Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:113/12.6BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:12/16/2020
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:OPOSIÇÃO
PAGAMENTO PELO RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO/ UTILIDADE NO PROSSEGUIMENTO DA LIDE
Sumário:I - Nem sempre ocorre a inutilidade/impossibilidade da lide de oposição na sequência do pagamento voluntário da dívida, como acontece, nomeadamente, quando se pretende discutir a legalidade da dívida ao abrigo das alíneas a), h), ou b), do nº 1 do art. 204º do CPPT, ou quando o pagamento da dívida é realizado pelo responsável subsidiário para poder aceder a determinado benefício.
II – A tal não obsta o facto de o pagamento não ter ocorrido dentro do prazo de oposição.
III - A reversão operada ao abrigo da apontada alínea b) do nº1 do artigo 24º da LGT, pressupõe que o gerente de facto o tenha sido no momento em que se verifica o termo do prazo legal de pagamento ou entrega das dívidas tributárias, sendo que nesta hipótese, e se assim for, caberá ao revertido provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento.
IV - A gerência de facto de uma sociedade consiste no efectivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade.
V - A circunstância da a revertida não ter provado um determinado circunstancialismo por si alegado e tendente a demonstrar o não exercício da gerência, não pode beneficiar a Fazenda Pública que estava onerada com a prova (positiva) da efectiva gestão da devedora originária.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I - RELATÓRIO

