.

v.5.

Por outro lado, nos casos em que o tema já inclua materialmente a fase da execução do julgado anulatório, a obrigação de indemnizar depende, ainda, do dano relacionado com a utilidade que resultaria da execução da sentença anulatória.

Mas, nesta sede da perda da utilidade consistente na execução voluntária atempada da sentença anulatória (artigos 173º a 175º), por facto não imputável ao lesado (causa legítima de inexecução), haverá sempre lugar à reparação do dano autónomo correspondente à perda dessa utilidade?

Parece que não. A existência do previsto nos artigos 176º ss do Código de Processo nos Tribunais Administrativos implica, logicamente, tal resposta negativa.

vi.

Portanto, a ilicitude resulta de uma ilegalidade objetiva que ofenda direitos ou interesses legalmente protegidos.

Já identificámos (vd. D.1)) dois comportamentos ilegais por parte do réu Estado (M.J./DGRN-IRN):

O 1º facto ilegal, com violação de um interesse legalmente protegido da autora-recorrente é a emissão pelo réu do cit. ato administrativo ilegal (anulado pelo STA devido ao vício de falta de fundamentação; note-se que o tribunal não afastou o efeito anulatório do ato ilegal, pelo que essa questão está definitivamente ultrapassada);

O 2º facto ilegal é o incumprimento pelo réu (que continua) do dever de executar voluntariamente o julgado anulatório, imposto nos artigos 173º a 175º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Haverá, por isso, que indemnizar os respetivos danos autónomos e atuais, consistentes nas frustrações ocorridas aquando da emissão do ato administrativo ilegal e aquando da violação do artigo 173º?

Respondemos negativamente quanto àquele 2º facto ilegal, como já dissemos.

Com efeito, como o direito à execução da sentença anulatória está tutelado através das previsões normativas dos artigos 176º ss do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, conclui-se que o Código não atribuiu relevância autónoma ao incumprimento do dever imposto no artigo 173º, para efeitos de tutela do interessado, através de um interesse legalmente protegido. Dir-se-á que os artigos 173º a 175º visam apenas tirar consequências com base nos artigos 205º/2 da Constituição da República Portuguesa e 158º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, ficando o mais, respeitante ao lesado, concentrado nos artigos 176º ss.

A resposta é, como também já vimos, afirmativa quanto ao 1º facto ilegal. Ele é ilícito.

Entender o contrário significaria, em rigor, o seguinte: que os cidadãos não têm o direito (instrumental e constitucionalmente garantido) à fundamentação dos atos administrativos lesivos; embora tal raciocínio já não possa valer para o incumprimento do dever de executar voluntária e atempadamente o julgado anulatório.

Portanto, o direito à fundamentação do ato administrativo lesivo, nas vestes de interesse legalmente protegido, está consagrado (i) nos artigos 152º a 154º do Código do Procedimento Administrativo (anteriores artigos 124º a 126º) e (ii) no artigo 268º/3 da Constituição da República Portuguesa, que o trata como uma garantia fundamental concretizadora do direito a um procedimento justo e equitativo (cfr. PAULO OTERO, D. do Procedimento Administrativo, I, 2016, págs. 579-580).

Pelo que a falta de fundamentação de um ato administrativo lesivo e anulado por um tribunal é, necessariamente, uma ilegalidade e uma ilicitude, para efeitos de responsabilidade civil.

Estamos, portanto, diante de um facto ilícito, por violação de normas de proteção da ora autora-recorrente (cfr. PAULO OTERO, Manual…, I, págs. 229-232 e 240-241).

vii.

vii.1.

Analisemos agora, no quadro desta ação, isto é, da responsabilidade civil extracontratual do Estado, a violação da cit. norma de proteção prevista no artigo 268º/3 da C.R.P. e nos artigos 152º a 154º do C.P.A. atual.

