Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:964/14.7BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:09/30/2019
Relator:MÁRIO REBELO
Descritores:PRAZO DE CADUCIDADE EM CASO DE REGULARIZAÇÃO DE IVA A FAVOR DO SUJEITO PASSIVO
Sumário:1. Se o que esteve na origem da liquidação que serviu de base ao título executivo foi a regularização indevida de IVA efetuada pelo Recorrente, é este acontecimento factual que faz nascer na esfera da AT o dever de controlar a legalidade da regularização, e corrigi-la se for caso disso.

2. Este facto constitui, no caso concreto, o facto tributário com manifesto impacto na relação jurídica tributária (cfr. art.º 36º/1 LGT), a partir do qual se conta o prazo de caducidade previsto nos n.ºs 1 e 4 do art.º 45º LGT.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

RECORRENTE: Paulo .........., Lda.
RECORRIDO: Autoridade Tributária e Aduaneira.
OBJECTO DO RECURSO: Sentença proferida pelo MMº juiz do TAF de Loulé que julgou improcedente a oposição deduzida contra a execução fiscal instaurada no Serviço de Finanças de Portimão para cobrança coerciva da quantia de € 8.435,33 resultante de correção indevida de IVA.
CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES:
A. Face aos documentos autênticos juntos aos autos de Oposição (Documento 2 junto pela Recorrente com a Oposição e Documento 1 junto pela Recorrida com a Contestação) não poderá o Tribunal ad quem, em sede de apelação, deixar de considerar como provada a realização, entre 2006 e 2007, do serviço de intermediação na venda do prédio rústico inscrito sob o artigo …. da Freguesia de Alvor, Concelho de Portimão, e que o montante de € 8.342,25, objecto de cobrança coerciva, respeita a IVA associado ao pagamento da comissão relativa a esse serviço de intermediação.

B. A Recorrente foi notificada, em 19 de Junho de 2014, da liquidação adicional de IVA n.º .........., no montante de € 8.342,25, que está na base da quantia exequenda do presente processo de execução fiscal, cuja citação ocorreu em Setembro de 2014, foi citada da instauração do processo de execução fiscal relativo à cobrança daquela dívida exequenda.

C. A citação junta, atesta que a dívida em cobrança coerciva corresponde a IVA associado a uma prestação de serviços realizada em 2007 e cujo facto tributário e exigibilidade ocorreu nesse ano.

D. Assim, tendo em conta que a liquidação adicional de IVA que está na origem da dívida exequenda sub judice, foi emitida e notificada à Recorrente em 2014, ou seja, fora do prazo de 4 (quatro) anos previsto no artigo 45.º da LGT, a mesma encontra-se claramente caducada.

E. Acresce que, nos termos da lei, apenas o facto tributário e a exigibilidade relevam para efeitos de início da contagem do prazo de caducidade, não relevando qualquer outro facto (porque não se encontra tipificado na lei) para o termo inicial do prazo de caducidade, designadamente a regularização de imposto.

F. Uma eventual integração de lacunas no presente caso, no sentido de considerar como relevante para início da contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação de tributos outro momento que não a exigibilidade do imposto ou o facto tributário, seria absolutamente inadmissível pelo disposto no artigo 11.º, n.º 4, da LGT, e inconstitucional, na medida em que as regras de caducidade respeitam a garantias dos contribuintes cobertas pela reserva de lei parlamentar (cf. artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da Constituição da Republica Portuguesa).

G. Assim, tendo em conta que o prazo de caducidade se deverá começar a contar desde o início do ano civil seguinte ao da exigibilidade do imposto (ou, ainda que se admitisse outro momento, do facto tributário), ou seja, 1 de Janeiro de 2008, e tendo em conta que a liquidação adicional de IVA que está na origem da dívida exequenda sub judice foi emitida e notificada à Recorrente em 2014, ou seja, fora do prazo de 4 (quatro) anos previsto no artigo 45.º da LGT, a mesma encontra-se claramente caducada.

H. Deste modo, ainda que verificada uma regularização de imposto, importa identificar o facto material que preenche os pressupostos legais da norma de incidência do imposto ou de exigibilidade do mesmo e que, por conseguinte, releva, nos termos legais, como momento determinante do início da contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação de tributos. E no presente caso, só um facto reúne estas condições: a prestação de serviços de intermediação imobiliária, cujo facto tributário e exigibilidade do IVA ocorreu em 2007.

I. Acresce referir que a quantia exequenda provém de uma (alegada) dívida de IVA referente ao ano 2007 e não, como entende a AT, de um “acto administrativo em matéria tributária” resultante da “desconsideração da regularização de IVA”, pelo que será o acto material de consumo em que assenta a tributação de IVA, de acordo com o n.º 4 do artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa, que releva para efeitos de contagem do prazo de caducidade constante do artigo 45.º da LGT.

J. A não admitir-se que a AT indicou correctamente no título executivo a dívida tributária a que respeitava (i.e., o IVA), então aquele título carece de um requisito essencial, a saber, a indicação da natureza e proveniência da dívida, verificando-se a nulidade de todo o processo de execução fiscal, nos ter- mos do artigo 165.º, n.º 1, alínea b) do CPPT.


NESTES TERMOS, E NOS MAIS DE DIREITO QUE VOSSAS EXCELÊNCIAS SUPRIRÃO, DEVERÁ O PRESENTE RECURSO SER DADO COMO PROCEDENTE E, EM RESULTADO, DETERMINAR-SE A ANULAÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA, COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS.

CONTRA ALEGAÇÕES.
Não houve.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.

II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou ao julgar improcedente a exceção de caducidade do direito à liquidação de IVA, referente a prestação de serviços de intermediação imobiliária, autoliquidado alegadamente por lapso em 2010 e regularizado em 2012.

III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:
1.
Em Outubro de 2010, PAULO .........., LDA., efectuou na sua contabilidade o lançamento n.º 10.001, relativo a uma comissão referente a operação de intermediação imobiliária efectuada a Maria .........., na sequência da sentença proferida no processo n.º 765/08.1BPTM – facto admitido por acordo.
2.
Consequentemente, o IVA relativo àquela intermediação foi declarado na declaração periódica de IVA do último trimestre de 2010 – facto admitido por acordo.
3.
Na declaração periódica do último trimestre de 2012, PAULO .........., LDA., regularizou aquele IVA no valor de € 8.342,25 – facto admitido por acordo.
4.
Entre 14 de Janeiro e 14 de Maio de 2014, PAULO .........., LDA., foi sujeita a uma acção de inspecção tributária – cfr. fls. 52-5 dos autos.
5.
Em 11 de Junho de 2014, foi elaborado Relatório de Inspecção Tributária relativo àquela acção inspectiva que, no ponto, considera que a regularização dos ditos € 8.342,25 “não tem qualquer suporte legal, tanto mais que já tendo sido objecto de análise através de Reclamação Graciosa e posterior Recurso Hierárquico que foram apresentados pelo contribuinte em apreço, foi considerado que não haveria qualquer regularização a efectuar a seu favor” – cfr. fls. 52-8 dos autos.
6.
No dia 19 de Junho de 2014, foi emitida a liquidação n.º 2014........... no valor de € 8.342,25 – cfr. fls. 87 dos autos.
7.
Em 23 de Setembro de 2014, contra PAULO .........., LDA., foi instaurado o Processo de Execução Fiscal n.º ….. -2014/.......... para cobrança daqueles € 8.342,25 – cfr. fls. 1 do apenso.

II-B. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Os documentos referidos não foram impugnados pelas partes e não há indícios que ponham em causa a sua genuinidade.

ADITAMENTO DE FACTOS.
Ao abrigo do disposto no art.º 662º/1 do CPC, aditamos os seguintes factos, constantes do RIT (fls. 52 e segs.) e aceites pelas partes:
8.
Em novembro de 2006, a sociedade Paulo .........., Lda. celebrou em regime de exclusividade, um contrato de intermediação de venda de um prédio rústico, mediante pagamento de uma comissão, no montante de € 125.000,00 acrescida de IVA à taxa de 21%.
9.
Em maio de 2007, efetuou com a sua cliente um protocolo de acordo de venda desse prédio, que só não veio a concretizar-se por facto imputável à mesma.
Por essa razão, a sociedade interpôs uma ação declarativa de condenação no Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Portimão.
10.
Em 21/9/2009 foi proferida sentença judicial que transitou em julgado em 2010, tendo sido decidido que o referido contrato de mediação imobiliária era válido, sendo a cliente condenada a pagar a comissão de intermediação acordada, acrescida do IVA e dos juros de mora.
11.
Não tendo sido paga, a sociedade interpôs uma ação executiva no mês mesmo tribunal.
12.
No decurso dessa ação foi penhorado o referido prédio e adjudicado à sociedade pelo valor de € 606.200,00, mediante a obrigação desta pagar ao Agente de Execução o valor excedente, acrescido dos custos de execução.
13.
Em 29/8/2010, a sociedade cedeu à sociedade S.......... Lda. pelo montante total de € 351.619,90 a posição que detinha na ação executiva.
14.
O valor da regularização referida em 3) correspondia ao crédito de imposto que a DP de IVA do 4º trimestre de 2010 deveria ter dado se não tivesse sido considerada a liquidação de IVA associada à comissão de intermediação imobiliária.

IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Foi instaurado no Serviço de Finanças de Portimão processo de execução fiscal para cobrança coerciva da quantia de € 8.435,53, correspondente a liquidação de IVA no montante de € 8342,25 e custas no valor de € 93,08.
Em novembro de 2006 o Oponente celebrou um contrato de intermediação imobiliária com Maria .......... nos termos do qual lhe prestou serviço, que a cliente se recusou a pagar. Interposta ação declarativa de condenação no tribunal de Portimão, foi proferida sentença favorável, e após trânsito em julgado foi intentada ação executiva para pagamento da quantia devida (€ 125.000,00).
No âmbito da ação executiva, foi-lhe adjudicado um imóvel penhorado pelo valor de € 606.200,00 com a obrigação de pagar ao Agente de Execução o valor excedente, acrescido dos custos de execução.
Em 2010 a sociedade OPONENTE cedeu à sociedade S.......... Lda a posição que detinha na ação executiva pelo valor de € 351.619,90.
As operações de intermediação imobiliária e de cessão de créditos foram contabilizadas pela OPONENTE da seguinte forma:
Lançamento n.º 10.001 – creditada a Conta “7211 – Serviços Prestados” pelo valor da comissão de € 125.000,00 e a Conta “243312 IVA liquidado” pelo valor de € 26.250,00, valor que foi declarado na DP do 4º trimestre de 2010
Lançamento n.º 10.000 – creditada a conta “78881 – Outros Proveitos Não Especificados” pelo valor remanescente de € 200.369,90 = ( 351.619,90– € 125.000,00 – 26.250,00), não tendo procedido a qualquer liquidação de IVA.

Em outubro de 2012 a Contribuinte efetuou uma regularização de IVA a seu favor no montante de € 8.342,25. Este valor corresponde ao crédito de imposto que a DP de IVA do 4º trimestre 2010 deveria ter dado se não tivesse sido considerada a liquidação de IVA associada à comissão de intermediação imobiliária que originou toda a situação.

A AT entendeu que a regularização não tem qualquer suporte legal e procedeu à liquidação do imposto indevidamente regularizado.
O qual não tendo sido pago, deu origem à instauração da execução fiscal, contra a qual deduziu a presente oposição.

Considera o OPONENTE que o valor correspondente à cessão de crédito € 351.619,00 já compreende tudo o que teria a receber relativamente à comissão, pelo que foi lapso o lançamento contabilístico n.º 10.001 relativo ao valor da comissão resultante do contrato celebrado com Maria .......... (€ 125.000,0) e bem assim do respetivo IVA (€ 26.250,00). Foi por essa razão que em 2012 procedeu à regularização nos termos do art. 78º/3 CIVA.

Defende que caducou o direito da AT à liquidação porque sendo o facto tributário relativo 2007 (conclusão do serviço) a liquidação adicional de IVA foi emitida em 2014, portanto fora do prazo de caducidade.

O Exmo. Representante da Fazenda Pública contestou, dizendo, em síntese, que o prazo de caducidade se suspende com a notificação ao contribuinte da ordem de serviço ou do despacho no início da ação de inspeção externa. O Facto tributário, ocorreu em 2012 e o contribuinte foi notificado da liquidação, na caixa postal eletrónica, em 3/8/2014, antes de decorrido o prazo de caducidade.

O MMº juiz julgou improcedente a oposição. Fundamentou-se no facto de a quantia exequenda não ser proveniente, em rigor, de uma liquidação adicional, mas antes da desconsideração da regularização de IVA efetuado pela Oponente ao abrigo do art.º 78º/3 do CIVA.
Como tal, o título executivo certifica a existência de uma dívida emergente de um acto administrativo em matéria tributária e não de um acto tributário, stricto sensu, não lhe sendo aplicável o regime da caducidade do direito à liquidação de tributos.
E quanto ao facto de não ter recebido qualquer remuneração, tal alegação é insusceptível de conduzir à extinção da execução porque o pagamento dos serviços não “...é um elemento essencial, pois que até se encontra expressamente prevista no seu Código a possibilidade de regularização de créditos de cobrança duvidosa ou incobráveis”

A RECORRENTE discorda. Defende que devem ser aditados factos ao probatório e reitera que a cobrança coerciva corresponde a IVA associado a uma prestação de serviços realizada em 2007 e cujo facto tributário e exigibilidade ocorreu nesse ano. E só o facto tributário e a exigibilidade relevam para efeitos de início da contagem do prazo de caducidade, não relevando qualquer outro facto, porque não se encontra tipificado na lei, designadamente a regularização de imposto.

Sob pena de inconstitucionalidade, por violação das garantias dos contribuintes, matéria coberta pela reserva de lei parlamentar.

Em suma, na tese da Recorrente, como o IVA se reporta a prestação de serviços efetuada em 2007 e a regularização foi efetuada na DP do último trimestre de 2012, nunca a AT poderia sindicar a legalidade da regularização por terem decorrido 4 anos desde a prestação de serviço que deu origem à declaração. Como a própria argumenta no artigo 38º da douta petição inicial e 39º das alegações, o direito à liquidação teria caducado em 31/12/2011.

A nosso ver não tem razão. Quanto aos factos cujo aditamento reclama, foram já aditados ao probatório pelo que consideramos estabilizada a matéria de facto.

No mais, sendo o IVA devido por força da prestação de serviços de intermediação, ocorrida em 2007, a Recorrente inicia a contagem do prazo de caducidade em 1/1/2008, expirando por conseguinte, o prazo em 1/1/2012, nos termos do art. 45º/4 LGT.

Esta contagem estaria certa se estivesse em causa o facto tributário original, decorrente da prestação de serviços de intermediação imobiliária entre a Recorrente e a sua cliente.
Mas não é isso que está em causa. O que esteve na origem da liquidação que serviu de base ao título executivo foi a regularização indevida efetuada pelo Recorrente. É este acontecimento factual que faz nascer na esfera da AT o dever de controlar a legalidade da regularização, e corrigi-la se for caso disso.

Ou seja, o acto tributário emerge de facto praticado (regularização a seu favor) pelo Recorrente. É este facto que constitui, no caso concreto, o facto tributário com manifesto impacto na relação jurídica tributária (cfr. art.º 36º/1 LGT), a partir do qual se conta o prazo de caducidade previsto nos n.ºs 1 e 4 do art.º 45º LGT.

Assim sendo, consideramos que o facto tributário ocorreu na data da regularização do IVA a favor do Sujeito Passivo em outubro de 2012, pelo que a notificação da liquidação em 19/6/2014 se efetuou dentro do prazo de caducidade.

Esta interpretação não encerra qualquer inconstitucionalidade, designadamente por violação das garantias dos contribuintes como defende a RECORRENTE. Limita-se a lançar sobre o conceito de facto tributário uma luz coerente com a disciplina do IVA que não se compadece com a noção restrita ao facto tributário originário, antes deve ter em conta as regularizações efetuadas a favor do Sujeito Passivo, porque elas são, também um facto tributário, que pode desencadear a ação fiscalizadora e corretora da AT.

Deste modo, não acompanhando nesta parte a fundamentação da douta sentença que considera o acto em causa subtraído ao prazo de caducidade por não constituir um acto tributário stricto sensu, mas sim um acto administrativo em matéria tributária, consideramos que decidiu bem ao julgar improcedente a oposição.

V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCA em negar provimento ao recurso e com a presente fundamentação confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 30 de setembro de 2019.


(Mário Rebelo)


(Patrícia Manuel Pires)


(​José Vital Brito Lopes)