Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11308/14
Secção:CA - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:07/10/2014
Relator:CRISTINA DOS SANTOS
Descritores:AQUISIÇÃO DE NACIONALIDADE PORTUGUESA - ÓNUS DE PROVA
Sumário:· Incumbe ao Ministério Público, na acção para oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, o ónus da prova da existência dos factos impeditivos do direito [aquisição da nacionalidade] que o interessado quis fazer valer [artºs. 342°, n° 2 e 343º do Cód. Civil].


A Relatora,
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:O Ministério Publico, inconformado com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, dela vem recorrer, concluindo como segue:

1. Nos termos do n° l do art° 575° do C.P.C, a apresentação da contestação é notificada ao autor.
2. Nos termos do n° l do art° 195° do C.P.C, a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
3. Ao não se proceder à notificação da contestação - que introduziu factos novos e relevantes e que tiveram influência na decisão da causa - ao aqui Autor, tal omissão reveste o carácter de nulidade, o que desde já de requer que seja declarada.
4. A não notificação da contestação violou o princípio do contraditório.
5. A omissão do despacho de convite ao Réu para proceder ao pagamento da multa, acrescida de valor igual ao da taxa de justiça, nos termos do n° 5 do art° 570° do C.P.C., é uma irregularidade.
6. Aqui determinante porque, caso o Réu, após tal convite persistir na omissão, é ordenado o desentranhamento da contestação, nos termos do n° 6 do art° 570° do C.P.C..
7. Tal irregularidade deverá ser suprida.
8. Constitui fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, a "inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional".
9. O art° 56°, n° 2 do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado Decreto -Lei n° 237-A/2006, prevê:
«2 - Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou da adopção:
A inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional;
A condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa;
O exercício de funções públicas sem carácter predominantemente técnico ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro».
10. E no art. 57°, n° l deste diploma, dispõe-se:
"Quem requeira a aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou por adopção, deve pronunciar-se sobre a existência de ligação efectiva à comunidade nacional e sobre o disposto nas alíneas b) e c) do n.° 2 do artigo anterior."
11. No n° 7 do mesmo artigo estabelece-se que "sempre que o conservador dos Registos Centrais ou qualquer outra entidade tiver conhecimento de factos susceptíveis de fundamentarem a oposição à aquisição da nacionalidade, por efeito da vontade ou por adopção, deve participá-los ao Ministério Público, junto do competente tribunal administrativo e fiscal, remetendo-lhe todos os elementos de que dispuser ".
12. O interessado terá necessidade de "pronunciar-se sobre a existência de ligação efectiva à comunidade nacional"., crendo-se que será a partir dessa pronúncia que o conservador poderá aquilatar da existência/inexistência de ligação a comunidade nacional e, no caso de se indiciar a inexistência, comunicá-la ao Ministério Público para instauração da acção de oposição.
13. Portanto, na oposição à aquisição de nacionalidade, e "no que tange à falta de ligação efectiva à comunidade nacional deverá o interessado, que pretende adquirir a nacionalidade portuguesa, considerando que lhe assiste esse direito, pronunciar-se sobre a existência daquela ligação. Assim, constatando-se, face às explicações apresentadas com vista à alegada ligação à comunidade nacional, que as razões aduzidas serão insuficientes para se concluir por essa ligação, levará à comunicação ao Ministério Público para a instauração do processo de oposição ".
14. A acção de simples apreciação tem por fim unicamente obter a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto (art. 10°, n° 3, ai. a) antigo art. 4°, n°2, ai. a), ambos do CPC).
15. A acção destinada à declaração da inexistência da ligação à comunidade portuguesa deve ser qualificada como uma acção de simples apreciação negativa.
16. De acordo com o disposto no art. 343°, n°l do C. Civil, nas acções de simples apreciação ou declaração negativa, compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga.
17. Mas se quisermos, também pelo facto de estarmos perante uma acção que é consequência de uma pretensão, junto dos Registos Centrais, por banda do interessado, que aí manifesta a sua intenção de adquirir a nacionalidade portuguesa, pelo que lhe cabe, de acordo com as regras gerais do ónus da prova, demonstrar os factos constitutivos dessa sua pretensão.
18. O facto de ser casado com uma cidadã portuguesa, residindo ambos no Brasil, onde casaram não pode, só por si, ser considerado como elemento constitutivo e determinante da sua ligação à comunidade portuguesa, devendo, tal como resulta dos art°s. 22° e 56°, n° 2 do Regulamento da Nacionalidade ser comprovada a ligação efectiva à comunidade nacional.
19. Sendo, ainda assim, insuficiente o mero facto de o Requerido se deslocar esporadicamente a Portugal na mera condição, como refere, de turista.
20. A ligação efectiva à comunidade nacional há-de ser aferida pelo domicílio, pela língua, por aspectos de ordem familiar, cultural, social, de amizade e económico-profissional, que consubstanciem a ideia de pertença à comunidade portuguesa, o que inclui uma integração na sociedade portuguesa.
21. Face à matéria dada como provada, deveria o Tribunal "a quo", considerar que o Requerido não tinha, como não tem, ligação efectiva à comunidade portuguesa.
22. Tendo decidido como decidiu, a douta sentença recorrida violou o disposto no artigo 9.°, alínea a), da Lei n.° 37/81, na redacção da Lei n.° 83 7-A/2006, de 14 de Dezembro e artigo 343.°, n° l, do Código Civil.
23. E assim, mal decidiu o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa ao julgar improcedente a oposição deduzida pelo Ministério Público à aquisição da nacionalidade do Recorrido e ao ordenar o prosseguimento do processo conducente ao registo respectivo.
24. Pelo que, deverá ser, a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra em que se declare a procedência da presente acção, devendo dar-se provimento ao recurso.

