Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1581/16.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:07/09/2020
Relator:ANA PINHOL
Descritores:RECURSO;
DECISÃO DE APLICAÇÃO DE COIMA;
NULIDADE INSUPRÍVEL.
Sumário:I. O requisito da decisão administrativa de aplicação de coima “descrição sumária dos factos” tem de ser interpretado em correlação necessária com o tipo legal no qual se prevê e pune a infracção imputada ao arguido, pelos que os factos que importa descrever sumariamente na decisão de aplicação da coima não são senão os factos essenciais que integram o tipo de ilícito em causa. (artigo 79.º, n.º 1, alínea b), primeira parte, do RGIT).

II. O requisito da decisão administrativa de aplicação de coima “indicação dos elementos que contribuíram para a fixação” da coima deve ter-se por cumprido se, embora de forma sintética e padronizada, refere os elementos que contribuíram para a fixação da coima. (artigo 79.º, n.º 1, alínea c), do RGIT).

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO


I.RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA recorre para o Tribunal Central Administrativo Sul da decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa no âmbito de recurso judicial apresentado pela arguida S.............. contra a decisão administrativa de aplicação de coima, proferida pela Chefe do Serviço de Finanças de Mafra no processo de contra-ordenação n.°……………….., datada de 24/03/2015, que fixou em €20.529,51€ a coima por falta de entrega de pagamento especial por conta, infracção cometida em 201312, por considerar que a mesma enferma de nulidade insuprível nos termos do n.ºs 1, alínea d) do artigo 63.º, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), por violação do disposto no artigo 79.º do identificado diploma legal.

A Fazenda Pública, terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

« I. Visa o presente recurso demonstrar à evidência o desacerto a que chegou a douta sentença recorrida na parte em que julgou não estarem preenchidos os requisitos do art.° 27.° do RGIT, visto não constar da mesma a indicação dos elementos que contribuíram para a fixação do montante da coima, incorrendo em manifesto erro de julgamento relativamente quer à má apreciação da prova perante os elementos trazidos aos autos mas também a má apreciação jurídica dos factos que à luz da experiência comum suportaram a sua decisão.

II. Ao abrigo do artigo 104,°, n.°1 alínea a) do CIRC todas as entidades que exerçam a título principal, atividade comercial, industrial ou agrícola são obrigadas a efetuar três pagamentos por conta com vencimento nos meses de Julho, Setembro e Dezembro do ano a que respeitam o lucro tributável.

III. Tais pagamentos têm a natureza de entregas pecuniárias antecipadas efetuadas no período de formação do facto tributário, nos termos do art.° 33 da LGT.

IV. A questão dos autos é assim a de saber se esta decisão de aplicação da coima observou ou não todos os requisitos legalmente exigidos, designadamente o previsto na alínea c) do n.° 1 do artigo 79.° do RGIT.

V. Ao definir os requisitos da decisão que aplica a coima, estabelece este normativo que deve aquela decisão conter não só a descrição sumária dos factos e a indicação das normas violadas e punitivas - alínea b) - mas também a coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação - alínea c).

VI. Com tais requisitos pretende-se dar ao arguido as informações indispensáveis à preparação da sua defesa, pelo que é necessário que lhe sejam comunicados os factos imputados, as normas violadas e punitivas, a coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação, sendo que a falta desses requisitos na decisão de aplicação da coima constitui nulidade insuprível no processo de contra-ordenação tributária, nos termos do artigo 63.°, n.° 1, alínea d) do RGIT.

VII. Ora, na decisão em apreço que aplicou a coima à recorrida menciona-se expressamente a violação por esta dos artigos 98.° n.° 1 do CIRC, 114.°, n.° 2 e 5 f) e 26.° n.° 4 do RGIT, por falta de entrega de prestação tributária, no período 12/2013, bem como os elementos principais que em concreto contribuíram para a fixação da coima (vide fls. 11 e 12 dos autos).

VIII. Ou seja, contrariamente ao entendimento da Mma. Juíza “a quo”, de tal decisão constam assim, no essencial, a descrição sumária dos factos, as normas punitivas e os elementos que contribuíram para a fixação da coima, habilitando desta forma a arguida ao exercício efetivo dos seus direitos de defesa.