Como referido, neste caso (ilegalidade por falta absoluta de fundamentação) e para efeitos do artigo 6º do Decreto-Lei nº 48051 (artigo 9º/1 do RRCEEP/2007(22)), os artigos 152º a 154º do atual Código do Procedimento Administrativo (anteriores artigos 124º a 126º) constituem uma norma de proteção, porque também se destinam a proteger o interessado na decisão administrativa.

A sua violação, ao contrário do implícito na sentença recorrida, configura, assim, um dano autónomo. Este dano (atual) resulta da inobservância das regras vinculativas do procedimento, com a consequente ofensa do correspondente direito ou interesse (procedimental) legalmente protegido.

Afinal, o procedimento justo tem uma dimensão normativa (vd., desde logo, o artigo 267º/5 da Constituição da República Portuguesa), que por vezes é subjetivada na pessoa do interessado.

É o que se passa com os artigos 152º a 154º do Código do Procedimento Administrativo atual (anteriores artigos 124º a 126º) e com o artigo 268º/3 da Constituição da República Portuguesa.

E, no seguimento do exposto, concluímos que haverá que reparar o dano não patrimonial, atual e autónomo, aqui verificado, que pode ser designado como “a ofensa do direito da ora autora à formalidade essencial que é a fundamentação de ato administrativo lesivo”. Cfr. assim: MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, T.G.D.A., 3ª ed., 2015, págs. 513 ss.

Entender o contrário significaria, em rigor, que os cidadãos não têm o direito (instrumental e constitucionalmente garantido) à fundamentação dos atos administrativos lesivos e que a fundamentação não é uma utilidade posta pelo Direito administrativo também ao serviço e no interesse dos destinatários do ato administrativo desfavorável.

Utiliza-se a equidade para quantificar o dano autónomo e a sua indemnização.

Assim, no caso em apreço, consideramos o seguinte:

-o grau de culpabilidade do agente é elevado, porque não existiu mesmo qualquer fundamentação quanto a um dos dois elementos essenciais para a classificação da lesada (o exame psicológico);

-a situação económica do Estado é débil, como é público e notório;

-nada se provou quanto ao património da lesada;

-o facto de a autora ter deixado a advocacia para, durante 5 meses, se dedicar à preparação para as provas (facto V) em cujo âmbito foi emitido o ato administrativo ilegal e anulado; notamos que é circunstância relevante, porque tal sacrifício pessoal é feito no pressuposto legítimo de que a legalidade vai ser respeitada no procedimento administrativo.

Assim, em termos de equidade, fixa-se a reparação respetiva no montante de 500,00 euros.

vii.2.

Não cabem ali os outros danos morais provados como consequência da decisão administrativa ilegal (factos Z, AA e BB).

Estes (dor, sofrimento, perda de confiança), na parte razoável e racional ou normal merecedora de tutela, cabem, no entanto, na indemnização pelo ato administrativo ilícito (cfr. artigos 483º/1, 494º, 496º, 563º, 564º e 566º do Código Civil) própria desta ação, pois que não se reparam no processo de execução da sentença de anulação (segundo a nossa jurisprudência).

Assim, em termos de equidade e tendo presente o artigo 494º do Código Civil, fixa-se a reparação respetiva também no montante de 500,00 euros.

E não cabe aqui atender ao que ocorreu, posteriormente, em sede de execução ou não execução do jugado anulatório (cfr. artigos 173º ss do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).

vii.3.

É claro que, ao contrário do subentendido na petição inicial, não se podem considerar “prejuízos ou lucros cessantes”, já que estes não existem e nunca poderiam existir, porque não se demonstrou de todo que, “renovado” o ato administrativo sem a ilegalidade cometida, a autora obteria a satisfação da sua pretensão substantiva no cit. procedimento de tipo concursal.

