Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:8451/15
Secção:CT
Data do Acordão:04/18/2018
Relator:VITAL LOPES
Descritores:MÉTODOS DE AVALIAÇÃO
QUANTIFICAÇÃO POR PRESUNÇÕES EM AVALIAÇÃO DIRECTA
ERRO
VIOLAÇÃO DE DIREITOS E GARANTIAS PROCEDIMENTAIS
Sumário:1. O pressuposto inultrapassável para que a AT, vinculadamente, lance mão da metodologia directa ou de metodologias alternativas, radica na circunstância de os factos fiscalmente relevantes serem, à luz de parâmetros de razoabilidade e normalidade, incontroversamente conhecidos - caso em que não pode deixar de corrigir aritmeticamente -, ou de o não serem e de, então, se tornar necessário determiná-los a partir de outros que o sejam e que em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência se mostrem consubstanciar factos-índice adequados a tal extrapolação.
2. Partindo a AT da análise dos movimentos financeiros reflectidos nas contas bancárias dos sócios da impugnante, e familiares dos sócios, para concluir pela omissão à contabilidade de custos e de proveitos e determinar a respectiva quantificação, fez uso de métodos indirectos, ainda que sob a capa de correcções técnicas ou meramente aritméticas.
3. A decisão de tributação por métodos indirectos desacompanhada do especial procedimento a que está sujeita, mostra-se ilegal por violação de direitos e garantias do contribuinte.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:1 – RELATÓRIO

A Exma. Representante da Fazenda Pública recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco na parte em que julgou procedente as impugnações judiciais deduzidas por “A… & F…, Lda.” e entretanto apensadas, das liquidações adicionais de IRC de 2005 e 2006, nos montantes globais respectivos de 312.143,32Euros e 163.911,98Euros.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo (fls.512).

Nas alegações de recurso, a Recorrente formulou as seguintes Conclusões:

«CONCLUSÕES
Assim, nos termos do artigo 639° do Código de Processo Civil:

a) A douta sentença ora recorrida enferma dos vícios de erro de julgamento, violação do principio da verdade material, incorrecta apreciação da prova produzida nos autos, violação de lei, designadamente, dos art0s 74°,81° a 83°,87° b), 88° e 90° da LGT, bem como dos arts. 615°, no 1 c) do Cod. Proc. Civil e art.º 125° do CPPT.

b) Pese embora a matéria de facto ter sido dada integralmente provada, todos os factos apurados na acção inspectiva foram considerados factualidade assente, a decisão do tribunal "a quo" incorreu em contradição uma vez que, ao decidir como decidiu, substituiu-se ao impugnante, que não logrou provar ou contrariar a origem das entradas e saídas dos fluxos financeiros das contas tituladas pelos sócios, nem sequer logrou provar ou contrariar que aquelas contas não estavam afectas ao giro comercial da sociedade.

c) Como tal, foi violado o art.º 74° da LGT.

d) O recurso à avaliação indirecta, subsidiária da avaliação directa, deve ser feito apenas em situações específicas, nas quais a existência de um conjunto de omissões e irregularidades verificadas na contabilidade indiciem uma capacidade contributiva superior à declarada. Não existe discricionariedade da AT, na escolha da metodologia para tributação.

e) Não podemos concluir que, sempre que verificados erros e irregularidades na contabilidade, seja garantida a legitimidade do recurso a métodos indirectos,

f) A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o rendimento real, pelo que a avaliação directa surge como um instrumento útil na descoberta da verdade material.

g) Posto que, a contabilidade, embora formalmente organizada de acordo com as normas
contabilísticas e fiscais, pode não evidenciar o rendimento real.

h) Por isso, compete à AT em sede do procedimento inspectivo mostrar que o rendimento real não é o declarado, isto é, que a contabilidade não reflecte todos os rendimentos e gastos, ou seja, a real actividade do contribuinte.

i) As correcções à matéria tributável foram efectuadas numa perspectiva de balanço, ou seja, analisaram-se os recebimentos e pagamentos da sociedade, através de contas bancárias, afectas ao giro comercial da mesma, compararam-se com os valores constantes da contabilidade e apuraram-se as divergências.
j) O resultado tributável pode ser apurado de duas maneiras, ou pela via da demonstração de resultados, que corresponde à diferença entre gastos e rendimentos, ou pela via do balanço, a diferença entre activos e passivos (fluxos de financeiros de entrada e de saída).

k) Nunca se quantificaram litros de leite ou quilos de queijo; quantificaram-se entradas e saídas de fluxos financeiros.

l) Na inspecção, acedeu-se a toda a informação bancária (extractos, cópias de cheques e movimentos), suporte dos fluxos financeiros, quer em nome da sociedade, quer em nome dos sócios e familiares. Acederam-se a todos os elementos da contabilidade, designadamente, facturas e recibos emitidos, destacando-se os emitidos aos produtores de leite, não sujeitos passivos.

m) Destaca-se, ainda, o cruzamento e análise de dados, no procedimento inspectivo, que foi
exaustiva. Aliás, a amostra seleccionada foi de 95% (quase a totalidade) dos recibos de aquisição do leite aos produtores não sujeitos passivos, fazendo-se o cruzamento com o valor unitário dos cheques descontados nos extractos bancários das contas tituladas pelos sócios nos bancos BCP n° 5000-8871-279, BTA no 12142906-01 e BES n° 2940-3212- 0002.

n) Demonstrou-se que estas contas estavam afectas à actividade da empresa: (i) Foram analisadas as contas bancárias da sociedade, designadamente, os pagamentos e recebimentos registados nessas contas; (ii) Foram analisados os movimentos de saída e detectou-se que se destinavam a compras da actividade, designadamente pela análise dos recibos de aquisição do leite; (iii) Essas mesmas saídas não correspondiam a pagamentos de despesas de carácter pessoal (iv) Quanto às entradas, verificou-se a existência de depósitos de clientes da sociedade, com ou sem factura emitida na contabilidade; (v) Quanto aos depósitos em numerário, pela sua natureza, a origem não é passível de ser conhecida.

o) Os movimentos bancários nunca foram contrariados pela impugnante. Caberia ao contribuinte demonstrar a falta de aderência à realidade, sob pena de a dúvida sobre esta matéria se revelar desfavorável à sua pretensão. E não tendo feito tal prova e nem tendo mesmo chegado a colocar em dúvida séria, fundada, os pressupostos de facto em que a Administração Fiscal se fundou para concluir pela existência daquele montante de proveitos, a causa tem de ser decidida contra o impugnante.

p) Ao decidir como decidiu, a douta sentença não teve em conta o iter cognoscitivo do relatório de inspecção, desprezou a prova documental junta e fez tábua rasa da confissão dos valores pela impugnante e assumiu como presunções aquilo que, sobejamente, foi demonstrado por documentos.

q) Deturpou as conclusões do relatório, impondo a demonstração de pressupostos para o recurso a métodos indirectos, pressupostos esses que não existem ou ainda impondo soluções de tributação (por manifestações de fortuna) que se revelariam, no caso concreto, totalmente inverosímeis.

r) Violou o disposto nos art0 81o a 83° e 87° a 90° da LGT, abdicando do princípio da subsidiariedade da avaliação indirecta.

Pelo que, com o mais que Vossas Excelências se dignarão suprir, deve ser dado provimento ao recurso e, em consequência, deve ser revogada a decisão recorrida, devendo, ainda, manter-se na ordem jurídica os actos tributários impugnados, só assim se fazendo inteira
JUSTIÇA!».


Não foram apresentadas contra-alegações.

O Exmo. Senhor Procurador-Geral-Adjunto emitiu mui douto parecer em que conclui dever ser negado provimento ao recurso, mantendo-se na ordem jurídica a sentença recorrida.

Colhidos os vistos legais, e nada mais obstando, cumpre decidir.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação da Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), a questão central que importa resolver reconduz-se a indagar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao concluir que a Administração tributária recorreu a juízos presuntivos sem, contudo, lançar mão da metodologia indirecta, uma vez que se ancorou a meras correcções técnicas, facto que determina a ilegalidade das correcções subjacentes às liquidações impugnadas.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em 1ª instância foram julgados provados e com interesse para a decisão os seguintes factos:
«

a) Em cumprimento da ordem de serviço n.ºOI200700320 de 2007/11/16 foi a impugnante alvo de inspecção de âmbito parcial de IRC e IVA, relativamente ao exercício de 2006 (cfr. ponto 2.1 do relatório de inspecção a fls. 29 e ss. do PAT respectivo);
b) Da acção de inspecção, a AT pugnou pelas seguintes correcções de natureza meramente aritmética resultante de imposição legal, ao exercício de 2006 (cfr. Quadro de conclusões a fls. 30 do PAT):
Correcções ao resultado tributável – IRC – 675.982,07€; Imposto em falta - IVA – 106.772,59€.
c) As correcções à matéria tributável de IRC a que se refere a alínea anterior resultam das seguintes correcções (cfr. ponto 3.6. – “Matéria tributável em sede de IRC”, do relatório de inspecção, a fls. 29 e ss. do PAT, em concreto a fls. 63):
1 - Vendas de Kg de queijo e requeijão omissas na contabilidade – Art.º20.º n.º1 do CIRC – 2.097.746,82€
2 - Aquisição de leite omissa na contabilidade – Art.º 23 n.º1 do CIRC –1.431.245,91;

3 - Custos não aceites para efeitos fiscais – Art.º 23, n.º1 do CIRC – 9.481,16€.
- Correcções ao resultado tributável – A. 17.º do CIRC (1-2+3) = 675.982,07€.
d) Do relatório de inspecção, lê-se, além do mais, o seguinte: (cfr. relatório de inspecção, a fls. 29 e ss. do PAT, em concreto a fls. 63):
(Texto no original)
(Texto no original)


(Texto no original)
(Texto no original)

(Texto no original)




e) A 03/12/2008 foi proferido despacho a sancionar o relatório de inspecção bem como as correcções naquele propostas (cfr. despacho a fls. 28 dos autos);
f) Foi emitida liquidação adicional de IRC, relativamente ao exercício de 2006, com o n.º20088310039526, no valor de €163.911,98 (cfr. proposta de decisão da reclamação graciosa, de fls. 463 do PAT 519/09);
g) A 27/04/2009 foi apresentada pela impugnante reclamação graciosa da liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 2006 (cfr. fls. 441 e ss. do PAT respectivo);
h) A 01/07/2009 a reclamação graciosa foi indeferida (cfr. despacho de fls. 471 do PAT);

Do Processo 431/10.8:

i) Em cumprimento da ordem de serviço n.ºOI200900312 de 2009/03/31 foi a impugnante alvo de inspecção de âmbito parcial de IRC e IVA, ao exercício de 2005 (cfr. ponto 2.1 do relatório de inspecção a fls. 125 e ss. do PAT – Processo 431/10.8);
j) Na conclusão da acção de inspecção, a AT pugnou pelas seguintes correcções
de natureza meramente aritmética resultante de imposição legal (cfr. Quadro de conclusões a fls. 125 do PAT):
Correcções à matéria Tributável – IRC – 1.001.900,69€;
Imposto em falta - IVA – 104.930,61€.
k) As correcções à matéria tributável de IRC a que se refere a alínea anterior resultam das seguintes correcções (cfr. ponto 3.5 – Matéria tributável em sede de IRC, do relatório de inspecção, a fls. 125 e ss. do PAT, em concreto a fls. 146):
- Vendas de Kg de queijo e requeijão omissas na contabilidade – Art.º20.º n.º1 do CIRC – 2.012.343,85€
- Aquisição de leite omissa na contabilidade – Art.º 23 n.º1 do CIRC – 1.033.008,52€;
- Custos não aceites para efeitos fiscais – Art.º 23, n.º1 do CIRC – 22.565,36€.
l) Do relatório de inspecção, lê-se, além do mais, o seguinte (cfr. relatório a fls. 137 e ss. do PAT):

(Texto no original)

(Texto no original)
(Texto no original)

(Texto no original)

(Texto no original)


m) A 07/12/2009 foi proferido despacho a sancionar o relatório de inspecção bem como as correcções naquele (cfr. despacho a fls. 123 do PAT);
n) Foi emitida liquidação adicional de IRC, relativamente ao exercício de 2005, com o n.º200983110029177, no valor de €312.148,31 (cfr. documento de fls. 367 e proposta de decisão da reclamação graciosa de fls. 386, ambos do PAT 431/10);
o) A 14/04/2010 foi apresentada pela impugnante reclamação graciosa da liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 2005 (cfr. fls. 368 e ss. do PAT respectivo);
p) A 16/06/2010 foi indeferida a reclamação graciosa (cfr. despacho de fls. 394 dos autos);
q) Por despacho de 02/06/2008 do Procurador Adjunto do Ministério Público de Seia foi derrogado o sigilo bancário da impugnante, e de A…, M…, M…, M... e A… (cfr. cópia de despachos de fls. 462 e ss. do PAT 431/10);

A sentença deu como «Factos não provados», os seguintes:

«1. São necessários 7,8 kg de leite para produzir 1 kg de queijo;
2. São necessários 15 a 20 gramas de sal para produzir 1 kg de queijo»

E quanto à «Fundamentação da matéria de facto provada e não provada», deixou-se consignado na sentença:

«Os factos provados assentam na análise crítica dos documentos juntos aos autos, não impugnados, não se mostrando relevante o depoimento das testemunhas, pelas razões que se apontam:
- No que respeita ao depoimento das testemunhas da Fazenda Pública estas não vieram fazer mais do que repetir o teor dos relatórios em análise;
- No que respeita à primeira testemunha, cujo depoimento se centrou na descrição do processo produtivo dos queijos e requeijão, descrevendo nomeadamente as matérias-primas e subsidiárias à respectiva produção, este baseou-se num documento de que a testemunha se fazia acompanhar, e cuja junção aos autos foi ordenada (de fls. 165 e 166), cujo teor foi infirmado por um outro documento mais tarde junto aos autos pela impugnante (a fls. 197 a 200). Desta forma, e apesar da impugnante pretender ver como provados os factos relativos às quantidades de matérias-primas e subsidiárias necessárias à produção dos quilogramas de queijo e requeijão, alegadamente por si omitidos na contabilidade, o certo é que a existência junto aos autos destes elementos contraditórios não permite concluir nos termos pretendidos, pelo que se dão como não provados os factos relativos às quantidades de matérias-primas e subsidiarias alegadas».

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Como decorre dos autos e do probatório, a impugnante, ora Recorrida, fabricante de queijo e requeijão, foi objecto de duas acções inspectivas externas referenciadas aos exercícios de 2005 e 2006, abrangendo, nomeadamente, o IRC, de que resultaram correcções à matéria tributável nos valores respectivos de 1.001.900,69€ e 675.982,07€ para aqueles anos.

De acordo com o consignado nos relatórios de inspecção tributária que culminaram as referidas acções inspectivas, as correcções à matéria tributável assentaram em métodos de avaliação directa, consubstanciando correcções de natureza meramente aritmética, não tendo havido recurso a métodos de avaliação indirecta (cf. pontos a), b), i) e j) da matéria assente).

Entendimento contrário, na esteira do sustentado pela impugnante, perfilhou a sentença recorrida, para quem a Administração tributária operou com juízos presuntivos próprios da metodologia de avaliação indirecta.

Com esse modo de ver se não conforma a ora Recorrente Fazenda Pública, para quem a AT não operou com juízos presuntivos, como erroneamente se concluiu na sentença recorrida, antes tendo baseado as correcções em elementos e informações de natureza objectiva, nomeadamente, extractos bancários da sociedade inspeccionada, de sócios dela e familiares destes, que no seu conjunto reflectem os fluxos financeiros de saída e entrada referenciados a operações não contabilizadas de compra e de venda de bens.

Que dizer?

Como referimos, a sentença recorrida concluiu que no cálculo da matéria tributável corrigida a AT recorreu a juízos presuntivos próprios da metodologia de avaliação indirecta, embora sob a capa de correcções meramente aritméticas.
No essencial, para assim concluir, consta da sentença o seguinte discurso argumentativo:

«Veja-se que no que respeita à compra de leite alegadamente omitida a mesma é concluída pela análise aos valores dos cheques descontados da conta de uma familiar dos sócios da impugnante. Nesta análise a AT conclui que 95% dos valores de compras de leite a produtores não sujeitos passivos de IVA, contabilizadas, eram coincidentes com valores de cheques descontados da referida conta bancária, pelo que, concluiu que a totalidade dos meios de pagamento de aquisições de leite a produtores não sujeitos passivos de IVA seriam cheques emitidos daquela conta bancária. Isto é a AT formulou a seguinte conclusão: O pagamento do fornecimento de leite a produtores não sujeitos passivos de IVA é feito através da conta bancária da referida familiar dos sócios da impugnante.
Em seguida, e observando que da referida conta bancária se efectuaram 2023 pagamentos a compras contabilizadas de leite a produtores não sujeitos passivos em sede de IVA, concluiu a AT que todos os 3300 movimentos a débito efectuados através da referida conta bancária, se referiam apenas e só a pagamentos efectuados a produtores de leite não sujeitos passivos, no valor de 1.033.008,52€ (ponto 3.1 do relatório de inspecção, 3.º e 4.º).
E no que respeita aos proveitos alegadamente omitidos, a AT partiu da análise de depósitos efectuados nas contas bancários dos sócios da impugnante e seus familiares, concluindo que os depósitos provenientes de cheques emitidos por entidades que figuram como clientes da impugnante teriam de ser vendas omitidas, mas indo mais longe, defendendo que todos os depósitos em numerário também o eram.
Ora, na verdade, no relatório da AT não encontramos uma linha que seja relativamente aos esforços empreendidos por esta para provar que cada um dos depósitos se referia a vendas de produtos, tanto no que respeita aos depósitos de cheques, como no que respeita aos depósitos em numerário. O que a AT faz é concluir, a partir de um facto conhecido – os depósitos – um facto desconhecido – a causalidade subjacente aos mesmos. Mas mais, é que para além dos depósitos efectuados por cheque emitidos por pessoas singulares ou colectivas que constam na contabilidade como clientes da impugnante, a AT considera ainda que todos os depósitos efectuados nas contas dos sócios da impugnante, mesmo aqueles efectuados em numerário são também relativos a vendas de produtos da impugnante “na medida em que os titulares das referidas contas bancárias não u sufruíam de outros rendimentos”, como escreveu no relatório relativo ao exercício de 2005.
Ora, não é possível acompanhar o raciocínio da AT para concluir que a avaliação levada a cabo foi uma avaliação directa, uma vez que esta assenta de forma clara em presunções – a presunção de que os cheques depositados nas contas em causa dos sócios da impugnante e provenientes de clientes da impugnante são vendas omitidas; de que os depósitos em numerário, e portanto cuja origem não é possível seguir, são também vendas da impugnante omitidas; a presunção de que os 3300 pagamentos efectuados por cheques da conta de C… , familiar dos sócios da impugnante, se destinaram a pagar leite a produtores não sujeitos passivos em sede de IVA, a partir da análise de 95%, ou da verificação em 95% dos casos (o relatório não é claro) de pagamento de leite adquiridos a produtores não sujeitos passivos em sede de IVA, daquela conta, relativamente ao leite contabilizado como custo; a presunção de que os cheques descontados nas contas BCP n.º5000 (…), BTA n.º1214(…) -001 e BES n.º2940 (…)002 foram todos para pagamento de leite, concluindo que apenas parte foi declarado; e por fim a presunção de que todos os depósitos efectuados nas contas de banco identificadas, tituladas pelos sócios da impugnante, são provenientes de transações omitidas, porque o emitente dos cheques, geralmente exerce a actividade de comercialização de produtos alimentícios.
Assim sendo não nos resta alternativa se não concluir nos termos invocados pela impugnante na sua PI no sentido de que as correcções levadas a cabo pela AT, baseadas no encontrar de movimentos bancários nas contas dos sócios da impugnante e seus familiares, que a levaram a concluir pela omissão de proveitos da impugnante, apenas estariam legitimadas em sede de avaliação indirecta, e não dando às mesmas uma configuração de avaliação directa».

Com efeito, apreende-se do relatório de inspecção tributária que a declaração, contabilidade e escrita da impugnante não permitiu à AT a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável do IRC (art.º87.º, alínea b), da LGT), tendo sido necessário recorrer a extractos bancários de contas tituladas pelos sócios da impugnante e familiares dos sócios para quantificar valores de compra e de venda não reflectidos nos elementos de contabilidade e escrita da impugnante, não havendo elementos probatórios objectivos e incontroversos que permitam extrair dos movimentos de saída e entrada de fundos reflectidos naqueles extractos bancários das contas dos sócios, e de familiares dos sócios, as operações económicas supostamente omitidas de compra de matéria-prima (leite) e de venda de produtos fabricados pela empresa impugnante (queijos e requeijões).

Permitimo-nos realçar, por extracto, o que a propósito consta do ponto 3.1. do Capítulo III – “Correcções aritméticas” do RIT:
«…verificamos ainda que foram descontados 1809 cheques de pequeno valor, preenchidos pelo Sr.J… [antes identificado no RIT como funcionário do escritório da impugnante – fls.53 do PA], cujos recibos foram sonegados pelos responsáveis da sociedade aos registos contabilísticos, pelo que foram solicitados aos bancos o envio dos mesmos (…).
[…]
Ao analisarmos o conteúdo dos cheques facultados pelas instituições bancárias (…), verificamos que eles correspondem às aquisições efectuadas aos produtores de leite não sujeitos passivos, em cujos meses não consta nenhum recibo na contabilidade.
Concluímos, portanto, que os cheques descontados naquelas datas foram todos para pagamento de leite ao produtor não sujeito passivo e observamos que não foi efectuada nenhuma transferência bancária das mencionadas contas, para a firma A… & F…, Lda.»

Noutro passo do RIT pode ler-se:
«O total dos depósitos efectuados diariamente nas contas bancárias dos sócios destinadas exclusivamente ao movimento de transacções omissas na contabilidade da firma A… & F…, Lda., está apurado no mapa anexo 58 e ascende a 2.446.284,18€.
[…]
Ao analisarmos o conteúdo dos cheques facultados pelas instituições bancárias (…), verificamos que o emitente dos cheques, geralmente exerce a actividade de comercialização de produtos alimentícios. Além disso, verificamos ainda que alguns desses cheques têm recibo e factura ou venda a dinheiro registada na contabilidade tal como referimos nos pontos anteriores.
Face ao exposto, concluímos portanto que todos os depósitos efectuados nas quatro contas bancárias identificadas anteriormente respeitam a transacções de queijos e requeijões e que os sócios da sociedade ocultaram factos relacionados com a actividade e valores sujeitos a tributação. Assim, os responsáveis pela sociedade depositaram nas suas contas bancárias 2.446.284,18€, proveniente de transacções de queijos e requeijões, sendo, parte desses depósitos, no total de 348.537,36€ referente a vendas com facturas e vendas a dinheiro registadas na contabilidade, pelo que omitiu proveitos no valor total de 2.097.746,82€ (2.446.284,18€ - 348.537,36€), facto contrário ao disposto no n.º1 do artigo 20.º do CIRC».

Estas passagens do RIT são, per si, elucidativas de que a AT recorreu a critérios próprios da metodologia indirecta, quer para concluir pela omissão à contabilidade de custos e de proveitos, quer para quantificar o valor desses mesmos custos e proveitos omitidos.

Na verdade, concluiu a AT, partindo unicamente da circunstância de haver nas contas tituladas e contituladas pelos sócios e familiares dos sócios, cheques lançados a débito preenchidos por um funcionário do escritório da impugnante e que tinham por beneficiários produtores de leite não sujeitos passivos, que tais cheques se destinaram ao pagamento da aquisição pela impugnante dessa matéria-prima necessária ao seu processo produtivo.

Como concluiu, partindo da circunstância de os emitentes de cheques lançados a crédito nas contas dos sócios e familiares, “geralmente” exercerem a actividade de comercialização de produtos alimentícios, que tais cheques correspondem ao recebimento do valor das transacções omitidas de queijos e requeijões.

Ora, na medida em que não haja elementos objectivos e incontroversos que permitam extrair dos fluxos financeiros nas contas dos sócios, e de familiares dos sócios, as apontadas omissões à contabilidade da impugnante de custos e de proveitos, pode afirmar-se que o juízo da AT se formou com base em indícios, materializados em factos a partir dos quais inferiu a omissão de transacções e as quantificou.

A avaliação directa, conforme resulta do nº1 do art.º83º da LGT, tem por fim determinar o valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação, constituindo, assim, um instrumento útil na busca da verdade material.

Os métodos indirectos, por seu lado, consistem nos meios de avaliação indirecta de lucros tributáveis ou rendimentos líquidos através do recurso a índices que permitam extrair presunções quantitativas (art.º83.º, n.º2 da LGT). Não constituem, portanto, um modo de avaliação de um montante efectivamente existente, antes possibilitam a sua quantificação presuntiva pela análise de indicadores que, supostamente, o podem identificar.

Deste modo, não pode dizer-se que os valores apurados da matéria tributável correspondam, no caso, a valores reais, mas antes a uma quantificação presuntiva decorrente de determinados indicadores factuais.

O pressuposto inultrapassável para que a AT, vinculadamente, lance mão da metodologia directa ou de metodologias alternativas, radica na circunstância de os factos fiscalmente relevantes serem, à luz de parâmetros de razoabilidade e normalidade, incontroversamente conhecidos - caso em que não pode deixar de corrigir aritmeticamente -, ou de o não serem e de, então, se tornar necessário determiná-los a partir de outros que o sejam e que em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência se mostrem consubstanciar factos-índice adequados a tal extrapolação – vd. Acórdão deste TCAS, de 13/11/2012, tirado no proc.º04205/10.

Em resumo, de tudo o que vem dito, pode concluir-se, na esteira do Acórdão deste TCAS de 18/06/2015, tirado no proc.º08641/15, que a Administração tributária, no caso em análise, sob a capa de alegadas correcções técnicas, corrigiu e alterou valores declarados com recurso a métodos indirectos, sem que tal recurso tenha sido acompanhado do necessário procedimento, o qual reclamava especiais deveres à Administração (designadamente de fundamentação – artigo 77.º, nº4º da LGT) e consagra especiais direitos e garantias ao contribuinte (designadamente o pedido de revisão, previsto no artigo 91º e ss. da LGT, sendo ainda de assinalar, em certos casos, o encurtamento do prazo de caducidade de direito à liquidação quando esta decorre da aplicação de métodos indirectos, tal como resulta do artigo 45º, nº2 da LGT). Nem tais deveres foram observados, nem os direitos e garantias de defesa da impugnante foram salvaguardados, no caso.

Ora, de tudo o que vem dito, e sem necessidade de mais amplas considerações, resta concluir que, no caso, como decidido, a Administração tributária, sob a máscara de meras correcções técnicas, mais não fez do que determinar a matéria colectável da impugnante com recurso a métodos indirectos, sem que, para tanto, cumprisse os dispositivos legais impostos e aos quais se fez expressa referência.

A sentença recorrida não enferma do vício de erro de julgamento que lhe vem apontado, merecendo ser inteiramente confirmada, negando-se provimento ao recurso.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas a cargo da Recorrente.

Lisboa, 18 de Abril de 2018



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Vital Lopes




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Joaquim Condesso




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Anabela Russo