A Fazenda Pública, dizendo-se inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que considerou procedente a oposição deduzida por J..., enquanto revertida, no âmbito da execução fiscal nº 3... e aps, originariamente instaurada contra a sociedade N... – A.... Lda., no que respeita à cobrança coerciva de dívida de IVA do ano de 2003, no montante total de € 20.529.52, dela veio interpor o presente recurso formulando, para o efeito, as seguintes conclusões:
I. - A douta Sentença recorrida julgou procedente a oposição deduzida no processo executivo nº 3... e aps, por dívidas de IVA do ano de 2003, no montante total de € 20.529,52, em que é devedora originária a sociedade “N... – A..., Lda” (NIF 5...), e em consequência, determinou pela extinção da execução contra a Oponente.
II. - A douta Sentença sob recurso incorreu em erro de julgamento da matéria de facto e de direito, ao não ter valorado devidamente o facto de a Oponente em 2011.12.31, ter efetuado o pagamento integral das dívidas, incluindo os juros de mora e taxa de justiça devidos, no valor de € 27.665,46 (cfr. o ponto 16 do probatório).
III. – Porquanto, tal pagamento não ocorreu no prazo para deduzir oposição, isto é, nos trinta dias posteriores ao da citação efetuada em sede de processo de execução fiscal (cfr. o art.º 203º do CPPT) e que permite ao executado por reversão efetuar apenas o pagamento da quantia exequenda (cfr. o nº 5 do art.º 23º da LGT). (cfr. os pontos 12 e 16 do probatório).
IV. – E assim, tinha nos presentes autos plena aplicação a jurisprudência expressa no Acórdão STA de 20-06-2012, tirado no processo nº 537/12, nos termos da qual, quando o pagamento é efetuado pelo próprio responsável subsidiário oponente, mas para além do prazo para deduzir oposição, continua a justificar-se a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide.
V. – Situação que se compreende, posto que com o pagamento efetuado para além daquele prazo, como sucedeu nos presentes autos, logrou a Oponente a extinção da execução, impedindo a prossecução desta contra a sociedade devedora originária, fato que não sucederia se o pagamento tivesse ocorrido no prazo a que se refere o nº 5 do art.º 23º da LGT.
VI. – Em face do antecedentemente exposto, devia a douta Sentença sob recurso ter determinado pela extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide, absolvendo a Fazenda Pública, por via do pagamento efetuado pela Oponente.
VII. - Porém, sem conceder, entende esta RFP que a douta Sentença também errou de fato e de direito quando considerou a Oponente como parte ilegítima na execução, por entender que a AT não fez prova de que a mesma exerceu a gerência efectiva da sociedade devedora originária.
VIII. - Não se conforma a Fazenda Pública com a decisão assim proferida, posto que, contrariamente ao sentenciado, considera que in casu se mostram verificados os pressupostos legais de que depende a reversão da execução contra a Oponente.
IX. – Com efeito, a Oponente para além de ser gerente de direito da executada originária, nos períodos constitutivos da dívida (cfr. ponto 1 do probatório) foi o único gerente de direito nomeado, sendo ainda suficiente para obrigar a sociedade, a sua assinatura, situação essa que, ao que consta, se manteve inalterada até à renúncia ao cargo ocorrida em 05.01.2006 (cfr. ponto 3 do probatório), posto que a sociedade não tinha qualquer outra forma de se obrigar que não fosse pela assinatura da ora Oponente.
X. - Deste modo, a referida sociedade jamais poderia ter prosseguido a sua actividade sem que nos atos externos praticados em seu nome, fosse aposta a assinatura da Oponente.
XI. - Isto pelo simples facto de a referida assinatura se mostrar imprescindível para que a sociedade pudesse prosseguir a sua actividade, posto que só a Oponente possuía poderes para a vincular.
XII. – Sendo que a circunstância de a Oponente ter sido gerente única da sociedade no período a que respeitam as dívidas, devia ter sido valorada em conjunto com a outra factualidade evidenciada no probatório, de acordo com a qual, a Oponente não logrou provar que foi a pedido do seu pai que passou a figurar como gerente da sociedade; que nunca interveio na sociedade devedora originária; que desconhecia os negócios da mesma e se tinha ou não trabalhadores (cfr. pontos 1 a 3 dos fatos considerados como não provados).
XIII. – Mas sobretudo, tal circunstância devia ter sido concatenada com o fato dado como não provado (cfr. o ponto 4 dos fatos considerados como não provados) de que a sociedade devedora originária era gerida efetivamente pelo pai da Oponente.
XIV. – Deste modo entende esta RFP que o Douto Tribunal sob recurso estava habilitado a retirar da factualidade provada a convicção de que a Oponente exerceu de facto a gerência da sociedade devedora originária, por apelo às regras da experiência comum e à presunção (judicial) da gerência de facto, derivada da gerência nominal, atento o facto de a Oponente ter sido, desde a constituição da sociedade, o único gerente, e a impossibilidade de a sociedade poder funcionar sem a sua assinatura, tanto mais que a Oponente não logrou provar, como se propôs, a factualidade por si esgrimida, mormente, sobre quem é que efetivamente geriu a sociedade devedora originária.
XV. – Nem tão pouco obstava a esta conclusão, a circunstância de a Oponente ter celebrado contratos de trabalho com outras entidades (cfr. os pontos 2 e 4 do probatório), porquanto nada impedia que a mesma exercesse as atividades em simultâneo.
XVI. – Para além do que, também não obstava à conclusão de que a Oponente geriu de direito e de fato a sociedade “N...”, o fato de o órgão de execução fiscal ter revertido a execução contra o pai daquela, L..., (cfr. o ponto 9 do probatório), porque tal sempre se imporia, face á circunstância de a Oponente ter referido – sem, contudo o provar, como se viu supra - que foi este que geriu de fato a sociedade.
XVII. – Nem se descortina que relevo possa ter este fato para o afastamento da responsabilidade subsidiária da Oponente pelas dívidas da sociedade “N...”, quando é o próprio Douto Tribunal sob recurso a dar por não provado que o pai da Oponente tenha alguma vez exercido a gerência efetiva da sociedade.
XVIII. - Ademais, nem tão pouco o Douto Tribunal sob recurso cuidou de aquilitar, junto do órgão de execução fiscal, se tal procedimento culminou na efetiva responsabilização do pai da Oponente ou se foi extinto, o que sempre estaria ao seu alcance, por via do principio do inquisitório (art.º 13º do CPPT), o que não fez.
XIX. - Por todo o exposto, sustenta-se, contrariamente ao inciso decisório expresso na douta Sentença a quo, que da prova produzida nos autos, ficou demonstrado que a Oponente foi gerente de direito e de fato da sociedade e que, nessa qualidade, era com a sua assinatura que aquela se vinculava, o que se consubstancia no exercício efetivo dessa mesma gerência.
XX. - Por conseguinte, a douta Sentença a quo incorreu em erro de julgamento quanto à questão da alegada ilegitimidade da Oponente na presente execução, violando assim o disposto no 24.º da LGT.º, 259.º, 260.º e 261.º do CSC, assim como, quanto á questão da inutilidade superveniente da presente lide, face ao pagamento integral da divida efetuado pela Oponente, violando, neste caso, o disposto nos artigos nº 5 do art.º 23º da LGT e art.º 277.º, alínea e), do CPC.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a oposição como extinta, por impossibilidade superveniente da lide face ao pagamento voluntário e integral da dívida por parte da Oponente, absolvendo assim a Fazenda Pública da instância ou, caso assim não se entenda e sem conceder, que julgue a oposição improcedente, por não provada, com as devidas e legais consequências legais.
PORÉM V. EX.AS DECIDINDO, FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA
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A Recorrida não apresentou contra-alegações.
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O EMMP emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos, vêm os autos à conferência para decisão.
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II - FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

Com interesse para a decisão da questão prévia e da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

1. Em 17/01/2001, foi registada a designação da Oponente como gerente única da sociedade «N... - A..., Lda.» e esta obrigava-se com a assinatura de um gerente - cf. certidão do registo comercial a fls. 46 a 51 do processo de execução fiscal apenso aos autos;

2. Em 31/01/2003 a sociedade «P... & Associados - Consultoria de gestão, Lda.» emitiu, em nome da Oponente, o recibo de remunerações de vencimento base e de subsídio de alimentação no valor líquido de €908,78 - cf. recibo a fls. 81 do processo de execução fiscal apenso aos autos;

3. Em 05/01/2006, a Oponente comunicou à sociedade «N... - A..., Lda.» a renúncia à gerência – cf. carta a fls. 83 do processo de execução fiscal apenso aos autos;

4. Em 08/09/2006, a sociedade «D... Portugal, S.A.» declarou que a Oponente foi admitida em 19/05/2003 e saiu em 08/09/2006, tendo exercido as funções inerentes à categoria profissional de chefe de secção - cf. declaração a fls. 82 do processo de execução fiscal apenso aos autos;

5. Em 30/10/2006 foi designado como gerente da sociedade «N... - A..., Lda.» L... - cf. certidão do registo comercial a fls. 90 a 92 do processo de execução fiscal apenso aos autos;