Mas, também há que sublinhar que, ao contrário do pressuposto na sentença recorrida, os eventuais prejuízos relacionados com o que supostamente a autora deixou de auferir nada têm a ver com o facto ilícito da inobservância da norma de proteção resultante dos artigos 268º/3 da Constituição da República Portuguesa e 152º a 154º do Código do Procedimento Administrativo atual (anteriores artigos 124º a 126º do Código do Procedimento Administrativo).

viii.

Quanto à questão da perda de oportunidade (de a lesada poder ver a sua pretensão substantiva devidamente apreciada e bem-sucedida), a que também já nos referimos, resulta da matéria provada o seguinte:

- a impossibilidade jurídica de voltar atrás no procedimento para (i) sanar a ilegalidade (embora a A.P. possa sempre executar a sentença anulatória fora do prazo legal, sem coerção) e, assim, (ii) aferir do êxito da pretensão substantiva da lesada, resulta num primeiro momento (i) da conduta da A.P. (que ostensivamente violou e continua a violar o artigo 173º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos) e num segundo momento (ii) de uma conduta decisiva da interessada lesada, que não utilizou o processo previsto nos artigos 176º ss do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Isto quer dizer, no contexto do regime jurídico da execução de julgado anulatório, previsto nos artigos 173º a 179º, que aquela impossibilidade jurídica de aferir do êxito da pretensão substantiva da lesada (após a execução do julgado anulatório) é, afinal, de atribuir à interessada, pois que, com a sua omissão quanto à execução, quebrou qualquer nexo existente (possível ou efetivo) entre o ato administrativo ilegal e a utilidade substantiva pretendida pela interessada (ser aprovada e admitida à carreira dos Registos e Notariado). Note-se que não se trata de aplicar aqui o artigo 570º do Código Civil.

Assim se demonstra que a teoria da perda de oportunidade, como dano autónomo e presente, não prescinde, afinal, de uma causalidade normativa.

Portanto, não existe aqui perda de chance, em qualquer grau (seja o normal, simples ou irrelevante; seja o sério ou relevante, que é o que alicerça a autonomia jurídico-conceitual deste dano específico; seja o perfeito ou acima do limiar da certeza), porque a aqui interessada, dispondo de uma sentença de anulação não executada voluntariamente, não se socorreu dos artigos 176º ss do Código de Processo nos Tribunais Administrativos a fim de repor a legalidade procedimental ou formal violada pelo ato administrativo anulado.

Antes se deixou levar no tempo pelos atrasos e adiamentos por parte do réu, num contexto em que o início do começo do cumprimento dos deveres impostos no artigo 173º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos não foi o melhor, porque o despacho do Sr. S.E.J., para iniciar a execução do acórdão do STA, é manifestamente irregular: assentou no pressuposto não demonstrado de que, sem a falta de fundamentação do ato anulado, a autora seria aprovada (por outro ato administrativo…) e depois nomeada para a carreira dos Registos ou do Notariado.

ix.

Ao abrigo do disposto nos artigos 804º, 805º/3, 806º e 559º do Código Civil, são devidos juros de mora em relação à obrigação pecuniária assim fixada.

*

III. DECISÃO

Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com os poderes conferidos no artigo 202º da Constituição, acordam os juizes deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento parcial ao recurso e condenar o réu a pagar à autora a indemnização de 500,00 (quinhentos) euros por danos não patrimoniais “a se” e a indemnização de 500,00 (quinhentos) euros pela ofensa ao interesse legalmente protegido pela norma de proteção resultante dos artigos 268º/3 da Constituição da República Portuguesa e 124º e 125º do Código do Procedimento Administrativo de 1991, ao que acrescem os juros de mora à taxa legal, desde a data da citação, até integral e efetivo pagamento.

Custas em ambos os tribunais a cargo das partes, na proporção dos respetivos decaimentos.

