Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:33/22.6BELLE
Secção:CA
Data do Acordão:08/09/2022
Relator:LINA COSTA
Descritores:PRÉ-CONTRATUAL
DOCUMENTO
FORMALIDADE NÃO ESSENCIAL
CONVITE A ACLARAR
Sumário:A irregularidade formal do conteúdo do documento – a «declaração dos fabricantes a atestar a capacidade do concorrente para comercializar os equipamentos» -, cuja apresentação era exigida aos concorrentes no programa do procedimento concursal sob pena de exclusão da proposta apresentada, consubstancia uma inobservância de uma formalidade não essencial, e, por isso, suprível, mediante convite do júri do concurso dirigido à Recorrida para que aclare ou esclareça o respectivo teor, nos termos indicados.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:

Acordam em sessão do Tribunal Central Administrativo Sul:

H..., Lda., devidamente identificada como Autora nos autos de acção de contencioso pré-contratual instaurada contra o Município de Faro e as contra-interessadas T..., S.A., a M..., S.A., a C..., Lda. e a P..., Lda., inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão, proferida em 31.3.2022, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, que julgou a acção parcialmente procedente e, consequentemente, anulou a decisão de adjudicação impugnada e absolveu a Entidade requerida e as contra-interessadas do demais peticionado.
O Recorrido e a contra-interessada T..., S.A. (doravante apenas Recorrida) contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso.

Foi proferida decisão sumária pelo relator que negou provimento ao recurso interposto e, em consequência, manteve a decisão recorrida na ordem jurídica.

A Recorrente reclamou para a conferência, requerendo que sobre a matéria da referida decisão sumária recaia acórdão.

Notificados do requerimento da reclamação para a conferência, os Recorridos não responderam.

A reclamação para a conferência constitui o meio adjectivo próprio ao dispor da parte que se sinta prejudicada pela decisão individual e sumária do relator sobre o objecto do recurso, podendo o recorrente/reclamante, nessa reclamação, restringir o objecto do recurso no uso do direito conferido pelo artigo 635º, nº 4, do CPC, mas não pode ampliar o seu objecto, faculdade limitada ao recorrido nos termos do artigo 636º, nº 1 do mesmo Código, isto é, limitada à parte vencedora que tendo decaído em alguns dos fundamentos da acção, apesar disso, obteve vencimento no resultado final. Ou pode apenas requerer que sobre a matéria recaia acórdão, ao abrigo do mencionado nº 3 do artigo 652º idem.
A reclamação para a conferência da decisão sumária proferida apenas pelo relator faz retroagir o conhecimento em conferência do mérito da apelação ao momento anterior àquela decisão sumária.

