Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:439/08.3BEBJA
Secção:CT
Data do Acordão:11/19/2020
Relator:ANTÓNIO ZIEGLER
Descritores:IVA.
DIREITO À DEDUÇÃO DO IMPOSTO SUPORTADO.
OPERAÇÕES ACTIVAS E PASSIVAS.
ACTIVIDADE DA EMPRESA E UTILIZAÇÃO DE BENS E SERVIÇOS ADQUIRIDOS PARA OS FINS DO S.P., NELES SE INCLUINDO OS BENS DE INVESTIMENTO.
AUTO - CONSUMO INTERNO E ACTIVIDADES PREPARATÓRIAS DE OPERAÇÕES TRIBUTÁVEIS.
Sumário:Confere o direito à dedução do IVA, o conjunto de operações passivas do s.p., desde que as mesmas se destinem às suas operações tributáveis activas, nelas se compreendendo as que se destinem, em geral, aos fins da empresa e, em particular, quando se traduzam em bens de investimento por si adquiridas para a sua actividade tributável, ou se destinem a auto- consumo interno, ou de actividades preparatórias de tais operações tributáveis.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

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Relatório
A F.P. inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios referentes ao ano de 2003 , dela veio interpor o presente recurso.
As conclusões com que encerrou as suas alegações são do seguinte teor.


“I - Considerou a Douta Sentença recorrida, que a Autoridade Tributária - ao desconsiderar custos declarados pela sociedade Impugnante, no ano de 2003, por considerar que a mesma não apresentou proveitos relacionados com a atividade de turismo de habitação, pelo facto de não a exercer - recorreu ao critério mais limitativo de custo, o da necessidade, que tende a só considerar dedutíveis os gastos sem os quais os proveitos não poderiam ser obtidos;
II - Não afasta, a jurisprudência dos Tribunais superiores, a desconsideração de custos quando os mesmos não estão diretamente relacionados com a atividade desenvolvida pela empresa ou que não se relacionem diretamente com o processo produtivo (cfr. Acórdão STA de 30.11.2011, processo n.° 0107/11), ou que não tenham relação causal e justificada com a atividade produtiva da empresa (Acórdão TCA Sul, de 27.03.2012, processo n.° 05312/12), ou ainda considerando que o critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da actividade da empresa, pelo que a Administração pode excluir gastos incorridos para além do objeto social ou, ao menos, com nítido excesso, desviante face às necessidades e capacidades objectivas da empresa (Acórdão STA de 21.04.2010, processo n.° 0774/09);
III - Considerar que a indispensabilidade deve ser aferida a partir de um juízo positivo da subsunção na actividade societária, o qual, por natureza, não deve ser sindicado pelo Direito Fiscal, subjuga este Direito aos enquadramentos realizados pela atividade societária, entendimento sem qualquer respaldo na lei;
IV - Ficou devidamente provado nos Autos, que a Impugnante não exerceu, no ano em questão, nem nos anteriores, o exercício de atividade de turismo rural, para a qual nem sequer estava legalmente habilitada;
V - Ao decidir, como decidiu, violou a Douta Sentença recorrida, o disposto no art.° 20.° do CIVA.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta Sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue a Impugnação improcedente.”
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu douto Parecer no qual refere que o recurso deve proceder.


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Atento a necessidade de celeridade no julgamento do recurso e obtendo a anuência dos Adjuntos, vão dispensados os vistos legais, cabendo apreciar e decidir. –cfr nº4, do artº 657º, do CPC.


Na sentença proferida nos autos a Mª Juiz apurou os seguintes factos:

“A) A Impugnante dedica-se a exploração agrícola, florestal e pecuária, em terras próprias ou arrendadas para esse fim, o exercício da indústria de turismo, rural ou cinegético (cf. artigo 1° da pi);
B) A escrita da Impugnante do exercício de 2006, foi inspeccionada;
C) Do relatório elaborado em 2008.04.14, constante de fls. 155 a 179 dos autos, e que aqui se dá por integralmente reproduzido, transcreve-se:
a. I - Descrição Sucinta das Conclusões da Acção de Inspecção:
i. Conforme descrito [infra - no ponto III.6. do presente relatório], concluiu-se que o sujeito passivo não exerce a actividade de turismo rural, pelo que, não são aceites, para efeitos fiscais, os custos contabilizados relacionados com essa actividade, nos termos do n.° 1 do art. 23° do CIRC, e retira-se o direito à dedução nos termos do art. 20° do CIVA, tendo, por esse facto, dado origem às seguintes correcções:
1. A - Imposto sobre o rendimento de pessoas colectivas
Exercícios 2003 2006
Lucro tributável declarado € 246.803,38 € 116.619,05
Correcção ao valor tributável € 76.048,87 € 71.265,98
Lucro tributável corrigido € 322.852,25 € 187.885,03


a. O sujeito passivo tinha deduzido ao lucro tributável prejuízos fiscais apurados no regime de tributação pelo lucro consolidado (RTLC) /regime especial de tributação de grupo de sociedades (RETGS), mas de acordo com o artigo. 65° do CIRC e pelo descrito no ponto III.3. deste relatório, terminada a aplicação do regime relativamente a uma sociedade do grupo, não são dedutíveis aos respectivos lucros tributáveis os prejuízos fiscais verificados durante os exercícios em que o regime se aplicou;
b. Assim, não foram aceites prejuízos fiscais no montante de €246.803,38 e € 33.451,28, em 2003 e 2006, respectivamente;
2. B - Imposto sobre o valor acrescentado
a. Nos termos do art. 82° do CIVA vai- se proceder à liquidação adicional de IVA nos seguintes montantes:
Período Mensal Correcção ao IVA dedutível
0601 238,11
0602 15,75
0607 1.331,18
0610 87,88
0611 96,20
1.769,12