6. Em 13-09-2005, foi emitida a certidão de dívida n.º 2005/177506 constando da mesma que é executado a sociedade «N... - A..., Lda.» e que a dívida respeita a IVA do período de tributação de 2003, no montante de €20.529,52 - cf. certidão de dívida a fls. 12 dos autos;

7. O serviço de finanças de Lisboa 10 instaurou o processo de execução fiscal n.º 3... contra a sociedade «N... - A..., Lda.» para a cobrança coerciva da dívida referida no ponto anterior – cf. certidão de dívida a fls. 12 dos autos e termo de apensação a fls. 12 do processo de execução fiscal apenso aos autos;

8. Em 09/09/2010, o chefe do serviço de finanças de Lisboa 10 determinou a preparação da reversão do processo de execução fiscal identificado no ponto anterior contra a Oponente com o seguinte fundamento: «Projecto da Reversão: (...) Dos administradores, directores ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período do exercício do seu cargo [art. 24º, n.º 1/b) LGT]» - cf. despacho e ofício, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 64 e 65 do processo de execução fiscal apenso aos autos;

9. A Oponente exerceu o direito de audição prévia, tendo alegado que a sociedade devedora originária foi gerida pelo seu pai, L...– cf. resposta a fls. 69 a 73 do processo de execução fiscal apenso aos autos;

10. Por despacho de 21/09/2011 da chefe do serviço de finanças de Lisboa 10 foi determinada a reversão do processo de execução fiscal identificado no ponto 7. contra a Oponente, com o seguinte fundamento: «Projecto da Reversão: (...) Dos administradores, directores ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período do exercício do seu cargo [art. 24º, n.º 1/b) LGT]» - cf. despacho, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e informação a fls. 103 a 107 do processo de execução fiscal apenso aos autos;

11. Por ofício «CITAÇÃO (Reversão)» foi comunicada à Oponente a reversão contra si, na qualidade de responsável subsidiária, do processo de execução de fiscal identificado no ponto 7. para a cobrança coerciva da dívida exequenda no valor total de €20.529,52 - cf. ofício a fls. 108 e 109 do processo de execução fiscal apenso aos autos

12. A Oponente recebeu o ofício de citação referido no ponto anterior em 07/10/2011 - cf. aviso de recepção a fls. 109, verso, do processo de execução fiscal apenso aos autos;

13. Por despacho de 21/09/2011 da chefe do serviço de finanças de Lisboa 10 foi determinada a reversão do processo de execução fiscal identificado no ponto 7. contra L... com o seguinte fundamento: «Projecto da Reversão: (...)Dos administradores, directores ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período do exercício do seu cargo [art. 24º, n.º 1/b) LGT]» - cf. despacho. cujo teor se dá por integralmente reproduzido, informação e ofício de citação a fls. 101, 102, 105 a 107, 110 e 111 do processo de execução fiscal apenso aos autos;

14. Por despacho de 24/08/2011, foi declarada a prescrição, quanto à Oponente, da dívida exequenda referente a IVA do período de tributação de 2002 - cf. despacho a fls. 86 dos autos;

15. Em 8/11/2011, a Oponente remeteu, via fax, a presente oposição ao serviço de finanças de Lisboa 10 - cf. informação aposta na petição inicial a fls. 2 dos autos;

16. Em 31/12/2011 a Oponente pagou a dívida exequenda no valor de €27.665,46 - cf. acordo (artigo 3º do requerimento a fls. 18 dos autos e artigo 3º da contestação).

Com interesse para a decisão da causa, não se consideram provados os seguintes factos:

1. A pedido de seu pai, a Oponente acedeu a figurar como gerente quando da constituição da sociedade devedora originária;

2. A Oponente nunca interveio na sociedade devedora originária, desconhecendo os negócios da mesma, os respectivos clientes, com os quais nunca reuniu ou falou;

3. A Oponente desconhece se a sociedade devedora originária tinha trabalhadores, não efectuou pagamentos a fornecedores ou a trabalhadores;

4. A sociedade devedora originária era gerida pelo pai da Oponente.


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Nada mais se provou com interesse para a decisão da questão prévia e da causa.

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O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da questão prévia e da causa com base na posição das partes assumidas nos articulados e nos requerimentos apresentados e na análise crítica e conjugada dos documentos constantes dos autos e do processo de execução fiscal apenso, conforme identificado nos factos provados.

A decisão da matéria de facto não provada fundamentou-se no facto de a Oponente não ter produzido qualquer meio de prova adequado a demonstrar a veracidade dos factos por si alegados.


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b) De Direito

Como resulta evidente daquilo que para trás ficou exposto, o Tribunal Tributário de Lisboa julgou procedente a oposição deduzida por J..., à execução fiscal nº 3... e aps, originariamente instaurada contra a sociedade N... – A.... Lda, com vista à cobrança coerciva de dívida de IVA do ano de 2003, no montante total de € 20.529.52.
Inconformada com tal decisão, a Recorrente, Fazenda Pública, interpôs o presente recurso jurisdicional.

Ora, conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Ora, lidas as conclusões das alegações de recurso, resulta claro que a Fazenda Pública se insurge contra:

(i) - o decidido em 1ª instância quanto às consequências, ao nível da oposição, do pagamento da dívida exequenda e da extinção do processo executivo;

(ii) - o decidido em 1ª instância quanto à ilegitimidade da Oponente para a execução fiscal nº 3... e apensos que contra si reverteu.