Cumpre, pois, reapreciar a questão suscitada pela Recorrente, agora reclamante, em sede de conclusões do recurso, fazendo retroagir o conhecimento em sessão do mérito da apelação ao momento anterior à decisão sumária proferida porque são as conclusões das alegações de recurso que fixam o thema decidendum.
Nas respectivas alegações, a Recorrente formulou as seguintes conclusões:
«A) A douta decisão de que se recorre é a que consta da sentença proferida a fls. … e ss. Nos autos de Contencioso Pré-Contratual com o n.º 33/22.6BELLE, que correm termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, e que julgou parcialmente procedente o peticionado pela Autora, ora Recorrente.
B) O tribunal a quo i) decidiu no sentido de julgar procedente o peticionado em A) – na parte relativa à anulação da decisão de adjudicação -, ii) cometeu omissão de pronúncia quanto ao peticionado em A) – na parte relativa à anulação do contrato e iii) decidiu no sentido de julgar improcedente o peticionado em B) e C).
Da omissão de pronúncia
C) A Recorrente, no pedido A), peticionou não apenas a anulação da decisão de adjudicação à T..., mas também a anulação do contrato, caso o mesmo já tivesse sido celebrado.
D) No entanto, apesar de o Tribunal a quo ter determinado “Anule-se a decisão de adjudicação impugnada”, não se pronunciou sobre a anulação do contrato.
E) Cometendo assim omissão de pronúncia.
F) Não se pode defender que a anulação do contrato, caso o mesmo já tivesse sido celebrado, é uma decorrência necessária da anulação da decisão de adjudicação uma vez que, apesar de tal ser a regra (n.º 2 do artigo 283.º do CCP), o legislador estabeleceu uma exceção no n.º 3 do artigo 283.º do CCP.
G) Tendo o Tribunal sido confrontado, também, com o pedido de anulação do próprio contrato caso já houvesse sido celebrado e apesar de essa anulação ter por fundamento uma invalidade derivada – da invalidade do ato de adjudicação -, não poderia deixar de decidir um tal pedido, sendo que, na visão da Autora e ora recorrente não se verificam os pressupostos legais para o afastamento do efeito anulatório antes se justifica, de facto, declarar judicialmente a anulação do contrato.
H) Razão pela qual, salvo melhor opinião, deve a sentença ser revogada, por ser nula, ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável por remissão do artigo 1.º do CPTA, segundo o qual “É nula a sentença quando: (…) d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
I) Podendo, este douto Tribunal conhecer dessa mesma questão no mesmo acórdão em que revoga a decisão recorrida, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 149.º do CPTA.
J) Sendo assim, sem prejuízo de poder o próprio Tribunal a quo suprir a nulidade arguida no despacho de sustentação, deve o Acórdão a proferir decidir a questão decidenda e, salvo melhor opinião, no sentido da anulação do contrato, nos termos e com os fundamentos da petição inicial.
Da improcedência dos pedidos B) e C) da Petição Inicial
K) O Tribunal a quo entendeu julgar improcedentes os pedidos B) – condenação do Réu a excluir a proposta da T... – e C) – condenação do Réu a tomar a decisão de adjudicação à proposta da Autora – uma vez que considera ser possível, ainda nesta fase e uma vez retomado o procedimento, solicitar à concorrente que proceda ao suprimento da dita irregularidade e, depois então, analisar a proposta apresentada, para efeitos de admissão, em função da regularização que venha, ou não, a ser efectuada pela mesma.”.
L) Esse eventual convite ao suprimento da invalidade da proposta verificada e provada nos autos é manifestamente ilegal e, por sua vez, ilegal será o também eventual convite ao suprimento e a sua resposta.
M) Sendo que outra não pode ser a consequência que a exclusão imediata da proposta da T....
N) O suprimento previsto no n.º 3 do artigo 72.º do CCP é apenas para os casos de preterição de formalidades não essenciais, o que nunca pode ser o caso da não apresentação de um documento cuja apresentação era exigida na fase de proposta e cuja consequência está tipificada na lei e é a da exclusão.
O) Concretamente, a não apresentação de um documento nem um vício formal é pelo que nem se deveria discutir se estamos perante uma preterição de formalidade essencial ou não.
P) Bastando tal facto para afastar este instituto de suprimento das propostas.
Q) Mas, ainda que se entenda que a falta total de um documento da proposta pode ser encarada como uma irregularidade formal, cumpre referir que a não apresentação de um documento exigido pelas peças nunca seria uma formalidade não essencial…
R) A não apresentação de um documento da proposta não constitui uma irregularidade quanto à forma ou ao modo de apresentação das propostas.
S) Por outro lado, os documentos cuja junção é permitida no âmbito do n.º 3 do artigo 72.º do CCP são certamente aqueles que, não sendo exigidos nas peças, possam ser necessários para clarificar ou suprir algum aspeto que já constava da proposta, mas não estava percetível ou que não cumpria as regras de forma legalmente aplicáveis.
T) Desta forma, por não ter aplicação o disposto no n.º 3 do artigo 72.º do CCP quanto a esta matéria, nunca se pode equacionar – como o fez o Tribunal a quo – a possibilidade de a proposta da T... vir a ser suprida em sede de suprimento de irregularidades.
U) Pelo que a única consequência legal para a ilegalidade detetada e provada da proposta da T... é a da sua exclusão.
V) Razão pela qual deve ser julgado procedente o pedido B) e, consequentemente, o pedido C), dado que a proposta da Autora é a economicamente mais vantajosa, de entre as propostas válidas, como se demonstrou na petição inicial.
W) A sentença recorrida violou, nesta parte, o disposto no artigo 72.º n.º 3 do CCP e deve, por isso, ser revogada e substituída por outra que condene o Réu a tomar a decisão de exclusão da proposta da T... e a tomar a decisão de adjudicação à proposta da Autora, aqui Recorrente.».