b. O sujeito passivo foi notificado para exercer o direito de audição, no prazo de 10 dias, nos termos do artigo 60° da Lei Geral Tributária e artigo 60° do Regime Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária, tendo-o efectuado conforme se descreve no ponto IX do relatório.
ii. II - Objectivos, Âmbito e Extensão da Acção de Inspecção
1. II. 1. (...);
2. II. 2. Motivo, Âmbito e Incidência Temporal
a. A presente acção inspectiva, com o PNAIT 221.34, tem âmbito parcial em IRC para o ano de 2003 e 2006.
b. A presente acção inspectiva foi desencadeada pelo facto do sujeito passivo estar enquadrado no regime geral de tributação de IRC e ter reportado prejuízos gerados no âmbito da tributação pelo regime consolidado e pelo RETGS.
3. II. 3. Outras Situações
a. II.3.1. Caracterização da Empresa
i. (...);
b. II.3.1.1. Enquadramento Fiscal
i. A actividade da empresa enquadra-se, em sede de IRC, no regime geral, tendo sido tributada pelo RTLC/RETGS de 1999 a 2001, pela actividade de "Outras Culturas
Temporárias, N.E." a que corresponde o CAE 001192.
ii. No que diz respeito ao IVA, a sociedade encontra-se enquadrada no regime normal mensal;
c. (...);
iii. III - Descrição dos Factos e Fundamentos das Correcções Meramente Aritméticas à Matéria Tributável
1. III.1. Introdução
2. Conforme já foi referido a presente acção inspectiva foi despoletada pelo facto do sujeito passivo ter deduzido, aos respectivos lucros tributáveis, prejuízos fiscais verificados durante os exercícios em que se aplicou o Regime Especial de tributação do Grupo de Sociedades.
3. Da análise à contabilidade da sociedade e demais documentos que dela fazem parte, verificamos existirem outras situações que precisavam de ser esclarecidas pelo sujeito passivo, nomeadamente, no que se refere ao projecto de investimento de Turismo Habitação, dos subsídios atribuídos pelo então INGA e IFADAP e da exploração cinegética, entre outros.
4. (...);
iv. (...);
v. III.3. Análise aos prejuízos fiscais
1. 1 - Exercício de 2003
2. (...);
3. 2 - Exercício de 2006
a. O sujeito passivo deduziu os prejuízos fiscais apurados no exercício de 2004, como se segue:
Ano Reg Trib Lucro Prejuízo Utilizados Matéria Colectável
2004 Grupo de sociedades 115.390,40 0,00
2005 Geral 81.939,12 81.939,12 0,00
2006 Geral 116.619,05 33.451,28 83.167,77
Total 115.390,12


b. Em 2005, a dedução de prejuízos foi corrigida oficiosamente pelos serviços tendo passando de € 81.939,12 para € 0,00, tendo a matéria colectável passado de € 0,00 para € 81.939,12.
c. No exercício de 2006, o sujeito passivo deduziu parte restante dos prejuízos fiscais apurados no exercício de 2004 (€ 33.451,28).
d. Da consulta ao sistema informático da DGCI, verificou-se que em 2004 o sujeito passivo apresentou a declaração do IRC mod. 22 assinalando o Regime Especial de Tributação dos Grupos Sociedades, e, de acordo com a alínea b) e c) do n.° 1 do art. 65.° do CIRC, os prejuízos fiscais do grupo apurados em cada exercício do período de aplicação do regime só podem ser deduzidos aos lucros tributáveis do grupo e terminada a aplicação do regime relativamente a uma sociedade do grupo, não são dedutíveis aos respectivos lucros tributáveis os prejuízos fiscais verificados durante os exercícios em que o regime se aplicou.
e. Assim, a sociedade não pode deduzir os prejuízos fiscais aos seus lucros tributáveis, pelo que será alvo de correcção no ponto III.6. deste relatório.
4. III.4. Análise ao Projecto de Turismo Habitação Rural
a. Da análise efectuada à contabilidade da sociedade, bem como dos documentos que serviram de base à elaboração da mesma, constatou-se que foram efectuados investimentos relacionados com reparações no S….., que de acordo com a descrição efectuada no mapa do imobilizado, e nas declarações do sujeito passivo, referem-se ao projecto de Turismo de Habitação Rural;
b. No mapa de amortizações, encontram-se listados diversos elementos do activo imobilizado relacionados com o projecto de Turismo Habitação Rural (...), cujos valores ascendem aos seguintes montantes:
Valor Aquisição Amortiz
2003 Amortiz
2006
TOTAL 798.525,92 76.048,87 71.265,98


