Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07073/13
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:12/12/2013
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:ACTO TRIBUTÁRIO E FACTO TRIBUTÁRIO. NOÇÃO.
CONCEITO DE RENDIMENTO TRIBUTÁRIO EM SEDE DE C.I.R.S. (CONCEPÇÃO DE RENDIMENTO-ACRÉSCIMO).
NOÇÃO DE MAIS-VALIA (CFR.ARTº.10, DO C.I.R.S.).
ARTº.10, Nº.5, DO C.I.R.S.
MAIS-VALIAS REALIZADAS COM A ALIENAÇÃO ONEROSA DE BENS IMÓVEIS DESTINADOS A HABITAÇÃO PRÓPRIA E PERMANENTE.
Sumário:1. O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos. Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada.

2. Na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de rendimento-acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela as mais-valias (vistas enquanto acréscimos patrimoniais que não provêm de uma actividade produtiva, mas que têm algum significado económico e sendo passíveis de controlo pela A. Fiscal, nestas se incluindo as mais-valias prediais) e, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva.

3. A mais-valia deve definir-se, em princípio, pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, especialmente quando o facto gerador do imposto se descreve como uma alienação onerosa, assim estando sujeita ao princípio da realização (cfr.artº.44, do C.I.R.S.).

4. O artº.10, nº.5, do C.I.R.S., sistematicamente inserido na categoria de incrementos patrimoniais (normas de incidência real), apresenta-se como uma norma de delimitação negativa da incidência. O preceito consagra uma exclusão de incidência tributária relativa às mais-valias realizadas com a alienação onerosa de bens imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, assim favorecendo a propriedade do imóvel destinado a habitação permanente do sujeito passivo (ou do respectivo agregado familiar) sempre que, dentro de determinados prazos e condições, o valor de realização for reinvestido em imóvel destinado ao mesmo fim e situado no território nacional. O imóvel “de partida” e o “de chegada” têm de ser destinados à habitação própria e permanente. Qualquer outro destino de ambos, ou só de um deles, destrói as condições de aplicação da exclusão da incidência e a mais-valia realizada no imóvel “de partida” será tributável. A norma sob exegese contém, pois, dois elementos na sua previsão: por um lado, os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação devem ser reinvestidos na aquisição de outro imóvel com o mesmo destino; por outro, tal reinvestimento deverá realizar-se no prazo de vinte e quatro meses. Como obrigação acessória, o sujeito passivo deve fazer constar na declaração do ano fiscal em que ocorreu a realização da mais-valia, a intenção de efectuar o reinvestimento (art.57, nº.4, do C.I.R.S., na versão em vigor em 1997), mais tendo que provar a sua efectivação, o mais tardar, na declaração de rendimentos do último ano fiscal em que esta pode ocorrer.