O Recorrido contra-alegou, formulando as seguindo conclusões:
«1. Nas suas alegações de recurso, a Recorrente argumenta que o douto Tribunal a quo não se pronunciou sobre o pedido de anulação do contrato, mas apenas sobre a anulação da decisão de adjudicação,
2. Alegando a Recorrente que o Tribunal a quo não poderia ter deixado de o fazer porquanto, mesmo que se entenda que da anulação do ato de adjudicação resulta, consequentemente, anulação do contrato, não poderia ignorar que, nos termos do disposto no n.º 4 do art.º 283.º do CCP, o efeito anulatório do contrato pode ser afastado por decisão judicial ou arbitral, quando verificadas circunstâncias específicas,
3. Motivo pelo qual, na opinião da Recorrente, a sentença deverá ser declarada nula por “omissão de pronúncia”, nos termos do disposto na al. d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, ex vi art.º 1.º do CPTA.
4. Não assiste, porém, qualquer razão à Recorrente quanto à verificação da alegada nulidade porquanto, conforme facilmente se conclui da leitura da decisão sobre a matéria de facto, não se provou nos autos o que quer que seja quanto à celebração do contrato,
5. Se dúvidas houvesse sobre esta questão, o Tribunal a quo referiu expressamente, na sentença proferida no incidente relativo à adoção de medidas provisórias, que “da prova produzida não resulta sequer que o contrato já tenha sido celebrado, não podendo, pois, presumir-se, quando nada foi alegado ou provado nesse sentido, que a consignação da obra já esteja concluída ou que o plano de segurança e saúde já tenha sido aprovado e comunicado ao empreiteiro, ou que estes factos virão a ter lugar num momento temporalmente próximo”.
6. Deste modo, como bem se compreende, o Tribunal a quo não declarou a anulabilidade do contrato porque não havia evidência nos autos da celebração de qualquer contrato, quer à data da prolação da sentença recorrida, quer à data da prolação da sentença que indeferiu o pedido de adoção de medidas provisórias requeridas pela Recorrente.
7. Ademais, quanto à anulação do contrato em consequência da anulação do ato de adjudicação, cabe recordar à Recorrente que a aplicação do disposto no n.º 4 do art.º 283.º do CCP não é automática, carecendo, em primeiro lugar de demonstração de que se verificam os pressupostos do n.º 2 do art.º 283.º do CCP (ou seja, demonstração de que “o vício é causa adequada e suficiente da invalidade do contrato”, o que pode ocorrer “designadamente por implicar uma modificação subjetiva do contrato celebrado ou uma alteração do seu conteúdo essencial”).
8. Conforme resulta de jurisprudência deste mesmo Tribunal ad quem, o disposto no n.º 4 do art.º 283.º do CCP tem a sua aplicação dependente da existência ou não de elementos de prova nos autos que permitam que o Tribunal a quo proceda à ponderação nele prevista (cfr. acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, proferido a 19 de maio de 2016, transcrito em sede de contra-alegações).
9. Nesta conformidade, considerando que não se mostra provado nos autos que, à data da prolação da sentença, já tivesse sequer sido celebrado qualquer contrato, bem se compreende que o Tribunal a quo não tenha procedido à declaração de anulação de qualquer contrato, sequer à ponderação prevista no n.º 4 do art.º 283.º do CCP.
10. Por fim, releva ainda para efeitos do sentido decisório do acórdão a proferir pelo Tribunal a quem o facto de a Recorrente não ter procedido à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, o que significa que esta – da qual não resulta provada a celebração de contrato – se consolidou.
11. Assim, e em face do supra exposto, deverá ser declarada a improcedência do argumento da Recorrente quanto à alegada nulidade da sentença por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no art.º 615.º, n.º 1, al. d) do CPC.
12. O segundo argumento das alegações da Recorrente é o de que o convite ao suprimento da proposta da T..., S.A. é ilegal, defendendo que não tem enquadramento no disposto no n.º 2 do art.º 73.º do CCP.
13. Salvo o devido respeito que a Recorrente nos merece, vislumbra-se que a Recorrente claramente não compreendeu a fundamentação plasmada na sentença recorrida, pois, se tivesse compreendido, jamais teria analisado a questão como se estivesse em causa a “não apresentação de documento da proposta”.
14. De facto, uma leitura atenta da douta sentença permite facilmente compreender que não está em causa a falta de apresentação de qualquer documento da proposta da T..., S.A. mas sim a mera irregularidade de um dos documentos que foram apresentados por esta Contra-Interessada.
15. Neste sentido, o Tribunal a quo é claro quando refere que:
“(…) nada obstava, pois, a que a declaração exigida pela alínea iii) da alínea d) do n.º 2.1. da cláusula 6.ª do programa do concurso atestasse a capacidade do concorrente para comercializar tais equipamentos, não directamente, mas através desta terceira entidade que com ela se comprometeu a (sub)contratar o fornecimento dos mesmos.