c. Tendo em conta o investimento efectuado pela sociedade e a especificidade desta actividade, notificou-se o sujeito passivo, no dia 11-02-2008, (...) para explicar qual o plano de investimento da sociedade, para o projecto de turismo de habitação, ano de conclusão do projecto, início de funcionamento e respectiva licença para o exercício desta actividade, bem como, referência aos exercícios em que foram obtidos proveitos provenientes desta actividade e  respectivos documentos comprovativos.
d. Na resposta à nossa notificação (...), o sujeito passivo referiu o seguinte: "Turismo de habitação é essencialmente turismo integrado numa certa família/casa familiar e, como tal, o dito projecto consistiu em reconstruir a casa onde viviam os antepassados do Administrador da sociedade e onde habita actualmente com a família;
e. A casa pertencia à S. Agrícola H….., S.A constituída apenas por seus familiares e que, por partilha, passou a pertencer à S. Agrícola E….., S.A, cujas acções são integralmente detidas pela Q….., SGPS., Lda., sendo esta detida apenas por si e pela sua esposa. Tentou igualmente proporcionar programas campestres do tipo turismo - ecológico, a partir de 2 casas de madeira que, no ano de 1999 foram incendiadas com gasolina;
f. O turismo de habitação na casa familiar também se viu bastante reduzido e acabou por parar, pelo facto de que as obras infra- estruturais na A….., cortaram o condigno acesso à casa durante anos e continuam a fazê-lo, por pura e simplesmente terem ignorado a necessidade de ligação da estrada de acesso interior à estrada nacional;
g. Este facto tem vindo, infrutiferamente, a ser apontado por escrito e verbalmente à Câmara de Alcácer do Sal. Tudo isto não impede que, estando sanado o problema de acesso, não venhamos a estabelecer os contactos necessários no sentido de retomar a prática do turismo de habitação e do turismo ecológico;
h. O investimento a estas mesmas actividades, não beneficiou de qualquer tipo de subvenção e está inscrito na contabilidade, assim como estão os respectivos proveitos;
i. A 16-09-99 foi apresentado um pedido de inscrição em turismo de habitação na DGT; 
j. A 20-12-1999, uma vez que a DGT não vistoriava a unidade, escrevemos a dizer que (conforme os próprios serviços da DGT nos indicaram fazer) iniciávamos a actividade após registo nas Finanças. Recebemos carta datada de 25-05-2000 da DGT, confundindo o pedido de inscrição/vistoria com um pedido de aprovação de projecto;
k. A 31-05-2000, após falarmos com quem nos escrevera e por sugestão deste, de novo solicitámos vistoria à nossa unidade de turismo de habitação. Na altura alertaram-nos para o facto de que as vistorias/licenciamentos estavam a ocorrer com anos de atraso mas que, por o incumprimento temporal ser dos serviços da DGT, era pratica comum as unidades (já que casas de famílias) funcionarem enquanto que aguardavam ser vistoriadas... desde que devidamente inscritas nas Finanças;
l. A 31-05-2001 insistimos de novo, pela última vez, e começamos a reduzir o número de hóspedes". 
m. O sujeito passivo apresentou cópia do pedido de inscrição de 16-09-1999 e cópias das cartas enviadas à Direcção Geral de Turismo.
n. Para que qualquer entidade possa exercer a actividade de Turismo no Espaço Rural, esta tem que proceder ao pedido de autorização para o exercício dessa actividade.
o. No ano de 1999, este pedido de autorização deveria ser dirigido à Direcção Geral do Turismo, conforme estipula o art. 11° do Decreto-lei n.° 169/97 de 04-07-1997;
p. O Decreto Regulamentar n.° 37/97 de 25 de Setembro, veio estabelecer os procedimentos relativos ao pedido de autorização para as casas particulares serem utilizadas nas diferentes modalidades de turismo no espaço rural, com vista à obtenção da licença de utilização para turismo no espaço rural, bem como os requisitos mínimos das instalações e do funcionamento a que estas têm de obedecer;
q. Diz no seu art. 1° do Decreto Regulamentar n.° 37/97 que o requerimento para as casas particulares serem utilizadas para turismo no espaço rural deve ser apresentado na Direcção-Geral do Turismo ou nos órgãos regionais ou locais de turismo;
r. A licença de utilização para turismo no espaço rural é emitida pelo Director Geral do Turismo, após verificada a conformidade da obra com o projecto aprovado e o cumprimento das normas previstas no presente diploma e no Decreto- Lei n.° 169/97, de 4 de Julho.
s. Ambos os diplomas anteriormente referidos (Decreto-lei n.° 169/97 de 04-07-1997 e Decreto Regulamentar n.° 37/97 de 25 de Setembro) foram revogados com a publicação do Decreto-lei n.°54/2002 de 11 de Março;
t. No entanto, de acordo com o n.° 1 do art. 73° deste diploma, os processos pendentes na Direcção- Geral do Turismo à data da entrada em vigor do presente diploma respeitantes à autorização de abertura a que se refere o artigo 8. ° do Decreto Regulamentar n.° 37/97, de 25 de Setembro, continuam a regular-se pelo disposto naquele diploma e no Decreto-Lei n.° 169/97, de 4 de Julho, sendo a respectiva classificação regulada nos termos dos referidos diplomas;
u. O n.° 2 do art. 73° vem ressalvar que na situação prevista no n.° 1, o requerente e a Direcção-Geral do Turismo podem, de comum acordo, optar pela aplicação do regime previsto no presente diploma para a emissão do alvará de licença ou de autorização de utilização para turismo no espaço rural e para a classificação do empreendimento, devendo, nesse caso, aquela Direcção-Geral comunicar o acordo à Câmara Municipal respectiva e à Direcção Regional do Ministério da Economia territorialmente competente.
v. O sujeito passivo não apresentou a licença de utilização, de acordo com a legislação vigente à data do pedido, ou o alvará de licença ou de autorização de utilização para turismo no espaço rural, conforme refere a legislação actual, nem seria possível, uma vez que a Câmara Municipal de Alcácer do Sal informou que não foi concedido à Sociedade Agrícola E….., SA qualquer licenciamento destinado ao turismo em espaço rural (...);
w. O sujeito passivo apresentou cópia do pedido de inscrição em Turismo de Habitação do P….., efectuado em 1999, no entanto, passados mais de 8 anos, não possui licença de utilização para turismo no espaço rural;
x. O sujeito passivo não apresentou qualquer documento comprovativo de que tenha exercido esta actividade, embora tenha sido notificado para o efeito, conforme ponto 3 do anexo 1, declarando apenas que a partir de 2001 começou a reduzir o número de hóspedes.
y. Nos anos em análise, 2003 e 2006, constatou-se que o sujeito passivo não exerceu a actividade relacionada com o turismo rural,uma vez que não registou quaisquer proveitos com essa actividade.
z. Desde 1997 que o sujeito passivo tem efectuado investimentos no S….., repercutindo-os no imobilizado da sociedade e, consequentemente, nos custos da sociedade por via das amortizações efectuadas.
aa. De acordo com o art. 23° do CIRC consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
bb. Nos termos dos art. 20° do CIVA, o sujeito passivo só poderia deduzir o IVA que incidiu sobre estas aquisições, se a finalidade for a de realizar operações de transmissão de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas.
cc. Pelo anteriormente exposto, constatamos que o sujeito passivo não exerce nem pode exercer a actividade de turismo rural dado que não possui a licença exigível nos termos da lei, e esses custos não são indispensáveis para a realização dos proveitos, não sendo também de aceitar a dedução do IVA, nos termos do art. 20° do CIVA, pelo que serão corrigidos no ponto III.6. deste relatório.
vi. III.5. Conclusão
1. Do anteriormente referido podemos concluir o seguinte:
a. 1° - Os prejuízos fiscais declarados pela sociedade no exercício de 2003 e 2006, referem-se a prejuízos fiscais, apurados nos exercícios em que era tributada pelo regime de grupo de sociedades, não sendo, após abandonar esse regime, dedutíveis ao lucro tributável da sociedade.
b. 2° - O sujeito passivo contabilizou anualmente os custos relacionados com a actividade de turismo rural, apesar de não ter licença de utilização para turismo no espaço rural e de não exercer a actividade de turismo rural. De acordo com o artigo 23° do CIRC estes custos não são aceites, para efeitos fiscais, dado que não são indispensáveis para a obtenção dos proveitos;
c. 3° - Não será também aceite a dedução do IVA referente às aquisições de bens e de serviços relacionados com a actividade de turismo rural, nos termos dos art. 20° do CIVA.
vii. III.6. Correcções à matéria tributável
1. Assim, e tendo em conta o anteriormente descrito, vão efectuar-se correcções aos valores declarados pela sociedade em sede de IRC e IVA.
2. III.6.1. Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas (IRC)
Exercício 2003 2006
Lucro tributável declarado € 246.803,38 € 116.619,05
Correcções a) € 76.048,87 € 71.265,98
Lucro tributável corrigido € 322.852,25 € 187.885,03
Prejuízos Fiscais Deduzidos b) € 246.803,38 € 33.451,28
Prejuízos Fiscais Aceites € 0,00 € 0,00
Matéria Colectável Declarada € 0,00 € 83.167,77
Matéria Colectável Corrigida € 322.852,25 € 187.885,03