5. No que toca à efectiva destinação do novo imóvel (imóvel “de chegada”), tratando-se de reinvestimento na aquisição directa de um novo imóvel, a lei exigia que o adquirente o afectasse à sua habitação ou do seu agregado familiar até decorridos seis meses após o termo do prazo em que o reinvestimento devesse ser efectuado. Se tal não ocorresse, o benefício de exclusão não tinha aplicação, como resultava do artº.10, nº.6, al.a), do C.I.R.S., na versão em vigor em 1997.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mmª. Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.116 a 128 do presente processo, através da qual julgou totalmente procedente a impugnação intentada pelo recorrido, José …………………, tendo por objecto uma liquidação de I.R.S. e juros compensatórios, relativa ao ano de 1997 e no montante total de € 15.868,27.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.146 a 149 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-Estabelecia, ao tempo dos factos, o nº.5, do artº.10, do C.I.R.S., que seriam excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, nas seguintes condições:
a) Se, no prazo de 24 meses contados da data de realização, o produto da alienação for reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino, e desde que esteja situado em território português;
2-A propósito da exclusão da tributação dos ganhos em causa e no sentido de que a mesma depende do reinvestimento do produto da alienação na aquisição de outro imóvel, foi manifestado nos acórdãos do STA de 14/1/2004, proc.01357/03, de 12/3/2003, proc. 1721/02, e de 7/12/2004, proc.0938/04, respectivamente, o seguinte entendimento: "…o que o legislador pretende é o reinvestimento do produto da venda numa nova aquisição, "…o que é reinvestido é o produto da alienação. Costuma dizer-se que a lei não contém palavras inúteis, e, de facto, não é inútil a lei utilizar as palavras produto da alienação." e "Como tem vindo a decidir uniformemente este Supremo Tribunal Administrativo, está em causa o reinvestimento do «produto da alienação», a utilização do montante recebido com a alienação na aquisição do novo imóvel.";
3-Ora, no caso vertente, tendo o imóvel mencionado no nº.1 dos factos provados sido alienado pelo valor de € 157.121,34 (cfr.nº.3 dos mesmos factos), seria esse o montante que, para os efeitos em causa, deveria ter sido objecto de reinvestimento na subsequente aquisição de outro imóvel, por ser esse, precisamente, o valor correspondente ao designado produto da alienação;
4-No entanto, tal não se verificou, sendo patente que nada consta da fundamentação de facto da decisão em causa no respeitante à ocorrência do pressuposto exigido pelo questionado artº.10, nº.5, al.a), do C.I.R.S., apenas se aludindo, nesse âmbito (cfr.nºs.6 e 7), à realização de entradas em dinheiro destinadas a comparticipar os custos de aquisição do terreno e a construção do imóvel, bem como a pagamentos efectuados à cooperativa, entre Maio de 1996 e Julho de 1999, sendo que a realização de tais entradas em dinheiro, bem como dos questionados pagamentos, ainda que visando o fim supramencionado, não tem, por si só, a virtualidade de satisfazer o requisito constante do preceito legal em questão, por não corresponder, desde logo, ao efectivo reinvestimento do produto da alienação na aquisição da propriedade de outro imóvel;
5-Resulta, assim, evidente a inobservância do preceituado na al.a), do nº.5, do artº.10, do C.I.R.S., na medida em que, manifestamente, não foi reinvestido o montante recebido com a alienação do imóvel, nos termos legalmente estabelecidos para o efeito, facto que obsta a que o ora impugnante possa beneficiar da exclusão da tributação prevista no normativo em causa, razão pela qual, tendo a sentença recorrida decidido com base em entendimento contrário ao que resulta das presentes conclusões, violando o preceito legal supra transcrito, deverá a mesma ser revogada, com as legais consequências.
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Não foram produzidas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.159 a 161 dos autos).
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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.122 a 126 dos autos - numeração nossa):