Lisboa, 15-12-2016


(Paulo Pereira Gouveia - relator)

(Nuno Coutinho)

(Carlos Araújo)



(1)Artigo 149º Executoriedade
1 — Os atos administrativos são executórios logo que eficazes.
2 — O cumprimento das obrigações e o respeito pelas limitações que derivam de um ato administrativo podem ser impostos coercivamente pela Administração sem recurso prévio aos tribunais, desde que a imposição seja feita pelas formas e nos termos previstos no presente Código ou admitidos por lei.
3 — O cumprimento das obrigações pecuniárias resultantes de atos administrativos pode ser exigido pela Administração nos termos do artigo 155.o
(2) Artigo 157º Execução para prestação de facto
1 — No caso de execução para prestação de facto fungível, a Administração notifica o obrigado para que proceda à prática do ato devido, fixando um prazo razoável para o seu cumprimento.
2 — Se o obrigado não cumprir dentro do prazo fixado, a Administração optará por realizar a execução diretamente ou por intermédio de terceiro, ficando neste caso todas as despesas, incluindo indemnizações e sanções pecuniárias, por conta do obrigado.
3 — As obrigações positivas de prestação de facto infungível só podem ser objeto de coação direta sobre os indivíduos obrigados nos casos expressamente previstos na lei, e sempre com observância dos direitos fundamentais consagrados na Constituição e do respeito devido à pessoa humana.
(3)Artigo 570.º (Culpa do lesado)
1. Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.
2. Se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar.