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O Recorrido não contra-alegou.

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Substituídos os vistos legais pela entrega das competentes cópias aos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência.

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Pelo Senhor Juiz foi julgada provada a seguinte factualidade:

A ... nasceu em 17 de Julho de 1972, em São Paulo, Brasil. Cfr. documento de folhas 14 dos autos.
B ... tem nacionalidade brasileira. Cfr. documentos de folhas 15, 17 e 58 a 61 dos autos.
C ... casou em 14 de Março de 1992 em Vila Matilde, São Paulo, com ... . Cfr. documentos de folhas 15 e 22 dos autos.
D ... nasceu em 7 de Setembro de 1971 em São Paulo, Brasil, e tem nacionalidade portuguesa. Cfr. documentos de folhas 16 e 20 dos autos.
E ... é filha de ... , natural de Poiares, Freixo de Espada a Cinta, Portugal, e tem nacionalidade portuguesa e de ... , natural de Rebordelo, Vinhais, Portugal e tem nacionalidade portuguesa. Cfr. documentos de folhas 16, 66 a 68, e 76 e 77 dos autos.
F ... e ... são pais ... , nascido em 20 de Maio de 1992, em São Paulo, Brasil.Cfr. documento de folhas 23 dos autos.
G ... tem nacionalidade portuguesa. Cfr. documento de folhas 23 dos autos.
H ... e ... são pais de ... , nascida em 25 de Junho de 1997, em São Paulo, Brasil.Cfr. documento de folhas 25 dos autos.
I ... tem nacionalidade portuguesa. Cfr. documentos de folhas 25 e 78 dos autos.
J ... tem e sempre teve residência no Brasil. Cfr. documento de folhas 31 dos autos.
K ... está inscrito na Ordem dos Advogados, Conselho Distrital de Coimbra, desde 27 de Abril de 2012 com o número de cédula profissional 50897C. Cfr. documentos de folhas 32 e 56 dos autos.
L ... está inscrito enquanto contribuinte fiscal número 268971471 na Direcção Geral dos Impostos desde data anterior a Janeiro de 2010. Cfr. documento de folhas 57 dos autos.
M ... esteve em Lisboa em Dezembro de 2009 e Janeiro de 2010. Cfr. documento de folhas 58 dos autos.
N ... esteve em Lisboa em Dezembro de 2010. Cfr. documento de folhas 58 dos autos.
O ... esteve no Porto em Dezembro de 2011 e Janeiro de 2012. Cfr. documento de folhas 59 dos autos.
P ... esteve no Porto em Fevereiro de 2013. Cfr. documento de folhas 61 dos autos.
Q ... esteve em Janeiro de 2010 em Poiares, Freixo de Espada à Cinta. Cfr. documentos de folhas 63 e 80 e Sidos autos.
R ... esteve em Janeiro de 2011 em Poiares, Freixo de Espada a Cinta. Cfr. documento de folhas 62 dos autos.
S ... é mãe de ... , nascido em 20 de Dezembro de 2012, em São Paulo, Brasil, que tem nacionalidade portuguesa. Cfr. documento de folhas 82 dos autos.
T ... está inscrito na Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores. Cfr. documento de folhas 84 dos autos.
U ... é titular de conta bancária junto do Banco Espírito Santo, balcão de Freixo de Espada a Cinta. Cfr. documentos de folhas 33 e 85 dos autos.
V ... tem como endereço profissional junto da Ordem dos Advogados a ... , Lt 14, 1.°, urbanização ... , 2415-721 Leiria. Cfr. documento de folhas 83 e pesquisa efectuada em www.oa.pt.
W ... fala português. Cfr. o referido no ponto 15 da petição inicial e folhas 49 a 58 dos autos.
X Em 17 de Fevereiro de 2012, ... prestou declaração para a aquisição da nacionalidade portuguesa com fundamento no facto de ser casado com cidadã nacional portuguesa há mais de 3 anos, tendo referido designadamente que "Tem ligação efectiva à comunidade portuguesa".Cfr. documento de folhas 12 e 13 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido.
Y Aquela declaração foi remetida à Conservatória dos Registos Centrais onde foi iniciado o procedimento n.°9012/12, no qual foi em 27 de Dezembro de 2012 proferido despacho pela respectiva conservadora auxiliar, no sentido da remessa do processo ao Exmo. Procurador da República junto do Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa, com fundamento na inexistência de ligação efectiva da requerida à comunidade portuguesa. Cfr. despacho de folhas 43 e 44 dos autos.