IX. Sendo certo que as exigências do citado artigo 79.° do RGIT se devem considerar satisfeitas quando as indicações contidas na decisão forem suficientes para permitir ao arguido o exercício efetivo dos seus direitos de defesa. Neste sentido veja-se Jorge de Sousa e Simas Santos, in Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 2.a edição, nota 1 ao artigo 79.°.

X. Ora, no caso dos autos, tal verifica-se, não podendo afirmar-se que à arguida não foram dados a conhecer os factos indiciados e que lhe são imputados.

XI. Por outro lado, também quanto à indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima a Mma. Juíza “a quo” não tem razão, pois tais elementos constam bem patenteados na decisão de aplicação da coima e no ofício de notificação desta à arguida.

XII. Não existem dúvidas que a alínea c) do n.° 1 do artigo 79.° do RGIT impõe que a decisão que aplica a coima deve conter os elementos que contribuíram para a sua fixação, sendo que a determinação da medida da coima depende da gravidade do facto, da culpa do agente e da sua situação económica, nos termos do artigo 27.° do RGIT.

XIII. Neste sentido veja-se o acórdão do STA de 12/12/2006, no recurso 1045/06, “a lei exige a explicitação destes elementos para que o arguido possa exercer a sua defesa no âmbito da fixação concreta do montante da penalidade, através de um contraditório que vise a diminuição da coima aplicada”.

XIV. Pelo que “afirmar a existência de nulidade insanável parece nitidamente desproporcionado relativamente à ratio do preceito - a dita possibilidade de defesa em ordem à diminuição da coima - e ao lugar paralelo do artigo 58.° do Decreto-Lei n.° 433/82. Aí, a omissão de elementos mais relevantes, como a própria descrição do facto imputado, não é sancionada com nulidade, constituindo, antes, mera irregularidade, nos termos dos artigos 118.°, n.° 1, e 123.° do Código de Processo Penal - cfr., aliás, o seu artigo 374.°. - Cfr. Beça Pereira, Regime Geral das Contra- Ordenações e Coimas, p. 73, nota 4." Cfr. acórdão do STA de 22 de Setembro de 1993, recurso n.° 16.098, publicado em Ciência e Técnica Fiscal, n.° 376, p. 227.

XV. Ora, no caso concreto, nem sequer se pode afirmar com rigor que a decisão impugnada seja omissa relativamente aos elementos que contribuíram para a fixação da coima aplicada à arguida, pelo que inexiste a apontada nulidade.

XVI. Nesta senda, ressalvando-se sempre o devido respeito, a sentença recorrida, ao fundamentar indevidamente os factos com deficit instrutório e errada interpretação da lei, não pode deixar de ser revogada e substituída por acórdão que, reconhecendo os vícios apontados julgue improcedente a declaração de nulidade da decisão recorrida, antes mantendo a decisão de aplicação de coima, por verificação dos imperativos legais constantes do artigo 114.° n.°2, 5 alínea f) e 26 n°4 do RGIT.

Pelo que, ressalvando-se sempre o devido respeito, a douta sentença recorrida não poderá deixar de ser revogada e substituída por acórdão que, reconhecendo os vícios apontados julgue improcedente a declaração de nulidade da decisão recorrida, antes mantendo a decisão de aplicação de coima, por verificação dos imperativos legais constantes do artigo 114.° n.°2, 5 alínea f) e 26 n°4 do RGIT.

S..............., notificada do recurso interposto, apresentou contra-alegações, concluindo do seguinte modo:

«1. A Recorrente insurge-se contra a douta Sentença que considerou que a decisão administrativa que aplicou uma coima à Arguida padecia do vício de nulidade insuprível em virtude de omitir os elementos que contribuíram para a fixação da coima.

2. Porém, a Recorrente não invoca quaisquer razões que infirmem a fundamentação em que assentou o douto Tribunal, ou que levem a ínflectir ou a divergir do entendimento aí firmado, limitando-se a teorizar sobre os requisitos gerais da decisão de aplicação da coima.