3. Estes valores foram alterados no âmbito dos elementos apresentados pelo sujeito passivo no direito de audição conforme descrito no ponto IX do relatório;

4. Pelo anteriormente exposto, e conforme o parágrafo 1° e 3° do ponto IX deste relatório, não se aceitam a dedução dos prejuízos fiscais nos montantes de € 246.803,38 e de € 33.451,28, em 2003 e 2006, respectivamente.
viii. III.6.2. Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA)
1. Em sede do IVA, não é aceite a dedução do IVA, no exercício de 2006, referente às seguintes aquisições de bens e serviços relacionados com o turismo habitação:
Descrição Aquisição Valor
Mobiliário Jan-06 200,00
Forno jafa Jan-06 111,57
Artigos de conforto e decoração Jan-06 822,28
TOTAL Mensal 1.133,85
Artigos de conforto e decoração Fev-06 75,00
TOTAL Mensal 75,00
Anexos S….. Jul-06 7.144,40
TOTAL Mensal 7.144,40
Sistema Panasonic sc k240 Out-06 239,00
Máquina recarregar hp 8445 Out-06 179,49
TOTAL Mensal 418,49
Máquina vapor e ferro poltiec Nov-06 429,74
Artigos de conforto e decoração Nov-06 749,23
Máquina com 3 cabeças e disjunto Nov-06 220,30
TOTAL Mensal 1.399,27
TOTAL 10.171,01


2. Assim, vai-se proceder à liquidação adicional de IVA, nos termos do art. 82° do CIVA, no seguinte montante:

Período Correcção ao IVA dedutível
0601 238,11
0602 15,75
0607 1.331,18
0610 87,88
0611 96,20
TOTAL 1.769,12


b. (...);
c. IX. DIREITO DE AUDIÇÃO - Fundamentação
i. (...);
ii. Assim, a matéria colectável de IRC será de € 322.852,25 e € 187.885,03 para os exercícios de 2003 e 2006, respectivamente, conforme descrito no ponto III do relatório. Para efeitos de IVA mantêm-se as correcções propostas no projecto de conclusões.
d. (...);
D) Em 2008.04.18, sobre este relatório, a Chefe de Divisão, por delegação do Director de Finanças (em substituição), exarou despacho: Concordo com os fundamentos de facto e de direito expressos no relatório e parecer elaborado para o efeito. Notifique-se nos termos do artigo 77° LGT e artigo 62° do RCIPT. Proceda-se em conformidade (cf. fls. 155 dos autos);
E) Este relatório foi notificado por carta registada com aviso de recepção acompanhado de ofício normalizado datado de 2008.04.18 (cf. fls. 91 do PA);