DO DIREITO


Vem invocada pelo Recorrente a nulidade de processo – que não nulidade de sentença – consistente na omissão de notificação ao Ministério Público da contestação deduzida no processo pelo ora Recorrido, o que é verdade e se constata pela sequência processual de fls. 49/99 do articulado de contestação, documentos e sobrescrito.
A secretaria concluiu os autos a fls. 100 referindo que o R. não tinha pago taxa de justiça, seguido do despacho judicial e ordenar a notificação do R. no Brasil para pagar a taxa de justiça, o que foi feito conforme fls. 112, sendo que por despacho de fls. 180 por despacho judicial foi considerado que “o requerido estava dispensado de pagamento de taxa de justiça” nos termos do artº 15º nº 1 e) do RCP
O que significa que tendo pago indevidamente a taxa de justiça não tem suporte fáctico sustentar o não pagamento da multa do artº 570º nº 5 CPC.
Improcede, pois a mencionada irregularidade para efeitos de fazer perder o exercício do direito substantivo ao Demandado.

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Todavia, não se notificou a contestação e documentos juntos ao MP, pelo que à conclusão de fls. 113 se seguiu a prolação de sentença de fls. 114 a125.
O MP foi notificado pessoalmente, por termo e assinatura nos autos do Exmo Magistrado, conforme fls. 127, em 17.OUT.2013 e o recurso deu entrada em 19.NOV.2013, conforme carimbo de entrada a posto a fls. 129.
Afora os casos especiais de nulidade legalmente definidos mediante regime próprio e especial, o artº 195º CPC (antigo 201º), aplicável ex vi artº 1º CPTA, contém a regra geral das nulidades de processo, que só aparece quando a lei expressamente a decrete ou quando a omissão de acto ou formalidade cometida possa influir no exame ou decisão da causa, sendo que o caso alegado da falta de notificação da contestação compete ser analisado no âmbito deste normativo.
O exame de que a lei fala desdobra-se nas operações de instrução e discussão da causa e o efeito jurídico determinado é que a omissão do acto que a lei prescreve tem que comprometer o regular conhecimento da causa e o consequente julgamento dela; o mesmo é dizer que a omissão do acto prescrito tem de ser julgada relevante, em ordem a desencadear o efeito sancionatório da nulidade de processo e, consequentemente, levar à remoção dos resultados juridicamente relevantes que provocou com a prossecução da instância, isto é, à remoção dos actos processais consequentes.
É evidente que a falta de notificação do articulado do R ao MP é relevante na medida em que se trata de acto com destinatário principal no processo – a parte com a posição jurídica de Autor – visando dar-lhe conhecimento de um facto, configurado pela matéria de facto e de direito da defesa.
Do que vem dito se conclui pela verificação da nulidade por causa substancial, sujeita a arguição do interessado no prazo de 10 dias, ex vi artºs.199º e 149º CPC e 1º CPTA (antigos 205º e 153º).
Cabe assinalar que não se trata de uma notificação pessoal por imposição legal, pois o direito adjectivo não a impõe sendo antes uma praxe de levar os autos para notificação por termo nos autos ao MP; caso contrário se a lei impusesse a notificação pessoal do MP na pessoa do Magistrado em serviço junto do tribunal competente para a acção, ter-se-ia de aplicar o regime especial do artº 189º CPC por remissão expressa do artº 250º, 1ª parte, CPC (antigos 196º e 256º).
De modo que ao regime de arguição da nulidade importa atender à parte final do citado artº 199º nº 1 CPC, no segmento que estatui a presunção legal de conhecimento aquando da notificação da sentença proferida – que é o acto processual posterior à junção da contestação - sendo certo que depois de junta a contestação aos autos o MP não interveio no processo.
Diz-nos a doutrina que para dar por verificada a presunção legal de conhecimento da violação de lei com a notificação do acto processual posterior para efeitos de início do prazo de arguição de 10 dias, “(..) há que atender às circunstâncias concretas, maxime à existência duma relação de precedência entre os dois actos, para ajuizar se é razoável presumir que o conhecimento teve lugar ou se a ele levaria uma actuação normalmente diligente. A fórmula utilizada afasta a possibilidade de ilisão de qualquer presunção assim estabelecida. (..)”. (1)
Ou seja, trata-se de uma presunção juris et de jure.
Na circunstância do caso concreto, o MP foi notificado da sentença proferida, conforme fls. 127 dos autos, em 17.OUT.2013, pelo que a partir desta data começou a correr quer o prazo de 10 dias de arguição da nulidade por falta de notificação da contestação (vd. artºs.199º e 149º CPC ex vi artº 1º CPTA), sendo certo que o que foi observado foi o prazo de 30 dias para interposição de recurso (vd. artº 144º nº 1 CPTA).
O que significa que não tendo sido arguida em tempo a mencionada nulidade de processo sanou-se.

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Pelo exposto improcedem as questões trazidas a recurso nos itens 1 a 7 das conclusões.