1-O impugnante alienou, em 5 de Fevereiro de 1997, um imóvel que havia adquirido em 1990 e que se encontrava afecto à sua habitação;
2-A decisão de alienar este imóvel foi determinada pela necessidade de obter liquidez que permitisse custear o investimento em novo imóvel, igualmente destinado a sua habitação e do seu agregado familiar;
3-Ao preencher a declaração Modelo 3 de I.R.S. respeitante ao ano fiscal de 1997, o impugnante indicou no Anexo G, o valor de PTE. 31.500.000$ - € 157.121,34, apurado em virtude daquela alienação (cfr.documento junto a fls.21 e 22 dos presentes autos);
4-Na mesma declaração manifestou a intenção de proceder ao reinvestimento da totalidade do valor de realização nos dois exercícios fiscais seguintes, embora não tenha indicado o valor já reinvestido no exercício fiscal de 1997 (cfr.documento junto a fls.21 e 22 dos presentes autos);
5-O impugnante havia formalizado em 2 de Maio de 1996, a sua adesão à “HABIEXPO - Cooperativa de Habitação CRL”, adiante designada por "Cooperativa" (cfr.documento junto a fls.23 e 24 dos presentes autos);
6-Tendo em 27 de Maio de 1996, iniciado a realização de entradas em dinheiro destinadas a comparticipar os custos de aquisição do terreno e a construção do imóvel (cfr.documento junto a fls.23 e 24 dos presentes autos);
7-Os pagamentos obedeceram a um cronograma financeiro ajustado ao andamento da obra e em virtude do mesmo o impugnante, entregou à cooperativa, entre Maio de 1996 e Julho de 1999, o montante de Euros 167.165,62 - PTE 33.148.649$00 (documento junto a fls.23 e 24 dos presentes autos);
8-À semelhança do que ocorreu quanto a 1997, o impugnante por lapso não mencionou na Declaração Modelo 2, de IRS, o valor dos pagamentos em dinheiro entregues à cooperativa e respeitantes a 1998 e 1999;
9-Prevêem os estatutos da Cooperativa que o preço final dos fogos dos cooperadores seja apurado quando se encontrar concluída a construção (cfr.documento junto a fls.25 a 41 dos presentes autos);
10-Nessa altura calcular-se-á o valor dos excedentes que cada cooperador deverá ainda pagar face ao custo total da obra (documento junto a fls.25 a 41 dos presentes autos);
11-A parcela de terreno destinada à edificação do imóvel foi adquirida pela Cooperativa à Sociedade PARQUE EXPO;
12-Tendo as partes acordado que se as obras de edificação do imóvel não se encontrassem concluídas em 31 de Março de 1998, a PARQUE EXPO poderia mandar interromper todos os trabalhos entre Maio e Outubro de 1998, período de realização da EXPO'98. A interrupção da obra veio efectivamente a verificar-se, entre Maio e Outubro de 1998, o que provocou um atraso generalizado na sua conclusão (cfr.documento junto a fls.47 dos presentes autos);
13-Em Maio de 2001, apesar das obras não se encontrarem definitivamente concluídas, a Cooperativa decidiu atribuir os fogos aos cooperadores (cfr.documento junto a fls.47 dos presentes autos);
14-Nesta data, encontravam-se já em curso os processos administrativos de obtenção de licença de habitação e de propriedade horizontal, sem a conclusão dos quais não seria possível realizar as escrituras públicas de transmissão da propriedade dos fogos aos membros da cooperativa (cfr.documento junto a fls.47 dos presentes autos);
15-Não obstante e apesar da existência de várias deficiências de construção, o impugnante recebeu em 1 de Maio de 2001, a fracção autónoma, ainda por identificar, correspondente ao lote B2, R/c Esq., do prédio de habitação designado por condomínio H…………., local que habita desde então, ininterruptamente e até hoje e que constitui a sua residência própria e permanente (cfr.documento junto a fls.47 dos presentes autos);
16-Foi também neste local que fixou de imediato o seu domicílio fiscal (cfr.documento junto a fls.44 dos presentes autos);
17-O moroso e complexo processo de constituição da propriedade horizontal do Condomínio H………. continua a decorrer, prejudicado essencialmente pelas deficiências de construção que impedem a obtenção de uma licença de habitação, inviabilizando a realização das escrituras públicas (cfr.documento junto a fls.47 dos presentes autos);
18-A cooperativa tem procurado, sem entrar em litígio, obter do empreiteiro a resolução dos defeitos da obra (cfr.documento junto a fls.47 dos presentes autos);