F) Em 1999.09.16, a Impugnante preencheu e entregou junto da Direcção-Geral do Turismo (DGT), requerimento a solicitar a inscrição na modalidade de hospedagem como de turismo de habitação (cf. fls. 31 a 32 dos autos);
G) Em 2000.05.31, a Impugnante solicitou junto da DGT a vistoria à unidade de turismo de habitação de nome P….. (cf. fls. 33 dos autos);
H) Em 2009.04.29, o Director de Serviços da Direcção Regional de Economia do Alentejo, deu conhecimento à Impugnante do Ofício n° …..de 2009.04.29, remetido à Direcção de Finanças de Setúbal que rectifica o Ofício n° ….. de 2008.04.10 (cf. fls. 239 dos autos), confirmando que a Impugnante requereu a vistoria através de carta de 2000.05.31 (cf. fls. 256 a 257 dos autos);
I) A sociedade P….., Lda., inscreveu a favor da Impugnante o nome de domínio internet TLD com a designação "p…...com" e desenvolveu um sítio/página internet para divulgação de turismo de habitação no P….. e programas campestres (cf. fls. 34 a 35 dos autos);
J) Este serviço foi suspenso em 2002 (id.);
K) Nos anos de 2000 e 2001 a Impugnante prestou serviços de dormidas e refeições (cf. fls. 36 a 66 dos autos);
L) No ano de 2002 foram iniciadas obras de urbanização e operação de loteamento na A….. acompanhadas de obras na restante A….. (cf. certidão emitida pela Divisão de Planeamento e Gestão Urbanística do Município de Alcácer do Sal a fls. 263 a 264 dos autos), incluindo:
a. Abertura de valas em toda a A….. para instalação de um novo sistema de esgotos, novo funcionamento de água e enterramento de cabos eléctricos aéreos;
b. Integral pavimentação de passeios e estacionamento com asfalto de todas as ruas da A….., até aí em terra;
c. Instalação de passeios e estacionamento ao longo das mesmas ruas;
d. Ajardinamento de zonas de lazer e a instalação de infra- estruturas desportivas
e. Pavimentação do acesso Norte da A….. mas a não pavimentação do acesso sul, onde se verifica um acentuado desnível (...);
f. (...);
M) No ano de 2008, a Impugnante prestou serviços relativos a jornadas de caça aos pombos e alojamento a P….., Lda. (cf. fls. 296 a 301 dos autos);
N) No ano de 2009, a Impugnante forneceu pombos bravos e serviços de alojamento a P….., Lda. (cf. fls. 302 dos autos);
O) Em 2008.05.13, foi emitida a liquidação n° ….., relativa a IVA do período de 0601, no montante de € 238,11, com data limite de pagamento de 2008.07.31 (cf. fls. 23 dos autos);
P) Em 2008.05.13, foi emitida a liquidação n° ….., relativa a IVA do período de 0607, no montante de € 1 331,18, com data limite de pagamento de 2008.07.31 (cf. fls. 24 dos autos);
Q) Em 2008.05.13, foi emitida a liquidação n° ….., relativa a IVA do período de 0610, no montante de € 87,88, com data limite de pagamento de 2008.07.31 (cf. fls. 25 dos autos);
R) Em 2008.05.13, foi emitida a liquidação n° ….., relativa a IVA do período de 0611, no montante de € 96,20, com data limite de pagamento de 2008.07.31 (cf. fls. 26 dos autos);
S) Em 2008.05.13, foi emitida a liquidação n° ….., relativa a IVA - juros compensatórios do período de 0607, no montante de € 84,76, com data limite de pagamento de 2008.07.31 (cf. fls. 27 dos autos);
T) Em 2008.07.30, a contribuinte reclamou das liquidações adicionais de IVA (cf. fls. 3 a 23 do PA junto);
U) Em 2008.09.25, a Impugnante exerceu o direito de audição prévia por escrito, sobre o projecto de indeferimento da reclamação graciosa apresentada (cf. fls. 155 a 165 do PA junto);
V) Por despacho do Chefe de Finanças de 2008.11.12, o pedido foi indeferido (cf. fls. 177 do PA); deste despacho transcreve-se:
a. Indefiro o pedido, nos termos propostos na informação;
b. Notifique;
c. Procedimentos e averbamentos necessários;
d. [Local, data e assinatura];
W) Da informação elaborada em 2008.09.08, constante de fls. 151 a 154 do PA, e que aqui se dá por integralmente reproduzida, transcreve-se:
a. (...);
b. 4.4 - Para que qualquer entidade possa exercer a actividade de turismo rural, esta tem que proceder ao pedido de autorização para o exercício da actividade;
c. O sujeito passivo não apresentou a licença de utilização, de acordo coma legislação vigente a data do pedido, ou o alvará de licença ou de autorização de utilização para turismo no espaço rural conforme refere a legislação actual;
d. 4.5 - O sujeito passivo apresentou cópia do pedido de inscrição em Turismo de Habitação do P….., efectuado em 1999, no entanto, não possui licença de utilização para turismo no espaço rural;
e. 4.6 - Embora notificado para o efeito o sujeito passivo não apresentou qualquer documento comprovativo de que tenha exercido essa actividade, pelo que se constatou que o sujeito passivo não exerceu naqueles anos a actividade relacionada com o turismo rural, em virtude não se ter registado quaisquer proveitos com essa actividade;
f. 4.7 - Desde 1997 que o sujeito tem efectuado investimentos no S….., repercutindo-os no imobilizado da sociedade e, consequentemente, nos custos da sociedade por via das amortizações efectuadas;
g. De acordo com o artigo 23° CIRC consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora;
h. Nos termos do artigo 20° do CIVA o sujeito passivo só poderia deduzir o IVA que incidiu sobre estas aquisições, se a finalidade for a de realizar operações de transmissão de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas;
i. Nestes termos, constata-se que nos exercícios de 2003 a 2006 o contribuinte não exerceu a actividade de turismo rural este período;
j. Segundo alega a reclamante o imóvel serve de escritório de onde é gerida a actividade da reclamante e de habitação do administrador da sociedade e família, não prova indubitavelmente que os bens adquiridos sejam utilizados no exercício da actividade, pelo que, salvo melhor opinião o pedido deverá ser indeferido, nos termos do artigo 20/1.a) do CIVA;