3.4. Acontece, porém, que a declaração ora em apreço foi emitida, não pelo fabricante dos equipamentos em causa, mas pela P..., Unipessoal, Lda., em seu próprio nome, sociedade que, como alega a autora e reconhece a contrainteressada adjudicatária, será uma “vendedora grossista” dos mesmos, com “ligação comercial” ao fabricante (no caso, a A..., detentora da marca D...). E de modo algum resulta do documento em causa - ou de qualquer outro que integre a proposta da adjudicatária – a qualidade em que a P..., Unipessoal, Lda. emitiu a dita declaração.
Como dele igualmente não resulta a natureza da relação jurídica entre a declarante e o fabricante de que emergirá o poder (de representação ou outro) de “atestar” a capacidade – no caso, da “subempreiteira” - de comercializar os equipamentos em causa.
Pelo que, cabia ao júri do procedimento, confrontado com a declaração apresentada – não emitida pelo fabricante – convidar a concorrente a regularizar a sua proposta, pedindo-lhe para proceder ao suprimento desta irregularidade, que é meramente formal e não essencial, ao abrigo do artigo 72.º, n.º 3, do CCP: e concretamente, para completar o documento em causa, por modo a fazer dele constar a qualidade em que a P..., Unipessoal, Lda. emitiu a declaração, e comprovar (documentalmente) a relação jurídica existente entre esta e o fabricante. Regularização esta que, a ser promovida, seria insusceptível de afectar a concorrência, a transparência ou a igualdade de tratamento, mantendo intocável a características substanciais da proposta, e designadamente os seus atributos, termos e condições (cfr. artigo 72.º, n.º 3, do CCP).”
16. Isto posto, é manifesto que o Tribunal a quo não contesta a aptidão de uma declaração da P..., Unipessoal, Lda para atestar a capacidade do concorrente comercializar os equipamentos, do mesmo modo que não põe em causa a possibilidade da concorrente recorrer a uma terceira entidade para comercializar os equipamentos em causa.
17. O que o Tribunal a quo afirma é que da declaração em causa não consta – e deveria constar – em que qualidade é que a P..., Unipessoal, Lda emitiu aquela declaração e qual a natureza da relação jurídica entre a declarante (P..., Unipessoal, Lda e o fabricante, para o que se exige a correspondente prova documental.
18. Assim, a declaração em apreço encontra-se ferida de mera irregularidade, por omissão das referidas especificações, o que não se confunde com a falta do documento propriamente dito, como a Recorrente, erradamente, teima em alegar.
19. Acontece que não é disso que se trata, verificando-se ter sido apresentada pela T..., S.A. declaração que apenas carece de ser suprida quanto a uma irregularidade que é meramente formal e que não é essencial, como também resulta expressamente da sentença recorrida,
20. O que justifica que o Tribunal a quo tenha declarado que tal irregularidade deverá merecer convite ao suprimento, nos termos do n.º 2 do art.º 73.º do CCP, por parte do júri do procedimento (a este propósito, veja-se o acórdão n.º 4/22, proferido recentemente pelo Tribunal de Contas, a 25 de janeiro de 2022).
21. Acresce que, como também bem refere a sentença recorrida, no caso concreto, a regularização da proposta em apreço nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 73.º do CCP não é suscetível de afetar a concorrência, a transparência ou a igualdade de tratamento, pois, procedendo a concorrente ao suprimento descrito pela douta sentença, é inquestionável que as caraterísticas substanciais da proposta da T..., S.A. mantêm-se intocáveis do ponto de vista dos seus atributos, termo e condições, como é exigido pela parte final do n.º 2 do art.º 73.º do CCP.
22. Neste sentido, e em suma, é evidente que a questão jamais se poderá colocar do ponto de vista da “omissão” de um documento da proposta, pois não há qualquer dúvida de que a declaração foi apresentada pela P..., Unipessoal, Lda, carecendo apenas de ser suprida do ponto de vista das especificações supra descriminadas,
23. Pelo que, ao contrário do raciocínio jurídico defendido pela Recorrente, não está em apreço um fundamento de exclusão da proposta porque não é da falta de apresentação de um documento que se trata, mas apenas de clarificar e concretizar a qualidade em que atua a P..., Unipessoal, Lda.
24. Só se a irregularidade apontada não for suprida pela concorrente na sequência do convite ao suprimento é que essa exclusão da proposta deverá, de facto, ocorrer.
25. Quanto ainda ao argumento da Recorrente de que o Tribunal de Contas retira do âmbito do suprimento do n.º 3 do artigo 72.º do CCP as situações em relação às quais a lei preveja a exclusão, tal não é verdade, esclarecendo o Prof. Pedro Costa Gonçalves a este respeito, in Direito da Contratação Pública, Volume II, AAFDL, 2020, pg. 850, que “as propostas objeto de regularização são aquelas que padecem de uma irregularidade para a qual a lei (art. 146.º, n.º2) ou o programa do procedimento, determinam a exclusão”.
26. Razão pela qual se requer a V. Exas seja confirmada a decisão proferida pelo Tribunal a quo, com a consequente declaração de improcedência do pedido da Recorrente de exclusão da proposta da T..., S.A. e, por conseguinte, do pedido de adjudicação do contrato à proposta da Recorrente.».