Vejamos por partes cada uma das questões indicadas.

Sobre a primeira parte do recurso que nos vem dirigido, a análise do TT de Lisboa trilhou a seguinte linha argumentativa:

“Nos presentes autos, consta dos factos provados que a Oponente, em, 31/12/2011, na pendência da presente oposição, pagou a dívida exequenda no valor de €27.665,46, tendo a Fazenda Pública suscitado a inutilidade superveniente da lide na sequência da extinção do processo de execução fiscal aqui em causa atento o pagamento da dívida pela Oponente (cf. pontos 15. e 16.).

Nos termos do disposto no artigo 176º, n.º 1, alínea a), do CPPT, o processo de execução fiscal extingue-se por pagamento da quantia exequenda e do acrescido.

O disposto na alínea a) do n.º 1 não prejudica o controlo jurisdicional da atividade do órgão de execução fiscal, nos termos legais, caso se mantenha a utilidade da apreciação da lide (cf. n.º 3 do artigo 176º do CPPT).

Determina o artigo 9º, n.º 3, da LGT que o pagamento do imposto nos termos de lei que atribua benefícios ou vantagens no conjunto de certos encargos ou condições não preclude o direito de reclamação, impugnação ou recurso, não obstante a possibilidade de renúncia expressa, nos termos da lei.

Conforme resulta dos pontos 10., 11., 15. e 16. dos factos provados, o processo de execução fiscal aqui em causa foi revertido contra a ora Oponente, na qualidade de responsável subsidiária, tendo a dívida exequenda sido paga na pendência da presente oposição.

Considerando que, na presente oposição, a Oponente arguiu a sua ilegitimidade, com fundamento no não exercício da gerência de facto da sociedade devedora originária, entende-se que o pagamento da dívida não implica necessariamente a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide (cf. neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 04-10-2013, processo n.º 0710/12, e Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 19-09-2017, processo n.º 812/10.7BELRS, disponíveis em www.dgsi.pt).

Face ao supra exposto, não se verifica a inutilidade superveniente da lide nos termos aduzidos pela Fazenda Pública.”

A Recorrente discorda deste entendimento, pondo especial enfoque no momento em que o pagamento foi efectuado, ou seja, já depois de ter sido deduzida a oposição, facto que, pelas razões que expõe, faria toda a diferença na apreciação dos efeitos da extinção da execução fiscal e na possibilidade de prosseguimento da oposição.

Com efeito, sustenta a Fazenda Pública que o Tribunal não valorou devidamente “o facto de a Oponente em 2011.12.31, ter efetuado o pagamento integral das dívidas, incluindo os juros de mora e taxa de justiça devidos, no valor de € 27.665,46 …”. Ou seja, e como evidencia a Fazenda, “tal pagamento não ocorreu no prazo para deduzir oposição, isto é, nos trinta dias posteriores ao da citação efetuada em sede de processo de execução fiscal (cfr. o art.º 203º do CPPT) e que permite ao executado por reversão efetuar apenas o pagamento da quantia exequenda”, pelo que… “tinha nos presentes autos plena aplicação a jurisprudência expressa no Acórdão STA de 20-06-2012, tirado no processo nº 537/12, nos termos da qual, quando o pagamento é efetuado pelo próprio responsável subsidiário oponente, mas para além do prazo para deduzir oposição, continua a justificar-se a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide”.

Diga-se, desde já, que a razão não está com a Recorrente e que a circunstância de o pagamento ter ocorrido após o decurso do prazo de oposição não é, no caso, impeditivo do prosseguimento dos autos.

Esta temática, em termos gerais, já não constitui novidade. Comecemos por atentar no acórdão do STA, de 09/05/18, no processo nº 0827/17, no qual se cita anterior jurisprudência do mesmo Tribunal Superior. Aí se lê, no que para aqui importa, o seguinte:

“A questão suscitada não é nova e pode ser sintetizada na ponderação, a que se adere, efetuada pelo acórdão de 09/09/2015, processo n.º 01198/13, deste Tribunal, que afirmou o seguinte:

“…

Efectivamente, constitui entendimento jurisprudencial consolidado nesta Secção do Supremo Tribunal Administrativo que embora o pagamento voluntário da dívida exequenda possa acarretar a extinção da instância de oposição por inutilidade ou impossibilidade da lide, o certo é que quando esse pagamento é efectuado pelo responsável subsidiário dentro do prazo de oposição – para assim beneficiar da isenção de custas e multa nos termos do art. 23º, nº 5, da LGT – tal não pode implicar a preclusão do seu direito de impugnar o acto de onde emergem as obrigações em cobrança, porquanto o nº 3 do art. 9º da LGT reconhece expressamente que «o pagamento do imposto nos termos da lei que atribua benefícios ou vantagens no conjunto de certos encargos ou condições não preclude o direito de reclamação, impugnação ou recurso, não obstante a possibilidade de renúncia expressa, nos termos da lei» – cfr., entre outros, os acórdãos do STA de 7/09/2011, no proc nº 0421/11, de 21/09/2011, no proc nº 0560/11, de 23/02/2012, no proc nº 0884/11, de 20/06/2012, no proc nº 0537/12 e em 27/06/2012, no proc nº 0430/12.

