Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07605/14
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:06/26/2014
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:RECLAMAÇÃO
CAUSA DE PEDIR
PEDIDO
CASO DECIDIDO
PRESCRIÇÃO
JUROS
Sumário:I - Se num processo os factos e o direito invocados se reportam só à ilegalidade dos juros liquidados e é pedida exclusivamente a anulação destes, é forçoso concluir que apenas a liquidação relativa aos juros constituiu objecto de impugnação.
II – Considerando que os juros compensatórios se integram na dívida do imposto, com a qual são conjuntamente liquidados, a liquidação dos juros compensatórios deve ser impugnada, em regra, com a respectiva liquidação do imposto.
III – Não obstante o referido em II, deve ser admitida a impugnação autónoma da liquidação de juros se forem invocados vícios exclusivamente relacionados com a liquidação dos juros compensatórios (vícios próprios do acto), o que se apresenta indiscutível no caso em que a dívida de juros não se reporta sequer ao imposto com que aqueles foram conjuntamente liquidados.
IV - A suspensão do processo de execução fiscal está dependente de apertadas exigências legais: estar pendente a discussão sobre a legalidade ou exigibilidade da dívida exequenda e, cumulativamente, estar prestada garantia nos termos dos artigos 195° ou 199° do CPPT, ou a dívida e os acréscimos legais estarem garantidos por penhora ou, estar dispensada a prestação de garantia (art. 52° LGT e 170° CPPT).
V – Cessado o condicionalismo legal que determinou a suspensão da execução fiscal, a Administração Fiscal deve fazer prosseguir a execução tendo em vista a satisfação da quantia exequenda.
VI – Se, em 2004, a Recorrente se conformou com a decisão proferida na Reclamação Graciosa relativa ao imposto devido a título de Contribuição Autárquica do ano de 1999, essa decisão consolidou-se na ordem jurídica como “caso decidido” ou “caso resolvido”, podendo a Administração Fiscal, desde aquela data, prosseguir a execução fiscal.
VI – Sendo o prazo de prescrição dessa dívida de 8 anos (artigo 48º, n.º 1 da LGT), em 30-7-2012, quando a Recorrente pediu o reconhecimento da prescrição, a dívida já se mostrava prescrita.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l – RELATÓRIO
... – Hotéis e Turismo, Lda, inconformado com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada - que julgou improcedente, a reclamação apresentada, ao abrigo do disposto no artº276ºe ss. do CPPT, contra o despacho que lhe indeferiu o pedido de reconhecimento da prescrição do processo executivo nº2232200101029541, instaurado pelo Serviço de Finanças de Setúbal 1, para cobrança de dívidas respeitantes a Contribuição Autárquica dos anos de 1999 e 2000- dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.
Tendo alegado, aí formulou as seguintes conclusões:
«Assim se formulam, pois, em termos sumários, as seguintes conclusões:
I - Verificou-se, assim, a errónea qualificação e consideração de facto e de direito da situação dos juros compensatórios.
II - Confirma-se e prova-se que a ... desde 9 de Janeiro de 2004, mediante apresentação de recurso hierárquico, discute a legalidade da liquidação de juros compensatórios, relativos ao ano de 1992.
III - Confirma-se e prova-se que à discussão administrativa e judicial da liquidação dos juros compensatórios são assacados apenas vícios directamente relacionados com os mesmos que não com a liquidação de imposto, do ano de 1999,
IV - Razão pela qual sofre, a decisão que recaiu sobre o seu pedido de prescrição da dívida de contribuição autárquica do ano de 1999, de erro nos pressupostos de facto e de direito e, consequentemente, de ilegalidade.
V - A douta Sentença recorrida sofre, por si, dos vícios seguintes:
a) Erro nos pressupostos de direito e de facto da realidade constante como objecto da situação individual e concreta que poderiam, ou não, constituir o objecto do acto tributário,
b) Erro na especificação e consideração dos factos dados como provados ou não provados quanto à invocada prescrição e direito de contestação autónoma dos juros compensatórios.
III- O Pedido
Pede-se, pois, como objecto do presente recurso:
a) Que a douta Sentença recorrida seja revogada na parte em que julgou improcedente a Reclamação, nos termos do artigo 276° do CPPT, contra o despacho do órgão de execução fiscal que indeferiu o seu pedido de reconhecimento da prescrição da dívida exequenda, ou que seja anulada, na base do erro sobre os pressuposto de facto e de direito de matérias essenciais ao objecto da lide;
b) Que o acto praticado pela AT seja declarado nulo por violação da Lei quanto à qualificação jurídica da situação individual e concreta em causa.
Em tudo, e essencialmente, se pede e se espera, JUSTIÇA».

Admitido o recurso [a processar como apelação em matéria cível com efeito meramente devolutivo] e notificada a Fazenda Pública, por esta não foram apresentadas contra-alegações.

Neste Tribunal Central, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, no qual se pronunciou, a final, no sentido da improcedência do recurso.

Com dispensa dos vistos legais, atenta a natureza do processo (artigo 657º do CPC e artigo 278º, nº5 do CPPT), cumpre agora apreciar e decidir, visto a tal nada obstar.

II - OBJECTO DO RECURSO
Como é sabido, sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remate a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639°, n°1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.
Assim, e pese embora na falta de especificação no requerimento de interposição se deva entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635°, n°2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n°3 do mesmo art. 635°), razão pela qual todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.
Acresce que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.
Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, importa, agora, apurar se a sentença recorrida errou na valoração e selecção dos factos pertinentes para apreciação da questão da prescrição por não ter procedido a correcta identificação do objecto da dívida exequenda cuja prescrição vinha suscitada.


Ill – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Na sentença recorrida o julgamento da matéria de facto foi fixado nos seguintes termos:
a) Em 20.11.2001 foi autuado no Serviço de Finanças de Setúbal-1, o processo de execução fiscal n°2232200101029541, contra a ora Reclamante, para cobrança coerciva de dívidas de Contribuição Autárquica (CA) dos anos de 1999 e 2000 (cfr. processo de execução apenso);
b) Anteriormente, em 30.07.2001, e relativamente à CA do ano de 1999 (no valor de € 75.900,78 acrescida de € 5.164,49, relativa a juros compensatórios) a Reclamante já havia apresentado reclamação graciosa;
c) Em 27.02.2002 a Reclamante, dando conta da "existência do processo de reclamação graciosa que tem por objecto a legalidade das dívidas respeitantes a Contribuição Autárquica, relativa aos anos de 1999 e 2000", solicitou a fixação de um valor para a garantia a prestar com vista à suspensão do processo de execução fiscal, nos termos do disposto no art°169° do CPPT (cfr. fls. não numeradas do processo de execução fiscal apenso);
d) Por ofício n°4034, de 18.03.2002, foi notificada da fixação do valor da garantia a prestar, correspondente a €165.372,85 (cfr. fls. não numeradas do processo apenso);
e) Após ser notificada desse ofício, a Reclamante apresentou um pedido de dispensa de garantia com data de 05.04.2002, o qual foi indeferido por despacho do Chefe do Serviço de Finanças, datado de 16.04.2002 (cfr. fls. não numeradas do processo apenso);
f) Em 10.05.2002 a Reclamante solicitou a aceitação, como garantia, de uma fiança, que foi aceite no montante de € 165.372,85 e deu entrada, em 16.09.2003 (cfr. fls. não numeradas do processo apenso);
g) Em 13.11.2003 prestou garantia bancária no valor de €112.753,27 a aplicar no processo de execução fiscal referido na alínea a) supra, a fim de suster o processo executivo e poder proceder ao cancelamento da penhora realizada (cfr. fls. 85-86 do processo apenso);
h) Em 10.12.2003, a Reclamante foi notificada do indeferimento da reclamação graciosa referida na alínea b);
i) Em 09.01.2004 apresentou recurso hierárquico contra o indeferimento daquela reclamação graciosa, apenas quanto aos juros compensatórios no montante de € 5.167, 49 (cfr. fls. 86-91dos autos);
j) Por ofício datado de 16.04.2004, foi notificada do indeferimento, por intempestividade, do recurso hierárquico referido na alínea antecedente (cfr. fls. 92-96 dos autos);
k) Em 26.07.2004 a Reclamante apresentou acção administrativa especial contra aquele indeferimento do recurso hierárquico (cfr. fls. 98-102 dos autos);
l) Face à improcedência da referida acção administrativa especial, interpôs recurso de tal decisão junto do Tribunal Central Administrativo Sul, e na sequência do seu acórdão de 10.03.2009, o recurso hierárquico foi reaberto e indeferido, em 30.04.2009 (cfr. fls. 104-112 e 114-123 dos autos);
m) Em 13.09.2010 apresentou nova impugnação judicial contra o indeferimento do recurso hierárquico referido na alínea antecedente, aí afirmando que sempre esteve em contestação toda a dívida, tanto a de imposto como a de juros compensatórios, quer em sede de reclamação graciosa, quer em sede de recurso hierárquico, não havendo divergência entre o pedido na reclamação e o requerido no recurso hierárquico (cfr. fls. 126-136 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
n) Em 30.07.2012 a Reclamante apresentou ao órgão de execução fiscal pedido de declaração de prescrição da dívida de € 75.900,78 (cfr. fls. 174-176 do processo apenso);
o) Por despacho proferido pela Chefe do Serviço de Finanças de Setúbal-1, em regime de substituição, esse pedido foi indeferido (cfr. fls. 209 do apenso)».

Por se mostrar relevante e documentalmente comprovado, acorda-se em aditar ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662º do CPC, a seguinte factualidade:
p) Da decisão referida em h) , consta, designadamente, que «4.São, por outro lado, devidos juros compensatórios no montante de € 5.167,49, em virtude de a conclusão das obras se ter verificado em 16/04/1992 e o mod. 129 ter sido apresentado apenas em 25/01/1993, o mesmo é dizer, para além do prazo estabelecido no artigo 14º n.º 1 al. d) (90 dias a partir da conclusão da obra de edificação).» [cfr. fls. 74 a 77 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
q) Do despacho de rejeição do recurso hierárquico, a que se reporta a alínea l) consta, designadamente, que «(…) A causa de pedir na reclamação graciosa é o acto de liquidação da CA de 1999 considerada no seu todo, englobando o imposto apurado de CA para aquele ano sobre um determinado facto tributário – imóvel e sujeito passivo e os juros compensatórios, e no recurso hierárquico verifica-se que a causa de pedir se delimita apenas à anulação dos juros compensatórios por ilegalidade.
Por outro lado verifica-se também que em relação ao pedido não há igualmente identidade. Com efeito na reclamação graciosa o pedido, o que o autor pretende (pedido principal) é a anulação de toda a liquidação do CA do ano de 1999, incluindo os juros compensatórios por inexistência de facto tributário, ou seja, a reclamante argumenta que a liquidação não é por si devida na totalidade porquanto o artigo 13911 objecto da referida liquidação, é, em parte, da propriedade da sociedade Soltejo, enquanto no recurso hierárquico, o pedido delimita-se tão só à anulação dos juros compensatórios com fundamento em ilegalidade.
E por fim quanto ao objecto do recurso que por força da lei se encontra circunscrito à decisão desfavorável ao reclamante. Ora o acto recorrido indeferiu o pedido constante da reclamação graciosa – a anulação da liquidação de CA do ano de 1999, logo, o objecto do recurso hierárquico teria que ser delimitado àquela decisão, com vista à sua revogação, reforma ou substituição.
Em conclusão:
Do vertido na presente informação resulta que não há identidade do objecto do recurso hierárquico com o da reclamação graciosa, uma vez que aquele não se encontra legalmente circunscrito à decisão – acto de indeferimento da pretensão de anulação e correcção da liquidação do CA do ano de 1999, reclamada no seu todo (…) [cfr. fls. 115 a 123, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].

IV - O DIREITO
A Recorrente, como vimos, mostra-se inconformada com a sentença recorrida que não anulou o despacho do Chefe de Finanças de Setúbal-1 (em regime de substituição) de indeferimento do seu pedido de declaração de prescrição da dívida de € 75.900,78.
Alega, nuclearmente, e em ordem a sustentar o seu pedido de anulação da decisão do órgão de execução fiscal e de revogação da sentença que a confirmou, que quer a Administração Fiscal, quer o Tribunal a quo, partiram, mal, do pressuposto de que desde 2003 a Reclamante, através de diversos meios de reacção de que foi lançando mão, quer junto da Administração Tributária, quer junto do Tribunal, tinha contestado a dívida relativa a capital e juros compensatórios liquidados, e não apenas estes últimos, como efectivamente ocorreu, como sustentou no seu pedido de reconhecimento de prescrição e, por fim, como continua a defender neste recurso.
Importa, pois, apurar se lhe assiste razão, para o que se revela necessário, relembrar o historial do litígio que, desde 2001, opõe as partes.
E, nesse sentido, comecemos por salientar que, como resulta da factualidade assente, a dívida exequenda cujo reconhecimento de prescrição vem peticionado é a dívida emergente da liquidação relativa a Contribuição Autárquica (CA) do ano de 1999.
Relativamente a essa dívida de C.A. de 1999, a Recorrente começou por apresentar, em 30.07.2001, Reclamação Graciosa, aí mencionando expressamente que, na parte relativa aos juros, se reservava o direito de oportunamente dos mesmos reclamar por, até ao momento, lhe não terem sido facultados elementos que lhe permitissem compreender as razões de tal liquidação já que, como então afirmava, «Do mesmo documento de cobrança constam juros compensatórios que a ora reclamante não vislumbra o motivo, nem lhe foi notificada qualquer razão para que tal acontecesse, não obstante reserva-se o direito de reclamar de tais juros, quando lhe for dado conhecimento pelo competente serviço de finanças das razões que levam à sua aplicação.».
Por despacho de 21 de Outubro de 2003, foi a referida Reclamação Graciosa, indeferida, aí se consignando, designadamente, que relativamente à CA de 1999, a reclamante (então denominada Nelson – Empresa Turística da Praia Redonda S.A.) devia ser «considerada proprietária, na sua totalidade, do prédio urbano (…), uma vez que só em 2000 o referido artigo foi eliminado na totalidade, após a participação do loteamento ao serviço de Finanças competente.» e, quanto aos juros compensatórios, que «4.São, por outro lado, devidos juros compensatórios no montante de € 5.167,49, em virtude de a conclusão das obras se ter verificado em 16/04/1992 e o mod. 129 ter sido apresentado apenas em 25/01/1993, o mesmo é dizer, para além do prazo estabelecido no artigo 14º n.º 1 al. d) (90 dias a partir da conclusão da obra de edificação).»,
Desta decisão interpôs a Recorrente recurso hierárquico, aí pedindo expressamente a anulação da liquidação na parte relativa aos juros, recurso este que foi indeferido pelo órgão de execução fiscal com fundamento em extemporaneidade da sua apresentação.
Inconformada, interpôs a Recorrente acção administrativa especial pedindo a anulação daquele despacho, o que viria a ser determinado por Acórdão deste Tribunal Central após revogação da sentença da 1ª instancia que á Recorrente havia sido desfavorável.
Posteriormente, isto é, após ter sido proferido o referido acórdão e em cumprimento do mesmo, veio o mesmo recurso hierárquico a ser rejeitado pela Administração Fiscal com fundamento na existência de uma clara diferenciação entre a causa de pedir e o pedido da Reclamação Graciosa e o do Recurso Hierárquico, sendo que este último teria necessariamente que assentar ou ter como objecto a decisão proferida naquela primeira, o que, no caso concreto, como dissemos, foi entendido não se verificar.
Em ordem a demonstrar essa distinção, lê-se no despacho objecto de rejeição (e não de “indeferimento” como, certamente por manifesto lapso material, se deixou escrito nas alíneas l) e m) dos factos apurados):
«A causa de pedir na reclamação graciosa é o acto de liquidação da CA de 1999 considerada no seu todo, englobando o imposto apurado de CA para aquele ano sobre um determinado facto tributário – imóvel e sujeito passivo e os juros compensatórios, e no recurso hierárquico verifica-se que a causa de pedir se delimita apenas à anulação dos juros compensatórios por ilegalidade.
Por outro lado verifica-se também que em relação ao pedido não há igualmente identidade. Com efeito na reclamação graciosa o pedido, o que o autor pretende (pedido principal) é a anulação de toda a liquidação do CA do ano de 1999, incluindo os juros compensatórios por inexistência de facto tributário, ou seja, a reclamante argumenta que a liquidação não é por si devida na totalidade porquanto o artigo 13911 objecto da referida liquidação, é, em parte, da propriedade da sociedade Soltejo, enquanto no recurso hierárquico, o pedido delimita-se tão só à anulação dos juros compensatórios com fundamento em ilegalidade.
E por fim quanto ao objecto do recurso que por força da lei se encontra circunscrito à decisão desfavorável ao reclamante. Ora o acto recorrido indeferiu o pedido constante da reclamação graciosa – a anulação da liquidação de CA do ano de 1999, logo, o objecto do recurso hierárquico teria que ser delimitado àquela decisão, com vista à sua revogação, reforma ou substituição.
(…) ».
De novo inconformada, a aqui Reclamante intentou a 13-9-2010 Impugnação judicial [ainda pendente de apreciação no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada], aí alegando, designadamente, que contrariamente ao entendimento professado pela Administração Tributária, «sempre a ... visou e requereu a anulação de um acto de liquidação, que comportava imposto e juros e, consequentemente, sempre visou a reapreciação de actos de liquidação, quer da liquidação do imposto quer da liquidação de juros» e que «o artigo 35º, da lei Geral Tributária, preconiza que o juro compensatório integra a própria dívida de imposto, com a qual é conjuntamente liquidado, logo sempre esteve em contestação, toda a dívida», sendo que «Foi exactamente o que fez, quer em sede de reclamação graciosa, quer em sede de recurso hierárquico da decisão proferida naquela reclamação», razão pela qual, conclui, não há «por isso divergência entre o pedido na reclamação graciosa e o requerido no recurso hierárquico», e insistindo pela anulação do despacho de rejeição do recurso hierárquico e, em consequência, dos juros liquidados, pedido que, em exclusivo, formulou [cf. factualidade materializada nas alíneas m) a q) do probatório - ponto III supra].
Por fim, a 27 de Julho de 2012, pediu a Recorrente ao órgão de execução fiscal que fosse reconhecida a prescrição da dívida relativa à CA de 1999 e, indeferido aquele, apresentou Reclamação Judicial e, agora, recurso jurisdicional da sentença que o não anulou.
Posto isto, quid iuris?
Adiantamos, desde já, que é à Recorrente que deve ser reconhecida razão.
Efectivamente, desde 21 de Outubro de 2003, ou o mesmo é dizer, desde o indeferimento da Reclamação Graciosa que a Recorrente nunca mais se apresentou perante a Administração Fiscal ou perante o Tribunal a discutir ou contestar a dívida relativa a Contribuição Autárquica do ano de 1999 mas, tão só, os juros compensatórios liquidados.
O que vimos dizendo é inequívoco e a própria Meritíssima Juiz a quo, de resto, não deixou, num primeiro momento, de o reconhecer, quer quando inclui no probatório que aquela «Em 09.01.2004 apresentou recurso hierárquico contra o indeferimento daquela reclamação graciosa, apenas quanto aos juros compensatórios no montante de € 5.167, 49 (cfr. fls. 86-91dos autos)», quer quando, posteriormente, já em sede de julgamento de direito ou subsunção jurídica dos factos, começa por afirmar peremptoriamente que, «Logo em 10.12.2003, a Reclamante foi notificada do indeferimento da reclamação graciosa, tendo-se conformado aparentemente com o mesmo quanto à dívida de CA, no montante de €75.900,78, mas já não quanto aos juros compensatórios, no valor de €5.164,49, pois relativamente a estes continuou a reagir administrativa e contenciosamente, apresentando recurso hierárquico contra aquele indeferimento da reclamação graciosa nessa parte, como resulta da leitura do requerimento de interposição do recurso hierárquico que apresentou em 09.01.2004.».
Porém, num segundo momento, o Tribunal a quo vem a concluir, ainda que por distintas e subtis palavras, que isso - entenda-se, a evidência das peças processuais e das posições jurídicas aí vertidas e o próprio probatório que acolheu - é indiferente ou irrelevante. E é-o, afirma-o, por duas ordens de razão que directamente adianta e de forma esquemática aqui enunciamos: (i) por um lado, porque na Impugnação judicial que actualmente ainda se encontra pendente, e para efeitos de ataque ao despacho de rejeição do recurso hierárquico, a própria Recorrente expressamente declara que com aquele recurso hierárquico pretendia questionar toda a dívida; (ii) por outro lado, porque a Recorrente não podia, por a tal se opor o direito, suspender a execução quanto a uma das dívidas, sem aceitar a suspensão em simultâneo da prescrição quanto à outra, como agora vem sustentar a Reclamante.
Não podemos acolher o juízo assim realizado.
Desde logo, porque para efeitos de determinação de um pedido e de uma causa de pedir de uma acção ou recurso, o que é relevante ou, mais rigorosamente, determinante, não é o que a Recorrente diz ter sido sua intenção ter feito, mas apurar o que efectivamente fez, isto é, apurar de que é que efectivamente se interpôs recurso hierárquico e o que posteriormente, foi impugnado. E, quanto a isso, como já o dissemos e o revela claramente a peça processual a que se reporta a alínea h) do ponto III supra, não temos dúvidas: apenas a liquidação relativa aos juros foi posta em questão, contestada, como manifestamente resulta da impugnação de facto e direito realizada no recurso hierárquico e o pedido aí formulado, uma e outro restringidos e dirigidos à anulação da liquidação de juros.
Nunca, repita-se, com excepção das alegações que fez em juízo naqueloutra impugnação judicial pendente (interpretação que, só por si, não podem assumir relevância bastante para alterar o objecto do recurso objectivamente realizado e muito menos postergar o probatório fixado e que não se mostra agora impugnado), a Recorrente alguma vez mais, após o indeferimento da reclamação graciosa, questionou a legalidade da dívida relativa à Contribuição autárquica de 1999.
Acresce que, pese embora não se nos afigure totalmente incorrecta a interpretação efectuada pelo Tribunal a quo da matéria colhida na alínea m) do probatório, não nos parece descabida ou insustentável face ao articulado em causa, a defesa apresentada nesta parte e nesta Reclamação pela Recorrente, designadamente quando afirma que não corresponde à realidade que tivesse reconhecido que também a dívida do CA de 1999 estava ainda a ser questionada mas, tão só, que o que se apresentou a fazer - em reacção à decisão da Administração Fiscal de rejeitar novamente o recurso hierárquico interposto, agora com fundamento numa alegada distinção de objectos da reclamação graciosa e do recurso hierárquico – foi a demonstração de que, naquela reclamação graciosa, também estava em causa a dívida de juros, cuja concreta impugnação havia expressamente reservado até ao momento em que fosse informada dos fundamentos dessa dívida, o que viria a acontecer com a notificação do projecto de decisão (e decisão que integralmente o absorveu) e onde pela primeira vez vinham expostas as razões de facto e direito dessa liquidação de juros, sendo esta a razão pela qual, apenas em sede de recurso hierárquico tinha posto em causa aqueles mesmos fundamentos. E que nada impedia, pelo contrário a lei o assim exigia, que a Administração Fiscal sem sujeição ao pedido da Recorrente, pudesse confirmar ou revogar o acto recorrido, modifica-lo ou substitui-lo, retomando, após, as alegações produzidas no recurso hierárquico quanto à falta de fundamentação da liquidação de juros e o seu pedido de anulação da decisão do órgão de execução fiscal e, em consequência, de anulação dos juros compensatórios.
Seja como for, o que importa fazer notar é que, nesta reclamação e recurso, não cumpria nem cumpre apreciar se a Reclamante podia ou não podia apenas em sede de recurso hierárquico atacar a liquidação nessa parte. Não está também em questão saber se os juros liquidados são ou não são devidos e, muito menos, aferir da legalidade do despacho que rejeitou o recurso hierárquico, isto é, apurar se o mesmo é ou não válido.
Tudo quanto nos presentes autos importa apreciar e decidir, é a questão de saber se a dívida relativa à Contribuição Autárquica está ou não prescrita e, para tanto, fulcral é determinar desde quando essa liquidação se mostra definitivamente resolvida e se, independentemente dessa intocabilidade, existe algum fundamento para que se conclua que o prazo de prescrição até hoje se mostra interrompido ou se tal prazo esteve suspenso por tempo suficiente a sustentar a decisão de não reconhecimento da prescrição que foi tomada.
O que, como afirmamos, e contrariamente ao decidido, não encontra sustentação no primeiro dos fundamentos aduzidos pela sentença recorrida para assim o decidir.
O que nos conduz directamente à questão subjacente ao segundo dos fundamentos invocados pelo Tribunal a quo para sustentar o sentido da sua decisão, isto é, à questão de saber se efectivamente o processo de execução fiscal ficou suspenso por força da reclamação graciosa apresentada e da garantia prestada por, integrando-se os juros compensatórios na própria dívida de imposto, ser impossível suspender a execução no que concerne a uma dívida de juros sem que haja suspensão da execução relativamente à dívida do próprio imposto.
Também nesta parte não podemos acolher integralmente o juízo assim formulado.
Senão, vejamos.
É certo, e não pode desde já de se deixar consignado que, como é sabido, e a Meritíssima Juiz não o deixou de salientar, porque os juros compensatórios se integram na própria dívida do imposto, com a qual são conjuntamente liquidados” (artigo 35.º, n.º 8 da LGT), a liquidação de juros compensatórios deve, em regra, ser impugnada juntamente com a respectiva liquidação de imposto.
Do que vimos expondo resulta, porém, apenas, que só não pode ser impugnada autonomamente a liquidação de juros compensatórios quando se invocam exclusivamente vícios que contendem com a legalidade da liquidação de imposto pois, nessa situação, isto é, não sendo impugnada a liquidação de imposto, esta constitui-se como caso decidido ou resolvido, não podendo ser invocada a sua ilegalidade enquanto fundamento de impugnação da liquidação dos respectivos juros compensatórios.
Todavia, e como se indicia do que vimos dizendo, e a jurisprudência vem reiteradamente declarando, a impugnação autónoma de liquidação de juros não deixa de ser admissível se forem invocados vícios exclusivamente relacionados com a liquidação de juros compensatórios (nesse sentido, entre muitos, vide Ac. do TCA Sul de 13/01/2004, processo n.º 03804/00: “Liquidado imposto e respectivos juros compensatórios, a impugnação autónoma destes últimos só é possível se o contribuinte, aceitando a liquidação do imposto, pretender atacar a liquidação dos juros compensatórios com fundamento exclusivo em vício ou ilegalidade própria desta liquidação.).».
E se este é o entendimento correcto quando a liquidação de juros que se questiona corresponde ou nasce do próprio imposto a que surge formalmente associada (e que no caso sucederia se a impugnação ou contestação de juros, com invocação de vícios próprios se reportassem à contribuição do ano de 1999), mais correcta se apresenta essa asserção quando essa alegada dívida de juros nem sequer com aquele imposto, a que se mostra formalmente associado (ambas as dívidas, de imposto e juros, surgem na mesma certidão de dívida e imputadas formalmente ao ano de contribuição autárquica de 1999), se encontra substancialmente conexionada.
E esta é, precisamente, a situação dos nossos autos.
Na verdade, contrariamente ao que foi entendido pela Meritíssima Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, a liquidação de juros que foi objecto de reclamação, e sucessivamente de recurso hierárquico e de Impugnação Judicial nada tem a ver com a dívida relativa à CA de 1999. Como a própria Administração Fiscal não deixa de reconhecer na decisão da Reclamação Graciosa (documento acolhido no probatório mas cujo teor não foi devidamente valorado), aquela dívida de juros não nasce ou não tem origem no atraso na liquidação daquela contribuição do ano de 1999, mas no facto de «a conclusão das obras se ter verificado em 16/04/1992 e o mod, 129 ter sido apresentado apenas em 25/01/1993, o mesmo é dizer, para além do prazo estabelecido no artigo 14º, n.º 1 al. d) (90 dias a partir da conclusão das obras de edificação)».
E é essa liquidação de juros compensatórios, com esta fundamentação, de que a ora Recorrente apenas vem a ter conhecimento com a decisão da Reclamação, que foi contestada no recurso hierárquico interposto, alegando a inexigibilidade de tais juros e a consequente ilegalidade da sua liquidação por, entre 1992 a 1998, ter estado, relativamente ao referido imóvel, isenta de pagamento de contribuição autárquica, ilegalidade essa que, como manifestamente se colhe do probatório, (mormente dos factos por nós aditados e dos articulados e documentos que estiveram na base dessa fixação), nada tem a ver com a ilegalidade que foi (e só foi) imputada em sede de reclamação graciosa à liquidação na parte relativa à CA de 1999.
Em suma: contrariamente ao que se depreende ter sido o entendimento do Tribunal a quo (se bem interpretamos a sentença proferida), a liquidação de juros, in casu, nada tem a ver com o imposto liquidado relativo à Contribuição Autárquica de 1999 e mostra-se atacada por vícios próprios, não sendo, pois, correcto afirmar-se, neste caso, que aquela dívida de juros integra a própria dívida daquele imposto com que apenas formalmente foi liquidado e, consequentemente, que a suspensão de um esteja dependente da suspensão daqueloutro.
Questão distinta é a de saber se, tendo o processo de execução fiscal ficado suspenso, perante estas circunstâncias concretas essa suspensão se manteve ou devia ter mantido e quais as consequências dessa suspensão para efeitos de contagem do prazo de prescrição de que ora nos ocupamos.
Vejamos.
Relativamente à questão de saber se o processo de execução fiscal esteve suspenso e desde quando essa suspensão se verificou, as partes estão de acordo e o probatório faculta-nos claramente a resposta: o processo de execução fiscal esteve suspenso desde a constituição de garantia prestada pela Recorrente após a apresentação da reclamação graciosa [cfr. factualidade apurada sob as alíneas c) a g) do ponto III supra].
O que, naturalmente, não só não está em discussão, como não podia estar, uma vez que, em conformidade com o preceituado no artigo 169º do CPPT «1 - A execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, a impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objecto a legalidade da dívida exequenda (…), desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195.º ou prestada nos termos do artigo 199.º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, o que será informado no processo pelo funcionário competente.».
Porém, no que concerne à data a partir da qual essa suspensão deveria ter deixado de operar ou, se preferirmos, quanto ao momento a partir do qual a Administração Fiscal poderia ter prosseguido com os actos de execução necessários à cobrança coactiva da dívida de imposto (e, consequentemente, se reiniciou a contagem do prazo de prescrição interrompido a 30-7-2001 com a apresentação da reclamação), as partes divergem.
Para a Administração Tributária, a suspensão manteve-se, pelo menos até 15 de Junho de 2010, data em que a Recorrente foi notificada da decisão de indeferimento do recurso hierárquico, pelo que, conclui, se verificou uma extensão do prazo prescricional até 7 de Setembro de 2017.
Para a Recorrente, desde 9 de Janeiro de 2004 que a Administração Fiscal poderia ter prosseguido a execução fiscal na parte relativa ao imposto de CA do ano de 1999, por nesta data ter sido interposto recurso hierárquico limitado, em termos de objecto, aos juros compensatórios, ou o mesmo é dizer, com a sua conformação com a decisão da reclamação graciosa na parte respeitante ao imposto de CA relativo a 1999.
Manifestamente, é a esta última que assiste razão.
Como vimos já pela transcrição do preceito realizado (artigo 169º do CPPT), a suspensão do processo de execução fiscal está, neste circunstancialismo em apreço, sujeito a apertadas exigências legais: a execução fiscal apenas pode ser suspensa se e enquanto estiver pendente a discussão sobre a legalidade ou exigibilidade da dívida exequenda e, cumulativamente, for prestada garantia, nos termos dos artigos 195° ou 199° do CPPT ou quando a penhora garanta a totalidade da dívida exequenda e dos acréscimos legais ou, ainda, quando haja logrado obter a dispensa de prestação de garantia (art. 52° LGT e 170° CPPT).
O que significa que, não se verificando ou deixando de se verificar esse condicionalismo legal, nada impede, antes o exige o dever público que recai sobre a Administração Fiscal, que esta diligencie no sentido da prossecução da execução de molde a alcançar o seu primeiro e, diríamos também, ultimo, objectivo: a satisfação da quantia exequenda.
Ora, no caso concreto, a partir do momento que a Recorrente se conformou com a decisão proferida na Reclamação Graciosa relativa ao imposto devido a título de Contribuição Autárquica do ano de 1999, podia e devia a Administração Fiscal ter praticado os actos necessários à satisfação da dívida em questão no âmbito do processo de execução fiscal.
Ou seja, dispondo a Reclamante de 30 dias para recorrer hierarquicamente da decisão da reclamação graciosa na parte relativa à liquidação da CA de 1999 (artigo 66º do CPPT), sem que de tal meio processual, para esse efeito, tivesse lançado mão, integrou-se aquela decisão como caso decidido ou caso resolvido na ordem jurídica e, consequentemente, deixaram de estar verificados os pressupostos de suspensão do processo de execução fiscal quanto a essa dívida.
Podia e devia, repita-se, nestas circunstâncias, a Administração Fiscal ter prosseguido, nessa parte, com a execução, independentemente de a dívida exequenda se encontrar garantida quanto ao seu pagamento pela oportuna prestação de garantia bancária já que, como já o dissemos, não basta a mera prestação da garantia para que haja suspensão do processo de execução fiscal, sendo mister, igualmente, que subsista a discussão, o pleito que tenha essa dívida por objecto, o que, no caso, desde 11 de Janeiro de 2004 já não sucedia.
Donde, sendo incontestável o que vimos expondo face aos factos apurados e indiscutível que o prazo de prescrição da dívida em questão é de 8 anos (artigo 48º, n.º 1 da LGT), mostra-se irrepreensível a conclusão da Recorrente de que, a 30-7-2012, quando formulou pedido de reconhecimento de prescrição da dívida do imposto de 1999, já esta se mostrava, efectivamente, prescrita.
Procede, pois, o recurso interposto.

V - DECISÃO
Termos em que, acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, concedendo provimento ao recurso, em revogar a decisão recorrida e, em substituição, anular o acto reclamado.
Custas pela Recorrida, apenas em 1ª instância.
Registe e notifique.


Lisboa, 26-6-2014


________________________________
[Anabela Russo]


________________________________________________

[Joaquim Condesso]


__________________________________________________
[Cristina Flora]