19-Prevendo-se que só em finais de Dezembro seja possível realizar as escrituras de transmissão dos fogos;
20-O facto de não se encontrarem sanados os defeitos de construção do imóvel tem também impedido que se apure o preço final dos fogos;
21-Em Outubro de 2002, o impugnante foi notificado da liquidação adicional de I.R.S. objecto da presente impugnação (cfr.documento junto a fls.10 do apenso de reclamação graciosa; factualidade admitida pelo impugnante no artº.24 da p.i.);
22-O facto de não se encontrar mencionado o reinvestimento realizado em 1997, 1998 e 1999 nas declarações Modelo 2 de I.R.S. do impugnante, levou a Administração Fiscal a proceder à liquidação de imposto sobre o valor total da mais-valia imobiliária (cfr.informação exarada a fls.29 a 31 do processo administrativo apenso);
23-Em 18 de Novembro de 2002, o ora impugnante apresentou reclamação graciosa daquela liquidação, tendo sido notificado em 15 de Abril de 2003, do despacho de indeferimento respectivo (cfr.data de entrada aposta a fls.1 do processo de reclamação graciosa apenso; documentos juntos a fls.22 e 23 do processo de reclamação graciosa apenso);
24-A Administração Fiscal fundamentou a sua decisão de indeferimento alegando que "…o reclamante tinha até 05/02/1999 a possibilidade de adquirir um outro imóvel, reinvestindo a totalidade do produto da alienação efectuada em 1997..." "…o reclamante até hoje não realizou qualquer escritura de compra e venda de imóvel destinado à habitação que lhe garanta um título aquisitivo de propriedade."; E ainda, "As entregas efectuadas à Cooperativa de Habitação não conferem ao reclamante qualquer título jurídico suficiente para que qualquer dessas importâncias entregues possa ser levada em conta de reinvestimento "…até à realização da escritura de compra e venda a situação do cooperante pode ser alterada tanto por cedência de posição como por outro motivo análogo pelo que não pode a Administração Fiscal presumir que efectivamente se vai efectuar a compra do imóvel e se este se destina a habitação. Não é também possível saber se o reclamante vai ou não recorrer ao crédito bancário situação que alteraria o valor a reinvestir…" (cfr.projecto de decisão junto a fls.16 e 17 do processo de reclamação graciosa apenso).
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Levando em consideração que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou em prova documental constante dos presentes autos e apensos, este Tribunal julga provada a seguinte matéria de facto que se reputa, igualmente, relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.662, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6 (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
25-A liquidação de I.R.S. a que se refere o nº.22 supra do probatório foi estruturada no dia 2/10/2002, com o nº……………….., sendo no montante total de € 15.868,27, dos quais juros compensatórios na quantia de € 2.577,96, do mesmo acto tributário surgindo como sujeito passivo o impugnante e ora recorrido, José …………………, com o n.i.f. ……………… (cfr.documento junto a fls.21 do processo administrativo apenso; informação exarada a fls.29 e 30 do processo administrativo apenso);
26-No dia 27/6/2005, no Sexto Cartório Notarial de Lisboa, o impugnante celebrou com a “H……………… - Cooperativa de Habitação, CRL”, a escritura de compra e venda da fracção autónoma identificada no nº.15 supra da matéria de facto, tendo comprado o mesmo imóvel pelo preço de € 290.304,82, mais tendo declarado que na aquisição efectuada mobilizou o saldo de uma conta poupança-habitação, tudo conforme cópia da escritura junta a fls.65 a 70 dos presentes autos.
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Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto aditada, no teor dos documentos e informações oficiais referidos em cada um dos números do probatório.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida considerou, em síntese, julgar totalmente procedente a presente impugnação e, consequentemente, anular o acto tributário objecto do processo (cfr.nº.25 do probatório).
X
Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P. Tributário).
O apelante discorda do decidido aduzindo, em síntese e conforme supra se alude, que estabelecia, ao tempo dos factos, o nº.5, do artº.10, do C.I.R.S., que seriam excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, se no prazo de 24 meses contados da data de realização, o produto da alienação fosse reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino e desde que estivesse situado em território português. Que no caso vertente, tendo o imóvel em causa sido alienado pelo valor de € 157.121,34, seria esse o montante que, para os efeitos em causa, deveria ter sido objecto de reinvestimento na subsequente aquisição de outro imóvel, por ser esse, precisamente, o valor correspondente ao designado produto da alienação. No entanto, tal não se verificou, sendo patente que nada consta da fundamentação de facto da decisão em causa no respeitante à ocorrência do pressuposto exigido pelo questionado artº.10, nº.5, al.a), do C.I.R.S., apenas se aludindo, nesse âmbito, à realização de entradas em dinheiro destinadas a comparticipar os custos de aquisição do terreno e a construção do imóvel, bem como a pagamentos efectuados à cooperativa, entre Maio de 1996 e Julho de 1999, sendo que a realização de tais entradas em dinheiro, bem como dos questionados pagamentos, ainda que visando o fim supramencionado, não tem, por si só, a virtualidade de satisfazer o requisito constante do preceito legal em questão, por não corresponder, desde logo, ao efectivo reinvestimento do produto da alienação na aquisição da propriedade de outro imóvel. Que resulta, assim, evidente a inobservância do preceituado na al.a), do nº.5, do artº.10, do C.I.R.S. (cfr.conclusões 1 a 5 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo, supõe-se, consubstanciar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos (cfr.Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág.324; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1996, pág.57; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.269). Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/2/2013, proc.5713/12).
Na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de rendimento-acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela as mais-valias (vistas enquanto acréscimos patrimoniais que não provêm de uma actividade produtiva, mas que têm algum significado económico e sendo passíveis de controlo pela A. Fiscal, nestas se incluindo as mais-valias prediais) e, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva (cfr.nº.5 do preâmbulo do C.I.R.S.; Paulo de Pitta e Cunha, A Fiscalidade dos Anos 90, O Novo Sistema de Tributação do Rendimento, Almedina, 1996, pág.20; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.379).
A mais-valia deve definir-se, em princípio, pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, especialmente quando o facto gerador do imposto se descreve como uma alienação onerosa, assim estando sujeita ao princípio da realização (cfr.artº.44, do C.I.R.S.; José Guilherme Xavier Basto, ob.cit., pág.443 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2013, proc.4771/11).
Revertendo ao caso dos autos, deve, antes de mais, fazer-se a exegese da norma constante do artº.10, nº.5, do C.I.R.S., na redacção em vigor no ano de 1997 (redacção da Lei 10-B/96, de 23/3 - cfr.artº.12, nº.1, do C.Civil), norma que tinha a seguinte redacção:
Artº.10
(Rendimentos da categoria G)
(…)
5-São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, nas seguintes condições:
a) Se no prazo de 24 meses contados da data de realização, o produto da alienação for reinvestido na aquisição de outro imóvel, de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino, e desde que esteja situado em território português;
b) Se o produto da alienação for utilizado no pagamento da aquisição a que se refere a alínea anterior, desde que efectuada nos 12 meses anteriores.
(…).
Releve-se que as normas de incidência dos tributos bem como as que concedem isenções ou exclusões de tributação, devem ser interpretadas nos seus exactos termos, sem o recurso à analogia, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/10/2012, proc.5320/12).
O artº.10, nº.5, do C.I.R.S., sistematicamente inserido na categoria de incrementos patrimoniais (normas de incidência real), apresenta-se como uma norma de delimitação negativa da incidência. O preceito consagra uma exclusão de incidência tributária relativa às mais-valias realizadas com a alienação onerosa de bens imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, assim favorecendo a propriedade do imóvel destinado a habitação permanente do sujeito passivo (ou do respectivo agregado familiar) sempre que, dentro de determinados prazos e condições, o valor de realização for reinvestido em imóvel destinado ao mesmo fim e situado no território nacional. O imóvel “de partida” e o “de chegada” têm de ser destinados à habitação própria e permanente. Qualquer outro destino de ambos, ou só de um deles, destrói as condições de aplicação da exclusão da incidência e a mais-valia realizada no imóvel “de partida” será tributável. A norma sob exegese contém, pois, dois elementos na sua previsão: por um lado, os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação devem ser reinvestidos na aquisição de outro imóvel com o mesmo destino; por outro, tal reinvestimento deverá realizar-se no prazo de vinte e quatro meses. Como obrigação acessória, o sujeito passivo deve fazer constar na declaração do ano fiscal em que ocorreu a realização da mais-valia, a intenção de efectuar o reinvestimento (art.57, nº.4, do C.I.R.S., na versão em vigor em 1997), mais tendo que provar a sua efectivação, o mais tardar, na declaração de rendimentos do último ano fiscal em que esta pode ocorrer (cfr.José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.412 e seg.; Rui Duarte Morais, Sobre o I.R.S., 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.142 e seg.; André Salgado Matos, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares anotado, Instituto Superior de Gestão, 1999, pág.168 e seg.).
“In casu”, atenta a factualidade provada (cfr.nºs.4 e 8 do probatório), desde logo, se deve concluir que o impugnante e ora recorrido não cumpriu com a obrigação acessória a que estava sujeito, no que se refere ao dever fazer constar da declaração do ano fiscal em que ocorreu a realização da mais-valia (1997), a intenção de efectuar o reinvestimento nesse mesmo ano, lapso que igualmente se verificou em relação aos anos de 1998 e 1999, sendo este o último ano fiscal em que se podia efectuar o reinvestimento.
Por outro lado, no que toca à efectiva destinação do novo imóvel, tratando-se de reinvestimento na aquisição directa de um novo imóvel (imóvel “de chegada”), a lei exigia que o adquirente o afectasse à sua habitação ou do seu agregado familiar até decorridos seis meses após o termo do prazo em que o reinvestimento devesse ser efectuado. Se tal não ocorresse, o benefício de exclusão não tinha aplicação, como resultava do artº.10, nº.6, al.a), do C.I.R.S., na versão em vigor em 1997 (cfr.José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.415).
Ora, do exame do probatório não resulta o cumprimento por parte do impugnante/recorrido de tal desígnio do legislador, porquanto somente em Maio de 2001 (cfr.nºs.15 e 26 da factualidade provada), alegadamente, o recorrido tomou posse do imóvel “de chegada”, sendo que somente em 27/6/2005 se realizou a escritura de compra e venda do mesmo.
E recorde-se que só a celebração do contrato definitivo por escritura pública consolida na esfera jurídica do sujeito o direito à exclusão da tributação assumindo a exclusão tributária, a qual até lá, reveste um carácter precário e condicionado à verificação superveniente daquela condição (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/3/2010, proc.3734/10).
Por último, sempre se deve reconhecer que o impugnante/recorrido não efectuou prova, como lhe competia (cfr.artº.74, nº.1, da L.G.Tributária), de que utilizou o valor das mais-valias de € 157.121,34 (cfr.nº.3 do probatório) na aquisição da fracção autónoma identificada como imóvel “de chegada”.
Concluindo, de acordo com a factualidade provada não se encontram, manifestamente, reunidos os requisitos para accionar a exclusão de incidência tributária prevista no artº.10, nº.5, al.a), do C.I.R.S., relativamente ao ano de 1997 e quanto à pessoa do impugnante.
Por tudo o que deixámos relatado, deve julgar-se procedente o presente recurso e, em consequência, revogar-se a decisão recorrida a qual padece do vício de erro de julgamento de direito que se consubstancia na violação do regime previsto no artº.10, nº.5, al.a), do C.I.R.S. (versão em vigor em 1997), ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO, REVOGAR A DECISÃO RECORRIDA e, em consequência, julgar improcedente a impugnação que originou o presente processo.
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Condena-se o recorrido em custas, somente em 1ª. Instância.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 12 de Dezembro de 2013


(Joaquim Condesso - Relator)
(Eugénio Sequeira - 1º. Adjunto)

(Benjamim Barbosa - 2º. Adjunto)