(4) Cfr. PAULO OTERO, Manual…, I, pág. 86; D. FREITAS DO AMARAL, Curso…, II, 2ª ed., págs. 436-437 e 721.
(5) Cfr. D. FREITAS DO AMARAL, Curso…, II, cit., pág. 721.
(6) Implica uma conduta com violação de um direito alheio específico ou de uma norma protetora, exclusivamente ou conjuntamente com o interesse comum, de interesse alheio; neste segundo caso, é necessário que o comportamento preciso omitido seja o imposto pela norma em causa, cujo fim seja dirigido à tutela de interesses do lesado e que a lesão ocorra no âmbito do círculo de interesses tutelados pela norma (cfr. A. VARELA, Das Obrig., I, 10ª ed., p. 539 ss; ALM. COSTA, D. das Ob., 12ª ed., p. 563).
A ilicitude da ação ou omissão administrativa reside, desde logo, naquilo que for suscetível de configurar, por critérios de razoabilidade e tendo em vista os ditames da ética, o perigo do aproveitamento ou do favorecimento da verificação do dano (cfr. Ac. do STA-Pleno de 1-10-2003, Proc° nº 48035).
(7) Artigo 9º
1 - Consideram-se ilícitas as ações ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos.
2 - Também existe ilicitude quando a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos resulte do funcionamento anormal do serviço, segundo o disposto no n.º 3 do artigo 7.º
(8)Artigo 10º
1 - A culpa dos titulares de órgãos, funcionários e agentes deve ser apreciada pela diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor.
2 - Sem prejuízo da demonstração de dolo ou culpa grave, presume-se a existência de culpa leve na prática de atos jurídicos ilícitos.
3 - Para além dos demais casos previstos na lei, também se presume a culpa leve, por aplicação dos princípios gerais da responsabilidade civil, sempre que tenha havido incumprimento de deveres de vigilância.
4 - Quando haja pluralidade de responsáveis, é aplicável o disposto no artigo 497.º do Código Civil.
(9)Ligação positiva entre a lesão e o dano, através da previsibilidade deste em face daquele, a ponto de poder afirmar-se que o lesado não teria sofrido tal dano se não fosse a ação ou omissão; i.e., a condição deixará de ser causa do dano, sempre que, segundo a sua natureza geral, era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele, em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, sendo, portanto, inadequada para este dano.
Para haver dano indemnizável, é necessário que o recorrente demonstre que o ato ilegal o atingia num direito ou posição juridicamente tutelada de natureza substantiva, ou seja, demonstre que, se porventura a Administração tivesse optado pela "conduta alternativa legal", o seu interesse final ou substantivo invocado na petição teria sido satisfeito. É necessário que a Administração tenha violado uma norma que proteja o direito ou interesse que o particular pretende ver satisfeito. Interessa, pois, o conteúdo das normas violadas.
A violação de normas ou de princípios procedimentais não dá origem a responsabilidade civil se os preceitos procedimentais violados não tiverem qualquer referência à posição jurídica material do interessado, isto é, se o bem jurídico lesado, em que se traduz o dano, não estiver compreendido no âmbito de proteção das normas violadas.
(10) I - O mecanismo indemnizatório previsto no artº166º do CPTA visa compensar o exequente pelo facto de o processo executivo se ter frustrado e, com ele, o dever de executar o acórdão anulatório por parte da Administração (cf. artº173ºdo CPTA) e o correspondente direito do exequente a essa execução.
II - Sendo já impossível a execução do acórdão anulatório, torna-se também impossível a reapreciação da pretensão do exequente, daí a compensação prevista na lei para ressarci-los dos danos decorrentes dessa impossibilidade, ou seja, os danos decorrentes da perda do direito à execução do acórdão anulatório, que alguns também denominam de expropriação da execução.
III - Essa perda constitui, em si, um dano para a esfera jurídica do exequente, pois consubstancia a perda de uma situação jurídica, que lhe poderia proporcionar proventos patrimoniais.
IV - Se o ato foi anulado apenas com fundamento em vício de forma ou procedimental, sem o tribunal ter chegado a apreciar a pretensão substantiva do exequente, então a impossibilidade de execução desse julgado (que a ser possível, passaria tão só pelo retomar do procedimento com vista à prolação de um novo ato, expurgado da ilegalidade anteriormente cometida), não lhe confere qualquer indemnização por um direito substantivo que não lhe foi ainda reconhecido (esse novo ato poderia ser no mesmo sentido do primeiro ou noutro sentido e, portanto, pode ser favorável ou desfavorável ao exequente), havendo, por isso, que compensá-lo tão só pela perda de uma situação jurídica, a referida perda da possibilidade de ver reapreciada essa sua pretensão e, eventualmente, por outros danos decorrentes da impossibilidade da execução, que o mesmo alegue e prove ter sofrido.
