Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:362/17.0BELSB
Secção:CA-2º. JUÍZO
Data do Acordão:04/05/2018
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:RECUSA DE ADJUDICAÇÃO; DECISÃO DE ADJUDICAÇÃO INOPERANTE; CELEBRAÇÃO DO CONTRATO NA PENDÊNCIA DA ACÇÃO
Sumário:I – Ultrapassado o prazo legal pelo qual os concorrentes têm de manter as suas propostas, a recusa de adjudicação configura um direito potestativo dos concorrentes, que uma vez exercido produz efeitos imediatos, sem necessitar de uma ulterior “aceitação” por banda da entidade adjudicante;
II – Efectuada essa recusa, a decisão de adjudicação deixa de produzir os seus efeitos típicos, por força daquela mesma circunstância, tornando-se inoperante e origina a inutilidade superveniente da lide, por perda de objecto, em relação ao pedido impugnatório e relativo à indicada decisão de adjudicação;
III – Cumpre ao A., verificada a celebração do contrato na pendência da acção, requerer a ampliação da lide para passar a abranger o pedido de anulação desse contrato, por ilegalidade consequente. Se o A. formula tal pedido ab initio, ainda antes de os contratos serem celebrados, o seu pedido será ilegal, por falta de objecto ou terá, se for conhecido apenas a final, que improceder.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I - RELATÓRIO

A., interpôs recurso da sentença do TAC de X., na parte em que julgou verificada a excepção de falta de interesse em agir da A. e ora Recorrente relativamente aos lotes 1, 4 e 5, adjudicados no âmbito do concurso para a aquisição de serviços de remoção de garffiti e cartazes, protecção das superfícies tratadas e manutenção das mesmas no Município de X., assim como, quando julgou improcedente a presente acção, por considerar caducado a decisão de adjudicação quanto às propostas ordenadas em 1.º lugar.

Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões: “1.• Com o maior respeito, o ora Recorrente considera que a douta decisão recorrida padece de erro de julgamento no que concerne às questões apreciadas, a saber, a alegada ilegitimidade ativa ou falta de interesse em peticionar a anulação dos atos de adjudicação dos Lotes 1, 4 e 5 do procedimento em apreço e a invocada "caducidade da adjudicação'" dos Lotes 2, 3 e 7 daquele procedimento, em virtude da sua recusa pelas respetivas Contrainteressadas adjudicatárias.
2 Ao contrário do que sustenta a douta decisão recorrida, a Recorrente não carece de interesse em agir no que concerne à impugnação das decisões de adjudicação dos Lotes 1,4 e 5 do procedimento.
3 A Recorrente tem direito à correta graduação da sua proposta, sendo que, com a anulação das adjudicações, manterá a expectativa de adjudicação em cada um daqueles lotes, especialmente num procedimento em que os atos de adjudicação foram proferidos muito depois dos prazos de validade das propostas formuladas.
4 Diferentemente do que se sustenta na sentença recorrida - em face da existência de um prazo legal perentório para anulação dos atos administrativos em apreço -, a impugnação da adjudicação de propostas que não deveriam ter sido admitidas não podia nem pode ficar dependente da atuação do concorrente titular da proposta graduada no lugar antecedente.
5 ln casu, a impugnação dos atos de adjudicação referentes aos Lotes 1, 4 e 5 não podia ficar dependente da impugnação de tais atos de adjudicação pela 7 Contrainteressada (ou da impugnação da ordenação atribuída à proposta desta última).
6 Ao contrário do que decorre da douta decisão recorrida, o direito à correta graduação da proposta é ainda um interesse atual e direto, carecendo de tutela judiciária sempre que for, como foi, lesado.
7 A correta graduação da proposta constitui um direito em si mesmo, habilitando o concorrente à adjudicação se não for materializada a adjudicação das propostas ordenadas em posição antecedente e celebrado o respetivo contrato.
8 A correta graduação de cada proposta confere uma vantagem no que concerne à expectativa de adjudicação que consubstancia o interesse na participação num procedimento concursal.
9. Essa expectativa de adjudicação da proposta - em função de uma determinada ordenação por aplicação do critério de adjudicação - não deixa, pura e simplesmente, de existir ou de merecer a tutela do direito por não se tratar de proposta que, com a anulação dos atos impugnados, ficará ordenada em primeiro lugar.
10 Na verdade, se um determinado concorrente não reage contra o ato de adjudicação ilegal e, bem assim, contra a lesão que constitui a escolha de uma proposta ilegalmente admitida e graduada no lugar antecedente, tal desinteresse ou inércia não pode, de forma alguma, retirar interesse em agir ao concorrente com a proposta graduada numa posição subsequente.
11 Outrossim, tal desinteresse ou inércia indicam que o concorrente com a proposta graduada no lugar subsequente ao da proposta adjudicada (a anular) não mantêm o interesse na respetiva adjudicação.
12 A situação tem ainda maior relevo, no que concerne à aferição do interesse em agir, quando se verifica que o ato de adjudicação impugnado foi praticado depois de esgotado o prazo de validade das propostas, conferindo ao concorrente graduado no lugar antecedente a possibilidade de, inclusivamente, recusar a adjudicação.
13 A Recorrente tem um interesse direto na impugnação dos atos adjudicatórios pois é evidente que só dessa forma manterá, legitima e fundadamente, a sua expectativa de obter a adjudicação.
14 Esse interesse é ainda um interesse que merece tutela judiciária.
15 Trata-se, no entender da Recorrente, de um interesse direto e efetivo, tendo como subjacente a expectativa de adjudicação de que beneficiam todas as propostas admitidas e graduadas num determinado procedimento concursal.
16 Não se afigura, assim, correta a interpretação e aplicação da norma do artigo 55.º n.º 1,alínea a) do CPTA no sentido preconizado na douta sentença recorrida.
17 Tal entendimento sempre terá de considerar-se inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais da igualdade e do acesso à justiça (artigos 13.º e 20.º e 202.0, n.º 2 da CRP), ao restringir infundada e injustificadamente o direito do concorrente colocado na posição da Recorrente, de reagir contra o ato de adjudicação ilegal que determinou a errada graduação da sua proposta e, como tal, frustrou ilegal e definitivamente a possibilidade de materializar a sua expectativa de adjudicação do objeto do procedimento.
18 Tal entendimento viola ainda o princípio da legalidade, acompanhado pela consagração da garantia da revisão jurisdicional dos atos administrativos - cfr. artigos 20.ª e 268.º n.º 4 da CRP.
19 Não podia o Tribunal recorrido pura e simplesmente presumir - como presumiu - que a 7.• Contrainteressada - que nem sequer reagiu contra o ato ilegal - dará seguimento/aceitará a adjudicação (apresentando os documentos de habilitação e cumprindo os demais deveres legais) e não retirará a sua proposta.
20 Tem, pois, de afigurar-se ilegal um entendimento que assuma como dados adquiridos factos que ainda não se verificaram e que, como tal, não podem considerar-se extintivos do interesse em agir por parte da Recorrente, traduzido na manutenção da sua expectativa de adjudicação.
21 Deve, assim, ser reconhecido à Recorrente o interesse em que seja declarada a anulação dos atos de adjudicação, situação que, como é evidente, lhe permitirá manter a legitima expectativa de adjudicação do objeto dos lotes em apreço.
22 Essa expectativa de aquisição (que assenta na eventualidade ou hipótese de ganhar o procedimento) deve manter-se e merece tutela jurídica enquanto não for validamente celebrado o contrato com o adjudicatário cuja proposta foi legalmente selecionada.
23 O que, como se evidencia nos presentes autos, não sucedeu, sendo os atos de adjudicação impugnados ilegais, por padecerem de todos os graves vícios assacados na petição inicial.
24 O ato de adjudicação impugnado acarreta ainda consequências desfavoráveis na esfera jurídica da Recorrente, coartando definitivamente (de forma ilegal) a possibilidade de lhe ser adjudicado o objeto dos Lotes em apreço.
25 Porque podem ainda retirar para si próprios uma utilidade concreta dessa mesma graduação (e, como tal, da anulação do ato de adjudicação que determine a sua indevida classificação), é evidente que os concorrentes têm direito à admissão e à correta classificação das suas propostas, direito que a Recorrente invocou na presente ação - incluindo para os Lotes 1, 4 e 5 em apreço -, e que lhe confere interesse direto e pessoal em peticionar a anulação dos respetivos atos de adjudicação.
26 Na verdade, estando aceite a proposta da Recorrente para aqueles lotes, subsiste ainda, neste momento, a possibilidade de lhe ser adjudicada a prestação de serviços (designadamente nos casos de adjudicação da proposta ordenada em lugar subsequente, previstos nos artigos 86.º n.º 4 e 91.º n.º 2 do CCP).
27 Não é, assim, possível considerar, como erradamente se considera na douta decisão recorrida, que a Recorrente nunca será a adjudicatária dos lotes em apreço, não decorrendo qualquer vantagem atendível para a sua esfera jurídica.
28 Em face do acima exposto, no entender da Recorrente, impunha-se e impõe-se o proferimento de uma decisão diversa da proferida, isto é, uma decisão que julgue improcedente a exceção de ilegitimidade ativa ou falta de interesse em agir e aprecie o mérito da pretensão anulatória formulada pela Recorrente para os Lotes 1,4 e 5 subjudice.
29 No que concerne à alegada "caducidade da adjudicação" do objeto dos Lotes 2, 3 e 7, não andou bem o Tribunal ao determinar a improcedência dos pedidos formulados pela Recorrente.
30 Ao contrário do que se sustenta na douta decisão recorrida, a dita "caducidade da adjudicação" não existe, nem ocorre ope legis.
31. Em rigor, na situação analisada, não estamos perante uma situação de caducidade da adjudicação, mas sim uma rejeição decorrente da caducidade da proposta, por ter sido esgotado o prazo de manutenção da mesma, previsto no programa do procedimento.
32.ª A caducidade da proposta carece de ser invocada pelo adjudicatário, exercendo o direito de recusa previsto no artigo 76.º n.º 2, do CCP perante a Entidade Demandada, à qual cabe tomar posição sobre o requerido, verificando os fundamentos da recusa (e, sendo o caso, proferindo nova decisão de adjudicação da proposta ordenada no lugar subsequente).
33. No caso sub judice ficou apenas provado que as Contrainteressadas Y. e Z. vieram invocar, perante a Entidade Adjudicante, o direito à recusa da adjudicação.
34 Nada mais ficou provado a este respeito, designadamente se a Entidade Adjudicante apreciou e tomou posição (sequer definitiva) sobre a pretensão daquelas Contrainteressadas (nem foi alegado que tenha deixado esgotar o prazo para o efeito).
35 Ao apreciar a recusa de adjudicação dos Lotes 2, 3 e 7 pelas adjudicatárias respetivas, a douta decisão recorrida violou, desde logo, o princípio da divisão ou da separação de poderes- cfr. artigo 3.º do CPTA e artigo 111.º da CRP.
36 No entender da Recorrente, não podia o Tribunal determinar ou considerar que a Entidade Demandada deve proferir "nova decisão de adjudicação à proposta ordenada em lugar subsequente nos Lotes 2 e 7' ou no Lote 3, pois, como é evidente, aquela Entidade ainda não apreciou nem tomou posição, por via de ato administrativo, sobre a verificação dos pressupostos das pretensões de recusa de adjudicação que lhe foram comunicadas pelas Contrainteressadas Y. e Z. (nem foi alegado, reitere-se, que tivesse decorrido o respetivo prazo para o efeito).
37 Apesar de envolver matéria jurídica, a apreciação da recusa da adjudicação (e a consequente anulação da mesma) integra-se nos poderes de apreciação ou decisão conferidos à Entidade Demandada, não existindo, assim, ainda, qualquer ação (ou omissão) da Administração que devesse ser apreciada ou sindicada pelo Tribunal no que concerne à questão suscitada.
38 Tinha, portanto, o Tribunal recorrido que conceder à Entidade Demandada a possibilidade de tomar posição sobre a questão que lhe foi colocada no procedimento (recusa de adjudicação), praticando os atos que sejam eventualmente devidos (verificação dos pressupostos e aceitação da recusa, anulação da adjudicação recusada e proferimento de novo ato de adjudicação).
39 Pese embora a recusa de adjudicação constitua um direito potestativo do adjudicatário, tal não significa que, para efeitos de tramitação do procedimento, não careça de apreciação e confirmação por parte da Entidade Adjudicante, determinando, por esse motivo, a anulação da adjudicação (pois, neste caso, não ocorre nem se encontra prevista qualquer caducidade da mesma).
40 Nos presentes autos, tal anulação da adjudicação (decorrente da respetiva recusa) ainda não ocorreu, pelo que não é seguro que se possa considerar que o pedido formulado pela Autora carece de objeto, podendo ainda a Entidade Demandada decidir não aceitar a recusa da adjudicação.
41 Não pode, como tal, considerar-se a existência de qualquer suposta "caducidade da adjudicação" por mero efeito da sua recusa, situação que o CCP não contempla (não podendo confundir-se o decurso do prazo de validade da proposta com a própria validade da adjudicação, pois esta existe mesmo que aquele prazo esteja transcorrido, como decorre com clarividência do disposto no artigo 76.º n .º 2 do CCP).
42 Só os artigos 86º, n.º 1 (referente à falta de apresentação dos documentos de habilitação) e 91.º n.º 1 (referente à não prestação de caução) do CCP, contemplam efetivas situações de caducidade da adjudicação, pelo que o entendimento constante da douta decisão recorrida carece de fundamento legal.
43ª A falta de objeto da pretensão formulada pela Recorrente dependeria, portanto, da anulação dos atos impugnados pela Entidade Demandada (com fundamento na sua recusa), o que ainda não sucedeu.
44 Em todo o caso, sem conceder, sempre se dirá que, não tendo a Autora tido qualquer conhecimento prévio de tais recusas de adjudicação, nunca poderia o Tribunal recorrido ter considerado improcedentes os seus pedidos para os Lotes 2, 3 e 7.
45 No limite, a serem aceites as recusas e anuladas as adjudicações - na pendência da ação - pela Entidade Demandada, estaria apenas em causa uma situação de inutilidade superveniente da lide por razões não imputáveis à Autora, não podendo esta ser condenada em custas por não ter dado causa à inutilidade ocorrida (mas sim a Entidade Demandada) - cfr. artigo 277.º, alínea e) do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do disposto no artigo 1.º do CPTA.
46 Não andou bem, assim, o Tribunal a quo ao considerar improcedentes os pedidos formulados pela Autora e, além do mais, ao condená-la nas custas devidas a juízo, por não ser a Recorrente responsável por qualquer inutilidade da ação quanto aos Lotes 2, 3 e 7.”

O Recorrido Município de X. nas contra-alegações formulou as seguintes conclusões: “A. Alega a Recorrente que lhe foi sonegado o direito à correcta graduação da proposta.
B. Erradamente porém: A proposta da recorrente foi graduada no procedimento concursal. Está graduada, nos lotes em questão, daqui decorrendo e estando acautelados por esta via, todos os direitos e deveres que a marcha do procedimento concorrencial vier a determinar.
C. Daqui decorrendo que não há qualquer lesão do direito à graduação da sua proposta como alega, não estando portanto carecida de tutela judiciária para fazer valer o seu direito, que em momento algum foi objecto de lesão.
D. A ora Recorrente justifica ainda o seu alegado interesse em agir, caracterizando-o como actual e directo, com: o "desinteresse ou inércia indicam que o concorrente com a proposta graduada no lugar subsequente ao da proposta adjudicada (a anular) não mantêm o interesse na respectiva adjudicação.
E. Não é aceitável que, certamente à falta de argumentos de facto e de direito para atacar a decisão a quo, reputando a participação processual do contra interessado como de "desinteresse ou inercia'', a recorrente afirme que outro concorrente "não mantem o interesse na adjudicação."
F. Assim independentemente da opção que aquela contra-interessada venha a tomar no procedimento, o interesse da Recorrente está acautelado no próprio procedimento concursal, e por via disso não carece da tutela judiciária.
G. Afirma ainda a Recorrente que a dita "caducidade da adjudicação" não existe, nem ocorre ope legis e que tal dita caducidade não ocorreu.
H. Pretende a Recorrente que a recusa da adjudicação pelo adjudicatário decorrido o prazo previsto nos art.2 652 e 762 do CCP remete para o domínio de caducidade ex voluntatis da Administração e não de caducidade ope legis, por considera que a decisão carece da valoração jurídica pela entidade administrativa das circunstâncias susceptíveis de preencher o pressuposto lega l que enforma a causa de caducidade.
I. Sem razão porém, pois como ensina o Prof Jorge Andrade da Silva em anotação ao art.2 652 do Código dos Contratos Públicos, «a libertação dos concorrentes relativamente às obrigações assumidas com as respetivas propostas, passa a verificar-se automaticamente com o decurso do prazo de validade que lhes foi fixado no programa do procedimento, no convite ou, supletivamente, neste artigo». “.

Y., SA, contra-interessada, nas contra-alegações formulou as seguintes conclusões: “

(TEXTO NO ORIGINAL)


O DMMP não apresentou a pronúncia.
Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo, vem o processo à conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – OS FACTOS

Em aplicação do art.º 663º, n.º 6, do Código de Processo Civil (CPC), ex vi do art.º 1.º e 140.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), por não ter sido impugnada, remete-se a matéria de facto para os termos em que foi decidida pela 1.ª instância.

II.2 - O DIREITO

As questões a decidir neste processo, tal como vêm delimitadas pelas alegações e contra-alegações de recurso e respectivas conclusões, são:
- aferir do erro decisório e da violação do art.º 55.º, n.º 1, al. a), do CPTA, dos princípios da igualdade, do acesso à justiça e da legalidade, por se ter decidido pela procedência da excepção de falta de interesse em agir da A. e ora Recorrente para impugnar as decisões de adjudicação dos lotes 1, 4 e 5, porquanto a correcta ordenação das propostas é um direito digno de tutela, que confere à A. e ora Recorrente uma vantagem no que concerne à expectativa de adjudicação;
- aferir do erro decisório, da violação do princípio da separação dos poderes e do art.º 76.º, n.º 2, do Código de Contratos Públicos (CCP), por se ter determinado a improcedência dos pedidos formulados com relação aos lotes 2, 3 e 7, porque a caducidade da adjudicação não existe nem ocorre ope legis, pois apesar de as contra-interessadas Y., SA e Z., Lda, terem invocado perante a entidade adjudicante o direito à recusa da adjudicação, nos autos não ficou provado que a entidade adjudicante tenha apreciado essas recusas e tomado uma decisão definitiva sobre tais pretensões. Mais alega o Recorrente, que aceites as recusas e anuladas as adjudicações na pendência da acção, também não haveria improcedência dos pedidos mas inutilidade superveniente da lide, não imputável à A., que, por essa razão, não poderia ser condenada em custas.

Na PI da presente acção – rectificada - a A. e Recorrente pediu a declaração de nulidade ou a anulação da decisão de adjudicação dos lotes 1, 2, 3, 4, 5 e 7, a anulação dos contratos públicos celebrados com as contra-interessadas Y., SA e Z., Lda e a condenação do Município de X. a proferir nova decisão de ordenação e adjudicação, passando a graduar a A. e Recorrente em 1.º lugar e a adjudicar-lhe os lotes 2, 3 e 7, assim como, passando a graduá-la em 2.º lugar relativamente aos lotes 1, 4 e 5.
Para o efeito, a A. e Recorrente alega que o acto de adjudicação de todos os lotes padece de vício de violação de lei, por ofensa do disposto no art.º 70.º, n.º 2, alínea g), do CCP, por haver indícios de que as concorrentes Y., Z. e ZZ. se articularam para criarem uma ilusão de concorrência.
Ora, conforme resulta da factualidade apurada, no lote 1, a A. e Recorrente ficou graduada em 4.º lugar, no lote 4, ficou graduada em 5.º lugar e no lote 5, ficou graduada em 4.º lugar.
Nesses mesmos lotes, a empresa ZZZ. Lda, ficou graduada em posição anterior à da A. e Recorrente, isto é, aquela empresa ficou graduada em 3.º, 4.º e 3.º lugares para os lotes 1, 4 e 5, respectivamente.
Quanto a esta empresa ZZZ. Lda, a A. não invoca estar conluiada com as restantes, tendo em vista desvirtuar a concorrência.
O que significa, como bem se nota na decisão recorrida, que face à causa de pedir e pedidos formulados nesta acção, ainda que procedesse a invalidade invocada, nunca poderia a A. e Recorrente aspirar a que lhe fossem adjudicados os referidos lotes.
Aliás, na PI, a A. apenas requer a graduação em 2.º lugar para os lotes 1, 4 e 5, ficando implícita a impossibilidade da determinação da correspondente adjudicação, por a empresa ZZZ. Lda, ter que ficar colocada em 1.º lugar.
Logo, tal como decorre da causa de pedir, a A. não apresenta qualquer interesse directo e pessoal - entendido enquanto um interesse actual e efectivo, que necessite de ser acautelado judicialmente - para poder formular o pedido impugnatório com relação ao mencionados lotes 1, 4 e 5 – cf. art.º 55.º, n.º 1, al. a), do CPTA.
O indicado acto de adjudicação não lesa de forma directa, imediata e efectiva nenhum direito seu, assim como não lesa um seu interesse, que seja legalmente protegido. Como reverso, através da presente acção a A. e Recorrente também não alcança nenhuma utilidade imediata e pessoal, pois ficaria sempre graduada em 2.º lugar, atrás da empresa ZZZ. Lda. A adjudicação teria que se fazer com relação à proposta deste concorrente – e não da A. – e o contrato também haveria de ser celebrado com o mesmo – e não com a A.
Por conseguinte, no caso em apreço, tal como vem configurada a PI, a A. e Recorrente apresenta-se apenas com um interesse longínquo, eventual e hipotético, só passível de se tornar real, vg. se acaso a empresa ZZZ. Lda, viesse a recusar a adjudicação.
Refira-se, ainda, que não obstante esta eventualidade, a mesma não transfigura o interesse hipotético da A. num interesse real e actual, mantendo-se este, sempre, em termos de mera contingência.
Em suma, há que confirmar a decisão recorrida quando em relação ao pedido impugnatório, na parte em que se relaciona com os lotes 1, 4 e 5, julgou verificada a excepção de falta de interesse em agir por banda da A. e ora Recorrente.

Vem a Recorrente invocar um erro decisório por se ter determinado a improcedência dos pedidos formulados com relação aos lotes 2, 3 e 7, porque a caducidade da adjudicação não existe nem ocorre ope legis, mas depende da apreciação que venha a ser feita pela entidade adjudicante quanto os pedidos de recusa da adjudicação. Igualmente, diz a Recorrente, que se sendo aceites as recusas e anuladas as adjudicações na pendência da acção, também não haveria improcedência dos pedidos mas uma inutilidade superveniente da lide, não imputável à A., que, por essa razão, não poderia ser condenada em custas.
Na PI foram requeridos pela A. e ora Recorrente os seguintes pedidos com relação aos lotes 2, 3 e 7: de declaração de nulidade ou a anulação da decisão de adjudicação, de anulação dos contratos públicos celebrados com as contra-interessadas Y., SA e Z., Lda e de condenação do Município de X. a proferir nova decisão de ordenação e adjudicação, passando a graduar a A. e Recorrente em 1.º lugar e a adjudicar-lhe os referidos lotes.
Dos factos provados resulta que a empresa Z., Lda, recusou adjudicar o lote 3 e que a empresa Y., SA, recusou adjudicar os lotes 2 e 7.
Atendendo à factualidade e ao preceituado nos art.ºs 65.º, 76.º, n.º 2, do CCP e 14.º do Programa de Procedimento, decorre, também, que aquando daquelas recusas já estava ultrapassado o prazo legal pelo qual os concorrentes teriam de manter as suas propostas.
Como se refere na decisão recorrida: “O termo do prazo fixado para a apresentação das propostas foi estabelecido em 21/07/2016 e a decisão de adjudicação foi notificada aos concorrentes em 13/01/2017, apesar de tomada em dezembro de 2016.
Não estando em causa um prazo para a apresentação das propostas (cfr. artigo 470º, nº 3, do CCP), mas antes de obrigação de manutenção das propostas, a sua contagem é efetuada nos termos do disposto no artigo 87º do Código do Procedimento Administrativo (doravante CPA) [aprovado pelo Decreto-Lei nº 4/2015, de 7/01], aplicável “ex vi” do artigo 470º, nº 1, do CCP.
Feitas as contas, em 9/01/2017 ocorreu o termo do prazo da obrigação de manutenção das propostas para todos os concorrentes, o que significa que a 6ªCI. tinha o direito de recusar a adjudicação dos lotes referidos (cf. artigo 76º, nº 2, do CCP), porque só foi notificada da decisão de adjudicação em 13/01/2017.”
Assim, ultrapassado que estava o prazo em que se exigia que as empresas Y., SA e Z., Lda, mantivessem as suas propostas, podiam as mesmas desvincular-se dessa obrigação, bastando-lhes, para tanto, comunicar a recusa à entidade contratante, tal como o fizeram.
Tal recusa configura um direito potestativo destas concorrentes, que uma vez exercido produz efeitos de imediato, sem necessitar de uma ulterior “aceitação” por banda aquela entidade. Portanto, efectuadas as recusas, a decisão de adjudicação, ora impugnada, torna-se inoperante, inviabilizando-se a sua efectivação com a consequente celebração dos respectivos contratos (cf. neste sentido, Silva, José Andrade da – Código dos Contratos Públicos, Comentado e Anotado. Coimbra: Almedina, 2008, pp. 240-241).
Da factualidade provada decorre que as recusas da Y., SA, ocorreram em 27-01-2017 (e foram reiteradas em 09-02-2017). Já a recusa da Z., Lda, ocorreu em 27-01-2017 (e foi reiterada em 09-02-2017).
Quanto à presente PI, foi apresentada em 13-02-2017, portanto, após as recusas da adjudicação dos lotes 2, 3 e 7.
Assim, frente a esta factualidade, há que concluir, em primeiro lugar, que uma vez verificadas as recusas das citadas empresas, o acto de adjudicação - que tinha sido impugnado nesta acção pela A. e Recorrente - deixa de produzir os seus efeitos típicos, por força daquelas mesmas circunstâncias. Logo, no que concerne ao pedido para ser declarada a nulidade ou para ser anulada a decisão de adjudicação dos lotes 2, 3 e 7 às contra-interessadas Y., SA e Z., Lda, perdeu tal pedido o seu objecto, pois a adjudicação em causa deixou de operar.
não vindo alegado e provado nos autos a data em que a A. e Recorrente teve conhecimento das referidas recusas, não obstante a PI ter sido apresentada em data posterior às mesmas, há, em segundo lugar, que concluir que o pedido feito na PI para que fosse declarada a nulidade ou anulado a decisão de adjudicação dos mencionados lotes às contra-interessadas Y., SA e Z., Lda, se tornou supervenientemente inútil, por ter perdido o seu objecto.
Para efeitos de custas, esta superveniência não pode ser imputada à A. e Recorrente, mas terá de ser imputada aos Recorridos (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2, 536.º, n.ºs. 1, 3, do CPC, 7.º, n.º 1, do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).
Quanto ao pedido seguinte - para que fossem anulados os contratos públicos celebrados com as contra-interessadas Y., SA e Z., Lda - será um pedido que claudicava ab initio, pois decorre da factualidade apurada nos autos que tais contratos nunca foram celebrados. Ou seja, apesar e a A. e ora Recorrente ter formulado tal pedido na PI, em cumulação real com o pedido impugnatório, a verdade é que na respectiva causa de pedir não indicou que tais contratos houvessem sido efectivamente celebrados. Portanto, o indicado pedido era omisso de causa de pedir, padecendo de objecto. Cumpriria à A. e Recorrente, caso tais contratos viessem a ser celebrados na pendência da acção, vir a ampliá-la nessa sequência, então requerendo a anulação desses contratos, não fazer ab initio um pedido desprovido de causa de pedir e de objecto.
Assim, no que concerne a este pedido de anulação dos contratos celebrados com as empresas Y., SA e Z., Lda, terá de improceder, por se tratar de um pedido ab initio carente de objecto, logo impossível, porquanto tais contratos nunca foram celebrados.
No que se refere a custas, porque esta improcedência se deve a uma falha processual da A. e Recorrente – que requereu a anulação dos contratos quando os mesmos não tinham sido celebrados – incumbe-lhe, a ela A. e ora Recorrente, pagar as custas devidas (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2, 7.º, n.º 1, do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).
Por fim, no que diz respeito ao último pedido - para que o Município de X. seja condenado a proferir nova decisão de ordenação e adjudicação, passando a graduar a A. e Recorrente em 1.º lugar e a adjudicar-lhe os referidos lotes - tornou-se tal pedido supervenientemente inútil face à recusa da adjudicação por banda das empresas Y., Z. e ZZ., pois, agora, terá a entidade adjudicante, necessariamente, que adjudicar os lotes 2, 3 e 7 à A. e ora Recorrente.
Como resulta da factualidade apurada, a A. e ora Recorrente ficou graduada após aquelas empresas e designadamente em 3.º lugar no lote 1 e e 4.º lugar nos lotes 3 e 4. Portanto, não operando a anterior adjudicação – por recusa das concorrentes melhor graduadas – terá a referida adjudicação que fazer-se à A. e ora Recorrente, porquanto não resulta dos autos terem-se verificado quaisquer das causa de não adjudicação que vêm previstas no art.º 79.º do CCP. Ou seja, agora terá que ocorrer necessariamente uma nova decisão, que torna supervenientemente inútil o pedido feito nesta acção para se condenar o Município a proceder a nova ordenação e adjudicação, por (eventualmente) existir aqui uma violação da concorrência (cf. art.ºs 73.º e 76.º do CCP).
Em suma, há que revogar a decisão recorrida quando julgou a presente acção totalmente improcedente no que concerne aos pedidos formulados em relação aos lotes 2, 3 e 7.
Como assinalamos, tal improcedência apenas ocorre em relação ao pedido para que os contratos celebrados fossem anulados, pois esses contratos nunca existiram, logo, o correspondente pedido formulado teria necessariamente de claudicar, por ter ser carecido de objecto.
Já quanto aos restantes pedidos, impugnatório e de condenação do município a proceder a nova graduação e a adjudicar os indicados lotes à A. e Recorrente, tornou-se um pedido supervenientemente inútil.


III- DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam:
- em conceder provimento parcial ao recurso interposto e confirmar a decisão recorrida na parte em que julgou verificada a excepção de falta de interesse em agir por banda da A. e ora Recorrente quanto aos pedidos formulados e relativos aos lotes 1, 4 e 5, assim como, quando julgou improcedente o pedido de anulação dos contratos celebrados com as empresas Y., SA e Z., Lda, com relação aos lotes 2, 3 e 7;
- revogar a decisão recorrida quando julgou improcedentes os pedidos impugnatórios e de condenação do Município a nova graduação e à adjudicação à A. e Recorrente dos lotes 2, 3 e 7 e determinou custas pela A., por esse decaimento;
- em substituição, julgar verificada a excepção de impossibilidade superveniente da lide com relação aos pedidos impugnatórios e de condenação do Município a nova graduação e à adjudicação à A. e Recorrente dos lotes 2, 3 e 7.
- custas em 1.º instância pela A. e pelos Recorridos, na proporção do decaimento, que se fixa em 1/3 pela A. e em 2/3 pelos Recorridos, em partes iguais (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2, 528.º, n.º 1, 536.º, n.ºs. 1, 3, do CPC, 7.º, n.º 1, do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).
- custas do recurso pelo Recorrente e pelos Recorridos, na proporção do decaimento, que se fixa em 2/3 pela A., 1/3 pelo Recorrido Município de X. e 1/3 pela Y., SA (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2, 528.º, n.º 1 do CPC, 7.º, n.º 1 e 12.º, n.º 2 do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).

Lisboa, 5 de Abril de 2018.
(Sofia David)

(Nuno Coutinho)

(José Correia)