k. (...);
X) O indeferimento da reclamação graciosa foi comunicado por carta registada com aviso de recepção assinado em 2008.11.13 (cf. fls. 181 a 182 do PA);
Y) Em 2008.11.28, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, deu entrada a presente impugnação (cf. fls. 2 dos autos).
b) Factos não provados
Com interesse para a decisão da causa não se provaram outros factos.
IV - Motivação da decisão de facto
A decisão da matéria de facto, consonante ao que acima ficou exposto, efectuou-se com base nos documentos e informações constantes do processo.”
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Fundamentação de Direito na 1ªInstância
“Questões que cumpre solucionar
Se a Impugnante, no ano de 2006, pode deduzir o imposto que tenha incidido sobre a aquisição de bens ou serviços relativos à actividade de turismo de habitação, o que equivale a responder à questão sobre se a Administração Tributária pode desconsiderar custos relativos à actividade secundária ou acessória de turismo de habitação.
VI - Motivação de Direito
Nos termos do artigo 20° CIVA, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n° 31/2001, de 08.02, só poderá deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo, para a realização das transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas [artigo 20/1.a) CIVA]. Esta a sede normativa da decisão da causa.
Seguiremos de perto o já decido no processo n° 418/08.2BEBJA, em que veio impugnada a liquidação adicional de IRC do exercício de 2006, decisão que pende sob recurso.
Contudo, na causa anterior, foram arroladas testemunhas que depuseram sobre factos dados como provados, mas insignificantes para o juízo a fazer, agora.
Argumenta a Impugnante, não caberem as correcções técnicas efectuadas, porque dirigidas a motivos que, no entanto, incorporam custos efectivos.
É a questão da desconsideração dos custos, relativos à actividade de turismo de habitação no P…..
Vejamos:
São custos as despesas efectuadas, desde que comprovadamente indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
A doutrina aponta três requisitos para estes serem desconsiderados: (a) não comprovação; (b) dispensabilidade; (c) irrelevância com os ganhos sujeitos a imposto.
Em primeira linha não serão dedutíveis, para efeitos fiscais, os encargos não devidamente documentados.
No caso em apreço e conforme resulta do relatório da fiscalização, não vem questionado que os custos aqui em causa não estejam comprovados documentalmente.
Indispensabilidade, depois, sendo conceito indeterminado, tem sido preenchido pela jurisprudência casuisticamente.
Mas a própria noção de custo não é objecto de uma definição pela lei fiscal, que nos remete para a noção económica, habitualmente adoptada.
Antes de mais, é de notar que com o CIRC desapareceu, a margem de discricionariedade de que gozava a Administração Tributária ao tempo da contribuição industrial, cujo respectivo Código continha, no seu artigo 26°, a possibilidade de rejeição da dedutibilidade dos custos que ultrapassassem os «limites tidos como razoáveis pela Direcção-Geral das Contribuições e Impostos».
Actualmente, à luz do vigente CIRC, constitui um custo indispensável o gasto que a própria lei imponha.
A Administração Fiscal optou pelo critério mais limitativo - o da necessidade, que tende a só considerar dedutíveis os gastos sem os quais os proveitos não poderiam ser obtidos.
A questão colocada ao juízo do tribunal passa, pois, pela apreciação da alegada indispensabilidade de tais custos para a realização dos proveitos sujeitos a imposto, sendo que o referido artigo 23° do CIRC enuncia, exemplificativamente, nas suas diversas alíneas, várias categorias concretas de encargos dedutíveis. Porém, da necessidade de comprovação da indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto, resulta claro que a lei só contempla os encargos que sejam determinantes para aquele fim.
Vejamos, pois, o último daqueles requisitos, a relação com os ganhos sujeitos a imposto: quid cuja autonomia relativa é duvidosa, mas que é o tema questionado no acto sob crítica.
A doutrina e a jurisprudência, porém, vão em sentido contrário: a indispensabilidade a que se refere o art. 23° do CIRC como condição para que um custo seja dedutível não se refere à necessidade (a despesa como uma condição sine qua non dos proveitos), nem sequer à conveniência (a despesa como conveniente para a organização empresarial), sob pena de intolerável intromissão da Administração Tributária na autonomia e na liberdade de gestão do contribuinte, mas exige, tão-só, uma relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, em ordem, directa ou indirectamente, à obtenção de lucros.
No limite, a adopção daquele conceito de indispensabilidade levaria a que nunca se aceitaria a dedutibilidade dos custos conexos com negócios que se revelassem ruinosos para empresa dada a ausência (ou insuficiência) dos proveitos decorrentes .
Levaria também à admissibilidade de juízos críticos formulados a posteriori pela Administração Fiscal, por censura da política concreta de gestão empreendida, com a consequente valorização sob um crivo póstumo de elementos que não existiam ou (ou não eram evidentes) aquando da tomada da decisão .
A noção legal de indispensabilidade tem assim de colocar-se numa perspectiva económico-empresarial, por preenchimento directo ou indirecto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro.