A Recorrida contra-alegou, formulando conclusões de teor idêntico às do Recorrido e pugnando pela improcedência do recurso.

O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146º e 147°, do CPTA, não emitiu parecer.

Na decisão sumária foi considerado que:

«As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, consistem, em suma, em saber se a sentença recorrida incorre em nulidade por omissão de pronúncia e enferma de erros de julgamento ao absolver dos pedidos de exclusão da proposta da Recorrida e de adjudicação à proposta da Recorrente.

Na sentença recorrida, com relevo para a decisão a proferir, foram considerados provados os seguintes factos:
«a) Em 24 de Setembro de 2021, foi publicitada, por aviso publicado em Diário da República, a abertura do concurso público lançado pelo Município de Faro para celebração de um contrato de empreitada de obras públicas, designado por “Instalação de sistemas de rega inteligentes em espaços verdes do Concelho de Faro” (cfr. fls. 141 e 142 do processo administrativo);
b) O programa do procedimento estabelecia, na Cláusula 6.ª, n.º 2, sobre os documentos que constituem a proposta, o seguinte:
«(…)
Cláusula 6 – Especificações relativas à proposta
(…)
2 - Documentos que a constituem:
2.1. – Nos termos do disposto no artigo 57.º do CCP, a proposta deve ser constituída pelos seguintes documentos, sob pena de exclusão, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 146.º do CCP:
(…)
d) Ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 1, documentos que, contenham os termos ou condições, relativos a aspetos da execução do contrato, não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, aos quais a entidade adjudicante, pretende que o concorrente se vincule, designadamente:
(…)
iii. Declaração dos fabricantes a atestar a capacidade do concorrente para comercializar os equipamentos;
(…)
v. Preferencialmente, a proposta deve vir acompanhada da ficha técnica para todos os equipamentos propostos, sendo obrigatória a indicação da marca e o modelo do equipamento.
(…)» (cf. fls. 122 do processo administrativo);
c) O programa do procedimento estabelecia, na cláusula 8.º, sobre o critério de adjudicação, o seguinte:
«(…)
Cláusula 8 – Critérios de adjudicação e desempate:
8.1 – A adjudicação será efetuada de acordo com o critério da proposta economicamente mais vantajosa, na modalidade monofator, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 74.º do CCP, sendo o preço o único aspeto da execução do contrato a celebrar, submetido à concorrência.
(…)» (cfr. fls. 120 do processo administrativo);
d) Apresentaram proposta no procedimento, entre outras, as seguintes concorrentes:
- F... IT, Lda., (actualmente denominada H..., Lda.), com o preço total proposto no valor de €111 883,91;
- T..., S.A., com o preço total proposto no valor de €110 664,00;
- M..., S.A., com o preço total proposto no valor de €113 794,83;
- C..., Lda. e P..., Lda., como membros de um agrupamento, com o preço total proposto no valor de €124 178,09;
(cfr. fls. 151 a 473 do processo administrativo);
e) Com a sua proposta, a T..., S.A. apresentou, entre outros, os seguintes documentos:
(i) Um documento intitulado “DECLARAÇÃO DE SUBEMPREITEIRO DESIGNADO”, datado de 8 de Outubro de 2021, com o seguinte teor:
«(…)

DECLARAÇÃO DE SUBEMPREITEIRO DESIGNADO
T..., S.A. matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Cascais com o numero único de matrícula e de pessoa coletiva n.º …, com sede Rua …, declara que caso lhe seja adjudicada a empreitada de “INSTALAÇÃO DE SISTEMAS DE REGA INTELIGENTES EM ESPAÇOS VERDES DO CONCELHO DE FARO”, empresa V..., S.A., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Faro com o número único de matrícula e de pessoa coletiva n.º …, com sede em …, será responsável pela execução, na qualidade de subempreiteiro designado, os trabalhos relativos a:
· Fornecimento de equipamentos de telegestão;
· Parametrização dos sistemas de telegestão.
(…)»
(cfr. fls. 458 do processo administrativo);
(ii) Um documento intitulado “DECLARAÇÃO DE SUBEMPREITEIRO DESIGNADO”, datado de 8 de Outubro de 2021, com o seguinte teor:
«(…)
DECLARAÇÃO DE SUBEMPREITEIRO DESIGNADO
V..., S.A., com sede em V… Faro, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Faro, com o número único de matrícula e de pessoa coletiva n.º …, com o capital social de € 250.000,00, declara para os devidos efeitos que, caso a empreitada de “Instalação de Sistemas de Rega Inteligentes em Espaços Verdes do Concelho de Faro”, seja adjudicada à sociedade T..., S.A., com sede Rua … Porto Salvo, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Cascais, com o numero único de matrícula e de pessoa coletiva …., com o capital social de € 90.000.000,00, titular do Alvará de Empreiteiro de Obras Públicas n.º 2195, será responsável pela execução, na qualidade de subempreiteiro designado, os trabalhos relativos a:
· Fornecimento de equipamentos de telegestão;
· Parametrização dos sistemas de telegestão.
(…)»
(cfr. fls. 457 do processo administrativo);
(iii) Um documento subscrito pelo gerente da P..., Unipessoal, Lda., com o seguinte teor:
«P..., unipessoal, Lda., com o NIF … e sede na Rua … em Carcavelos, pela presente declaração, e relativamente ao procedimento por Concurso Publico lançado pelo Município de Faro com a referência 2021/CCPE/OP/65 para Instalação de sistemas de rega inteligente em espaços verdes do Concelho de Faro, confirma que, a V..., S.A., com o número de pessoa coletiva …. e sede em … Faro, é uma entidade parceira da D..., na aquisição e implementação de equipamentos propostos e está autorizado a comercializar e a prestar serviços aos mesmos em Portugal”.
(cfr. documento n.º 4 junto com a petição inicial);
f) Em 17 de Novembro de 2021, foi elaborado pelo júri do procedimento o relatório preliminar, no qual propôs, entre o mais e no que ora interessa, a admissão das seguintes propostas, com a seguinte ordenação:
1.º) T..., S.A.;
2.º) F... IT, Lda.;
3.º) M..., S.A. e
4.º) C..., Lda. e P..., Lda.
(cfr. fls. 474 a 476 do processo administrativo);
g) Em 22 de Novembro de 2019, a F... IT, Lda., pronunciando-se em sede de audiência prévia, veio requerer a exclusão da proposta apresentada pela T..., S.A., invocando, entre o mais, o seguinte:
«(…)
Artigo 4º Em primeiro lugar, a declaração do fabricante (Declaração D..._ass.pdf) foi elaborada e assinada pela P.. Unipessoal Lda, com sede em Carcavelos, Portugal. Porém, os equipamentos “D...”, a que se refere a mesma, são fabricados pela A..., com sede em Lüdenscheid, na Alemanha, conforme informação de domínio público disponível na Web – consultar página web do fabricante A…: https://www.D....info/en/footer/imprint/. A mesma informação pode ser obtida com a digitalização do QR Code presente na respectiva ficha técnica submetida pelo concorrente (Ficha técnica DN-19-DIN-3U-passa cabos_ass.pdf).
i. Ora, a declaração do fabricante (Declaração D..._ass.pdf) não se mostra assinada pelo fabricante, conforme expressamente previsto no nº III da alínea d) do ponto nº2 da Cláusula 6ª do Programa do Procedimento, facto e circunstância que deteria ter determinado a exclusão da proposta apresentada, nos termos previstos na alínea l) do nº 2 do artigo 146º do CCP.
Artigo 5º Em segundo lugar, as declarações de fabricantes submetidas não atestam a capacidade do concorrente, T..., para comercializar os equipamentos em causa, conforme exigido no nº III da alínea d) do ponto nº2 da Cláusula 6ª do Programa do Procedimento. As declarações submetidas (Declaração Cisco_ass.pdf; Declaração D..._ass.pdf; Declaração Hidroconta_ass.pdf; Declaração Itelmatis_ass.pdf) atestam a capacidade da empresa VisualForma LDA de comercializar os equipamentos em Portugal.
Artigo 6º Verifica-se que a submissão da proposta não foi elaborada na modalidade de consórcio entre duas empresas. Não se compreende como as permissões de revenda detidas pela subcontratada transitam para a concorrente. Desta forma, a declaração apresentada pela concorrente atesta apenas a capacidade de outrem, que não a concorrente, para revender os equipamentos.
Artigo 7º Daqui decorre que não se cumpre o requisito que era inequivocamente solicitado no nº III da alínea d) do ponto nº2 da Cláusula 6ª do Programa do Procedimento onde se pede “Declaração dos fabricantes a atestar a capacidade do concorrente para comercializar os equipamentos”.
Artigo 8º Face ao exposto, resulta claro e evidente que a referida proposta viola o previsto no Caderno de Encargos, impondo-se a sua exclusão nos termos da alínea o) do nº 2 do artigo 146º e da alínea b) do nº 2 do artigo 70º, ambos do CCP.
(…)»
(cfr. fls. 477 e 478 do processo administrativo);
h) Em 29 de Novembro de 2021, foi elaborado o relatório final pelo júri do procedimento, no qual este deliberou manter o teor e as conclusões constantes do relatório preliminar e reiterar a ordenação de propostas constantes do mesmo, e designadamente a ordenação da proposta apresentada pela T..., S.A. em primeiro lugar (cfr. fls. 480 e 481 do processo administrativo);
i) Desse relatório final consta, entre o mais, o seguinte:
«(…)
Em sede de audiência prévia e dentro do prazo estabelecido para o efeito, veio o concorrente, F... IT, Lda., apresentar pronúncia em que solicita a exclusão do concorrente ordenado em 1º lugar T..., SA, alegando o exposto na sua análise, relativamente à qual o júri se pronuncia da seguinte forma:
(…)
2. Artigo 4. – a empresa autora da declaração é identificada como representante nacional do fabricante, conforme anexo 1 (Declaração relativa aos equipamentos: 3 X BASTIDORES D..., MURAL IP55 EXTERIOR + 3 X UPS D... ONLINE 1500VA/1350W);
3. Artigos 5, 6, 7 e 8 – ver declarações de subempreitada da T... e do subempreiteiro Visualforma;
(…)»
(cfr. fls. 480 e 481 do processo administrativo);
j) O relatório final integra, como anexo, um documento, que reproduz uma mensagem de correio electrónico (e-mail) datada de 29 de Novembro de 2021, enviada por S…(s….i@....com), na qualidade de account manager da A..., para J…, presidente do júri do procedimento, com o assunto «Portugal Distributors|A...», e o seguinte teor:
«(…)
Dear Jorge,
Thank you for your interest in D... form A....
As requested by you, kindly find the link to your sources as provided below.
https://de.A....shop/index.php?lang=1&cl=vendormatrix&country=Portugal
(…)»
(cfr. fls. 480 e 481 do processo administrativo);
k) Na página da internet referida na mensagem de correio electrónico que constitui o anexo do relatório final, a P...consta identificada como “electro wholesale” do equipamento da marca D..., pertencente à A...;
l) Em 10 de Dezembro de 2021, foi proferida decisão de adjudicação a favor da proposta apresentada pela T..., S.A. (cfr. fls. 673, 678, 679 e 701 do processo administrativo);
m) Em 13 de Dezembro de 2021, os concorrentes foram notificados desta decisão de adjudicação (cfr. fls. 672 do processo administrativo);
n) Em 20 de Dezembro de 2021, a autora apresentou impugnação administrativa, requerendo nela a anulação da decisão de adjudicação e a exclusão da proposta da T..., S.A. (cfr. fls. 664 a 668 do processo administrativo).
2.2. São estes, pois, os factos que, tendo sido articulados pelas partes ou deles sendo instrumentais ou complemento e concretização, têm interesse para a decisão a proferir e que se encontram, todos eles, provados pelos documentos juntos aos autos, tal como acima discriminados, cuja autoria, genuinidade e força probatória não foram postas em causa.
De resto, não foram alegados quaisquer outros factos que, podendo relevar ou interessar à fundamentação da decisão a proferir nestes autos, tenham sido considerados como não provados.».

E que: «


i) Da nulidade por omissão de pronúncia

Alega a Recorrente que na sentença recorrida nada consta sobre a peticionada nulidade do contrato com a T..., caso fosse declarada a anulação do acto de adjudicação, como foi, sendo que deveria o juiz a quo ter emitido pronúncia sobre esse pedido uma vez que, ao abrigo do disposto no nº 4 do artigo 283º do CCP, a nulidade do contrato pode não ser uma decorrência necessária da anulação da adjudicação.

A nulidade por omissão de pronúncia verifica-se quando o tribunal não se pronuncia, em absoluto, sobre questões - matérias respeitantes ao/s pedido/s, à/s causa/s de pedir e à/s excepção/ões invocadas - que devesse apreciar/conhecer, quer sejam de conhecimento oficioso quer sejam colocadas à apreciação/decisão do tribunal pelos sujeitos processuais, sem que a sua decisão se encontre prejudicada pela solução, eventualmente, dada a outras (cfr. alínea d) do nº 1 do artigo 615º e nº 2 do artigo 608º, do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA).

No caso em apreciação, a A./recorrente peticionou efectivamente, no ponto A), para além da anulação do acto de adjudicação, a declaração de nulidade do contrato com a T..., caso o mesmo já tenha sido celebrado.
Ora, da factualidade considerada provada, supra reproduzida, nada consta sobre a celebração do contrato que permita concluir que a mesma já tinha ocorrido na data em que foi proferida a sentença recorrida.
O mesmo é dizer que sem prova sobre a existência do referido contrato, não cumpre ao juiz a quo a pronunciar-se sobre a sua eventual nulidade se e quando vier a ser celebrado.
Acresce que a Recorrente não impugnou a decisão da matéria de facto recorrida nem sequer veio dizer em sede de recurso que sabe ou tomou conhecimento que tal contrato foi efectivamente celebrado e, muito menos, juntar o correspondente documento comprovativo.
Assim, inexistindo a referida questão, inexiste o dever do juiz a quo a pronunciar-se sobre a mesma, pelo que não se verifica a invocada nulidade da sentença.

ii) Dos erros de julgamento

Alega a Recorrente que o tribunal recorrido deveria ter julgado procedentes os pedidos de condenação do Recorrido (B) a excluir a proposta da Recorrida, e (C) a adjudicar a sua proposta, por a Recorrida não ter apresentado um documento exigido no programa do procedimento com a cominação, na sua falta, de exclusão da proposta, e por ilegalidade do suprimento dado estar em causa a preterição de uma formalidade essencial.
Da fundamentação de direito extrai-se, a propósito, o seguinte:
«Invoca a autora, para fundamentar a invalidade da decisão de adjudicação, que a proposta apresentada pela T..., S.A. devia ter sido excluída, por não integrar um dos documentos exigidos pelo programa do procedimento, e concretamente pela sua cláusula 6.ª, na subalínea iii) da alínea d) do n.º 2.1: isto é, a «declaração dos fabricantes a atestar a capacidade do concorrente para comercializar os equipamentos».
Vejamos, pois.
3.2. O artigo 146.º, n.º 2 do CCP (conjugado com o seu artigo 148.º, n.ºs 1 e 4), na alínea d), determina a exclusão das propostas que não sejam constituídas por todos os documentos exigidos nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 57.º.
O artigo 57.º prescreve, por sua vez, na alínea c) do n.º 1, que a proposta é constituída pelos documentos exigidos pelo programa do procedimento ou convite que contenham os termos ou condições relativos a aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, aos quais a entidade adjudicante pretende que o concorrente se vincule.
E neste caso em concreto, o programa do concurso, em conformidade com o disposto no artigo 132.º, n.º 1, alínea h), do CCP, indicava, na cláusula 6.ª, e especificamente na subalínea iii) da alínea d) do n.º 2.1., como um destes documentos - cuja apresentação era exigida aos concorrentes, sob pena de exclusão da proposta -, a «declaração dos fabricantes a atestar a capacidade do concorrente para comercializar os equipamentos».
3.3. Ora, como resulta da matéria apurada, a T..., S.A. apresentou, com a sua proposta, em relação ao equipamento da marca D... com o qual se dispôs a executar o contrato (3 bastidores e 3 UPS), uma declaração emitida pela P..., Unipessoal, Lda., mediante a qual esta sociedade “[confirmou] que a V..., S.A. (…) é uma entidade parceira da D..., na aquisição e implementação de equipamentos propostos e está autorizado a comercializar e a prestar serviços aos mesmos em Portugal» [cfr. alínea e), subalínea iii), dos factos provados].
Do teor ou conteúdo deste documento resulta, pois, como se interpreta da letra do mesmo, e pese embora a imprecisão dos termos utilizados, que a declarante (a P..., Unipessoal, Lda.) “atesta” (ou pretende atestar), através dessa declaração, a “capacidade” da V..., S.A. (que não da concorrente) para “comercializar os equipamentos” da marca D..., confirmando que a mesma (enquanto “parceira da D...”) está “autorizada” a tal comercialização.
E a V..., S.A. é, como se constata pelos documentos que constituem a proposta em causa, uma subcontratada (“subempreiteira”) designada pela concorrente, “responsável pela execução (…) dos trabalhos” relativos ao fornecimento de equipamentos de telegestão e à parametrização dos sistemas de telegestão, tal como expressamente resulta das declarações - uma de designação, emitida pela concorrente, e outra de aceitação, emitida pela própria “subempreiteira” - apresentadas com a proposta da T..., S.A. [cfr. alínea e), subalíneas i) e ii) dos factos provados].
Pelo que, analisando e conjugando os documentos apresentados com a proposta em causa, pode considerar-se que a declaração emitida pela P..., Unipessoal, Lda. - caso esta entidade fosse o «fabricante» ou um seu representanteseria apta ou idónea a «atestar a capacidade do concorrente para comercializar os equipamentos», ainda que não directamente, mas indirectamente, ou seja, através de uma terceira entidade, a dita “subempreiteira” designada pela concorrente (a subcontratar), a qual, aliás, confirmou já o compromisso assumido, declarando expressamente que será responsável pelo fornecimento de equipamentos de telegestão (entre os quais, como se presume, se encontrarão os da marca D... com os quais a T..., S.A. de dispôs a executar o contrato).
Ora, nada impedia a concorrente de se socorrer (ou “aproveitar”) da “capacidade” desta terceira entidade para comercializar os equipamentos em causa, desde que esta se viesse a comprometer, como já se comprometeu, a fornecer-lhe os mesmos, em caso de adjudicação do contrato.
E nada obstava, pois, a que a declaração exigida pela alínea iii) da alínea d) do n.º 2.1. da cláusula 6.ª do programa do concurso atestasse a capacidade do concorrente para comercializar tais equipamentos, não directamente, mas através desta terceira entidade que com ela se comprometeu a (sub)contratar o fornecimento dos mesmos.
3.4. Acontece, porém, que a declaração ora em apreço foi emitida, não pelo fabricante dos equipamentos em causa, mas pela P..., Unipessoal, Lda., em seu próprio nome, sociedade que, como alega a autora e reconhece a contrainteressada adjudicatária, será uma “vendedora grossista” dos mesmos, com “ligação comercial” ao fabricante (no caso, a A..., detentora da marca D...).
E de modo algum resulta do documento em causa - ou de qualquer outro que integre a proposta da adjudicatária – a qualidade em que a P..., Unipessoal, Lda. emitiu a dita declaração.
Como dele igualmente não resulta a natureza da relação jurídica entre a declarante e o fabricante de que emergirá o poder (de representação ou outro) de “atestar” a capacidade – no caso, da “subempreiteira” - de comercializar os equipamentos em causa.
Pelo que, cabia ao júri do procedimento, confrontado com a declaração apresentada – não emitida pelo fabricante – convidar a concorrente a regularizar a sua proposta, pedindo-lhe para proceder ao suprimento desta irregularidade, que é meramente formal e não essencial, ao abrigo do artigo 72.º, n.º 3, do CCP: e concretamente, para completar o documento em causa, por modo a fazer dele constar a qualidade em que a P..., Unipessoal, Lda. emitiu a declaração, e comprovar (documentalmente) a relação jurídica existente entre esta e o fabricante.
Regularização esta que, a ser promovida, seria insusceptível de afectar a concorrência, a transparência ou a igualdade de tratamento, mantendo intocável a características substanciais da proposta, e designadamente os seus atributos, termos e condições (cfr. artigo 72.º, n.º 3, do CCP).
E regularização esta sem a qual, de resto, a proposta não poderia deixar de ser excluída, uma vez que a declaração em causa, efectivamente, não foi emitida pelo fabricante dos equipamentos em causa, como exigido pelo programa do concurso, mas por uma terceira entidade, sem indicação ou prova alguma da titularidade de poderes (representativos ou outros) concedidos pelo fabricante que lhe permitiriam «atestar» a necessária capacidade de comercialização dos mesmos.
(…)
Podia sim, e aliás, devia ter pedido à concorrente que procedesse ao suprimento da irregularidade detectada, nos termos previstos no artigo 72.º do CCP.
(…)
Caberá, sim, ao júri do procedimento, retomando o procedimento pré-contratual em apreço e na reinstrução do mesmo, solicitar à concorrente que proceda ao suprimento da dita irregularidade e, depois então, analisar a proposta apresentada, para efeitos de admissão, em função da regularização que venha, ou não, a ser efectuada pela mesma.
E como tal, apesar de não poder manter-se na ordem jurídica a decisão de adjudicação, não pode ainda assim proceder o demais peticionado, e nomeadamente, a condenação do município demandado a excluir a proposta da T..., S.A. ou a tomar a decisão de adjudicação a favor da proposta da autora.» [sublinhados meus].