V - Trata-se de uma indemnização de natureza objetiva, e, portanto, independente de culpa.
VI - Inexistindo elementos que permitam determiná-la com exatidão, o tribunal deve fixá-la segundo juízos de equidade (cf. artº566º, nº3 do CC).
(11) I - Anulada a adjudicação de empreitada por falta de audiência prévia na exclusão de uma proposta, haveria que retomar o procedimento concursal superando a ilegalidade detetada;
II - Se não é já possível retomar o procedimento por a empreitada se mostrar totalmente executada, o concorrente que obteve a anulação tem direito a uma compensação pela perda da situação jurídica cujo restabelecimento a execução da sentença anulatória lhe teria proporcionado.
(12) I - Tendo ficado provado nos autos que, por força de afastamento compulsivo ilegal durante dez anos, o Autor, então soldado da Guarda Fiscal, viu irremediavelmente perdida a possibilidade de ser promovido a cabo e afastada a possibilidade ulterior de progresso na carreira, e, consequentemente, de poder vir a usufruir de estatuto e remunerações superiores, tal constitui um dano indemnizável, verificados que estão os pressupostos do artº483º do CC (o facto ilícito e culposo, o dano e o nexo de causalidade).
II - Na falta de outros elementos, a fixação da indemnização pelo dano referido em I, deve ser feita com recurso à equidade.
(13) «Considero correto que se retirem efeitos da perda do direito à execução da decisão judicial anulatória, mesmo que esta tenha como fundamento apenas vício de forma, como a deficiente fundamentação, porque o sentido útil de tal anulação, com este fundamento autónomo, é que o recorrente tinha o direito a um tratamento diferente pela Administração, independentemente de poder vir a atingir ou não o objetivo que por meio do procedimento para ele procurava.
«Nesta perspetiva, proferida anulação com fundamento em vício de forma e mostrando-se inviável a execução de tal anulação por o contrato adjudicado a outro concorrente estar cumprido, teremos de verificar se os danos que o exequente indica como decorrentes da anulação não executada se apresentam como resultado ou efeito deste facto, uma vez que apenas os que apresentarem esta relação causal serão indemnizáveis a este título.
«No caso dos autos, a título principal, o exequente aponta como dano sofrido a perda de uma oportunidade de negócio que lhe traria um lucro de certa percentagem do valor total da adjudicação.
«Mas, no caso concreto é óbvio que essa perda é de tal modo hipotética e afastada que nenhuma relação causal segura se pode estabelecer entre a deficiente fundamentação não corrigida em execução do Acórdão e a perda daqueles proventos hipotéticos, porque não se sabe minimamente se a correção a que tinha direito criava alguma situação substancial de vantagem da sua proposta sobre os outros concorrentes. E, no caso essa probabilidade era baixíssima, além de que sobre o seu grau nada diz o exequente, limitando-se a partir do pressuposto de que a correção do vício lhe proporcionaria a adjudicação. Ora, não é necessariamente assim quando se trata de deficiência de fundamentação pontual e quando a proposta ficou em quarto lugar.
«Em suma, para obter ressarcimento dos danos pela perda de uma oportunidade de negócio é necessário que o demandante demonstre de forma convincente que se não ocorressem vícios no procedimento seria provavelmente o adjudicatário do contrato.
«De modo que considero sem base segura a causalidade entre o facto e o dano, o que equivale a falta de prova da causalidade, que à exequente incumbia, pelo que pela regra do ónus da prova decai nesta pretensão.
«Quanto ao pedido subsidiário, de indemnização pelas despesas havidas com vista ao negócio frustrado, no caso as despesas com a preparação e elaboração da proposta apresentada a concurso, entendo que existe o referido nexo de causalidade, porque a proposta, tal como as demais foi preparada para ser apreciada de acordo com as regras legais e acabou por se perder sem que tenha sido apreciada como devia, por culpa da Administração.
«Entendo, pois, que o exequente tem direito aos danos sofridos com a preparação da proposta, mas não a danos por perda da oportunidade de negócio quer pela via de uma percentagem do valor de adjudicação, quer pelo estabelecimento dessa compensação pela equidade.