A regra é que as despesas correctamente contabilizadas sejam custos fiscais; o critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador, não para permitir à Administração intrometer-se na gestão da empresa, ditando como deve ela aplicar os seus meios, mas para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da actividade da empresa, foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios.
Assim, o juízo sobre a oportunidade e conveniência dos gastos é exclusivo do empresário, e todo o gasto que contabilize como custo mas que se mostre estranho ao fim da empresa já não é custo fiscal, porque não é indispensável.
Entendemos, pois, que são custos fiscalmente dedutíveis todas as despesas que se relacionem directamente com o processo produtivo, designadamente, com a aquisição de factores de produção, como é, por exemplo, o caso do trabalho.
Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo. Este desiderato aproxima, de forma propositada, as categorias económicas e fiscais, através de uma interpretação primordialmente lógica e económica da causalidade legal. O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção de ingressos e que represente um decaimento económico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade da empresa. E fora do conceito de indispensabilidade ficarão apenas os actos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro.
Neste sentido: a solução acolhida entre nós (pelo menos na doutrina), na esteira dos entendimentos propugnados pela doutrina italiana, tem sido a de interpretar a indispensabilidade em função do objecto societário», que esta exigência da indispensabilidade dos custos para a realização dos proveitos ou manutenção da fonte produtora se encontrava «inicialmente associada a uma condição de "razoabilidade" (artigo 26° do CCI) e que se é certo que a "razoabilidade" está presente em algumas disposições do CIRC, de forma expressa (23°), ... deixou de ser tolerável a sua utilização como fundamento para limitar quantitativamente os encargos incorridos pelos sujeitos passivos. O problema é que o Fisco tem vindo a utilizar a indispensabilidade para precludir que determinados gastos, por si valorados como excessivos ou inapropriados, possam ser acolhidos pelo balanço fiscal. Talvez por isso se note na doutrina uma propensão para uma interpretação ampla do termo, recusando qualquer leitura do mesmo que pressuponha ou contemporize com juízos subjectivos do controlador público sobre a bondade da gestão empreendida (...).
A indispensabilidade deve assim ser aferida a partir de um juízo positivo da subsunção na actividade societária, o qual, por natureza, não deve ser sindicado pelo Direito Fiscal.
Foi o que não sucedeu no caso vertente, por parte da Administração Fiscal, segundo os critérios que utilizou na correcção à liquidação impugnada.
Em suma: em sede de impugnação de IRC do exercício de 2006, considerámos que os custos relativos à actividade de turismo de habitação eram dedutíveis.
Em sede de IVA, a Administração Tributaria ancora a não dedutibilidade do IVA suportado em três argumentos: na falta de licenciamento para o exercício da actividade de turismo rural, em o local servir de escritório da sociedade e residência do administrador e não ter exercido no ano em análise a actividade secundária de turismo de habitação.
Quanto ao segundo argumento, seguiremos a doutrina vertida no Ac. STA, 2a Secção, de 2012.01.12, no Proc n° 0613/11 (Relator: Conselheiro Lino Ribeiro) , no sentido de não ser possível distinguir, nas despesas de investimento feitas na remodelação do imóvel para o exercício daquela actividade, entre despesas que conferem direito à dedução, as afectadas exclusivamente ao alojamento turístico, e despesas que não conferem direito à dedução, as realizadas exclusivamente na residência habitual do dono do imóvel.
Aliás, a Administração Tributária no seu relatório não alega nem elenca quaisquer factos no sentido de os gastos o terem sido na residência do administrador da sociedade, limitando-se a referir que o mesmo lá tem residência e que a sociedade lá tem escritório.
Não nega a Impugnante não ter tido proventos da actividade no ano em questão (2006), mas comprovou ter exercido a actividade de turismo de habitação em anos anteriores e pretender retomar a actividade logo que terminem as obras de saneamento básico na A….. e que impedem o acesso à propriedade.
As facturas foram passadas sob a forma legal e as despesas cabem dentro da actividade económica e objecto social da Impugnante: turismo de habitação.
Em todo o caso, mesmo que estivéssemos perante custos de uma actividade que a Impugnante pretendesse implementar no futuro, ainda assim as despesas seriam dedutíveis.
É certo que a actividade não foi ainda licenciada pela entidade administrativa competente, apesar de requerido esse licenciamento.
Contudo, o dever de pagar impostos verifica-se com a ocorrência do facto tributário independentemente de a actividade estar ou não licenciada, e mesmo no caso de se tratar das "sociedades de facto" que não estejam legalmente constituídas (sociedades irregulares): verifica-se, ainda assim o dever legal de pagar impostos.
Assim, independentemente de não estar ainda licenciada para o exercício da actividade - e embora tenha requerido o licenciamento - não vemos razão para a sociedade não liquidar IVA acaso preste serviços de turismo de habitação e correspectivamente de deduzir custos suportados na actividade.
Sendo certo que a própria Câmara Municipal atesta que as obras de pavimentação do acesso que serve e sempre serviu a unidade de turismo de habitação iniciadas em 2002 ainda não estavam terminadas em 2009.
Por conseguinte, assiste razão à Impugnante.
Na parte final da petição, a Impugnante solicita indemnização pela prestação de garantia.