3. A Recorrente parece equiparar a “indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima” à mera remissão para normativos legais, considerando-a suficiente para preencher o escopo da alínea c) do n.°1 do artigo 79.° do RGIT.

4. Na verdade, a decisão administrativa limita-se a remeter para o disposto no artigo 104.°, n.°1, alínea a) do CIRC, inclusivamente omitindo outros normativos com relevo, designadamente o artigo 105.°.

5. Ora, com base no citado artigo 104.° do CIRC, como poderá a Recorrente afirmar que forneceu à Arguida os elementos que contribuíram para a fixação da coima?

6. Tal normativo é abrangente que carece de concretização por parte da AT, que deveria, nomeadamente, indicar o valor da matéria colectável do exercício anterior para poder apurar o valor do pagamento por conta em falta.

7. O desconhecimento quanto aos pressupostos que estiveram subjacentes à coima aplicada foi, desde logo, suscitado pela Arguida em sede de defesa, na qual se pugnou igualmente pela nulidade da notificação para o exercício do direito de defesa, precisamente porque a mesma não oferecia qualquer contributo para o exercício de tal direito.

8. E tais omissões mantiveram-se em sede de decisão final.

9. Apenas na “Informação" - que não é a decisão de aplicação da coima - prestada pela Recorrente, no seguimento da nulidade invocada pelo Recorrido, questionando como tinha sido apurado o tributo, são fornecidos alguns elementos adicionais que, contudo, não obstam à conclusão acerca da nulidade da decisão de aplicação da coima. 

10. Tanto mais que “em processo de contra-ordenação fiscal, constitui nulidade insuprível a falta de indicação, na decisão de aplicação da coima, dos elementos que contribuíram para a sua fixação. Devendo dessa decisão constar todos os elementos que serviram de base à condenação, não satisfaz aquele requisito a remissão para uma informação que consta do processo”

11. Termos em que a douta Sentença recorrida não merece qualquer reparo ao pugnar pela nulidade da decisão que aplicou uma coima à Recorrida.

Nestes termos e no demais de Direito que V. Exas doutamente suprirão, deverá o Recurso ser julgado improcedente, por não provado, mantendo-se a Sentença recorrida, só assim se fazendo a tão acostumada JUSTIÇA!»


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Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público que se pronunciou pela improcedência do recurso.


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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Como se sabe, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões do pedido, que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do tribunal de recurso ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr. artigo 412.º, nº 1, do C.P.Penal, “ex vi” do artigo 3º, al.b), do RGIT, e do artigo 74.º, nº4, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo Decreto – Lei n.º 433/82, de 27/10).

Assim, vistas as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que, no caso concreto, a questão a decidir é a de saber se a decisão administrativa de aplicação da coima que está na base dos presentes autos se encontra (ou não) ferida de nulidade insuprível por do seu conteúdo não ser possível aferir em que valores assentou a determinação do montante “exigível” determinante para o apuramento da coima aplicada.


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III. FUNDAMENTAÇÃO

A.DOS FACTOS

Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:

« a) Em 28/02/2015, foi levantado o auto de notícia presente a fls. 2 dos autos, contra a recorrente, imputando-lhe a prática de uma infracção referente à falta de entrega de pagamento especial por conta, porquanto não entregou, para o período de Dezembro de 2013, e até ao termo do prazo para cumprimento da obrigação, que ocorreu em 15/12/2013

b) A prestação tributária necessária para satisfazer o imposto exigido, no montante de 68.31,70€, o que originou a instauração do processo contra-ordenacional a que foi atribuído o n.°………………..; cf. capa do processo:

c) Em 24/03/2015, o Chefe do Serviço de Finanças de Mafra fixou a coima nos termos que constam de fls. 11 e 12 dos autos, na qual consta, além do mais, o seguinte:

DECISÃO DA FIXAÇÃO DA COIMA
Descrição Sumária dos Factos
Ao(A) arguido(a) foi levantado Auto da Noticia pelos seguintes factos: 1. Imposto/Trib: Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas IRC 2:. Valor da prestação tributária em falta 68.431,70€; 3 Eur 3 Período a que respeita a infracção 201312; Valor da prestação tributária em falta: 498,80 Eur.; 4.: 2002/03; 5. Termo do prazo para cumprimento da obrigação :2013-12-15; os quais se dão como provados.
Normas infringidas e Punitivas
Os factos relatados constituem violação do(s) artigo(s) abaixo indicado(s), punidos pelo(s) artigo(s) do RGIT referidos no quadro, aprovado pela Lei n.°15/2001, de 05/07, constituindo contra - ordenação(ões),
Normas Infringidas
Art° 98.° n.°1 CIRC- Falta de entrega de Pagamento Especial por Conta Normas Punitivas
Art.° 114.° n.°2 e 5 f) e 26.° n.° 4 do RGIT- Falta entrega de prestação Tributária
Período Tributação
201312
Data Infracção
2013-12-15
Responsabilidade contra-ordenacional
A responsabilidade própria do(s) arguido(s) deriva do Art° 7.° do Dec-Lei N.° 433/82, de 27/10, aplicável por força do Art°, 3.° do RGIT, concluindo-se dos autos a prática, pelo(s) arguido(s) e como autor(es) material(ais) da(s) contra-ordenação(ões) identificada(s) supra.
Medida da Coima
Em abstracto, a medida da coima aplicável ao(s) arguido(s) em relação a(s) contra-ordenação(ões) praticadas(s) tem como limite minimo o valor de Eur. 99,76 e limite máximo o montante de Eur. 498,80, dado tratar(em)-se de pessoa(s) colectiva(s).
Para fixação da coima em concreto deve ter-se em conta a gravidade objectiva e subjectiva da(s) contra-ordenação(ões) praticada(s), para tanto importa ter presente e considerar o seguinte quadro (Art° 27, ° do RGIT):
Requisitos/Contribuinte(s)
S..............
lActos de Ocultação - Não
Beneficio Económico - 0,00
Frequência da prática - Acidental
Negligência - Simples
Obrigação de não cometer a Infracção - Não
Situação Económica e Financeira - Desconhecida
Tempo decorrido desde a prática da infracção > 6 meses
DESPACHO
Assim, tendo em conta estes elementos para a graduação da coima e de acordo com o disposto no Art° 79.° do RGIT aplico ao arguido a coima de Eur.20.529,51€, cominada no(s) Art°(s) 114.° n.° 2 e 5 f) e 26° n.°4, do RGIT, com respeito pelos limites da Art° 26.° do mesmo diploma, sendo ainda devidas custas (Eur.76,50) nos termos do N° 2 do Dec-Lei N° 29/98 de 11 de Fevereiro. Notifique-se o arguido dos termos da presente decisão, juntando-se-lhe cópia, para, efectuar o pagamento da coima ou deduzir recurso judicial no prazo de 20 dias, sob pena de cobrança coerciva, advertindo-o de que vigora o Principio de Proibição de "Reformatio in Pejus" (em caso de recurso no é susceptivel de agravamento, excepto se a situação económica e financeira do infractor tiver melhorada de forma sensível).»

cf. fls. 11 e 12 dos autos.

d) Notificado para apresentar a defesa, verificou que os factos eram insuficientes, dirigiu-se ao serviço de finanças que o informou como tinha sido apurado o tributo (fl. 4 a 11);

e) O requerimento foi indeferido com o fundamento de que o tributo resulta dos normativos do IRC, sendo que no caso foi tido em conta que a infração se referia ao exercício de 2013, no valor de 121.203,48€, aplicando-se a taxa prevista no n° 2 do art° 105° 95%, resulta num imposto de 115.14,31€ a fazer em 3 pagamento como apenas foi pago o valor de 46,711.60€, a coima fixada pelo valor do imposto em falta (115-143,31€-46.711,60€ = 68.431,71€ (fl. 11)

f) O apuramento referido no ponto anterior consta na cópia de um documento e quantificada manualmente no verso de fl. 14 dos autos.

g) Na decisão que fixou a coima não consta como foi apurado o valor da mesma, nem qual o valor que lhe esteve subjacente.

h) Do comprovativo da Mod. 22 do exercício 2013 resulta que nesse exercício lucro tributável no valor de 484.813,90€ IRC ou outros impostos que directa ou indirectamente incidem sobre os lucros 133.481.66€, colecta 121.203,48€, IRC a recuperar 71.662,10€, total a pagar 83.821,91€. (fl. 144 frente e verso).


