Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:13017/16
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:06/02/2016
Relator:ANTÓNIO VASCONCELOS
Descritores:EMFAR
REFORMA
COMPLEMENTO DE PENSÃO
Sumário:I – O complemento de pensão a que alude o artigo 9.º, n.º 1 do Decreto – Lei nº 236/99, de 25 de Junho, destina-se, a evitar a diminuição do rédito dos militares e não a aumentar por esta via a sua retribuição.

II - Constituindo este complemento de pensão uma cláusula de salvaguarda, a mesma só deve ser accionada se se provar a existência de prejuízo para o militar pelo facto de ter passado antecipadamente à reforma.

III - O artigo 9.º do DL n.º 236/99, na redacção dada pelo artigo 1.º da Lei n.º 25/2000, deve ser interpretado de acordo com a ratio legis que determinou o pagamento deste complemento de pensão.

IV – Face às alterações introduzidas ao artigo 53.º do Estatuto da Aposentação (Decreto – Lei nº 498/72, de 9 de Dezembro) pelo artigo 1.º da Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro, para calcular o montante da pensão de reforma deduz-se, desde 2004, a percentagem da quota para efeitos de aposentação e de pensão de sobrevivência (cfr. nº 1) , além de que a pensão não pode, em caso algum, exceder o montante da remuneração líquida a que se refere o nº 1 (cfr. nº 2).

V – Na verdade, e apesar do Estatuto da Aposentação se tratar de uma lei geral, o mesmo revogou todas as leis especiais anteriores, nos termos do n.º 3 do artigo 7.º do Código Civil, tornando evidente, face às novas regras de cálculo das pensões de reforma, que não se pretende que os reformados aufiram montantes líquidos superiores àqueles que recebiam no momento em que se reformaram.
Votação:COM UM VOTO DE VENCIDO
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência , na Secção de Contencioso Administrativo, 2º Juízo , do Tribunal Central Administrativo Sul:

O Ministério da Defesa Nacional inconformado com a sentença do TAF de Sintra, de 24 de Novembro de 2015, que julgou parcialmente procedente a acção administrativa especial intentada por António ……………….e em consequência condenou o ora Recorrente a processar e a pagar ao Autor o complemento de pensão decorrente do artigo 9º do Decreto – Lei nº 236/99, de 25 de Junho, na redacção dada pela Lei nº 25/2000, de 23 de Agosto, desde a data em que transitou para a situação de reforma, a 12 de Outubro de 2000, e até à data em que completou 70 anos de idade, a 12 de Outubro de 2005, acrescido de juros à taxa legal, até integral pagamento, dela recorreu e em sede de alegações, formulou as seguintes conclusões:

“ 1ª. O complemento de pensão a que se refere o artigo 9.º, n.º 1 do Decreto – Lei nº 236/99, de 25 de Junho, destina-se, segundo entendimento da jurisprudência dos tribunais administrativos, a “evitar a diminuição do rédito dos militares e não a aumentar por esta via a sua retribuição”;

2ª. Constituindo este complemento de pensão uma cláusula de salvaguarda, a mesma só deve ser accionada se se provar a existência de prejuízo para o militar pelo facto de ter passado antecipadamente à reforma;

3ª. O artigo 9.º do DL n.º 236/99, na redacção dada pelo artigo 1.º da Lei n.º 25/2000, deve ser interpretado de acordo com a ratio legis que determinou o pagamento deste complemento de pensão;

4ª. É ilegítima a interpretação meramente literal que a sentença recorrida faz da lei, já que dela resulta que o pagamento do complemento de pensão, somado à pensão efectivamente recebida, determina a percepção de um montante superior àquele a que o A. teria direito caso tivesse permanecido até aos 70 anos;

5ª. Mesmo que assim não se entenda, nunca poderia a sentença recorrida ter considerado procedente o pedido do A no que diz respeito ao MDN;

6ª. Como ficou demonstrado, a sentença recorrida não tomou em devida conta as alterações introduzidas ao artigo 53.º do Estatuto da Aposentação (Decreto – Lei nº 498/72, de 9 de Dezembro) pelo artigo 1.º da Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro;

7ª Na verdade, para calcular o montante da pensão de reforma deduz-se, desde 2004, “a percentagem da quota para efeitos de aposentação e de pensão de sobrevivência”, ao invés do que até então vinha sendo feito;

8ª. O legislador alterou também o nº 2 do mesmo artigo que passou a ter a seguinte redacção: “ a pensão não pode, em caso algum, exceder o montante da remuneração líquida a que se refere o nº 1” (sublinhado nosso);

9ª. Assim sendo, e apesar de se tratar de uma lei geral, revogou todas as leis especiais anteriores, nos termos do n.º 3 do artigo 7.º do Código Civil, tornando claro, face às novas regras de cálculo das pensões de reforma, que não se pretende que os reformados aufiram montantes líquidos superiores àqueles que recebiam no momento em que se reformaram;

10ª. Transpondo estes considerandos para a questão sub judice, conclui-se que, o valor total líquido a atribuir (pensão de reforma + eventual complemento) nunca poderá ser superior à remuneração de reserva líquida a que o militar teria direito caso a passagem à situação de reforma se verificasse na idade limite estabelecida para o regime geral da função pública;

11ª. É, assim, de concluir que face às novas regras de cálculo das pensões de reforma e ao princípio ora consagrado de que tais pensões não podem, em caso algum, exceder a remuneração que se auferia no momento da reforma, deveremos interpretar o artigo 9.º do Decreto – Lei n.º 236/99, de 25 de Junho, com a redacção que lhe foi dada pelo artigo 1.º da Lei n.º 25/2000, no sentido de que só será eventualmente devido um complemento quando se verificar que o montante líquido da pensão de reforma fica aquém do montante líquido da remuneração de reserva a que o militar teria direito caso passasse à reforma apenas na idade limite estabelecida para o regime geral da função pública;

12ª. Caso seja mantida a sentença recorrida, tal cálculo não só configurará um claro beneficio relativamente aos demais militares, o que contraria frontalmente a ratio legis da norma que instituiu este complemento de pensão, como viola uma norma geral posterior (o artigo 53.º, nº 2 , do Estatuto da Aposentação, na redacção dada pela Lei n.º 1/2004) que claramente pretendeu revogar todas as normas, incluindo as especiais e excecionais, anteriores;

13ª. A sentença recorrida enferma, assim, de erro de direito, consubstanciando-se numa sentença contra legem;”.

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O ora Recorrido contra-alegou pugnando pela manutenção do decidido.

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Colhidos os vistos legais vem o processo submetido à conferência para julgamento.

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A matéria de facto pertinente é a constante do Acórdão recorrido, a qual se dá aqui por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 663º nº 6 do Código de Processo Civil.

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Tudo visto cumpre decidir.

Veio o presente recurso jurisdicional interposto da sentença do TAF de Sintra que julgou parcialmente procedente a acção administrativa especial intentada por António ………………. e em consequência condenou o ora Recorrente a processar e a pagar ao Autor o complemento de pensão decorrente do artigo 9º do Decreto – Lei nº 236/99, de 25 de Junho, na redacção dada pela Lei nº 25/2000, de 23 de Agosto, desde a data em que transitou para a situação de reforma, a 12 de Outubro de 2000, e até à data em que completou 70 anos de idade, a 12 de Outubro de 2005, acrescido de juros à taxa legal, até integral pagamento.

Em síntese o Mmo. Juiz a quo entendeu que o Autor tem o direito a receber, a título de complemento de pensão, a diferença entre a remuneração de reserva ilíquida a que teria direito caso a passagem à situação de reforma ocorresse na idade limite para o regime geral da função pública. Ou seja, para proceder ao cálculo do complemento da pensão, que resulta da diferença entre o montante da pensão de reforma e a remuneração de reserva ilíquida, deve atender-se à remuneração da reserva ilíquida.

Discorda deste entendimento o Recorrente ao afirmar que o complemento de pensão a que alude o artigo 9º nº 1 do Decreto – Lei nº 236/99 constitui uma cláusula de salvaguarda que só deve ser accionada se se provar a existência de prejuízo para o militar pelo facto de ter passado antecipadamente à reforma. Por conseguinte, tal artigo (artigo 9º , na redacção dada pelo artigo 1º da Lei nº 25/2000) deve ser interpretado de acordo com a ratio legis que determinou o pagamento deste complemento de pensão, sendo ilegítima a interpretação meramente literal que a sentença recorrida faz da lei, já que dela resulta que o pagamento de complemento de pensão, somado à pensão efectivamente recebida, determina a percepção de um montante superior àquele que o Autor teria direito caso tivesse permanecido em funções até aos 70 anos.
Mais alega que a sentença em crise não tomou em devida conta as alterações introduzidas ao artigo 53º do EA pelo artigo 1º da Lei nº 1/2004, de 15 de Janeiro, sendo certo ainda que, nos termos do nº 2 do mesmo artigo, a pensão não pode, em caso algum, exceder o montante da remuneração liquida a que se refere o nº 1 .
Conclui assim que, face às novas regras de cálculo das pensões de reforma e ao princípio de que tais as pensões não podem, em caso algum, exceder a remuneração que se auferia no momento da reforma, o artigo 9º do Decreto – Lei nº 236/99, de 25 de Junho, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 1º da Lei nº 25/2000, deve ser interpretado no sentido de que só será eventualmente devido um complemento quando se verificar que o montante líquido da pensão de reforma fica aquém do montante líquido da remuneração de reserva a que o militar teria direito caso passasse à reforma na idade limite estabelecida para o regime geral da função pública .

Vejamos o que se nos oferece dizer.

Com o propósito de evitar que com a passagem compulsiva à reforma (dos 70 para os 65 anos) os militares ficassem prejudicados, no respeitante ao seu estatuto remuneratório, o legislador estipulou, no artigo 12º do Decreto – Lei nº 34-A/90, de 24 de Janeiro, que: “ 1- Sempre que a pensão de reforma dos militares a que se refere o artigo 11º resulte inferior à remuneração da reserva a que teriam direito caso não lhes fosse aplicado o calendário de transição, ser-lhes-á abonado a titulo de complemento de pensão, o diferencial verificado.
2 – As verbas eventualmente necessárias para fazer face ao abono previsto no número anterior serão anualmente inscritas no orçamento do Ministério da Defesa Nacional.
3 – O direito ao abono do complemento de pensão manter-se-á até ao mês em que o militar complete 70 anos de idade.”
Idêntica preocupação ditou o disposto no artigo 13º do mesmo diploma que estabeleceu o seguinte: “ 1 – Atingida a idade prevista no número 3 do artigo 12º, os serviços competentes do Ministério da Defesa Nacional procederão a novo cálculo de pensão de reforma com base na remuneração da reserva a que o militar teria direito se não lhe tivesse sido aplicado o calendário de transição.
2 – Caso a pensão de reforma auferida pelo militar seja inferior à resultante do novo cálculo, ser-lhe-á abonado, a título de complemento de pensão, o diferencial verificado.”
Finalmente, o artigo 14º do mesmo diploma determinou que o complemento de pensão referido no artigo 13º seria pago por um fundo especial, a criar no âmbito do Ministério da Defesa Nacional, o qual seria dotado de autonomia e objecto de regulamentação por Decreto – Lei.
Em cumprimento deste desiderato foi criado o Fundo de Pensões dos Militares das Forças Armadas pelo Decreto – Lei nº 269/90, de 31 de Agosto, cuja finalidade era a de assegurar o pagamento dos complementos de pensão a que alude o artigo 13º do Decreto – Lei nº 34-A/90, bem como do complemento de pensões de reforma dos militares dos quadros permanentes.
Entretanto, o EMFAR (aprovado pelo citado Decreto – Lei nº 34-A/90) foi revisto pelo Decreto – Lei nº 236/99, de 25 de Junho, não mencionando contudo na sua redacção originária o complemento de pensão devido especificamente a partir dos 70 anos de idade, sendo que contemplava apenas o direito ao complemento correspondente ao diferencial entre a pensão da reforma ilíquida efectivamente auferida e a remuneração de reserva liquida a que o militar teria direito caso se mantivesse nessa situação.
Posteriormente, a Lei nº 25/2000, de 23 de Agosto, que procedeu a nova alteração do EMFAR, veio alterar significativamente a forma de cálculo do complemento de pensão antes dos 70 anos de idade, dispondo no seu artigo 9º o seguinte: “ 1 – Quando da aplicação das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 160º do Estatuto resultar, para os militares que ingressaram nas Forças Armadas em data anterior a 1 de Janeiro de 1990, um montante da pensão de reforma ilíquida inferior à remuneração da reserva ilíquida a que teriam direito caso a passagem à situação de reforma se verificasse na idade limite estabelecida para o regime geral da função pública, ser-lhes-á abonado, a título de complemento de pensão, o diferencial verificado.
2 – O direito ao abono do complemento de pensão previsto no número anterior mantém-se até ao mês em que o militar complete 70 anos de idade, momento em que a pensão de reforma será recalculada com base na remuneração de reserva a que o militar teria direito.
3 – Caso a pensão de reforma auferida pelo militar seja inferior à resultante do novo cálculo, ser-lhe-á abonado, a título de complemento de pensão, o diferencial verificado .
4 – A forma de cálculo do complemento de pensão estabelecida no número 1 é aplicável aos militares abrangidos pelo regime previsto nos artigos 12º e 13º do Decreto – Lei nº 23-A/90, de 24 de Janeiro.
5 – O disposto no número 1 é aplicável aos militares reformados ao abrigo das alíneas b) e c) do artigo 174º do Estatuto aprovado pelo Decreto – Lei nº 34-A/90, de 24 de Janeiro, na redacção dada pelo artigo 1º da Lei nº 15/92, de 5 de Agosto, que não foram abrangidos pelo regime previsto nos artigos 12º e 13º daquele diploma.
6 – As verbas eventualmente necessárias para fazer face aos abonos previstos no presente artigo serão anualmente inscritas no orçamento da defesa nacional e pagas pelos ramos a que os militares pertencem, mantendo-se as atribuições do Fundo de Pensões dos Militares das Forças Armadas relativamente ao abono dos complementos de pensão dos militares abrangidos pelo artigo 13º do Decreto – Lei nº 34-A/90, de 24 de Janeiro.”
Uma última alteração foi entretanto introduzida ao EMFAR pela Lei nº 34/2008, de 23 de Julho, sendo de destacar o seu artigo 9º que passou a ter a seguinte redacção: “ 1- Quando da aplicação das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 159.º do Estatuto resultar, para os militares que ingressarem nas Forças Armadas em data anterior a 1 de Janeiro de 1990, um montante de pensão de reforma ilíquida inferior à remuneração de reserva ilíquida, deduzida da percentagem da quota para efeitos de aposentação e de pensão de sobrevivência, a que teriam direito caso a passagem à situação de reforma se verificasse na idade limite estabelecida para o regime da função pública, é-lhes abonado, a título de complemento de pensão, o diferencial verificado.
(…)
3 – Caso a pensão de reforma auferida pelo militar seja inferior à resultante do novo cálculo, ser-lhe-á abonado, a título de complemento de pensão, o diferencial verificado, o qual é actualizado nos mesmos termos das respectivas pensões de reforma pagas pela Caixa Geral de Aposentações (…).”
Importa aqui destacar que com a entrada em vigor da Lei nº 34/2008 o segmento do nº 3 do artigo 9º que refere expressamente que o diferencial verificado, a título de complemento de pensão, é actualizado nos mesmos termos das respectivas pensões de reforma pagas pela Caixa Geral de Aposentações .
Aqui chegados, importa proceder à seguinte distinção: Enquanto a remuneração de um militar, no activo ou na reserva, é deduzida de 10% de quota para a CGA, já o conceito de reforma ilíquida é entendido como o montante da pensão antes de deduzido o valor da respectiva quota.
Por conseguinte, a aplicação literal da fórmula prevista na Lei nº 25/2000 determinaria que um militar com todo o tempo de serviço, ao reformar-se, passaria a receber valores líquidos superiores em 10% em relação aos militares no activo ou na reserva. Tal interpretação literal viola contudo o espirito da lei já que o propósito de instituir o complemento de pensão foi unicamente o de não prejudicar os militares que foram obrigados a passar antecipadamente à reforma e nunca o de beneficiá-los em relação aos demais militares ou restantes pensionistas (em sentido clarividente veja-se o Acórdão do STA de 28 de Janeiro de 1998 in Proc. nº 37191, e deste TCAS de 4 de Dezembro de 2014 in Proc. nº 7530/11, que se passa a transcrever, na parte que interessa: “ (…) O legislador quis estabelecer uma fórmula para detectar eventuais diferenciais que pudessem justificar o pagamento de um complemento de reforma, e, para tanto, estabeleceu uma comparação cujos termos têm que ter uma relação de semelhança e não podem, sob pena de subversão do objectivo anunciado, atender a valores “ilíquidos” que partem de pressupostos diversos ( o valor ilíquido no activo que inclui necessariamente o montante do desconto para a CGA e o valor ilíquido da pensão que não inclui tal valor, por já não ser devido tal desconto). Da mesma forma não podem os termos de tal comparação redundar num duplo beneficio da situação de aposentado, em que se traduziria a cessação da obrigatoriedade dos descontos para a aposentação se conjugada com a valorização do valor desses mesmos descontos para efeitos de encontrar um diferencial justificador do pagamento de um complemento de pensão”.
Foi, aliás, por reconhecer aquele duplo benefício da situação de aposentado para os militares abrangidos pela Lei nº 25/2000, que o legislador, com a publicação da Lei nº 34/2008, de 23 de Julho, alterou a forma de cálculo do complemento de pensão, prevendo a dedução, do montante da remuneração de reserva, da quota para efeitos de aposentação e de pensão de sobrevivência, afigurando-se-nos, destarte, que a Lei nº 34/2008, ao conferir nova redacção ao artigo 9º supra citado ( na redacção dada pela Lei nº 25/2000), reveste a natureza de norma interpretativa. Sobre a natureza de norma interpretativa importa trazer à colação o entendimento da PGR in DR , 2ª Série, de 26 de Novembro de 1992, no sentido de que : “ A apreensão literal do texto , ponto de partida de toda a interpretação, é já interpretação, embora incompleta, pois será necessária uma tarefa de interligação e valoração que escapa ao domínio literal”.
Concluímos do exposto que o Tribunal a quo, ao ficar-se pela interpretação meramente literal da legislação em vigor, violou o espirito da norma (devidamente conformada pela lei interpretativa nº 34/2008 ) bem como a própria natureza do complemento de pensão.
Por último, importa referir que a sentença a quo não teve em consideração as alterações legislativas operadas ao Estatuto da Aposentação resultantes da Lei nº 1/2004, de 15 de Janeiro, designadamente no seu artigo 53º.
Com efeito, comparando anterior redacção do nº 1 do artigo 53º com o texto introduzido em 2004, verifica-se que, para calcular agora o montante da pensão de reforma, se deduz “a percentagem da quota para efeitos de aposentação e de pensão de sobrevivência “, ao invés do que até então vinha sendo feito. Ou seja, actualmente, a respectiva pensão será equivalente ao montante da remuneração mensal que se vinha auferindo e não de montante superior, como sucedia antes desta alteração legislativa.
De igual modo, o legislador alterou o nº 2 do mesmo artigo que passou a ter a seguinte redacção: “ A pensão não pode, em caso algum, exceder o montante da remuneração liquida a que se refere o nº 1.”
Esta nova redacção do nº 2, que se consubstanciou na introdução da palavra liquida, revela uma vontade inequívoca do legislador no sentido de, doravante, não ser possível, seja em que circunstância for, que a pensão de reforma paga seja superior ao montante da remuneração que se vinha percebendo.
É que apesar da Lei do Estatuto da Aposentação se tratar de uma lei geral, afigura-se-nos que a mesma terá revogado todas as leis especiais anteriores, face ao disposto no artigo 7º nº 3 do Código Civil , tornando evidente, face às novas regras de cálculo de pensões de reforma, que se pretende que os reformados não aufiram montantes líquidos superiores àqueles que recebiam no momento da reforma.
Na verdade, teoricamente, é admissível que um diploma de carácter geral revogue outro especial; Posto é que seja essa a sua intenção inequívoca.
A existência de intenção inequívoca do legislador deve assentar em referência expressa na própria lei ou, pelo menos, em um conjunto de vectores tão incisivos que a ela equivalham, pelo que, quando se pretenda, através de uma lei geral, revogar leis especiais, designadamente quando se vise firmar um regime genérico e homogéneo, há que dizê-lo, recorrendo à revogação expressa, ou, no mínimo, a uma menção revogatória clara – cfr. MENEZES CORDEIRO in DA APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO E DAS DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS, in Caderno de Ciência da Legislação ina , nº7, 1993, pag. 17 e segs.
A expressão “em caso algum” contida no nº 2 do artigo 53 do Estatuto da Aposentação, na redacção constante da Lei nº 1/2004, parece configurar uma vontade inequívoca do legislador de não permitir que sejam auferidos montantes líquidos superiores àqueles que os beneficiários recebiam no momento da reforma.
Conclui-se deste modo, ajustando à situação em apreço, que, no tocante à forma de cálculo do complemento de pensão, constante do artigo 9º do Decreto – Lei nº 236/99, na redacção introduzida pela Lei nº 25/2000, que manda comparar montantes ilíquidos, quer da pensão de reforma, quer da remuneração de reserva, o valor total líquido a atribuir (pensão de reforma mais eventual complemento) nunca poderá ser superior à remuneração de reserva líquida a que o militar teria direito caso a passagem à situação de reforma se verificasse na idade limite estabelecida para o regime geral da função pública.
Por conseguinte, o artigo 9º do Decreto – Lei nº 236/99, na redacção introduzida pelo artigo 1º da Lei nº 25/2000, deverá ser interpretado no sentido de que só será eventualmente devido um complemento quando se verificar que o montante líquido da pensão de reforma fica aquém do montante líquido da reserva que o militar teria direito caso passasse à reforma na idade limite estabelecida para o regime geral da função pública – cfr. voto de vencido no Acórdão deste TCAS de 26 de Janeiro de 2012 in Proc. nº 4011/08.

Em conformidade com o exposto, procedem na íntegra as conclusões da alegação do Recorrente, sendo de conceder provimento ao presente recurso jurisdicional e revogar a sentença recorrida com as legais consequências.

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Acordam, pois, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo, 2º Juízo, deste TCAS, em conceder provimento ao presente recurso jurisdicional e revogar a sentença recorrida com as legais consequências.

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Custas pelo ora Recorrido em ambas as instâncias.



Lisboa, 2 de Junho de 2016
António Vasconcelos
Catarina Jarmela (Voto vencida, pelas razões invocadas no Acórdão do STA, de 04.11.2015, Processo nº430/15)
Conceição Silvestre