Não foram, porém juntos os elementos que permitem aferir dos prejuízos resultantes da sua prestação: não comprovou qual o montante em concreto ou líquido dos custos suportados.
Assim, a condenação da Fazenda Pública terá de ficar para execução de sentença [artigo 661/2 CPC, aplicável ex vi artigo 2.e) CPPT].
VII - Dispositivo
Em face do exposto, vistos os artigos de lei citados, julgo procedente a impugnação deduzida por Sociedade Agrícola E….., SA, e anulo as liquidações de IVA impugnadas.”
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Vejamos, então, se a dita sentença padece dos mencionados vícios de erro de julgamento , começando pelo respeitante à consideração dos custos da recorrida, que julgou como tendo sido entendido de forma restrita pelo recorrente por se limitar a um critério da necessidade dos mesmos, e por não haver o Tribunal “A Quo” atendido à sua não aceitação em razão do critério da sua indispensabilidade quando aferida pela sua relação directa com a actividade da empresa ou com o processo produtivo- Cfr conclusões I a III, do requerimento recursivo.
Vejamos então:
A análise efectuada pelo Tribunal “A Quo”, na fundamentação de direito da decisão revinda , efectivamente procede a uma análise exaustiva da actividade da recorrida, na vertente dos chamados “fluxos reais” de bens e serviços na óptica económica da empresa, quanto aos encargos e gastos despendidos na produção dos bens e prestações de serviços por si realizados. Ora,
Tal perspectiva de relevação dos factos patrimoniais ocorridos na actividade da recorrida quanto às compras e produção de bens e serviços, tem especial impacto no apuramento dos resultados contabilísticos e tributários em sede de imposto sobre o rendimento. Tratando-se, no presente caso, de um imposto geral sobre o consumo, não se encontrando este tribunal de recurso sujeito às alegações de direito do recorrente, cabendo-lhe a si a interpretação jurídica dos factos apurados e não impugnados em sede recursiva ( cfr nº3, do artº 5º, do CPC), conclui-se que, nos presentes autos importa sobretudo, analisar o tributo atendendo ao seu carácter plurifásico, mas não cumulativo, tal significando que ter-se-á de analisar a questão posta sobre o ponto de vista do conjunto das operações ( de compras e vendas) nas relações que o recorrido estabeleceu com o exterior durante o respectivo desenvolvimento do processo de produção e distribuição pelos respectivos “… operadores económicos que se sucedem ao longo de um circuito…”, como bem refere o Ilte Jurisconsulto Emanuel Vidal Lima, in “Código do IVA-comentado, anotado e actualizado”, 5ª ed. 1989, pags 29. Nessa senda, importa esclarecer o seguinte,
Tendo cada operador, que se enquadre nas regras de sujeição a imposto nos seus “outputs” e que não efectue operações isentas do mesmo, terá de proceder a liquidação de imposto pelas vendas que efectua no âmbito do território nacional, ao qual deduzirá o imposto suportado a montante nas suas compras (inputs) . Assim,
Sendo então tal regra básica dos ditos efeitos não cumulativos do tributo, tal significa que o mesmo opera segundo o método de subtracção ao total do imposto devido pelas operações efectuadas a jusante, do total do imposto devido pelas operações efectuadas a montante, como melhor resulta do disposto nos artºs 19º e segs, do CIVA, pelo que temos então o seguinte quadro:
Por princípio o direito à dedução é total quanto ao imposto suportado nas aquisições de bens e serviços relacionados com a actividade da empresa. Por outo lado, importa considerar que só conferem o direito à dedução do imposto se os mesmos forem utilizados para os fins das suas operações tributáveis.- cfr alínea a), do nº1, do artº 20º do CIVA, o qual tem a sua base comunitária no artº 17º, nº 2, alínea a), da 6ª Directiva, na redacção dada pelo nº 22, do artº 1º (artº 28º-F,nº 1), da Directiva 91/680/CEE, de 16.12. Portanto, tal significa que,
As operações tributáveis a que se referem tais preceitos legais compreendem então os casos em que “…se dá a aplicação efectiva do imposto nas operações activas, se torna possível a dedução do imposto incorrido nas operações passivas..”, nas palavras do Ilte Jurista Sérgio Vasques”, in “ O Imposto Sobre o Valor Acrescentado”, Setembro de 2015, Almedina. De resto,
Como igualmente refere o autor supra citado, o sistema europeu do imposto não fixa aprioristicamente , limitações quanto aos bens e serviços susceptiveis de gerar o direito à dedução do tributo (se bem que no caso português se encontra tal limitação ao abrigo do disposto no artº 21º, do CIVA), pelo que tal faculdade legal abrange igualmente os bens de investimento.- cfr fls 332 e segs e fls 337, da mesma obra.
Realce-se ainda que a novel directiva do IVA (Directiva nº 2006/112), veio inclusive alargar o direito à dedução do imposto incorrido nas operações de autoconsumo interno dos bens e serviços pelos s.p., como melhor resulta do disposto na alínea b), do artº 168º da Directiva. Assim sendo,
Importa agora subsumir aos factos apurados na sentença, as soluções das questões do direito substantivo controvertidas nos autos e em sede recursiva, que permitam retirar as ilações pertinentes sobre os alegados vícios do acto tributário e da pretensa validade dos mesmos ora invocada pelo recorrente.-cfr conclusão IV do recurso.
Nessa sede dir-se-á que, tendo-se apurado que a entidade inspecionada suportou os inerentes encargos relativos a determinados bens do seu activo imobilizado ( no caso, obras do imóvel edificado), que se traduzem em bens de investimento ( os chamados activos fixos tangíveis), sendo também inquestionável, por não impugnado pelo recorrente, que aí exerceu algumas actividades no âmbito de serviços de hotelaria e similares e outras prestações de serviços complementares ( cfr ponto K, do probatório), não se limitando a sentença sub Júdice a considerar como se bastando com o objecto societário da empresa ( ponto A), tendo inclusive apurado outros factos instrumentais ao abrigo do disposto na alínea a), do nº2, do artº 5º, do CPC, ( cfr pontos L.M e N, do probatório), para concluir, quer pela sua finalidade para as ditas operações tributáveis, quer para serem incorporados nos seus bens de investimento, sendo certo que a circunstância de o recorrido não haver obtido o necessário autorização para o efeito e não ter praticado no ano em causa, qualquer actividade nesse âmbito, não releva de todo para a desconsideração do imposto assim suportado para efeitos do exercício do direito de dedução (De resto, e a corroborar essa esteira de entendimento O TJUE, tem entendido que no âmbito das actividades preparatórias, não é exigível que a atividade do sujeito passivo tenha já começado para se poder deduzir o IVA respetivo entretanto incorrido nos atos de preparação. Com efeito, a dedução do IVA de encargos suportados com intenção confirmada por elementos objetivos de os destinar ao desenvolvimento de uma atividade económica, não obstante ainda não se ter concretizado o exercício efetivo de transmissões de bens ou de prestações de serviços que venham a constituir o objeto social da entidade, mesmo que tal não venha efetivamente a concretizar-se [Acórdão Rompelman, Recueil, Proc. C-268/83, de 14.02.1985; Acórdão Lennartz, Proc. C-97/90, de 11 de julho de 1991; Acórdão Inzo, Proc. C-110/94, de 29 de fevereiro de 1996, Acórdão Gabalfrisa, Procs. apensos C-110/98 a C-147/98, de 21 de março de 2000. Acórdão, Klub Ood, Proc. C-153/11, de 22 de março de 2011.] , seja porque tal faculdade legal não tem tal pressuposto temporal quanto às operações tributáveis a que se destinam, seja porque em matéria tributária prevalece sempre o principio da prevalência da substância sobre a forma, sendo que a falta da observância da forma dos negócios jurídicos não prejudica a tributação em caso de verificação dos respectivos factos tributários previstos nas respectivas normas de incidência- cfr nº 1, do artº 38º, da LGT.
Assim,
Apenas resta considerar como ilegal a correcção do imposto dedutível apurado pelo recorrido, por vício de erro sobre os pressupostos de facto e de direito do acto tributário, assim confirmando o acerto do decidido em 1ª instância, ainda que com os presentes fundamentos.
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Dispositivo
Nos termos expostos vai recusada a pretensão recursiva, e confirmada a decisão proferida pelo Tribunal recorrido, que se mantém na ordem jurídica, com fundamento nas razões ora tecidas.
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Custas pela recorrente.
Notifique.
[O relator consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Senhores Desembargadores Mário Rebelo e Patrícia Manuel Pires ]