«Quanto à orientação, do projeto no sentido de ser possível um outro pedido de indemnização pelo ato ilícito apreciado no recurso contencioso, com autonomia em relação ao pedido formulado pela exequente da indemnização pela inexecução, penso que não poderia ter lugar nas circunstâncias do caso, uma vez que a indemnização pelo incumprimento da sentença anulatória decorre de razões objetivas de impossibilidade, mas assenta na censura efetuada à atuação administrativa na decisão anulatória e é este complexo incindível de realidade o único que existe, pelo que é dele que temos de partir para verificar quais os danos que provocou, sendo que todos podem e devem ser apreciados na execução porque não faria sentido atribuir uma indemnização pela impossibilidade objetiva de execução e em ação separada concluir que nada de favorável ao particular havia de ter sido executado, ou no caso oposto, cumular com aquela primeira indemnização outra devida por virtude de ter sido ilegalmente postergado o direito à adjudicação do contrato.
«A indemnização pela inexecução justificada é a reparação pela perda, devido a razões neutras, daquilo a que se teria direito se esses fatores neutros não tivessem surgido, pelo que importa em última análise determinar a que teria direito o demandante pelas regras substantivas que regulam a situação, aplicadas através de um procedimento correto, no momento em que a decisão ilegal foi tomada. Se não se demonstrar que o demandante tinha direito a alguma situação vantajosa, não existirá dano reparável, mas apenas danos (ou a sua alegação) sem relação relevante com a atuação administrativa havida.
«Em suma, quando se pretende obter reparação pela anulação de um ato da Administração, a qual não pode ser executada por razões objetivas, o facto gerador de responsabilidade constitui uma unidade pelo que a responsabilidade deve ser apreciada num único meio processual usando como critério a conexão entre os danos apresentados pelo demandante e aquele facto.
«Situação paralela ocorre quando o Tribunal verifica a impossibilidade absoluta de satisfação dos interesses do autor a que se refere o art.º 45.º do CPTA, norma que prevê a possibilidade de o tribunal, na mesma ação, em vez de condenar no pedido, fixar a indemnização devida, sempre no pressuposto de que o autor tinha direito ao pedido formulado na ação e este direito só não lhe é conferido pela via da condenação do R. por virtude da manifesta e reconhecida impossibilidade de executar tal pretensão.
«Um último ponto importa esclarecer.
«Admito que se fixe uma indemnização pela perda do direito À execução da decisão anulatória como perda de um valor autónomo comparável ao atraso desrazoável na apreciação de uma causa pelo tribunal.
«Isolado este dano, em relação a ele a causalidade ancorada na falta de execução é evidente.
«Admitida esta indemnização o direito a ela existirá sempre independentemente de outros danos e de “olhar” às situações substanciais prejudicadas.
«Tal indemnização pelas suas características, designadamente pela causa neutra que está na sua origem, seria determinada por critérios puramente abstratos, semelhantes aos usados para a indemnização por dano moral e neste tipo de casos independentemente de juízos de culpa.
«Decidiria assim acrescer o montante da reparação deste dano ao antecedentemente indicado (das despesas suportadas) porque entendo que este pedido de reparação está incluído no pedido de execução.
(14) I - A inexecução do julgado, por causa legítima, pode dar lugar ao pagamento de uma indemnização;
II - Não sendo possível determinar o valor exato dos danos resultantes da inexecução, o tribunal julgará equitativamente.
(15) I - São nulos os atos praticados em execução de julgado que contrariem o decidido no acórdão exequendo.
II - O não cumprimento pela Administração do ordenado em acórdão proferido em processo de execução de julgado justifica a fixação de uma indemnização pela inexecução indevida, que se reconduziu à perda pelo requerente da execução de uma situação jurídica com potencial repercussão patrimonial positiva na sua esfera jurídica.
(16) O incumprimento de julgado anulatório, por ocorrência de causa legítima de inexecução, justifica a fixação de uma indemnização pela perda da situação jurídica cujo restabelecimento a execução da sentença teria proporcionado ao Requerente.
(17) 1 - Nos casos em que a lei substantiva o admita, designadamente no domínio da responsabilidade civil da Administração por atos administrativos ilegais, o tribunal pode conhecer, a título incidental, da ilegalidade de um ato administrativo que já não possa ser impugnado.
2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, não pode ser obtido por outros meios processuais o efeito que resultaria da anulação do ato inimpugnável.
(18) I - A inexecução do julgado, por causa legítima, pode dar lugar ao pagamento de uma indemnização.