***

Em sede de acções de simples apreciação, tipologia em que se insere o caso presente, conforme regime estatuído no artº 343º nº 1 do Código Civil corre por conta do sujeito que deduz o pedido o ónus de prova dos factos constitutivos do direito que deduz de obter a nacionalidade portuguesa.
A este propósito, além do mais, em acórdão tirado no rec. nº 4150/08 de 19 de Novembro de 2009 deste TCA- Sul, defendeu-se o entendimento que a seguir se transcreve, sendo nossos os evidenciados a negrito:
“(..) o objecto do presente recurso jurisdicional é a sentença do TAC de Lisboa, datada de 17-4-2008, que julgou improcedente a acção especial de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa intentada pelo Ministério Público, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 5°, 9°, alíneas a) e c), 10°, n° l, 25° e 26°, da Lei n° 37/81, de 3/10 [Lei da Nacionalidade], na redacção introduzida pelo artigo 1° da Lei Orgânica n° 2/2006, de 17/4, e artigos 4° do DL n° 23 7-A/06, de 14/12, e 56° e segs. do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo mesmo DL.
Inconformado, o Ministério Público pede a revogação da sentença sob censura, alegando para tanto que incumbe ao réu fazer a prova da sua efectiva ligação à comunidade nacional, mas mesmo que assim não se entenda, sempre se demonstrou que esse enlace não existe
Vejamos então se assiste razão à Digna Recorrente.
Preliminarmente, importa delinear, ainda que sucintamente, as linhas que no nosso ordenamento jurídico constituem o núcleo do "direito da nacionalidade", as quais encontram acolhimento na Lei n° 37/81, de 3/10 [sucessivamente alterada pela Lei n° 25/94, de 19/8, pelo DL n° 194/2003, de 23/8, pela Lei Orgânica n° 1/2004, de 15/1, republicada em anexo, e pela Lei Orgânica n° 2/2006, de 17/4] e, no Regulamento da Nacionalidade, aprovado pelo DL n° 237-A/2006, de 14 de Dezembro.
Um dos traços caracterizadores do nosso ordenamento jurídico, é a função que é reconhecida à vontade dos indivíduos em todas as vicissitudes que a relação da nacionalidade pode apresentar - vd., neste sentido, Rui Manuel Moura Ramos, "Do Direito Português da Nacionalidade", 1992, a págs. 118 e segs.
E, uma das situações em que a manifestação de vontade do interessado é relevante para a aquisição da nacionalidade portuguesa, é a contemplada no artigo 3° da Lei n° 37/81, cujo teor é o seguinte: "7 - O estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração feita na constância do matrimónio".
Assim, tal como defende Rui Moura Ramos, na obra citada, a pág. 151, "o casamento não é mais do que um pressuposto de facto necessário dessa declaração - mas não é ele o elemento determinante da aquisição".
Todavia, a lei não se basta com a declaração de vontade do cidadão estrangeiro, feita nos moldes descritos, uma vez que exige ainda, para que lhe possa ser concedida a nacionalidade portuguesa, que o Ministério Público não tenha deduzido oposição à aquisição de nacionalidade, ou caso a tenha, o tribunal venha a considerá-la improcedente.
Na sua versão originária, a Lei n° 37/81 prescrevia na alínea a) do artigo 9°, o seguinte: "Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa: a) A manifesta inexistência de qualquer ligação efectiva à comunidade nacional;".
A Lei n° 25/94, de 19/8, alterou a redacção da alínea a) do artigo 9°, e passou a exigir ao declarante interessado na aquisição da nacionalidade portuguesa que comprovasse a sua ligação efectiva à comunidade nacional.
Dispunha, assim, o preceito: "Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa: a) A não comprovação, pelo interessado, da ligação efectiva à comunidade nacional [...]".
Citando ainda Rui Moura Ramos, a alteração levada a cabo pelo legislador de 1994, representava uma "reacção à tendência jurisdicional dominante, que sustentava, face à redacção primitiva do preceito, e de acordo com os princípios gerais em matéria do ónus da prova, que, tratando-se de factos impeditivos, cabia ao Estado, através do Ministério Público fazer aprova da manifesta inexistência de qualquer ligação efectiva à comunidade nacional" [cfr. "A Renovação do Direito Português da Nacionalidade pela Lei Orgânica n° 2/2006, de 17 de Abril", in Revista da Legislação e Jurisprudência, Ano 136, págs. 211/213].
E, perante a modificação operada em 1994, a Jurisprudência passou a entender, que cabia ao candidato “o ónus da correspondente alegação e prova”, ou seja, pendia sobre o requerente [interessado em adquirir a nacionalidade portuguesa], o dever de demonstrar a sua ligação efectiva à comunidade nacional por qualquer meio de prova - documental, testemunhal ou outro legalmente admissível.

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É, pois, sobre este pano de fundo, traçado em linhas gerais, que entra em vigor a quarta alteração à Lei da Nacionalidade [Lei Orgânica n° 2/2006, de 17/4].
Prevê o artigo 9° da Lei da Nacionalidade [na redacção decorrente da 4a alteração], mais concretamente a alínea a), o seguinte: ''Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa: a) A inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional.
Por outro lado, o artigo 56°, n° 2 do actual Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo DL n° 237-A/2006, de 14/12, determina que "constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou da adopção: a) A inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional.
E, no artigo 57°, n° l desse regulamento, dispõe-se que "quem requeira a aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou por adopção, deve pronunciar-se sobre a existência de ligação efectiva à comunidade nacional e sobre o disposto nas alíneas b) e c) do n° 2 do artigo anterior".
Como observa o autor que vimos citando, emerge da análise dos normativos transcritos, que o legislador de 2006 adoptou uma posição intermédia, por um lado, repôs "...o entendimento tradicional quanto ao ónus da prova", legitimando, assim, uma posição menos restritiva quanto à aquisição da nacionalidade e, por outro, deixou de ser tão exigente na caracterização da inexistência, abandonando, para efeitos de desencadear a oposição a manifesta arência de ligação efectiva à comunidade nacional.
De qualquer forma, continua o interessado a ter necessidade de "pronunciar-se sobre a existência de ligação efectiva à comunidade nacional.
Em síntese, incumbe ao estrangeiro, casado com um cidadão nacional, há mais de três anos, que pretenda adquirir a nacionalidade portuguesa, expressar essa vontade na constância do matrimónio [conforme n° l do artigo 3° da Lei n° 31/87, com a alteração introduzida pela Lei Orgânica n° 2/2006, de 17/4], e demonstrar que se encontra inserido na comunidade nacional [artigo 57°, n° l do DL n° 237-A/2006, de 14/12]. (..)”.

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No Acórdão do STA de 19.06.2014 tirado no rec. nº 103/14, fundamentou-se como segue
“(..)
1. Nos termos do disposto na Lei da Nacionalidade (Lei 37/81, de 3/10, na redacção que lhe foi dada pela Lei 2/2006, de 17/4, aqui aplicável) a aquisição da nacionalidade portuguesa pode resultar de uma de três circunstâncias: de uma declaração de vontade, da adopção plena e da naturalização (vd. seus art.ºs 3.º a 5.º) sendo que cada uma dessas formas de aquisição da nacionalidade obedece a requisitos próprios.
No caso que ora nos interessa - a aquisição da nacionalidade em razão da vontade - pressupõe que o interessado esteja casado ou viva em união de facto há mais de três anos com o cidadão nacional ( O art.º 3.º daquela Lei tem a seguinte redacção:
“1 - O estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração feita na constância do matrimónio.
2 - A declaração de nulidade ou anulação do casamento não prejudica a nacionalidade adquirida pelo cônjuge que o contraiu de boa fé.
3 - O estrangeiro que, à data da declaração, viva em união de facto há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa, após acção de reconhecimento dessa situação a interpor no tribunal cível.”).
Ou seja, depende não só de uma realidade - a constância de um casamento (ou união de facto) por mais de três anos – e de manifestação de uma vontade – o querer ser cidadão português.
O que quer dizer que o factor decisivo nessa aquisição de nacionalidade não é a constância do casamento por mais de três anos – esse é um mero pressuposto - mas a declaração de vontade manifestada pelo interessado visto essa aquisição não ocorrer se o cônjuge estrangeiro, apesar de preencher aquele requisito, não estiver interessado em ser cidadão nacional e, por essa razão, não formular o necessário pedido.
Todavia, a aquisição da nacionalidade por essa via não se produz automaticamente com a simples reunião daqueles pressupostos já que essa pretensão pode ser contrariada pelo M.P. através da propositura de uma acção especial fundamentada num dos seguintes factos:
(1) a ausência de qualquer ligação efectiva à comunidade nacional por parte do interessado,
(2) este ter sido condenado por sentença transitada pela prática de crime punível com pena de prisão igual ou superior a 3 anos e
(3) ter prestado funções públicas sem carácter predominantemente técnico ou prestado de serviço militar a Estado estrangeiro (art.º 9.º da citada Lei) ( Nos termos do art.º 9.º da Lei 37/81, na versão que lhe foi dada pela Lei 2/2006:
“Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa:
a) A inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional;
b) A condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa;
c) O exercício de funções públicas sem carácter predominantemente técnico ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro.”
A jurisprudência e a doutrina vêm afirmando, e bem, que as apontadas normas visaram, por um lado, promover o valor da unidade familiar e proteger essa unidade e, por outro, dotar o Estado português de mecanismos legais destinados a evitar que cidadãos estrangeiros sem nenhuma ligação afectiva, cultural ou económica a Portugal ou cidadãos tidos por indesejáveis pudessem adquirir a nacionalidade portuguesa.
E também vem dizendo que a ligação efectiva à comunidade nacional se revela por um sentimento de pertença à cultura portuguesa, manifestada no conhecimento e domínio da sua língua, na aceitação e prática dos seus costumes, na partilha dos bens culturais, no interesse pela sua história, pela realidade do país ou pela forma como ele é governado e pelos laços familiares, relações de amizade ou de convívio com os cidadãos nacionais.
E que a “jurisdicionalização da oposição à aquisição derivada da nacionalidade teve, por sua vez, e igualmente, em vista permitir uma melhor e mais isenta ponderação dos interesses em jogo e a consequente salvaguarda dos interesses do pretendente à aquisição da nacionalidade, desde que legítimos, por não colidentes com os interesses do Estado” - Acórdão do STJ de 15/12/2002, proc. 02B3582.
No mesmo sentido, Rui Moura Ramos, in Revista de Direito e Economia Ano XII, pg. 273 e seg.s.
E foi o convencimento do M.P. de que a Requerida não tinha a referida ligação à comunidade nacional que o levou a propor esta acção, a qual foi julgada de forma diferente nas instâncias. Daí que a primeira dificuldade a resolver seja a de saber se é ao M.P. que cabe provar que a Requerida não tem ligações efectivas à comunidade nacional e, por essa razão, está-lhe vedada a aquisição da nacionalidade portuguesa ou, pelo contrário, se é à Requerida que cumpre demonstrar aquela ligação a Portugal.
E, resolvida essa questão, analisar se essa prova – num ou noutro sentido – foi feita.
2. De acordo com a redacção inicial da Lei 37/81 “o estrangeiro casado com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração feita na constância do casamento” (art.º 3.º/1) sendo fundamento de oposição a essa aquisição “a manifesta inexistência de qualquer ligação efectiva à comunidade nacional” [art.º 9.º, al.ª a)].
A jurisprudência posta perante a redacção dessas normas, considerou que, tendo em conta os princípios gerais do ónus da prova inscritos no art.º 342.º do CC e tratando-se de factos impeditivos, cabia ao M.P. - na acção a propor a coberto do disposto nos art.ºs 10.º daquela Lei e 56.º do DL 237-A/2006 - provar que o interessado não tinha qualquer ligação a Portugal.
Todavia, o legislador, provavelmente na tentativa de neutralizar os eventuais efeitos negativos decorrentes da facilidade com que se podia adquirir a nacionalidade por acto de vontade, resolveu alterar a redacção de tais normas por forma a dificultar essa aquisição pelo que, a partir da entrada em vigor da Lei 25/94, de 19/08, só o estrangeiro casado com nacional português “há mais de três anos” é que podia adquirir a nacionalidade por essa via, passando a ser fundamento de oposição “a não comprovação, pelo interessado, de ligação efectiva à comunidade nacional”. - vd. as novas redacções dos citados preceitos .
O que significa que a nova redacção das apontadas disposições dificultou a aquisição da nacionalidade por acto de vontade na medida em que, por um lado, só a constância do casamento por, pelo menos, três anos dava direito a essa aquisição e, por outro, atribuía ao pretendente da nacionalidade o ónus da prova da sua ligação efectiva a Portugal.
Nesta conformidade, a partir dessa alteração legislativa, ficou claro que cabia ao interessado a obrigação de provar a sua ligação efectiva à comunidade nacional dispensando o M.P. de fazer essa demonstração.
No entanto, o legislador, considerando que o equilíbrio na atribuição da nacionalidade passava por uma previsão de regras que, “garantindo o factor de inclusão que a nacionalidade deve hoje representar em Portugal, não comprometam o rigor e a coerência do sistema, bem como os objectivos gerais da política nacional de imigração, devidamente articulada com os nossos compromissos internacionais e europeus, designadamente os que resultam da Convenção Europeia sobre a Nacionalidade, que Portugal ratificou em 2000”, resolveu, uma vez mais, alterar a redacção da mencionada norma com vista a que no, procedimento de oposição do Estado Português à aquisição da nacionalidade por efeito da vontade, se invertesse “o ónus da prova quanto ao requisito estabelecido na alínea a) do artigo 9.º que passa a caber ao Ministério Público.
Regressa-se desse modo ao regime inicial da Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro.” – Exposição de motivos da Proposta de lei n.º 32/X.
E, porque assim, a partir da entrada em vigor da Lei 2/2006 passou a constituir fundamento de oposição à aquisição de nacionalidade “a inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional” (nova redacção da al.ª a) do art.º 9.º) a qual tinha de ser provada pelo M.P.
É, pois, claro que à data em que a Recorrente manifestou a sua vontade de adquirir a nacionalidade portuguesa vigorava a nova redacção daquele art.º 9.º da Lei 37/81 e que, por força do que nela se dispunha, era ao M.P que cabia provar que ela não tinha qualquer ligação efectiva à comunidade portuguesa.
3. Analisando os factos insertos do probatório deles só se pode retirar que a Recorrente, natural e residente no Brasil, casou, em Dezembro de 1991, com um cidadão português nascido e residente no Brasil, de quem tem dois filhos com nacionalidade portuguesa e que, em Dezembro de 2009 (isto é, 17 anos depois), manifestou vontade de ser cidadã nacional tendo nessa declaração afirmado que frequentava a comunidade portuguesa no Brasil e participava activamente nos seus eventos.
Sendo estes os únicos factos que efectivamente se colhem do probatório não se podem acompanhar as considerações feitas no Acórdão recorrido, designadamente, a de que não se vislumbrava “qualquer ligação familiar, social, económico-profissional, cultural e de amizade com Portugal ou com cidadãos portugueses” ou de que fosse “igualmente certo que quer o marido da recorrida, bem como os seus filhos são cidadãos portugueses já nascidos no Brasil, não possuindo também eles qualquer ligação efectiva à comunidade nacional” visto tais factos não consentirem tais conclusões.
Tais considerações são, assim, meras suposições que só podem ser compreendidas em face da parcimónia dos factos levados ao probatório e da sua aparente verosimilhança. Todavia, essa míngua factual não justifica, nem permite tais conclusões.
Sendo assim, e sendo que o ónus da prova cabia ao M.P. e que este não provou os factos que conduziriam à procedência da acção não se pode sufragar a decisão recorrida. (..).

E sumariou-se nos seguintes termos:
“(..)
1. De acordo com a redacção inicial da Lei 37/81 “o estrangeiro casado com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração feita na constância do casamento” (art.º 3.º/1) sendo fundamento de oposição a essa aquisição “a manifesta inexistência de qualquer ligação efectiva à comunidade nacional” [art.º 9.º, al.ª a)].
2. A jurisprudência considerou que, tendo em conta os princípios gerais do ónus da prova inscritos no art.º 342.º do CC e os termos daquelas normas, cabia ao M.P. - na acção a propor a coberto do disposto nos art.ºs 10.º daquela Lei e 56.º do DL 237-A/2006 - provar que o interessado não tinha qualquer ligação a Portugal.
3. Todavia, o legislador, resolveu alterar a redacção dessas normas pelo que, a partir da entrada em vigor da Lei 25/94, de 19/08, só o estrangeiro casado com português “há mais de três anos” é que podia adquirir a nacionalidade por essa via, passando a ser fundamento de oposição “a não comprovação, pelo interessado, de ligação efectiva à comunidade nacional”. O que significa que a partir de então cabia ao pretendente da nacionalidade o ónus da prova da sua ligação efectiva a Portugal.
4. No entanto, a partir da entrada em vigor da Lei 2/2006 passou a constituir fundamento de oposição à aquisição de nacionalidade “a inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional” (nova redacção da al.ª a) do art.º 9.º) a qual, como decorria da Exposição de Motivos dessa Lei, tinha de ser provada pelo M.P.
5. Não se pode concluir que aquela ligação não existe se apenas tiver sido provado que a Requerente, natural e residente no Brasil, casou, em 1991, com um cidadão português nascido e residente no Brasil, de quem tem dois filhos com nacionalidade portuguesa e que, em 2009 (isto é, 18 anos depois), manifestou vontade de ser cidadã nacional tendo nessa declaração afirmado que frequentava a comunidade portuguesa no Brasil e participava activamente nos seus eventos. (..)”.




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Aplicando as razões de direito acima expostas ao caso presente, quanto ao plano de partição do ónus probatório, temos que do ponto de vista do enquadramento jurídico da matéria de facto levada ao probatório e como referido em sede de sentença sob recurso, o Ministério Público não logrou provar a verificação no caso concreto do requisito negativo a que se refere o artº 9º a) da Lei da Nacionalidade no tocante ao fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, a saber, a ausência de ligação efectiva do interessado à comunidade nacional.

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Pelo que vem de ser dito improcedem as questões trazidas a recurso nos itens 8 a 24 das conclusões.



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Termos em que acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença proferida.

Sem custas por isenção tributária do Recorrente.


Lisboa, 10.JUL.2014



(Cristina dos Santos) ………………………………………………………………….

(Paulo Gouveia) ………………………………………………………………………
Declaração de voto: Considero que este tipo de processo é uma acção de simples apreciação negativa, donde resulta, lógica e legalmente, que há “inversão do ónus da prova”. Isso aqui, no entanto, não altera a solução do caso concreto.

(Catarina Jarmela) ……………………………………………………………………



1- Lebre de Freitas, CPC – Anotado, Vol. 1º, 2ª ed. Coimbra Editora, pág.379; com interesse doutrinário no domínio do CPC/1936, Alberto dos Reis, Comentário ao CPC, Vol. 2º, Coimbra Editora/1945, págs.5017504.