Por outro lado, esta Secção tem também entendido que perante a imposição da norma contida no art. 9º, nº 3, da LGT, o pagamento da dívida exequenda não pode impedir o prosseguimento da oposição deduzida pelo responsável subsidiário sempre que na petição inicial tenham sido invocados os fundamentos previstos nas alíneas a)ou h) do CPPT, isto é, a ilegalidade abstrata do acto de liquidação de onde emerge a dívida ou a sua ilegalidade concreta quando a lei não assegura outro meio de impugnação contra o acto, na medida em que a oposição constitui o meio processual adequado para apreciar essas questões – cfr. acórdãos de 7/10/2009, no proc nº 0532/09, e de 10/03/2010, no proc nº 01134/09 –

Para além disso, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo também já admitiu o prosseguimento da lide de oposição quando o responsável subsidiário/revertido invoca o fundamento previsto na alínea b) do CPPT, isto é, invoca a inexistência de responsabilidade sua pelo pagamento da obrigação tributária em cobrança, porquanto o processo de oposição constitui o único e irrepetível meio processual de que ele dispõe para ver reconhecido essa sua falta de responsabilidade subsidiária – cfr. acórdão de 25/11/2009, no proc nº 0753/09. Tese que aqui se acolhe e sufraga, tendo em atenção que a questão da (in) verificação dos pressupostos para a responsabilização subsidiária, contidos no acto de reversão (acto que é praticado exclusivamente em sede de processo executivo), não pode ser apreciada em nenhum outro meio judicial; e o pagamento da dívida não pode prejudicar o controlo jurisdicional desse acto executivo de responsabilização, até porque tal constituiria uma violação do direito fundamental de acesso aos tribunais previsto no art. 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.

E a Lei do Orçamento de Estado para 2013 (Lei nº 66-B/2012, de 31/12), ao aditar ao artigo 176º do CPPT a norma que passou a constar do seu nº 3, evidencia bem a vontade expressa pelo legislador de acolher esta posição jurisprudencial, no sentido de que o pagamento da dívida nem sempre tem por consequência a inutilidade da lide da oposição à execução. Com efeito, segundo o aditado nº 3, «O disposto na alínea a) do nº 1 não prejudica o controlo jurisdicional da actividade do órgão de execução fiscal, nos termos legais, caso se mantenha a utilidade da apreciação da lide», sendo que da referida alínea a) do nº 1 consta que a execução se extingue por «pagamento da quantia exequenda e do acrescido».

Por conseguinte, nem sempre ocorre a inutilidade/impossibilidade da lide de oposição na sequência do pagamento voluntário da dívida, como acontece, nomeadamente, quando se pretende discutir a legalidade da dívida ao abrigo das alíneas a), h), ou b), do nº 1 do art. 204º do CPPT, ou quando o pagamento da dívida é realizado pelo responsável subsidiário para poder aceder a determinado benefício”.

Ora, é precisamente este o caso dos autos, pois que, como não sofre dúvidas, da leitura da petição inicial decorre que o fundamento da oposição é o correspondente ao disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 204º, do CPPT, o que equivale a dizer que a J..., nestes autos, pretende que o Tribunal aprecie (e declare), a sua ilegitimidade, por falta dos pressupostos para a reversão da dívida, a título de responsável subsidiária.

Ora, tal fundamento, como não é controverso, apenas em sede de oposição à execução pode ser conhecido, pelo que, sob pena de coartar os mais elementares direitos de defesa da Oponente, não se pode aceitar a tese da Fazenda e, consequentemente, a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.

Além do mais, “O facto de o pagamento não ter ocorrido dentro do prazo de oposição não impede, quer a extinção da execução, quanto ao oponente, quer a acuidade da situação de preterição dos direitos de defesa e de tutela judicial efectiva do oponente/revertido, que, tendo liquidado a dívida, pretende sindicar jurisdicionalmente, (…), seja o preenchimento dos pressupostos da efectivação da presente categoria de responsabilidade tributária. Não existe outro meio processual para garantir tal sindicância e a defesa reactiva contra o mecanismo de efectivação da responsabilidade tributária em presença não é despicienda para os direitos do recorrente” – cfr. Acordão do TCA Sul, de 19/09/17, proferido no processo nº 812/10.7BELRS.

Por conseguinte, conclui-se que a sentença que decidiu nos termos transcritos fê-lo com acerto.

Improcedem, assim, as conclusões que vínhamos de analisar, reiterando-se a ideia já avançada de que o pagamento da dívida exequenda, pela revertida, não prejudica o controlo jurisdicional da actividade do órgão de execução fiscal, mantendo-se a utilidade da apreciação da lide.


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Avancemos para a segunda questão que nos vem dirigida, ou seja, a ilegitimidade da Oponente para a execução fiscal nº 3... e apensos, por falta de prova do efectivo exercício da gerência.

Analisando a responsabilidade da Oponente, e após fazer o devido enquadramento legal da questão, a Mma. Juíza a quo alinhou o seguinte discurso argumentativo que (parcialmente) se reproduz:

“(…)

Assim, impende sobre a Administração Tributária, enquanto titular do direito de reversão, o ónus de demonstrar os pressupostos que lhe permitem reverter o processo de execução fiscal contra o gerente da devedora originária, bem como os factos que integram o exercício efectivo dessa gerência e que permitam concluir que, no presente caso, a Oponente controlava os desígnios da sociedade de forma clara e consciente.

(…)

Da matéria de facto provada nestes autos, decorre que a Oponente foi designada gerente única da sociedade devedora originária em 17/01/2001, tendo renunciado a esta gerência em 05/01/2006 e, ainda, que a sociedade «N... - A..., Lda.» se obrigava com a assinatura de um gerente (cf. pontos 1. e 3.).

De acordo com o disposto no artigo 259º do Código das Sociedades Comerciais (CSC) ao gerente compete praticar os actos que forem necessários ou convenientes para a realização do objecto social, com respeito pelas deliberações dos sócios.

Estabelece o artigo 260º, n.º 1, do CSC que a vinculação da sociedade se efectiva através dos actos praticados pelos gerentes, em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhe confere, vinculando-a perante terceiros, mediante actos escritos apondo a sua assinatura com a indicação dessa qualidade.

No quadro legal estabelecido pelo artigo 24º da LGT apela-se a um exercício amplo e abrangente da gerência, abrangendo a prática de actos por quem, ainda que não estando em condições legais para vincular a sociedade, dirige efectivamente a empresa e a vincula perante terceiros.

(…)

Importa, assim, apurar se, no caso em apreço, há elementos que permitem concluir que a Oponente, apesar de estar em condições legais para vincular a sociedade, praticou actos que consubstanciam o exercício efectivo dessa gerência.

Analisada a instrução efectuada pelo órgão de execução fiscal, verifica-se que não foram recolhidos quaisquer elementos respeitantes à alegada gerência de facto da sociedade devedora originária pela Oponente.

Contudo, da matéria de facto provada resulta que, entre 17/01/2001 e 05/01/2006, a Oponente era a única gerente de direito da sociedade devedora originária e que esta se obrigava com a assinatura de um gerente (cf. pontos 1. e 3.).

(…)

Das regras da experiência comum deriva que se uma sociedade apenas tem um gerente nomeado e portanto, o único que pode obrigar legalmente a sociedade perante terceiros, esse gerente não é apenas de direito, mas é também de facto, pois se assim não fosse, não poderia a sociedade exercer normal e regularmente a sua actividade.

Deriva, ainda, dos pontos 2. e 4. do elenco dos factos provados que, em 31/01/2003, a sociedade «P... & Associados - Consultoria de gestão, Lda.» emitiu, em nome da Oponente, o recibo de remunerações de vencimento base e de subsídio de alimentação, no valor líquido de €908,78, e que a sociedade «D... Portugal, S.A.» declarou que a Oponente foi admitida em 19/05/2003 e saiu em 08/09/2006, tendo exercido as funções inerentes à categoria profissional de chefe de secção.

Dos pontos 9. e 13. da matéria de facto provada resulta também que o órgão de execução fiscal reverteu o processo de execução fiscal aqui em causa contra L... na sequência da resposta que a Oponente apresentou em sede de direito de audição prévia.

Conforme se refere no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 22-03-2018, proferido no processo n.º 534/10.9BELRS, disponível em www.dgsi.pt, com o que se concorda, «Todavia, no caso dos autos, a questão assume contornos diversos pois apesar de resultar demonstrado ter sido o oponente o único gerente inscrito no período das dívidas, na sentença foram dados como «provados» e «não provados» outros factos alegados pelas partes que conflituam com um juízo presuntivo quanto à efectividade da gerência. (...).Ora, não pode formar-se um juízo presuntivo quanto à efectividade da gerência partindo do facto de se tratar o oponente do único gerente inscrito quando ele alega e demonstra que nenhum contacto manteve com a sociedade após a cessão das quotas e sua nomeação para o cargo de gerente; e, por outro lado, não logra a Fazenda Pública, ora Recorrente, demonstrar, por qualquer meio de prova, a imputabilidade ao oponente de qualquer facto praticado em representação da sociedade executada, com relevância fiscal ou comercial, ou de que tenham resultado as dívidas exequendas. (...).Acresce que não se pode abstrair do facto de o oponente já em sede de procedimento de reversão, e a sentença disso se deu conta e valorou, afirmara que “nunca exerceu a gerência…desconhecendo em absoluto que esta tenha tido qualquer actividade no período em que esteve nomeado gerente… se alguém utilizou a sociedade para exercer qualquer actividade nesse período, fê-lo à revelia e sem conhecimento do ora notificado” (cf. informação executiva a fls.57 dos autos). Em tal contexto factual, impunha-se à Fazenda Pública, como parte onerada com a prova, maior empenho probatório na demonstração da efectividade da gerência do oponente, esforço probatório que não empreendeu e, como assim, contra si tem de ser valorada a falta de prova quanto à efectividade da gerência, sendo o oponente parte ilegítima na execução, o que determina a procedência da oposição».

Considerando que, a Oponente demonstrou que, pelo menos em 31/01/2003 e, entre 19/05/2003 e 08/09/2006, exerceu funções noutras sociedades e que o órgão de execução fiscal também reverteu o processo de execução fiscal aqui em causa contra L..., entende-se que estes factos conflituam com um juízo automático e presuntivo quanto à efectividade do exercício da gerência da sociedade devedora originária pela Oponente pelo facto de esta ter sido a único gerente de direito da sociedade devedora originária entre 17/01/2001 e 05/01/2006. Deste modo, e atentas as regras do ónus da prova supra citadas, exigia-se à Administração Tributária um maior empenho probatório na demonstração da efectividade da gerência de facto pela Oponente, não tendo apresentado qualquer elemento que demonstre o exercício de facto da gerência da sociedade devedora originária pela Oponente.

Face ao exposto, verifica-se que a Fazenda Pública não logrou provar, conforme lhe competia atentas as regras de repartição do ónus da prova acima enunciadas, que, para além de deter a qualidade de gerente de direito da sociedade devedora originária, a Oponente também exercia de facto a sua gerência, praticando os actos próprios e típicos inerentes a esse exercício, nos anos aqui em causa e, nessa medida, não poderá ser responsabilizada, a título subsidiário, pelo pagamento da dívida exequenda ao abrigo do disposto no artigo 24.º, n.º 1, da LGT, sendo de concluir pela sua ilegitimidade para a presente execução fiscal”.

A Fazenda Pública discorda do decidido por, em síntese, considerar que ficou demonstrado, para além da gerência nominal (única, aliás), o exercício de facto da gerência da devedora originária.

Vejamos.

Tal como resulta da matéria de facto, a Oponente foi designada gerente da sociedade devedora originária, o que, aliás, não é questionado pela Recorrida.

Ora, a AT reverteu a execução fiscal contra a J... com base na gerência de facto da N..., invocando, para tanto, o disposto no artigo 24º, nº1, alínea b) da LGT.

Nos termos de tal preceito, temos que:

«1 - Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

(…)

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento».

Como é evidente, a reversão operada ao abrigo da apontada alínea b) do nº1 do artigo 24º da LGT, pressupõe que o gerente de facto o tenha sido no momento em que se verifica o termo do prazo legal de pagamento ou entrega das dívidas tributárias, sendo que nesta hipótese, e se assim for, caberá ao revertido provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento.

É para nós claro, face à prova produzida, e atentas as especificidades do caso concreto, como o Tribunal a quo evidenciou, que a AT não demonstrou o que lhe competia, isto é, que a revertida era gerente de facto da devedora originária no período temporal aqui em causa, não oferecendo dúvidas que é à Fazenda Pública, enquanto titular do direito de reversão, que cabe fazer a prova do exercício da gerência.

Na verdade, em função da inclusão na disposição apontada das expressões “exerçam, ainda que somente de facto, funções” e “período de exercício do seu cargo”, fácil é concluir que não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções. Assim, desde logo se vê que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efectivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto.

Com efeito, e como repetidamente se vem considerando na jurisprudência, da gerência de direito não se retira, por presunção, a gerência de facto.

A este propósito, deixamos transcritas as considerações feitas no acórdão do TCAN, de 30/04/14, processo nº 1210/07.5, as quais assumem aqui inteira pertinência:

“(…)

Pois bem, e tal como se aponta no Ac. do S.T.A. de 02-03-2011, Proc. nº 0944/10, www.dgsi.pt, “… Na verdade, há presunções legais e presunções judiciais (arts. 350.º e 351.º do CC). As presunções legais são as que estão previstas na própria lei. As presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.).

De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.

No entanto, como se refere no acórdão deste STA de 10/12/2008, no recurso n.º 861/08, «o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.

E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.).

Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal.

Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.»

Todavia, ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente que o revertido tinha não se pode presumir a gerência de facto, é possível efectuar tal presunção se o Tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de esse exercício da gerência de facto ter ocorrido.

Mas, por outro lado, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, nunca há num processo judicial apenas a ter em conta o facto de a revertida ter a qualidade de direito, pois há necessariamente outros elementos que, abstractamente, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, o que as partes alegaram ou não e a prova que apresentaram ou deixaram de apresentar” (fim de citação).

Ora, da factualidade apurada resulta que, em 2001, a oponente foi designada gerente única da N.... Mais se apurou que a empresa se obrigava com a assinatura de um gerente. Em Janeiro de 2006 a Oponente comunicou a sua renúncia à gerência.

Daquilo que se trata, no que vem evidenciado, é da gerência de direito, a qual, repete-se, não foi questionada pela revertida.

Resulta ainda demonstrado que entre 19/05/03 e 08/09/06 a Oponente exerceu funções de chefe de secção na D... Portugal.

Por outro lado, resulta provado que, em 30/10/06, foi designado gerente da devedora originária L..., pai da Oponente, contra o qual a presente dívida exequenda também reverteu, com base no exercício de facto da gerência da N....

Realce-se que, já em sede de direito de audição e na p.i de oposição, a executada, aqui Recorrida, defendia que nada tinha a ver com a gerência efectiva da sociedade, que apenas acedeu a figurar como gerente de direito a pedido do seu pai, a quem não conseguiu recusar tal pedido. De resto, a revertida sempre alegou que a empresa era gerida pelo seu pai, que aí trabalhava. Quanto a si, J..., afirmava desconhecer, em absoluto, clientes, trabalhadores ou fornecedores da devedora originária, nunca tendo praticado qualquer acto, por mais simples que fosse, relacionado com a N.... Para mais, fez notar que trabalhava a tempo inteiro noutras empresas, designadamente, entre Maio de 2003 e Setembro de 2006 na D... Portugal.

E, em boa verdade, a AT, a este propósito, em sede de reversão, limitou- se a invocar a condição de gerente nominal da Oponente relativamente à devedora originária. Assim procedeu também a Fazenda Pública, em sede de contestação.

Note-se que a gerência de facto de uma sociedade consiste “no efectivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade. Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros - nestes termos, Rúben Anjos de Carvalho - Francisco Rodrigues Pardal, Código de Processo das Contribuições e Impostos, Anotado e Comentado, 2ª Edição, Coimbra, 1969, pág. 139” – cfr. acórdão do TCA Norte, de 30/04/14, no processo nº 1210/07.5 BEPRT.

É verdade – e este parece ser o argumento de maior peso apresentado pela Fazenda Pública - que a Oponente era, até à renúncia, a única gerente da sociedade executada, o que parece levar a Recorrente a considerar que a viabilidade funcional da devedora originária ficaria comprometida sem a intervenção do oponente.

Contudo, como se considerou no acórdão do TCA Norte, de 12/06/14, no processo nº 00013/12.0BEBRG, “tal argumento não se revela assim tão decisivo, na medida em que, se bem que se afigure compreensível que se postule a necessidade da respectiva intervenção no que concerne ao giro comercial normal da executada originária, tal apenas é legítimo, no entanto, à luz do enquadramento legal aplicável, nada impedindo, de facto, que ela exerça a actividade para que se constituiu, negociando com clientes e fornecedores, sem o acatamento da aludida prescrição estipulada no pacto e que, como é sabido, inúmeras vezes é desconhecida daqueles que entram em relações comerciais com as empresas que assim operam.

Ou seja e dito de outra forma, a circunstância do pacto estipular a necessidade da assinatura de um ou mais sócios da executada originária para a poderem vincular perante terceiros, não acarreta forçosamente que ela assim tenha procedido, podendo ter girado comercialmente sem respeitar tal condicionalismo, sendo certo que tal conduta apenas se reflecte ao nível da sua responsabilidade perante aqueles e, por consequência, se e na medida em que não cumpra os acordos e transacções comerciais que tenha celebrado” – no mesmo sentido, o acórdão deste TCA de 06/12/18, processo nº 550/11.3 BESNT.

É verdade – e aqui reside outros dos esteios deste recurso – que resulta dos factos não provados que: “1. A pedido de seu pai, a Oponente acedeu a figurar como gerente quando da constituição da sociedade devedora originária; 2. A Oponente nunca interveio na sociedade devedora originária, desconhecendo os negócios da mesma, os respectivos clientes, com os quais nunca reuniu ou falou; 3. A Oponente desconhece se a sociedade devedora originária tinha trabalhadores, não efectuou pagamentos a fornecedores ou a trabalhadores; 4. A sociedade devedora originária era gerida pelo pai da Oponente”. Motivando este juízo probatório, a Mma. Juíza afirmou que o mesmo “fundamentou-se no facto de a Oponente não ter produzido qualquer meio de prova adequado a demonstrar a veracidade dos factos por si alegados”.

E, na verdade, assim é o elenco dos factos não provados, sendo certo que a única testemunha arrolada pela Oponente – o L... – não compareceu no dia e hora designados para a audiência de julgamento.

Sucede, porém, que este circunstancialismo de facto não provado não assume o relevo que a Fazenda Pública lhe pretende dar, até porque, como explicado anteriormente, o ónus da prova do exercício da gerência cabia à Fazenda Pública e esse não se mostra cumprido. Dito de outro modo, a circunstância da a revertida não ter provado um determinado circunstancialismo por si alegado e tendente a demonstrar o não exercício da gerência, não pode beneficiar a Fazenda Pública que estava onerada com a prova (positiva) da efectiva gestão da devedora originária. Dito de outro modo ainda, entende-se que a montante da prova do não exercício da gerência, se impunha a demonstração pela Fazenda Pública de tal exercício, da prática de actos de gestão.

Ora, nada disso foi feito, repete-se. A Fazenda limitou-se a alegar a gerência nominal da J..., para daí extrair como consequência a gerência de facto da N..., sem prejuízo, contudo, de simultaneamente reverter a mesma execução fiscal contra L..., pai da J..., pelo exercício (ainda que somente de facto) da gerência de tal sociedade.

No nosso entendimento, os factos trazidos aos autos não permitem que este Tribunal se afaste das conclusões alcançadas em 1ª instância, pois ficou por demonstrar uma realidade susceptível de evidenciar o exercício efectivo dos poderes de gerência por parte da ora Recorrida, sendo que, como antes já dissemos, era sobre a FP que recaia o ónus de provar o exercício da mesma.

Em suma, não se provando o exercício efectivo da gerência, o qual é pressuposto da responsabilidade subsidiária que se pretende efectivar através da reversão, é evidente que só se pode manter a sentença recorrida que julgou verificado o fundamento de oposição previsto no artigo 204º, nº1, alínea b) do CPPT.

Tanto basta, pois, sem necessidade de maiores considerandos, para concluir pela improcedência das conclusões da alegação de recurso, impondo-se, como tal, confirmar a decisão sindicada, negando-se provimento ao recurso jurisdicional em análise.


*


III - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 16/12/20


(Catarina Almeida e Sousa)

(Hélia Gameiro)

(Cristina Carvalho)