II - Todavia, e ao contrário do que parece resultar duma leitura mais ligeira do que se dispõe no art.º 178.º/1 do CPTA, não é seguro que a anulação do ato e a impossibilidade de execução do julgado pela via da reconstituição natural determine, sempre e em qualquer caso, a atribuição de uma indemnização e isto porque o Exequente só tem direito a ser indemnizado quando seja certo ou, no mínimo, seja muito provável que a retoma do procedimento iria conduzir a que ele viesse a obter o benefício a que se candidatou.
III - Com efeito, dependendo a atribuição dessa indemnização da verificação dos pressupostos de responsabilidade fixados na lei civil – facto, ilicitude deste, culpa do agente, dano, e nexo de causalidade entre o facto e o dano – não faz sentido que a mesma possa ser atribuída a quem não provou a existência dos danos cujo ressarcimento reivindica ou a quem não provou a existência um nexo de causalidade entre esses danos e o ato anulado.
IV - Não sendo possível determinar o valor exato dos danos resultantes da inexecução o tribunal julgará equitativamente.
(19) I - Numa ação executiva de julgado anulatório em que ocorra situação de causa legítima de inexecução apenas pode ser peticionada e arbitrada indemnização dos danos “pelo facto da inexecução” e não dos danos advenientes do ato administrativo ilegal, sendo que a reparação destes deverá ser realizada na ação administrativa comum enquanto forma processual idónea e adequada para tal efeito.
II - Constituem pressupostos do dever de indemnizar “pelo facto da inexecução” a existência: (i) de decisão judicial anulatória; (ii) de situação de impossibilidade absoluta ou grave prejuízo para o interesse público geradora de causa legítima de inexecução [arts. 163.º, n.º 1, 166.º e 178.º do CPTA]; (iii) de prejuízos na esfera jurídica do exequente; e (iv) de nexo de causalidade entre a inexecução e os prejuízos.
III - Da conjugação dos arts. 166.º, 173.º e 178.º todos do CPTA deriva a existência dum mecanismo indemnizatório que visa compensar o exequente pelo facto de se haverem frustrado os fins prosseguidos com a dedução do processo executivo, sendo que tal compensação se destina a ressarcir o exequente apenas dos danos decorrentes dessa impossibilidade ou da “expropriação” do direito à execução, à reconstituição da situação atual hipotética
IV- Tal impossibilidade ou “expropriação” daquele direito constitui, de per si, um dano real, autónomo e diferenciado, que importa ser reparado por via indemnizatória e que é uma consequência direta e automática do reconhecimento da existência de causa legítima de inexecução, operando ope legis, enquanto assente numa responsabilidade objetiva.
V - No quadro da aplicação do regime previsto nos arts. 166.º e 178.º do CPTA os prejuízos a ressarcir serão, tão-só, os prejuízos que derivem da causa legítima de inexecução, neles se podendo integrar: (i) os custos associados à litigância no tribunal administrativo no quadro dos meios contenciosos acionados pelos demandantes/exequentes para fazerem valer os seus direitos e interesses; (ii) os danos [patrimoniais/não patrimoniais] que sejam advenientes da estrita perda da posição decorrente do juízo anulatório, da frustração quanto ao uso inglório ou inútil do recurso à tutela jurisdicional, sendo que nestes será de considerar no seu âmbito a existência, enquanto consequência normal ainda que não automática, dum dano que se presume como existente, sem necessidade de dele fazer prova, sempre que a violação tenha sido objetivamente constatada; (iii) os danos advindos da prática do ato de adjudicação ilegal quando, no quadro da tutela jurisdicional, mormente, em sede de execução, se lograria obter uma efetiva repristinação da situação atual hipotética, com recuperação da posição que havia sido perdida.
VI - Constatada objetivamente a violação do direito à execução e inexistindo nos autos elementos que permitam determinar com exatidão o valor do dano dela derivado impõe-se que o tribunal, fazendo apelo de juízos de equidade, o fixe [art. 566.º, n.º 3 do CC], ponderando, nomeadamente, o tempo empregue no uso dos mecanismos de tutela jurisdicional por parte dos exequentes, os valores económicos envolvidos no quadro do objeto de litígio, os termos e pronúncia que se mostram vertidos na decisão judicial anulatória exequenda e aquilo que daí poderiam ser as expectativas a obter quanto ao restabelecimento da posição jurídica subjetiva.
(20) Cfr. LUIS MENEZES LEITÃO, D. das Obrigações, I, 9ª ed., pág. 355.
(21) Cfr. GUIDO CORSO, Manuale di Diritto Amministrativo, sexta edizione, Torino, 2013, pág. 436.
(22) Consideram-se ilícitas as ações ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos.