Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:155/17.5 BCLSB
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:12/06/2017
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:TRIBUNAL ARBITRAL DO DESPORTO
CUSTAS
PROPORCIONALIDADE
Sumário:I – Os princípios desportivos de lealdade, probidade, verdade e retidão em tudo o que diga respeito às relações de natureza desportiva, económica ou social, não têm a ver com a ofensa à honra e ao bom nome dos agentes desportivos.

II - O artigo 2º, nºs 1 e 4 da Portaria nº 301/2015 e a 1ª linha da tabela do seu Anexo I violam, no caso presente, os princípios constitucionais da proporcionalidade e do acesso à justiça
Votação:COM UM VOTO DE VENCIDO
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

LUIS ……………………, com domicilio no Estádio ……………., Porto, apresentou “ação arbitral em via de recurso” (na linguagem da lei), em sede de “arbitragem necessária”, para o Tribunal Arbitral do Desporto (1)

contra o ato administrativo (artigo 148º do CPA) proferido pela Secção Profissional do Conselho de Disciplina da FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL,

que lhe impôs a sanção disciplinar de multa no montante de € 2.678, 00, por alegadamente ter praticado os ilícitos disciplinares previstos e punidos pelo artigo 141.º ex vi artigos 168.º, n.º 1, 41.º, n.º 1 e 39.º, n.º 1, do RDLPFP e artigos 19.º, n.º 1, RDLPFP e 51.º do RCLPFP, através de decisão do Conselho de Disciplina da Demandada, datado de 09 de maio de 2017.

Por decisão arbitral colegial de 14 de agosto do corrente ano de 2017, adotada com um voto de vencido pelo árbitro indicado pelo aqui recorrente, o colégio arbitral do TAD veio a prolatar a decisão colegial ora recorrida, julgando improcedente o cit. “recurso” (legalmente forçado ou “necessário”) interposto pelo autor-impugnante, mantendo a decisão administrativa.

*

Inconformado com tal decisão, o AUTOR-IMPUGNANTE-RECORRENTE interpôs o presente recurso jurisdicional previsto no artigo 8º da Lei relativa ao TAD (Lei nº 74/2013), formulando na sua alegação as seguintes longas conclusões:

« Texto no original»

*

A RECORRIDA contra-alegou, concluindo do seguinte modo:

« Texto no original»

*

O magistrado do M.P. junto deste tribunal foi notificado para se pronunciar em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens referidos no n.º 2 do artigo 9.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, como previsto no nº 1 do art. 146º.

Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.

*

DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO:

Os recursos, sendo dirigidos contra a decisão do tribunal recorrido e respetivos fundamentos, têm o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso (cfr. artigos 144º/2 e 146/4 do CPTA, 5º, 608º/2, 635º/4/5, e 639º do CPC/2013, “ex vi” artigos 1º e 140º do CPTA), alegação que apenas pode incidir sobre as questões de facto e ou de direito que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas. Sem prejuízo das especificidades do contencioso administrativo (cf. J. C. VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa – Lições, 15ª ed., pp. 411 ss; artigos 73º/4, 141º/2/3, 143º e 146º/1/3 do CPTA).

Por outro lado, nos termos do artigo 149.º do CPTA, o tribunal “ad quem”, em sede de recurso de apelação, não se limita a cassar a decisão judicial recorrida, porquanto, ainda que a revogue ou a anule (isto no sentido amplo utilizado no CPC), deve decidir o objeto da causa apresentada ao tribunal “a quo”, conhecendo de facto e de direito, desde que se mostrem reunidos nos autos os pressupostos e condições legalmente exigidos.

As questões a resolver neste recurso - contra a decisão recorrida - estão identificadas no ponto II.2, onde as apreciaremos.

*

II - FUNDAMENTAÇÃO

II.1 - FACTOS PROVADOS segundo o colégio arbitral recorrido

1) Realizou-se no dia 29 de outubro de 2016, o jogo oficialmente identificado pelo n.º 10909, entre a …………………, SAD e a Futebol ………………… - Futebol SAD.

2) O Demandante, na qualidade de Diretor-Geral da Futebol ………….. - Futebol SAD, esteve presente no mencionado jogo.

3) No final do mencionado jogo, o Demandante foi sancionado com ordem de expulsão pelo árbitro João ………….., por "após o término do jogo, de dedo em riste e ainda no relvado disse, de forma exaltada e repetida: "isto foi uma vergonha, vocês deviam ter vergonha"."

4) Esta factualidade ficou descrita no relatório do jogo.

5) No dia 1 de novembro de 2016, o Demandante concedeu uma entrevista ao Jornal de Notícias, intitulada "É hora de dizer chega! São penaltis a mais."

6) Da notícia concedida, pode retirar-se que o Demandante proferiu as seguintes declarações:

"São penaltis a mais para uma equipa só. Parece que os árbitros, quando vão apitar os nossos jogos, já estão condicionados a não marcar penaltis a nosso favor ... não estamos a ser tratados como deve ser e é hora de dizer chega!... A maior parte dos árbitros são inexperientes. Eles têm de perceber que marcar penaltis a favor do F………… não os diminui. Não têm medo de os assinalar. Se são penaltis e são claros, têm de os marcar. Ou só têm dúvidas quando apitam o F. …………..? Essa é a minha dúvida, que espero ver esclarecida sem demorar muito tempo ... O árbitro esteve comigo no balneário e podia ter tido pelo menos o cuidado, até na presença do delegado, de me dizer que fui expulso. Provavelmente, quis que eu conhecesse a expulsão pela comunicação Social. Não sei se quis demonstrar a sua força, mas não refletiu que nos prejudicou e muito."

7) No dia 02 de novembro de 2016, o Conselho de Disciplina da Demandada, Secção Profissional, divulgou as deliberações adaptadas nesse mesmo dia, na qual se incluía a deliberação que aplicou a sanção prevista no artigo 140º, n.º 1 do RDLPFP ao Demandante, deliberação que foi adotada em processo sumário com base no Relatório de Jogo.

8) O Demandante agiu de forma livre, consciente e voluntária, sabendo que, ao conceder a entrevista e proferir as expressões que proferiu, estava a violar os deveres regulamentares que sobre si impendem.

9) Na época desportiva em causa, o Demandante foi já condenado por outras infrações.

*

II.2 - APRECIAÇÃO DO RECURSO

Tendo presentes as alegações, cumpre-nos apreciar o seguinte contra a decisão arbitral recorrida:

- Erro de julgamento de direito quanto a ter ficado demonstrado o elemento subjetivo do ilícito disciplinar; a prova produzida no TAD é fundamento, no mínimo, para criar dúvida razoável no TAD;

- Erro de julgamento de direito quanto à aplicação dos artigos 141º, 39º e 41º do RD/LPFP vigente em 2016/2017, pois que uma entrevista ao JN não se pode considerar “funções de representação no âmbito das competições desportivas”, pelo que o recorrente não pode ter violado a suspensão preventiva automática decorrente da sua expulsão do jogo; além disso, tal tese viola o artigo 37º/1 da CRP e o princípio constitucional da segurança jurídica; por outro lado, o referido na entrevista não violou os deveres de urbanidade e correção para com os árbitros de futebol profissional, sendo meras opiniões sob um critério objetivo;

- Erro de direito na fixação das custas processuais, uma vez que os artigos 76º/1/2/3 e 77º/4 da Lei do TAD violam o princípio constitucional da proporcionalidade, o da tutela jurisdicional efetiva e o da igualdade, já que permitem que, no caso concreto, as custas sejam o dobro do valor da pena de multa impugnada.

*

Passemos, assim, à análise do mérito do recurso.

1 – Do erro de julgamento de direito quanto a ter ficado demonstrado o elemento subjetivo do ilícito disciplinar

1.1.

Entende o recorrente que elidiu a presunção “iuris tantum” prevista no artigo 13º/e) do RD/LPFP. Ou seja, que não se provou que o recorrente sabia, antes de dar a cit. entrevista, que fora expulso do jogo e, logo, que estava suspenso preventivamente.

Vejamos.

De acordo com o artigo 8º da Lei do TAD:

1 - As decisões dos colégios arbitrais são passíveis de recurso para o Tribunal Central Administrativo, salvo se as partes acordarem recorrer para a câmara de recurso, renunciando expressamente ao recurso da decisão que vier a ser proferida.

2 - Ao recurso para o Tribunal Central Administrativo mencionado no número anterior é aplicável o disposto no Código de Processo nos Tribunais Administrativos quanto aos processos urgentes, tendo o mesmo efeito meramente devolutivo e devendo ser decidido no prazo de 45 dias.

3 - No caso de arbitragem voluntária, a submissão do litígio ao TAD implica a renúncia aos recursos referidos nos números anteriores.

4 - Fica salvaguardada, em todos os casos, a possibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional e de impugnação da decisão com os fundamentos e nos termos previstos na LAV.

5 - São competentes para conhecer do recurso e impugnação referidos nos n.os 1 e 4 o Tribunal Central Administrativo Sul, no tocante a decisões proferidas no exercício da jurisdição arbitral necessária, ou o Tribunal da Relação do lugar do domicílio da pessoa contra quem se pretende fazer valer a sentença, no tocante a decisões proferidas no exercício da jurisdição arbitral voluntária, previstas nesta lei.

6 - A impugnação da decisão arbitral por força de qualquer dos meios previstos nos n.os 1 e 4 não afeta os efeitos desportivos determinados por tal decisão e executados pelos órgãos competentes das federações desportivas, ligas profissionais e quaisquer outras entidades desportivas.

7 - A decisão da câmara de recurso referida no n.º 1 é suscetível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em contradição, quanto à mesma questão fundamental de direito, no domínio da mesma legislação ou regulamentação, com acórdão proferido por Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.

8 - Ao recurso previsto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o respetivo prazo a partir da notificação da decisão arbitral e devendo o mesmo ser acompanhado de cópia do processo arbitral.

E dispõe o artigo 43º.

1 - Pode ser produzida perante o TAD qualquer prova admitida em direito, sendo da responsabilidade das partes a respetiva produção ou apresentação, incluindo a prova testemunhal e pericial.

2 - Os articulados devem ser acompanhados de todos os documentos probatórios dos factos alegados e bem assim da indicação dos restantes meios de prova que as partes se proponham produzir.

3 - As testemunhas são apresentadas em julgamento pelas partes, podendo, no entanto, o colégio arbitral determinar a sua inquirição em data e local diferentes.

4 - Mediante requerimento devidamente fundamentado de qualquer das partes, pode o colégio arbitral fixar um prazo até cinco dias, para que as partes completem a indicação dos seus meios de prova.

5 - O colégio arbitral pode, por sua iniciativa ou a requerimento de uma ou de ambas as partes:

a) Recolher o depoimento pessoal das partes;

b) Ouvir terceiros;

c) Promover a entrega de documentos em poder das partes ou de terceiros;

d) Proceder a exames ou verificações diretas.

6 - O colégio arbitral procede à instrução no mais curto prazo possível, podendo recusar diligências que as partes lhe requeiram se entender não serem relevantes para a decisão ou serem manifestamente dilatórias.

7 - Quando solicitado por qualquer das partes, pode o colégio arbitral disponibilizar uma lista de peritos, constituída por pessoas de reconhecida idoneidade e mérito nas matérias da sua competência, sendo a respetiva designação e remuneração da exclusiva responsabilidade da parte interessada.

1.2.

As normas de disciplina e punição aplicadas pela FPF ao ora recorrente (Processo Disciplinar nº 17-16/17) e pelo colégio arbitral do TAD foram as seguintes:

(infração 1) - o artigo 141º do RD/LPFP vigente na época 2016/2017: Os demais atos praticados pelos dirigentes que, embora não previstos na presente secção, integrem violação de disposições regulamentares são punidos com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 3 UC e o máximo de 25 UC”;

ex vi artigo 168º/1: “Os delegados dos clubes, os treinadores e os auxiliares técnicos que pratiquem as infrações previstas nos artigos 128.º a 141.º são punidos com as respetivas sanções neles previstas”,

por referência ao artigo 41º/1: As pessoas referidas nos artigos 39.º e 40.º consideram-se automaticamente suspensas preventivamente, até decisão final da Secção Disciplinar, em consequência de ordem de expulsão ou em resultado de factos ocorridos antes, durante ou depois do jogo e que determinem o árbitro a mencioná-los como expulsos no respetivo boletim, desde que seja dado conhecimento ao delegado ao jogo ou a quem desempenhar essas funções”,

conjugado com o artigo 39º/1 do cit. RD/LPFP: “A sanção de suspensão aplicada a dirigentes e delegados dos clubes cumpre-se, salvo o disposto no n.º 1 do artigo 41.º, a partir da data em que a decisão que a aplicar se torne executória e inabilita-os, durante o período da sua execução, para o exercício, em especial, das funções de representação no âmbito das competições desportivas e das relações oficiais com a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Federação Portuguesa de Futebol”,

(infração 2) - o mesmo artigo 141º (“Os demais atos praticados pelos dirigentes que, embora não previstos na presente secção, integrem violação de disposições regulamentares são punidos com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 3 UC e o máximo de 25 UC“)

ex vi artigo 19º/1 do cit. RD/LPFP: “As pessoas e entidades sujeitas à observância das normas previstas neste Regulamento devem manter conduta conforme aos princípios desportivos de lealdade, probidade, verdade e retidão em tudo o que diga respeito às relações de natureza desportiva, económica ou social”,

- por factos de 29-10-2016 e de 01-11-2016.

Portanto, os dois factos considerados ilícitos pelo CD e pelo TAD foram os seguintes:

1º - o ora recorrente deu a citada entrevista ao JN, violando a suspensão preventiva automática;

2º - o ora recorrente, nessa entrevista, falou sobre os árbitros e a arbitragem de futebol de um modo não urbano e incorreto.

1.3.

Tratemos da 1ª questão referente à 1ª infração disciplinar: violação (intencional) da suspensão preventiva automática prevista na conjugação dos cits. artigos 41º/1 e 39º/1, ao dar a citada entrevista no dia 01-11-2016, após o jogo e a expulsão de 29-10-2016.

A tal questão referem-se, em conjunto, os cits. factos provados sob os nºs 5 a 8.

Invoca o recorrente que a prova produzida no TAD seria fundamento, no mínimo, para criar dúvida razoável no TAD quanto a o recorrente saber que fora expulso do jogo (e que, assim, estaria automaticamente suspenso preventivamente para efeitos de exercício, em especial, das funções de representação no âmbito das competições desportivas), dado que saber da sua expulsão é pressuposto subjetivo de base para a existência objetiva e subjetiva das infrações disciplinares por que foi condenado.

Releva aqui o artigo 13º/f) do RD/LPFP:

- O procedimento disciplinar regulado no presente Regulamento obedece aos seguintes princípios fundamentais: (…) presunção de veracidade dos factos constantes das declarações e relatórios da equipa de arbitragem e do delegado da Liga, e por eles percecionados no exercício das suas funções, enquanto a veracidade do seu conteúdo não for fundadamente posta em causa”.

Isto significa que o referido pela equipa de arbitragem (seja no relatório, seja noutras declarações) é (meio de) prova legal ou tarifada, ou seja, não é apreciado livremente pelo CD, nem pelo TAD; é considerado facto verdadeiro até que o órgão de disciplina ou o TAD concluam diferentemente, perante prova do contrário; é a chamada “prova plena”, como referido nos artigos 350º/2 e 347º do CC.

Ora, da prova testemunhal e dos documentos não resulta o contrário do referido pelo árbitro no seu relatório e depois deste.

Em tais meios de prova constatamos meras dúvidas e vacuidades quanto à factualidade inerente ao conhecimento e dolo referidos na matéria de facto. Demasiado pouco para considerar que foi feita prova do contrário do referido pelo árbitro e traduzido nos cits. factos 5 a 8.

Aliás, na própria entrevista é o próprio arguido a exprimir que sabe da sua expulsão, pelo menos nesse momento da entrevista. Que é o relevante.

Portanto, ficou demonstrado que o ora recorrente sabia, aquando da entrevista (aqui o facto central), que estava suspenso preventivamente.

Concluímos, assim, que não houve erro de julgamento dos factos, aqui de um facto psíquico.

2 – Do erro de julgamento de direito quanto à aplicação dos cits. artigos 19º/1, 39º/1, 41º/1, 141º e 168º/1 do RD/LPFP vigente em 2016/2017

2.1.

Aqui chegados, ultrapassada a questão fáctica e probatória, temos de enfrentar a 2ª questão fundamental: saber se o recorrente, estando suspenso preventivamente (o que sabia), podia ou não podia dar a entrevista, a qual, como é natural e óbvio, teve que ver com o cit. jogo de futebol e a sua expulsão.

Para o recorrente e ante o RD de 2016/2017, uma entrevista ao JN não se pode considerar como “representação no âmbito das competições desportivas e das relações oficiais com a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Federação Portuguesa de Futebol” (cf. os artigos 39º/1 e 41º/1 do RD/LPFP), pelo que o recorrente não poderia ter violado a suspensão preventiva automática decorrente da sua expulsão do jogo; além disso, tal tese violaria o artigo 37º/1 da CRP e o princípio constitucional da segurança jurídica.

Parece-nos que aqui o recorrente tem razão, desde logo quanto ao RD.

Os enunciados normativos em questão apontam no sentido de “exercício de funções”, o que, à partida (artigo 9º do CC), aponta para condutas institucionais. O visado fica impedido de agir institucional e exteriormente como “agente desportivo” no âmbito das competições desportivas.

Conceder a entrevista ao JN não foi, portanto, um agir institucional e exterior como “agente desportivo” no âmbito das competições desportivas, à luz do RD de 2016/2017.

Portanto, o simples facto de conceder a entrevista não constituiu uma infração disciplinar por violação da suspensão preventiva automática como delineada no cit. RD.

Nesta parte, concluímos, pois, que a decisão do CD é anulável, por vício de violação de lei, e que a decisão arbitral ora recorrida é, por isso, ilegal ou incorreta.

2.2.

A 3ª questão. Por outro lado, o recorrente considera que o referido na entrevista não violou os deveres de urbanidade e correção para com os árbitros de futebol profissional, sendo meras opiniões sob um critério objetivo. Ou seja, que não violou o cit. artigo 19º/1, que prevê que os agentes desportivos, como o ora recorrente, devem manter conduta conforme aos princípios desportivos de lealdade, probidade, verdade e retidão em tudo o que diga respeito às relações de natureza desportiva, económica ou social.

O recorrente, como agente desportivo entrevistado, disse:

- os árbitros estão condicionados a não marcar penaltis a nosso favor;

- se são penaltis e são claros, têm de os marcar. Ou só têm dúvidas quando apitam o F. C. Porto? Essa é a minha dúvida, que espero ver esclarecida sem demorar muito tempo.

Ora, é claro que estas afirmações e perguntas retóricas são desleais, não probas, incorretas e pouco urbanas quanto aos árbitros de futebol. Com elas, o recorrente, de modo óbvio, põe em causa a retidão, a imparcialidade e a lealdade desportiva dos árbitros. O que não pode fazer enquanto for agente desportivo.

E tal conclusão não contende com o direito previsto no artigo 37º/1 da CRP (Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio).

É que tal direito fundamental não é, obviamente, absoluto e admite compressões “in concreto” desde que justificadas, à semelhança, aliás, do que ocorre com inúmeras outras atividades há décadas, como por exemplo a de magistrado.

Esta ligeira afetação do direito previsto no artigo 37º/1 da CRP justifica-se aqui, porque o futebol profissional é um setor dado a muito ruído social, a condutas violentas ou impensadas e até muito perigosas; é um setor da vida económica e social muito importante, em que a estabilidade, a urbanidade, a confiança e a lealdade são verdadeiramente essenciais. E esta essencialidade é o que justifica o cit. artigo 19º/1 do RD/LPFP (aliás, aprovado pelos membros da LPFP).

Por outro lado, “ad latere”, sempre devemos lembrar que não há opiniões objetivas, ao contrário do que refere o recorrente e do que deu a entender o árbitro por si indicado para o colégio arbitral do TAD. Há opiniões e há afirmações, e estas afirmações do aqui recorrente violaram o artigo 19º/1 do RD.

Não se trata, enfim, de pôr em crise a honra e o bom nome dos árbitros. Trata-se, sim, de manter ou não manter uma conduta conforme aos princípios de lealdade, probidade, verdade e retidão, ou urbanidade e correção, em tudo o que diga respeito às relações de natureza desportiva, económica ou social; princípios que os próprios membros da LPFP consideraram ser de impor aos agentes desportivos.

Portanto, nesta questão o recorrente não tem razão; as decisões do CD e do TAD são válidas.

Quer isto dizer que a entidade demandada deverá retirar as devidas ilações do acima referido e abaixo decidido, conforme o artigo 173º/1/2 do CPTA.

3 – Do erro de direito na fixação das custas processuais, uma vez que os artigos 76º/1/2/3 e 77º/4 da Lei do TAD violariam o princípio constitucional da proporcionalidade, o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva e o princípio constitucional da igualdade

O TAD fixou um valor global de custas processuais de 5104 euros. O processo no TAD tinha o valor processual de 2678 euros.

Portanto, no caso concreto, as custas processuais no TAD (e não neste tribunal superior…; cf. o RCP) são quase o dobro do valor da causa arbitral (numa arbitragem imposta às partes). É este o problema concreto levantado pelo recorrente.

Dispõe o artigo 76º da Lei do TAD que:

1 - As custas do processo arbitral compreendem a taxa de arbitragem e os encargos do processo arbitral.

2 - A taxa de arbitragem corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor da causa, por portaria dos membros do Governo responsáveis pela área da justiça e do desporto.

3 - São encargos do processo arbitral todas as despesas resultantes da condução do mesmo, designadamente os honorários dos árbitros e as despesas incorridas com a produção da prova, bem como as demais despesas ordenadas pelos árbitros.

E o artigo 77º que:

1 - O valor da causa é determinado nos termos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

2 - A taxa de arbitragem é reduzida a 95 % do seu valor quando a parte entregue todas as peças processuais através dos meios eletrónicos disponíveis.

3 - A taxa de arbitragem é integralmente suportada pelas partes e por cada um dos contrainteressados, devendo ser paga por transferência bancária para a conta bancária do TAD, juntamente com a apresentação do requerimento inicial, da contestação e com a pronúncia dos contrainteressados.

4 - A fixação do montante das custas finais do processo arbitral e a eventual repartição pelas partes é efetuada na decisão arbitral que vier a ser proferida pelo TAD.

5 - A conta final é enviada às partes após a notificação da decisão, devendo cada uma, quando for o caso, proceder ao pagamento das quantias que acrescem à taxa previamente paga, no prazo no prazo de 10 dias a contar da respetiva notificação.

6 - As custas de parte são pagas diretamente pela parte vencida à parte vencedora.

Por sua vez, a Portaria nº 301/2015, que fixou a taxa de arbitragem e os encargos do processo no âmbito da arbitragem necessária, bem como as taxas relativas a atos avulsos, nos termos da Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro, alterada pela Lei n.º 33/2014, de 16 de junho (portaria não referida pelo recorrente), dispõe o seguinte:

Artigo 2.º Taxa de arbitragem no âmbito da arbitragem necessária

1 - A taxa de arbitragem necessária corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada pelo presidente do Tribunal Arbitral do Desporto em função do valor da causa, nos termos do anexo I à presente portaria que dela faz parte integrante.

2 - Compete ao tribunal arbitral definir o valor da causa, nos termos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

3 - Se a arbitragem terminar antes da sentença final, o Presidente do Tribunal Arbitral do Desporto pode reduzir a taxa de arbitragem tomando em consideração a fase em que o processo arbitral foi encerrado ou qualquer outra circunstância que considere relevante, nos termos correspondentes da redução dos honorários dos árbitros.

4 - São encargos do processo arbitral todas as despesas resultantes da condução do mesmo, designadamente os honorários dos árbitros e as despesas incorridas com a produção da prova, bem como as demais despesas ordenadas pelos árbitros.

5 - A fixação do montante das custas finais do processo arbitral e a eventual repartição pelas partes é efetuada na decisão arbitral que vier a ser proferida pelo tribunal arbitral, em função do valor da causa, nos termos do anexo I.

E o Anexo I da Portaria prevê, i.a., o seguinte:

« Texto no original»

Como se vê, no presente caso, a taxa de arbitragem (?), arbitragem, aliás, forçada, é de 750 euros, os encargos administrativos são de 75 euros e, mais importante, os honorários do colégio arbitral são de 2500 euros.

Por exemplo, se este mesmo processo corresse nesta Jurisdição, o autor eventualmente perdedor pagaria um total de 408 euros de euros no TAC de taxa de justiça, ou seja, cerca de 9 vezes menos do que no TAD, e de 204 euros de custas neste tribunal superior, mais alguns custos ou encargos administrativos (fotocópias, etc.) – cf. RCP.

Reconhece-se, porém, que tais custos – segundo o RCP - seriam os mesmos caso o valor da pena (o valor processual) fosse de apenas 100 ou 50 euros. Mas a dimensão do problema, a dimensão dos valores e as diferenças de valores são bem diferentes, quando comparando com o caso em apreço.

O cerne do problema está, obviamente, (i) nos honorários e (ii) na “taxa de arbitragem (forçada)”, mesmo podendo ou não ser casuisticamente reduzida. Assim,, temos, por um lado, os honorários numa arbitragem forçada, que não existem nos TACs, e, por outro lado, temos a taxa de arbitragem (forçada), equivalente à taxa de justiça pelo impulso processual no RCP, cujo valor no RCP seria aqui de 2 UCs, 204 euros, muito inferior à do TAD. Dois aspetos distintos e relevantes para a questão em apreço.

Assim, aqui, para o TAD arbitrar um litígio no valor de cerca de 3000 euros ou de 100 euros, as custas, onde se incluem nesta sede os honorários dos árbitros, serão sempre superiores a 3000 euros.

E é este o problema concreto que o recorrente levanta no presente recurso.

Ora, esta situação paratributária não faz sentido, ou melhor, não tem lógica de justiça, nem de proporcionalidade (2), justiça e proporcionalidade exigidas pelos artigos 2º e 18º/2 da CRP também quanto ao acesso à justiça e à tutela jurisdicional efetiva (cf. artigos 20º e 268º da CRP). Não é justificável, justo ou equilibrado condicionar o acesso à justiça com custas processuais de valor muito superior ao valor processual. O que, aliás, adquire particular gravidade quando se trata de arbitragem necessária ou forçada, como foi o caso presente, nos termos expostos.

Portanto, ao contrário do direito objetivo invocado pelo recorrente, o cerne do problema não está nos artigos 76º e 77º da Lei do TAD, mas na cit. Portaria. Assim, o artigo 2º/1/4 da cit. Portaria nº 301/2015 e a 1ª linha da tabela do seu Anexo I violam, no caso presente, os princípios constitucionais da proporcionalidade e do acesso à justiça.

Há ali um condicionamento excessivo e injustificado do acesso aos tribunais por via tributária ou paratributária, por causa do elevado valor das custas processuais, que podem ser concretamente - e aqui foram - muito superiores ao valor do processo, processo que tem natureza arbitral necessária ou forçada.

Tendo aqui – numa arbitragem forçada - aplicado tais regras desproporcionais e injustas, resultando num valor de custas processuais muitíssimo superior ao valor processual e num valor relativamente elevado tendo presente o valor da causa, o colégio arbitral do TAD violou, no caso concreto, os princípios constitucionais da proporcionalidade e do acesso à justiça.

*

III - DECISÃO
Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com os poderes conferidos no artigo 202º da Constituição, acordam os juizes deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder parcial provimento ao recurso e revogar a decisão arbitral recorrida nas partes referentes:
(i) à infração disciplinar relativa à violação da suspensão preventiva automática do ora recorrente, anulando o ato administrativo do CD nessa parte; e
(ii) às custas do processo arbitral necessário.
As custas deste recurso, reguladas no RCP, ficam a cargo do recorrente em 1/4 e da FPF em 3/4.
Lisboa, 06-12-2017


Paulo H. Pereira Gouveia, relator

Conceição Silvestre


Catarina Jarmela
    (Voto vencida quanto à questão apreciada no ponto 3).No caso da aplicação de uma pena disciplinar de multa o mais relevante para a arguida é a aplicação da própria pena e não tanto seu concreto montante em muitos casos, o que terá, aliás, levado à consagração da solução constante na norma do artigo 142º, nº3, al.b) do CPTA, pelo que não considera que in casu ocorre a violação dos princípios constitucionais em causa, apesar das custas serem superiores ao valor da multa aplicada)
(1) Artigo 1º da Lei do TAD:
1 - O Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) é uma entidade jurisdicional independente, nomeadamente dos órgãos da administração pública do desporto e dos organismos que integram o sistema desportivo, dispondo de autonomia administrativa e financeira.
2 - O TAD tem competência específica para administrar a justiça relativamente a litígios que relevam do ordenamento jurídico desportivo ou relacionados com a prática do desporto.
3 - São receitas do TAD as custas processuais cobradas nos correspondentes processos e outras que possam ser geradas pela sua atividade, nomeadamente as receitas provenientes dos serviços de consulta e de mediação previstos na presente lei.
4 - Incumbe ao Comité Olímpico de Portugal promover a instalação e o funcionamento do TAD.
Artigo 5º:
Compete ao TAD conhecer dos recursos das deliberações tomadas por órgãos disciplinares das federações desportivas ou pela Autoridade Antidopagem de Portugal em matéria de violação das normas antidopagem, nos termos da Lei n.º 38/2012, de 28 de agosto, que aprova a lei antidopagem no desporto.
(2) Cf. ROBERT ALEXY, Direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade, in O Direito, Ano 146º, 2014, IV, pp. 817 ss; A construção dos direitos fundamentais, in revista Direito & Política, nº 6, 2014, pp. 38 ss; JORGE MIRANDA, Curso de Direito Constitucional, 1, UCE, 2016, pp. 298 ss; Direitos Fundamentais, 2ª ed., Almedina, 2017, pp. 323 ss; JORGE REIS NOVAIS, Direitos Fundamentais e Justiça Constitucional, AAFDL Editora, 2017, pp. 245 ss.