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Não há factos alegados que devam considerar-se como não provados e a considerar com interesse para a decisão do recurso.»


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B.DE DIREITO

A decisão de aplicação da coima imputa à arguida a violação da norma constante do artigo 98.° n.°1 CIRC- Falta de entrega de Pagamento Especial por Conta -, punida nos termos dos artigos 114.° n.°2 e 5 f) e 26.° n.° 4 do RGIT, onde se estabelece a moldura sancionatória aplicável à falta de pagamento, total ou parcial, da prestação tributária devida a título de pagamento por conta do imposto devido a final, expressamente equiparada à falta de entrega da prestação tributária.

O Tribunal Tributário de Lisboa julgou verificada nulidade insuprível da decisão de aplicação da coima, por entender não poder ter-se como cumprido o requisito a que alude a alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), na medida em que « (…) a decisão controvertida é omissa na quantificação dos valores determinantes para o efeito. O Arguido ficou sem saber como se quantificou a coima. Por exemplo ficou sem saber qual a matéria coletável que se teve em conta. A correcta do exercício de 2012 ou a considerada pela AT de 2013. ».

Não se conforma a Fazenda Pública, com o assim decidido, alegando, em síntese, que o artigo 79.º do RGIT não exige que na decisão administrativa se fundamente o acto de liquidação.

Como é sabido, os requisitos legais da decisão de aplicação da coima por parte da autoridade administrativa são os enunciados no citado artigo 79.º do RGIT, e, a sua falta constitui nulidade insuprível, nos termos da alínea d) do n° 1 do artigo 63.° do RGIT, que tem como efeito a anulação dos termos subsequentes do processo (cfr. n.° 3 do artigo 63.º do RGIT), nulidade essa que é do conhecimento oficioso e que pode ser arguida até ao transito em julgado da decisão final (cfr. n.° 5 do artigo 63.º do RGIT).

Para o que aqui releva, a alínea c) do nº1 do artigo 79.º RGIT determina que a decisão administrativa de aplicação de coima deve indicar dos elementos que contribuíram para a sua fixação.

Pela sua pertinência e interesse para a decisão da presente causa, convocamos Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17.12.2019, proferido no processo n.º 203/18.1BEMDL:

« (…) a sentença considerou ainda que a decisão administrativa enfermava de nulidade insanável, nos termos da alínea d) do n.º 1 do art. 63.º do RGIT por desrespeito pelo requisito constante da alínea c) do n.º 1 do art. 79.º, do mesmo Regime, uma vez que, para o cumprimento desse requisito, «não bastava o recurso a um quadro com a indicação dos elementos previstos no artigo 27.º do RGIT, acompanhado da mera afirmação de que esses elementos foram tidos em conta na graduação da coima.// Ao invés, impunha-se uma demonstração expressa do iter cognitivo e valorativo subjacente a tal fixação, que permitisse ao arguido, em primeira linha, e ao Tribunal, nesta sede, compreender as razões pelas quais se decidiu fixar a coima naquele valor e não noutro».

Convém recordar o disposto na alínea c) do n.º 1 do art. 79.º do RGIT: «1. A decisão que aplica a coima contém: […] c) A coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação».

Ora, essa exigência deve ter-se por satisfeita no caso sub judice, pois quanto à fundamentação da concreta coima aplicada foram ponderados os factores a que manda atender o art. 27.º do RGIT; assim, como consta da decisão, foram ponderados: a inexistência de actos de ocultação e de benefício económico para o agente, o carácter frequente da prática, o ter sido cometida por negligência simples, a situação económica e financeira do agente baixa e terem decorrido mais de seis meses desde a prática da infracção.