E o assim bem decidido é para manter e ratificar até porque a argumentação expendida em recurso, reiterando e desenvolvendo o alegado na petição inicial, em nada abala o decidido.
Com efeito, não se verifica a falta de apresentação de um documento exigido nas peças do procedimento em referência nos autos, determinante da exclusão da proposta da Recorrida, mas a apresentação por esta de uma declaração para os efeitos exigidos naquelas, de cujo teor não resulta a qualidade em que a declarante a emitiu nem a natureza da relação jurídica entre esta e o fabricante de que emergirá o poder (de representação ou outro) para, no caso, a subempreiteira comercializar os equipamentos em causa.
A saber, trata-se de uma irregularidade formal do conteúdo desse documento, apresentado com a proposta, uma inobservância de uma formalidade não essencial, e, por isso, suprível, mediante convite do júri do concurso dirigido à Recorrida para que aclare ou esclareça o respectivo teor, nos termos indicados. O que, a ocorrer, manterá inalteradas as características substanciais da sua proposta, mormente os atributos, termos e condições, ou seja, não afectará a concorrência, a transparência ou a igualdade de tratamento, tal como se exige no nº 3 do artigo 72º do CCP.
No mesmo sentido já se pronunciou o STA, designadamente, no acórdão de 27.1.2021, no proc. nº 0172/21.0BEBRG, in www.dgsi.pt. E o Tribunal de Contas, no acórdão de 2.11.2020, proc. 402/2020, indicado nas contra-alegações e que aqui reitero.
Pelo que bem andou o tribunal recorrido, na sequência da anulação do acto de adjudicação, em absolver o Recorrido e as CI dos pedidos de [imediata] exclusão da proposta da Recorrida e de adjudicação à proposta da Recorrente.
Assim, não se verificando manifestamente os fundamentos alegados, o recurso não pode proceder.».

Decisão do relator que é para manter nos exactos termos da fundamentação expendida que aqui reiteramos.

Por tudo quanto vem exposto acordam em sessão os juízes do Tribunal Central Administrativo Sul em indeferir a reclamação para a conferência, confirmando a decisão sumária do relator [que negou provimento ao recurso e, consequentemente, manteve a decisão recorrida na ordem jurídica].

Custas pela Recorrente.

Registe e Notifique.

Lisboa, 9 de Agosto de 2022.


(Lina Costa – relatora)

(Maria Cardoso)

(Ana Cristina Lameira)