Assim, contrariamente ao decidido, entendemos não ser nula a decisão de aplicação da coima, pois que dela constam os requisitos mínimos que a lei manda observar quanto ao dever de fundamentação da decisão e que visam permitir ao visado contra ela reagir no exercício do seu direito de defesa; direito que, (…) «não se vê tenha sido postergado pela forma estandardizada como foi cumprido o dever de fundamentação da decisão» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Neste domínio, consta da questionada decisão administrativa o seguinte: «Descrição sumária dos factos»: «Ao(A) arguido(a) foi levantado Auto da Noticia pelos seguintes factos: 1. Imposto/Trib: Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas IRC 2:. Valor da prestação tributária em falta 68.431,70€; 3 Eur 3 Período a que respeita a infracção 201312; Valor da prestação tri«butária em falta: 498,80 Eur.; 4.: 2002/03; 5. Termo do prazo para cumprimento da obrigação :2013-12-15; os quais se dão como provados.».

E o campo relativo às «Normas Infringidas e Punitivas» elenca: « Artº 98.º n.º1 CIRC – Falta de entrega de Pagamento Especial por Conta (…)Art.º 114.º n.º2 e 5 f) e 26.º n.º 4 do RGIT – Falta entrega de prestação Tributária- Período Tributação 201312- Data Infracção 2013-12-15».

Daí que, atento o espírito que presidiu à intenção do legislador, quanto ao dever de fundamentação e contendo a decisão administrativa de forma suficiente os elementos de facto, com indicação temporal da conduta omissiva da ora recorrida, bem como, indicação do montante do imposto em falta, pelo que a descrição aí feita satisfaz falado requisito legal permitindo ao visado reagir contra essas mesmas decisões, no exercício do seu direito de defesa.

Analisando o teor da decisão administrativa de aplicação de coima decisão recorrida, facilmente se constata que a fundamentação nela integrada é mais do que suficiente, uma vez que a recorrida, através da impugnação que deduziu nos autos, demonstrou conhecer perfeitamente os factos que lhe eram imputados e as razões por que tais factos lhe foram imputados, defendendo-se com a alegação de factos relativos à inexistência de responsabilidade contra-ordenacional questionada nos autos.

Nestes casos e fazendo uso das palavras do Supremo Tribunal Administrativo, « Se da descrição dos factos é possível ao arguido perceber claramente que não entregou uma prestação tributária que era devida, qual o seu valor, e qual o período a que respeita, deve entender-se que está preenchido aquele requisito legal» (Acórdão de 27.6.2007, proferido no processo n.º 353/07, integramente disponível em www.dgsi.pt).

Em conclusão, contrariamente ao decidido pelo Tribunal «a quo», a decisão questionada satisfaz as exigências da alínea c) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT, pelo que procedem as conclusões das alegações, em consequência, o recurso.

IV. CONCLUSÕES

I.O requisito da decisão administrativa de aplicação de coima “descrição sumária dos factos” tem de ser interpretado em correlação necessária com o tipo legal no qual se prevê e pune a infracção imputada ao arguido, pelos que os factos que importa descrever sumariamente na decisão de aplicação da coima não são senão os factos essenciais que integram o tipo de ilícito em causa. (artigo 79.º, n.º 1, alínea b), primeira parte, do RGIT).

II.O requisito da decisão administrativa de aplicação de coima “indicação dos elementos que contribuíram para a fixação” da coima deve ter-se por cumprido se, embora de forma sintética e padronizada, refere os elementos que contribuíram para a fixação da coima. (artigo 79.º, n.º 1, alínea c), do RGIT).

V.DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes que integram a 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo em conceder provimento ao recurso, e, em consequência revogar a sentença recorrida e ordenar que os autos regressem ao Tribunal Tributário de Lisboa, a fim de aí prosseguirem com o conhecimento do recurso judicial.

Sem custas pelas partes (artigo 94.º nº4 RGCO/ artigo 66.º RGIT).


Lisboa, 9 de Julho de 2020

[Ana Pinhol]

[Isabel Fernandes]

[Jorge Cortês]